ENTREVISTA CARLOS LOPEZ CANO VIEIRA docente da Universidade Algarve e conferencista texto ALEXANDRE PAULO fotos SARA MATOS “Onde existe imaginação, nada é definitivo” 34 DELTA MAGAZINE JANEIRO/MARÇO’13 ENTREVISTA CARLOS LOPEZ CANO VIEIRA Carlos Lopez Cano Vieira é conferencista e docente universitário na Universidade do Algarve e tem-se afirmado como um dos agentes mais ativos da região que escolheu para viver, ao fazer a ponte entre Portugal, Espanha e a América Latina em diversas missões empresariais e institucionais. Nascido em Lima, é em português com toque latino que se exprime e aborda alguns dos principais temas da atualidade. Com a visão própria de que veio do outro lado do Oceano Pacífico. Delta Magazine - Como é que chegou a Portugal há 20 anos atrás e por cá ficou? Carlos Vieira - Deixei o Peru para ir para os Estados Unidos da América e foi aí que, em 1991, que conheci a minha esposa, que é portuguesa. Por isso vim para Portugal. Tenho dois filhos portugueses. E pode ver-se pelo meu apelido que tenho também origens portuguesas, já que o meu avô era da zona de Vieira do Minho, assim como origens espanhola, italiana e peruana. DM - Escolheu Portugal para viver e para trabalhar… CV - Desenvolvi a minha formação nas áreas da Gestão, Economia e Sociologia. Passei por todas essas experiências cognitivas. Uma das minhas paixões sempre foi a docência. Não é simplesmente uma transmissão de conhecimentos. É ir ao encontro de sensibilidades. Sempre tive como linha de orientação o contato com as pessoas e através dele vou encontrando os estímulos para ter ideias. Hoje, mais que nunca, as pessoas têm de ter utopia. Agora é importante que a cada dia se tentem concretizar esses sonhos. Ter sonhos significa ter iniciativas, não se pode deixar de sonhar. DM - Como vê a crise em Portugal e na Europa? É uma crise de valores ou puramente económica? CV - Não se pode dizer que esta crise não tem que ver com recursos materiais. Mas também está a ser alimentada pela ausência de princípios e valores. Uma crise é como estar no meio de uma tormenta e, nessas alturas, não pode haver lugar para o desespero, o importante é a determinação para sair do meio dessa tormenta. Quando as pessoas têm uma filosofia de vida baseada em valores sabem que os recursos mais importantes não são os externos. Quando a existência é equilibrada, tudo o resto se consegue com esforço e determinação, cooperando e encontrado alianças. Portugal é um país maravilhoso, mas ainda muito mergulhado numa cultura da divisão. Cada um é dono do seu quintal. Portugal tem um capital humano rico, mas falta repensar-se e ir ao encontro de valores sustentáveis. Esta crise é e não é económica, é uma crise de confiança, uma crise de identidades, é importante recuperar uma filosofia de vida para ver o mundo de uma outra maneira. DELTA MAGAZINE JANEIRO/MARÇO’13 35 DM - Durantes estas duas décadas que está em Portugal, como vê a mudança das empresas e economia portuguesas? CV - Quando se fala de mudança em Portugal, é um conceito complicado, receado e rejeitado. Aprendi que o melhor momento para mudar é quando as coisas correm bem. Mas em Portugal muda-se quando as coisas correm mal. O padrão competitivo hoje é diferente. Ser competitivo não significa fazer bem ou ser-se excelente. Mas fazer sempre melhor. Por isso a mudança tem ser algo que é interiorizado. E tem de se estar permanentemente a superar o que já se fez. Mas as pessoas tendem a cair em conformismos e, se algo está bem, ficamse por aí. O que é um problema. Há que haver uma cultura de superação. Nada, por mais excelente que seja, tem de ficar do mesmo modo. A própria Natureza ensina-nos o valor da mudança e da renovação. Quando caem as folhas de uma árvore, significa que está a renovar-se. Muitas vezes mudamos quando já deixámos passar o tempo e estamos numa situação agonizante. Comecemos a pensar a nossa condição humana como seres de evolução. DM - Este abraçar da mudança está também a motivar o estreitar das relações de negócio com os países da América Latina? CV - Efetivamente. Quando cheguei a Portugal, os países da América Latina eram olhados com um certo desdém. O que me fez pensar que podemos ter uma ignorância latente gerada pelo desconhecimento. Na América Latina, o sofrimento foi uma alavanca de superação. A região passou por várias crises e as pessoas tiveram sempre de pé. Um latino-americano se não tem trabalho, tem de o inventar. Por isso, os níveis de empreendedorismo na região são muito altos. DM - Temos o exemplo da Argentina… CV - Sim. A Argentina passou por uma situação muito dura. Mas os cidadãos juntaram-se, o capital social saiu na frente. Não havia moeda mas trocavamse bens. O valor de uma pessoa não se mede pelo que tem na algibeira, mas pelo que leva no espírito. Em Portugal é preciso uma mentalidade de integração que permita gerar sinergias criativas, temos que aprender a remar na mesma direção, a embarcação é o país que está sem rumo, todos temos que nos juntar para ter um propósito comum de orientação. DM – Será que é preciso uma nova linguagem para mudar o mundo? CV - Reinventar-se a partir da língua, traduzindo optimismo e uma linguagem de renovação fundamental. O futuro é um esforço que depende da intenção e de um processo inteligente que introduza emoção e prazer nas acções. Rigor, disciplina, interesse, intenção, dedicação, prazer pelo que se faz, tudo isso são valores de atitude que têm de ser recuperados numa linguagem forte e gravitacional. A linguagem de pobreza, descrença, negativismo, pessimismo, injustiça tem que ser superado. A linguagem é fundamental, porque é uma ponte que nos leva a definir as coisas. Temos que gerar um clima de atitudes positivas através de uma linguagem renovada que transmita as bases de uma confiança essencial nas pessoas, nas organizações e na sociedade em geral. 36 DELTA MAGAZINE JANEIRO/MARÇO’13 DM - Como analisa, nas várias missões em que colabora como consultor, este interesse de colaboração entre as empresas portuguesas, espanholas e peruanas? CV - Tenho cada vez mais contactos de empresas portuguesas e espanholas, mas também do Luxemburgo e Angola, para que lhes faça a ponte com o Peru. A situação económica potenciou a descoberta de novos mercados. Portugal conhece o mercado brasileiro e dos PALOP’s, mas não tem tradição com os outros países da América Latina, para os quais agora está mais atento. Neste momento, o Peru é o país da América Latina mais atrativo em termos de investimento. Pelo que as empresas que tenham interesse de negócios na América Latina nomeadamente Peru podem me contatar, estou a divulgar também Portugal no Peru para trazer grupos de empresários do Peru para descobrir um Portugal de oportunidades. ENTREVISTA CARLOS LOPEZ CANO VIEIRA DM - Todas estas mudanças económicas e de mentalidade, refletem-se também na nomeação do novo Papa Francisco I… Como latino-americano, na sua visão do mundo e dos negócios, esta mudança também de uma instituição tradicionalista e por vezes tão fechada como a Igreja Católica? CV - O mundo está em aberto. A América Latina começa a ressurgir. Há um espírito de renovação muito forte na região que pode servir e colaborar com o mundo. Há uma condição emergente que não tem que ver puramente com a economia. O latino-americano tem uma visão mais aberta, até porque saiu de uma série de condicionantes históricos. Em 2008, estive na Casa Branca, em Washington, para a celebração, entre outras coisas, do tratado de comércio livre entre o Peru e os Estados Unidos da América. Um dos temas que me coube abordar, como orador, era até que ponto aquele tratado constituía uma vantagem para o Peru. O país tinha demasiada informalidade, que se foi perdendo, dando lugar à eficiência, ao rigor e à disciplina. Hoje já celebrou mais tratados de comércio, incluindo com a Europa, China e Japão. As alianças económicas começam a ser evidentes. DM - Portugal é um país de bons profissionais e pessoas empreendedoras? CV - Portugal tem excelentes recursos humanos, em todas as áreas, das empresas, à literatura. Escritores como Saramago e Camões deram a Portugal a característica de um país pensante. Mas, por alguma razão, os critérios adoptados, em vez de estimularem as iniciativas, adormeceram-nas. A própria política potenciou esse apagamento. Alguém me dizia: “professor, há que haver luz ao fundo do túnel”, ao que respondo que sim, tem que haver e se não houver tens de inventá-la. A Natureza ensina o caminho: depois de uma noite de intensa escuridão, segue-se a luz do dia. Mais uma vez a Natureza que as coisas não são DELTA MAGAZINE JANEIRO/MARÇO’13 37 ENTREVISTA CARLOS LOPEZ CANO VIEIRA eternas, os seus estados são transitórios. Por isso, em tempos mais escuros, a imaginação supera o conhecimento. O Homem é um animal de evolução, não de costumes. E na génese de muitas crises está a vontade errónea de querer preservar os costumes. Onde existe imaginação, nada é definitivo. Por isso, uma crise não é eterna. Nestes tempos de mudanças e da incerteza temos que ter uma forma de pensar que não só seja baseada no “saber o que se quer” mas acrescentada numa mentalidade de “descobrir o que se pode”, temos que começar a pautar-nos pela imaginação, pelo desafio de assumir riscos, pela permanente intenção de superação, temos que acordar para inventar novos caminhos. As pessoas tem que entender a vida como um desafio e uma oportunidade única, e a nossa existência como o maior capital que temos, quem equilibrase no seu existir será sempre maior que os seus problemas, há duas maneiras de ver a montanha, como uma impossibilidade ou ver a montanha como um caminho. O futuro não é um porto de chegada é mais bem uma permanente partida na procura da superação e um desafio à nossa imaginação. DM - Algo que seja importante fazer em Portugal para o seu desenvolvimento? CV - Temos que banir as invejas das mentes das pessoas e começar a reconhecer, a dar mérito e dar valor às pessoas pelo que são e fazem, este é um país maravilhoso que não tem uma cultura do reconhecimento das pessoas, é um país que ainda está longe de entender que a valorização das pessoas é o semear da confiança fundamental para criar o clima de confiança gerador dos optimismos. Um país de desconfianças não acredita no futuro. CV Nascido em Lima, no Peru, Carlos Lopez Cano Vieira, é formado em Estudos em Gestão, Economia e Comunicação Política pela Universidade de Villareal, no Peru, sendo presentemente professor de Estratégia e Teoria Organizacional na Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da UALG desde 1999, tendo ainda lecionado pós-graduações na ESGHT. É ainda professor nos Mestrados da Faculdade de Economia da UALG desde 2006; foi Vice-presidente do Centro de Investigação sobre o Espaço e as Organizações da FE, UALG, 2008; Professor convidado na Universidade de Lehigh nos Estados Unidos desde 2003; Professor convidado na Governor´s School da Pensilvânia, 2008; e Membro do Comité Científico do Foro Ibero-americano sobre Estratégias de Comunicação desde 2002; No mês de Julho 2008, foi convidado pela Peruvian American National Roundtable para ir à Casa Branca na celebração da Segunda Sessão Plenária, onde o tema central foi o Acordo de livre Comércio entre o Peru e os Estados Unidos. Nesta sessão, o professor foi convidado na qualidade de conferencista. É ainda coordenador geral dos Seminários Internacionais “Empresa e Futuro” da Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve, desde 2003, tendo sido distinguido com o Prémio Orgulho Peruano 2012, com a maior votação entre os 40 peruanos de maior sucesso no mundo. Além desta importante distinção é ainda Doutor Honoris Causa pela Universidade Inca Garcilaso de la Veja, Lima, Peru; Honoris Causa pela Fundação Universidade Hispana, Aliança Francesa de Lima e Instituto de Estudos Vallejianos de Trujillo, Peru; figurando entre as distinções recebidas ao longo da carreira o Premio Presidencial em Empreendedorismo pela Hispanic Chamber of Commerce of New Jersey, EUA. Desde 2012 acumula funções como coordenador científico do projeto Ativar Tavira e consultor internacional da Negotiation and Relationship Management International Group - CMIIG de Cambridge. Contato: [email protected] 38 DELTA MAGAZINE JANEIRO/MARÇO’13