RELAÇÕES DE TRABALHO NA AGRICULTURA: COMPARAÇÕES ENTRE AS CULTURAS DE CAFÉ E CANA-DEAÇÚCAR EM SÃO SEBASTIÃO DO PARAÍSO/MG Francielly Naves Fagundes1 e Ana Rute do Vale2 [email protected], [email protected] 1 Discente 2 Docente do curso de Geografia da UNIFAL-MG do curso de Geografia da UNIFAL-MG Palavras chaves: Relações de trabalho; Cafeicultura; Cana-de-açúcar. Introdução As atividades humanas, os setores da sociedade, em especial no nosso estudo, a agricultura vem sofrendo nos últimos tempos processos de transformações bastante significativos. A questão do campo, suas particularidades, a escolha das áreas, as condições nas quais os trabalhadores são submetidos e sua respectiva produção agrícola, são temáticas importantes nos estudos dentro da Geografia Agrária. O município mineiro de São Sebastião do Paraíso (que está na divisa com o estado de São Paulo, nas proximidades da cidade paulista Ribeirão Preto, principal pólo sucroalcooleiro do país), faz parte de região que se enquadra na área de expansão da cana-de-açúcar. Economicamente na mesorregião do Sul/Sudoeste de Minas Gerais sempre se destacou a cafeicultura, que foi inserida na região na década de 1850 e muitos municípios surgiram a partir das grandes fazendas. São extensas áreas plantadas e com expressivas cooperativas de beneficiamento, bem como utilização de grande parte de mão-de-obra, sobretudo na colheita do café. Por sua vez, essa regionalização característica do cultivo do café, vem sendo alterada, adquirindo, portanto, um novo perfil, pois a cultura da cana-de-açúcar traz uma maneira de tratamento diferente em relação aos trabalhadores, principalmente com relação às condições no trabalho, em geral, superexplorada pelo agronegócio sucroalcooleiro. Uma dessas manifestações da expansão canavieira foi à implantação no município de São Sebastião do Paraíso de uma filial da usina da produtora de açúcar e álcool do grupo transnacional Infinity Bio-Energy Brasil. Instalada no município no ano de 2008, a Infinity era voltada para a fabricação do etanol a partir da cana-deaçúcar, gerava empregos diretos e indiretos. Na colheita eram contratados trabalhadores oriundos, principalmente do Nordeste e Norte de Minas. Todavia essa usina deixou de funcionar no mês de julho de 2011. Fundamentação teórica O processo de modernização da agricultura no Brasil começou no pós-guerra, com sucessivos momentos marcantes na década de 1960 e 1970, coincidindo, com a fase da chamada Revolução Verde e do período de constituição dos chamados complexos agroindustriais. Segundo Martine (1987, p.10), a Revolução Verde foi um pacote tecnológico, “composto por sementes melhoradas, mecanização, insumos químicos e biológicos”, que “prometia viabilizar a modernização de qualquer país, acelerando a produção agrícola através de sua padronização em bases industriais”. Todavia, o autor ressalta a existência de um “abismo tecnológico” separando a agricultura dos países desenvolvidos dos subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil. Mesmo assim, essas técnicas modernas foram sendo aplicadas no país e, atualmente, vão de encontro aos interesses do grande capital, do agronegócio nacional (FAJARDO, 2008). Quanto á formação do complexo agroindustrial, esse seria uma das principais consequências neste processo de modernização agrícola, revelando melhorias e avanços na produtividade com a ajuda da tecnologia. A partir destas transformações recentes na agricultura e a integração entre este setor com a indústria, difundiu-se o termo Complexo Agroindustrial (CAI). Segundo Medeiros (1995 p.49) a origem da conceituação Complexo Agroindustrial é atribuída aos estudos de Perroux (1960, 1967) e Hirschman (1960) que apresentavam uma visão de desenvolvimento econômico como fator determinante nas circunstâncias de cada região, que as condicionavam ou não como centro ou periferia. Em termos de regionalização no Sul de Minas, mesorregião onde se encontra nosso município de estudo, o café é a principal atividade econômica em decorrência do grande número de produtores (principalmente pequenos e médios), das vastas áreas na região com plantações de café, da grande quantidade produzida, e dos variados empregos indiretos Para atingir um nível competitivo globalmente o agronegócio do café na região precisou-se modernizar, levando a consolidação de um complexo agroindustrial do café com parcerias com os produtores, com as fornecedoras de insumos de maneira geral (adubos, fertilizantes e nutrientes para o solo), e principalmente com a rede industrial, a indústria transformadora da matériaprima. Com relação à mão-de-obra utilizada na cafeicultura no Sul/Sudoeste de Minas, a maior parte é contratada no período da safra, sobretudo na colheita. São os chamados apanhadores de café e suas origens podem ser as mais variadas: nas unidades de produção familiar podem ser tanto os membros da família, quanto os vizinhos (troca de dias de trabalho ou assalariados da comunidade, em geral apenas quando membros da família não são suficientes); nas propriedades médias os assalariados são predominantes e podem ser da região ou de fora dela, geralmente do Norte do Paraná, Norte de Minas e da Bahia (nesse caso, contratados pelos “gatos” em sua região de origem); e, por fim, mas grandes propriedades o trabalho assalariado predomina praticamente em todas as fases do ciclo produtivo do café” (COALIZÃO DO CAFÉ et al., 2004). Um importante Complexo Agroindustrial da dinâmica econômica atual em termos nacionais e globais é o canavieiro que nos últimos tempos cresceu principalmente devido à grande demanda por combustíveis alternativos (bicombustível). A atividade canavieira é consolidada no estado de São Paulo desde o século passado, por sua vez, ela vem se expandindo nos últimos anos para muitos estados como Minas Gerais. O sul de minas é uma área estratégica de expansão devido à proximidade com o estado de São Paulo a facilidade de escoamento e conexão da produção agrícola. Objetivos Nosso trabalho pretende compreender a nova dinâmica agrícola do município de São Sebastião do Paraíso, a partir da expansão da cana-de-açúcar sobre a cultura cafeeira, estabelecendo uma comparação entre as condições de trabalho do complexo agroindustrial sucroalcooleiro com os do cafeeiro. Metodologia Para o desenvolvimento desse trabalho utilizamos como metodologia: a) levantamento e revisão bibliográfica: livros, artigos e teses relacionados à teoria da geografia agrária e expansão da cana-de-açúcar no Brasil e Sul de Minas. b) Coleta de dados secundários: Prefeitura Municipal de São Sebastião do Paraíso (MG), representante do sindicato dos trabalhadores rurais e dados no site do IBGE. Resultados parciais Como cultura tradicional do município de São Sebastião do Paraíso o café ainda continua em expansão, mas a cana-de-açúcar (lavoura temporária) que até o ano 2005 era pouco expressiva, a partir de 2008 tende a aumentar principalmente sua quantidade produzida coincidentemente com o ano da chegada da usina Infinity BioEnergy Brasil, segundo dados do IBGE. Tabela 1: Produção em toneladas da cultura do café (lavoura permanente) e da canade-açúcar (lavoura temporária) no município de São Sebastião do Paraíso (MG) entre 2000 e 2010. Ano Produção (toneladas) Café Cana-deaçúcar 2000 17.280 24.000 2001 14.746 24.000 2002 19.320 28.000 2003 5.670 28.000 2004 13.770 28.000 2005 9.360 70.000 2006 18.630 160.000 2007 7.387 200.000 2008 17.347 240.000 2009 9.048 240.000 2010 15.696 800.000 Fonte: IBGE 2010 (www.sidra.ibge.gov.br). Tabela 2: Área plantada da cultura do café (lavoura permanente) e da cana-de-açúcar (lavoura temporária) no município de São Sebastião do Paraíso (MG) entre 2000 e 2010. Ano Área plantada (hectares) Café Cana-deaçúcar 2000 12.000 400 2001 12.800 400 2002 14.000 400 2003 13.500 400 2004 13.500 400 2005 13.000 1.000 2006 13.500 2.000 2007 10.260 2.000 2008 10.400 3.000 2009 10.400 3.000 2010 10.900 10.000 Fonte: IBGE 2010 (www.sidra.ibge.gov.br). Além disso, a chegada da usina alavancou os fluxos de migração de nordestinos no município, pois nas épocas de safra, 95 % da mão-de-obra no setor do plantio e do corte da cana-de-açúcar são imigrantes, segundo um representante do sindicato dos trabalhadores rurais do município, diferentemente do cultivo do café, que traz empregos para a demanda interna do município e da região. Sobre as condições de trabalho de maneira geral, a natureza do trabalho no corte cana-de-açúcar é mais desumana, mas, por outro lado, a fiscalização muitas vezes é mais intensa do que no processo de cultivo de café, por exemplo, (a fiscalização, por exemplo, nos alojamentos dos trabalhadores do corte da cana-deaçúcar é ativa, levando as usinas a não terem mais formalmente alojamentos sobre a sua responsabilidade). A usina de São Sebastião do Paraíso quando ainda estava em funcionamento foi proibida de montar um alojamento, pois a fiscalização multou várias vezes os existentes. Já com relação ao café, ocorre o contrário, as condições de trabalho na época da colheita não são tão desumanas, mas ainda existem alojamentos, que em sua maioria também apresentam péssimas condições de higienes e acomodações, levando muito dos trabalhadores a dormir em armazéns e próximos de lugares mal-cheirosos e frios da fazenda. Somando os resultados que a usina cobra, como a produtividade diária excessiva, roupas precárias, pouca água, sol escaldante, falta de tempo e desgaste excessivo os problemas de saúde na época da safra são recorrentes. Os usineiros ainda usam contratos de emprego, que não trazem vantagens, e a muitas vezes nem os direitos reservados aos trabalhadores por lei (contratos por prazo indeterminado ou contratos apenas por período de experiência, trazendo consigo mínimas garantias a favor dos cortadores de cana). Portanto, constatou-se se com a pesquisa no Sindicato dos Trabalhadores Rurais que os riscos a saúde de um trabalhador da colheita do café, são mínimos, baixos comparados a um trabalhador do corte da cana-de-açúcar. Referências ALVES, F. Migrantes: Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial Sucroalcooleiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. AZANHA, M. F. O mercado de trabalho da agroindústria canavieira: desafios e oportunidades. Economia Aplicada. São Paulo, v. 11, n. 4, p. 605-619, Out.Dez./2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ecoa/v11n4/08.pdf CARVALHO, H. M. Impactos econômicos, sociais e ambientais devido à expansão da oferta do etanol no Brasil. Disponível em: http://www4.fct.unesp.br/thomaz/Posgraduacao-Dourados/impactos.pdf COALIZÃO DO CAFÉ et al. (Org.) Café: Vida, Produção e Trabalho - Agricultores Familiares e Assalariados Rurais. Florianópoils: Instituto Observatório Social, 2004. 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