UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA WAGNER LUIZ L. CALDERANO O MESSIAS: UMA ANÁLISE HISTÓRICO-TEOLÓGICA DE JESUS DE NAZARÉ São Paulo 2010 Agradecimentos Agradeço primeiramente a Deus, causa primária de minha motivação, motivo de ter conseguido chegar até aqui e poder grato dizer: “até aqui o Senhor me ajudou”; Agradeço a minha amada esposa Simone, pelo seu companheirismo constante, por estar sempre ao meu lado me apoiando, compreendendo-me quando ausente estive fazendo teologia, por me inspirar com seu jeito, sua beleza e inteligência; Agradeço aos meus pais Sebastião e Rita, porque se hoje cheguei até aqui devo muito a vocês que ensinaram o menino o caminho que se deve andar, sempre me incentivaram a estudar e nunca deixaram de sustentar minha vida em oração; Agradeço aos meus professores, pela paciência e dedicação em ensinar, vocês são fontes de conhecimento, em especial Prof. Dr. José Roberto por sua amizade e por orientar-me nesta pesquisa; Agradeço a minha Igreja, por ter me incentivado nessa caminhada teológica, em especial meu amigo e pastor Fernando Rocha por acreditar em mim; Agradeço ao meu querido irmão e amigo Weslei, companheiro constante nessa caminhada e amigo de todas as horas, foi difícil mas chegamos lá; Agradeço a todos os meus amigos e familiares, que direta ou indiretamente me ajudaram e me apoiaram durante esta caminhada acadêmica. Resumo A presente pesquisa tem por objetivo analisar o título de Messias (Cristo) atribuído a pessoa de Jesus de Nazaré. Este (Jesus) que é filho de seu povo e de seu tempo, ou seja, Israel. Por isso, a pesquisa retorna a períodos importantes da história de Israel apontando para as expectativas messiânicas que com o passar do tempo foram sendo geradas na mente do povo. Assim, no primeiro capítulo, o trabalho volta na história de Israel, desde o êxodo do Egito até o cativeiro helenístico. No segundo capítulo, dando continuidade ao período de cativeiros vivido por Israel, é apresentado a brutal dominação romana da Palestina, os grupos religiosos que emergiram nesse momento turbulento da história do povo judeu e suas expectativas de um Messias que viria libertá-los do domínio estrangeiro. E por último, no terceiro capítulo, será analisada a questão da messianidade de Jesus de Nazaré, chamado o Cristo, Filho de Deus, e os títulos messiânicos atribuídos a ele, tais como: Filho do Homem, Filho de Deus, Filho de Davi e Kyrios. Por fim, também a questão de sua autoconsciência messiânica será apresentada. Palavras chave: Messias, Jesus de Nazaré, Cristo, Israel, povo. Abstract The present study has the aim to analyze the title of Messiah (Christ) that had been given to the person of Jesus of Nazareth. This (Jesus) who is son of his people and his time, in others words, son of Israel. So this study returns to main periods of the history of Israel pointing to the messianic expectations that where being generated in the people mind through the time. Thus, in the first chapter, the research goes back in the history of Israel, since the exodus from Egypt until the Hellenistic captivity. The second chapter, continuing the Israel captivity periods, presents the brutal Roman domination over Palestine and the religious groups that emerged during this turbulent moment of the history of the Jewish people and their expectations in a Messiah that would set them free from the foreign domination. And at last, in the third chapter, the messiahship of Jesus of Nazareth (known as the Christ, the son of God) is analyzed as the messianic titles that had been given to him such as: Son of Man, Son of God, Son of David and Kyrios. Finally, the self awareness Jesus is also presented. Key-words: Messiah, Jesus of Nazareth, Christ, Israel, people. Sumário INTRODUÇÃO ......................................................................................................11 CAPÍTULO 1 – FUNDO HISTÓRICO AS ORIGENS DE ISRAEL: POVO ALIANÇADO COM DEUS................................................................................................12 1.1 – Surge a monarquia em Israel.................................................13 1.2 – Breve histórico de dominações estrangeiras: do cativeiro assírio ao helenístico...........................................17 CAPÍTULO 2 – A SOCIEDADE NO TEMPO DE JESUS DE NAZARÉ E AS EXPECTATIVAS MESSIANICAS..........................................................................20 2.1 – Império Romano.....................................................................20 2.2 – Partidos religiosos.................................................................22 2.2.1- Os saduceus..........................................................................22 2.2.2- Os fariseus............................................................................23 2.2.3- Os essênios...........................................................................24 2.2.4- Os zelotas..............................................................................24 CAPÍTULO 3 – JESUS DE NAZARÉ: O MESSIAS..............................................26 3.1 – Títulos messiânicos...............................................................30 3.1.1- Filho do Homem....................................................................31 3.1.2- Filho de Deus........................................................................32 3.1.3- Filho de Davi..........................................................................33 3.1.4- Kyrios.....................................................................................33 3.2 – A autoconsciência messiânica de Jesus de Nazaré..............................................................................34 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................37 BIBLIOGRAFIA .....................................................................................................39 Introdução A expressão Messias no cristianismo é herança histórica do povo judeu. Por isso, retornaremos na história de Israel para compreendermos melhor em que momento histórico foram sendo desenvolvidas as expectativas messiânicas que alimentavam a mente do povo judeu nos dias de Jesus de Nazaré. Nessa incursão na história de Israel, procuraremos apresentar os períodos de maior relevância na construção dessas expectativas messiânicas judaicas. Desde o período em que Israel era uma nação de tribos, passando pelos diversos períodos de cativeiros, até o período de dominação romana, onde então surge Jesus de Nazaré. A partir do momento que o pano de fundo histórico for desenhado, e as concepções messiânicas forem ficando mais claras, apresentaremos um estudo de cunho teológico-evangelical, com o objetivo de mostrar que Jesus de Nazaré, de fato, foi e é o Messias esperado, e que o seu messianismo era totalmente diferente das esperanças messiânicas correntes em seus dias. O que podemos antecipar é que seu messianismo se caracteriza por toda sua ação, ou seja, sua vida, ministério, morte e ressurreição. É nesse ínterim que se pode perguntar: “de Nazaré vem alguma coisa boa” (Jo 1,46)? E responder, sim: Jesus de Nazaré! Sendo assim, nas páginas a seguir, o que se pretende é apresentar um breve estudo sobre o Messias: Jesus de Nazaré. Capítulo 1 – Fundo Histórico As origens de Israel: povo aliançado com Deus Quando se propõe a falar dos acontecimentos do primeiro século da era cristã e da pessoa de Jesus de Nazaré em especial, não há como desvinculá-lo da história da qual emergiu. Por esse motivo é que devemos analisar as origens do povo de Israel. Povo da qual nascem às esperanças messiânicas judaicas das quais muitas serão refletidas, posteriormente, na pessoa de Jesus de Nazaré e no cristianismo subseqüente, e até os dias de hoje. Segundo Jorge Pixley, a data para o “começo da história de Israel é 1220 a.C., a data estimada para o êxodo” (2004, p.13). A “saída” ou o êxodo de Israel da escravidão do Egito é um evento singular em toda sua história que marca também a sua origem. Fato é que este evento é relembrado todos os anos na celebração da Páscoa e traz a memória o Deus “que os tirou da terra do Egito, da casa da servidão” (Êx 20,2). Porém, para que a história dos patriarcas préisraelíticos não seja esquecida, Pixley nos diz o seguinte: Quando as tribos israelíticas em Canaã aceitaram como própria a história da libertação da escravidão (o êxodo), não rechaçaram sua própria pré-história. As tradições patriarcais de Abraão, Isaac e Jacó conservam a memória dos líderes, anterior à formação da aliança tribal, que deu origem a Israel (apud Pixley-2004, p.21). Sendo assim, podemos afirmar que Israel contava sua história a partir do êxodo (Os 11,1; Jz 19,30; 1Rs 6,1; Jr 7,25) e não a partir dos patriarcas, por mais que eles tenham papel importantíssimo no que diz respeito a unidade das tribos devido a genealogia Abraão, Isaque e Jacó. No entanto, é de fato com Moisés e Josué que Israel ganha vida como um povo livre e independente, sem dominação estrangeira sobre si. Nesse estado de liberdade, fugidos do cativeiro egípcio esse povo faz aliança com Deus para se manterem livres. Essa aliança exigia completa lealdade a Deus: “não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20,3). Por isso, Deus era verdadeiramente seu rei, não havia nenhuma instituição humana de realeza estabelecida em Israel. O Israel tribal também não tinha um culto estabelecido em um templo, ou seja, o Deus transcendente de Israel não tinha um espaço particular, mas acompanhava seu povo. Nesse contexto de aliança o regime social, político e religioso era mantido, ou melhor, coordenado pelo próprio Deus. Assim, sobre as circunstâncias do Israel tribal, nos diz Richard A. Horsley e John S. Hanson, que tornou-se “um ponto de referência para as gerações subseqüentes, um ideal utópico com que comparavam a sujeição posterior a reis e impérios estrangeiros e a julgavam contrária a vontade de Deus” (1995, p.24). Nesse sentido os relatos bíblicos corroboram com essa idéia, ou seja, de que o Deus de Israel manteve o interesse de conservar seu povo livre de escravidão estrangeira, porém a história de Israel toma outros rumos. 1.1 - Surge a monarquia em Israel Com a idade do ferro, aproximadamente 1200-1000 a.C., depois de 200 anos de lutas com os povos que habitavam as regiões montanhosas de Canaã (Jz 5), começa nascer o desejo de uma monarquia em Israel. Nesse sentido é que Gerson Leite de Moraes explica: talvez por causa disso seja compreensível que houvesse por parte de vários grupos israelitas a tentativa de construir um Estado em Israel, ou seja, centralizar o poder através de uma monarquia terrestre, que poderia formar um exército permanente para enfrentar os inimigos. Esse tipo de pensamento começa a ganhar mais força nas tribos de Israel [...] quando os chamados “Povos do Mar”, também conhecidos como “Filisteus” conseguem hegemonia na região, tornando-se, então, os herdeiros do domínio egípciocananeu. (2004, p.9) Com nova tecnologia militar, os guerreiros filisteus podiam operar tranquilamente nas regiões montanhosas de Canaã e assim subjugar os povos circunvizinhos. Em 1Sm 13,19 temos um relato bíblico interessante sobre esta situação: “Ora em toda a terra de Israel nem um ferreiro se achava, porque os filisteus tinham dito: Para que os hebreus não façam espada nem lança”. Essa pressão externa causada pelos filisteus em parte nos explica o surgimento da monarquia em Israel. Uma primeira tentativa de instalar a monarquia em Israel ocorre com Abimeleque de Siquém (Jz 9), porém sua realeza dura muito pouco. Com sua morte os homens das tribos de Israel divididos em a favor ou contra a monarquia retornaram para suas casas e um outro juiz volta a governar Israel. No entanto, a monarquia chega a Israel. E é com Saul, da tribo de Benjamim. Saul soube se aproveitar da atual situação de Israel frente às pressões internas (grupos que desejavam a monarquia) e externas (filisteus). Assim comanda um exército de voluntários das tribos de Israel em luta contra os amonitas (1Sm 11). No sucesso dessa luta armada, houve uma forte mobilização para convertê-lo em rei sobre Israel. Que segundo o texto de 1Sm 11 os líderes do povo ungiram Saul como rei no antigo santuário de Gilgal, o que culminou no início da monarquia em Israel. Contudo, seu reinado dura pouco tempo. Sobre os motivos de seu fracasso como rei, Moraes resume: Do ponto de vista teológico, temos a informação de que o reinado de Saul foi reprovado por Deus devido a sua desobediência (1Sm 15). Do ponto de vista sociológico e político, a grande dificuldade do reinado de Saul foi que ele parece não ter conseguido estabelecer uma dinastia ou corte, um aparelho burocrático (Estado). Seu fracasso deuse certamente porque ele tomou como base para seu reinado a sociedade israelita sem classes. (apud Morais2004, p.12) Com isso, sua reprovação divina e inexperiência política, surge Davi, da tribo de Judá, no cenário de Israel. Este que já antes da morte de Saul lhe causa ciúmes por seus feitos militares (1Sm 18, 6-16). Com a morte de Saul é então Davi que consegue solucionar o problema da monarquia em Israel. Chamado a cidade de Hebrom, Davi é coroado rei de Judá (2Sm 2, 1-7) e depois de lutar com os herdeiros de Saul e vencer é também proclamado pelos anciãos do povo rei de todo Israel (2Sm 5, 1-5). Ungido rei de Israel, com prestígio militar e um sistema burocrático diferente (um simples exemplo são os impostos que eram cobrados dos povos conquistados para sustento do exército), Davi dá início de fato a um Estado, a uma monarquia em Israel. Davi era um rei temente e adorador de Iahweh, Deus de Israel, e com isso foi muito habilidoso para não se opor a Deus, mas sim juntos reinarem sobre o povo. Em todo texto bíblico Davi é lembrado como sendo um bom rei, isso provavelmente por seus êxitos nas guerras e pelo cuidado que teve em seu reinado em não passar por cima das tradições das tribos de Israel. Contudo, Davi introduz algumas novidades que mudaram o culto em Israel. Primeiro, estabelece Jerusalém, que ficou conhecida como Cidade de Davi, como capital de seu reino. E segundo, trouxe a arca da Aliança, onde ficavam as tábuas da lei dadas a Moisés para sua nova capital (2Sm 6). A partir de agora as tribos de Israel e o culto a Iahweh passam a serem administrados da capital Jerusalém, a cidade de Davi. Os feitos de Davi levam Israel a uma estabilidade econômica e a um lugar de destaque na região de Canaã. Talvez por esses motivos é que surgem as expectativas messiânicas davídicas, onde um futuro rei deveria estabelecer um reino igual ou superior ao de Davi, ou seja, o novo Messias teria que por Israel em destaque entre as nações novamente. Com a morte de Davi seu filho Salomão assume o reino de Israel. Porém, este não tem a mesma habilidade administrativa que seu pai e isso vai causar grandes problemas a Israel. Salomão investe esforços na construção de um templo para Iahweh, Deus de Israel em Jerusalém. Nessa empreitada Salomão abusa da cobrança de impostos, pois além dos tributos materiais ele introduz o tributo em trabalhos forçados, a corvéia (1Rs 5). Terminada a obra do templo, Salomão dá continuidade a essa política construindo novos empreendimentos (1Rs 9,15-24). Essa administração de Salomão trouxe prejuízos no relacionamento entre ele (o rei) e o povo, pois fugia da proposta de viverem de maneira livre e independente. Por esse motivo é que as tribos de Israel se rebelam contra ele. Primeiro, Jeroboão da tribo de Efraim, se revolta contra Salomão, porém não obtêm êxito inicial e se refugia no Egito (1Rs 11,26-40). No entanto, com a notícia da morte de Salomão, Jeroboão retorna e sob a sua liderança dez tribos se rebelam e dividem o reino de Israel. Sendo, o reino de Israel, no Norte, governado por Jeroboão e o pequeno reino de Judá, no Sul, que dá continuidade a dinastia davídica (1Rs 12). Porém, com a construção do templo a dinastia davídica monopolizou a religiosidade de todo o Israel em seu favor, pois a aliança davídica endossava a vontade de Deus em perpetuar o trono de Davi (2Sm 7; Sl 89). Conforme Moraes: Essa teologia da aliança davídica foi fundamental para “engravidar” a mente do povo que foi para o exílio [...] justamente porque optou pela monarquia humana em detrimento do reinado de Iahweh. A aliança davídica prometia que Israel não seria para sempre subjugado e um dia viria um novo “rei guerreiro”, o prometido desde os primórdios, ou seja, o Messias, que restauraria a hegemonia israelita perante os olhos do mundo. (apud Moraes-2004, p.15) Por esse motivo, de expectativas messiânicas nascidas no período monárquico, analisaremos a seguir como foi o período de dominações estrangeiras pelas quais passou Israel, pois mais a frente analisaremos quais as esperanças que foram sendo geradas no meio do povo exilado. 1.2 - Breve histórico de dominações estrangeiras: do cativeiro assírio ao helenístico Divididos em reino do Norte e do Sul (o que enfraqueceu Israel num todo), o “povo da aliança” passa a ser dominado e subjugado por diversos impérios seqüencialmente. Primeiro, (Pixley, 2004, p.62-73) o reino do Norte com sua capital Samaria sitiada, cai em poder dos assírios em 722 a.C. e Judá, do reino do Sul, desde 734 a.C. já estava submisso como reino vassalo. Nesse período de cativeiro Assírio alguns profetas importantes para a história de Israel desempenharam seus ministérios, gerando esperanças messiânicas para os cativos, tais como: Oséias, Amós e Miquéias. Em seguida com o reino enfraquecido, Judá é conquistada pelos babilônicos em 605 a.C. A Babilônia torna-se então a nova potência hegemônica na Palestina. Porém, somente em 587 a.C. com Nabucodonosor, Jerusalém é sitiada, seus muros e seu templo são destruídos e a cidade incendiada. Com isso, os babilônicos aplicam uma política de deportação, onde a família real e muitos dos habitantes de Jerusalém são levados cativos a Babilônia. Nesse período de submissão babilônica alguns dos profetas que atuaram foram: Jeremias, Ezequiel e o Dêutero-Isaías (40-55).1 Pouco tempo depois, sob o comando de Ciro, os persas em 539 a.C. derrotam os babilônicos. Domínio que pelos próximos 200 anos, aproximadamente, a Pérsia estabeleceria sobre o Oriente Médio. Werner H. Schmidt, aponta algumas mudanças estabelecidas pelos persas: Os primeiros reis persas respeitavam as tradições dos povos subjugados e incentivavam os cultos autóctones. Condiz bem com esta atitude que já depois de um ano (538) Ciro teria ordenado que o templo de Jerusalém fosse reconstruído e que os utensílios do templo, levados para Babilônia, fossem devolvidos. O edito foi conservado em Ed.6, 3-5 em aramaico [...] A reconstrução do templo ocorreu apenas de 520 a 515 a.C., por insistência dos profetas Ageu e Zacarias [...] No tempo de Ciro destacou-se Sesbazar, que foi encarregado de entregar os utensílios do templo e também colocou a pedra fundamental do santuário (Ed. 5,14ss). Era 1 A respeito das divisões do livro de Isaías sugerimos a leitura do livro de Werner H. Schmidt (1994), Introdução ao Antigo Testamento. funcionário persa assim como Zorobabel que atuou um pouco mais tarde e nele se depositaram mais uma vez esperanças messiânicas (Ag. 2,23; Zc. 6,9), que, no entanto, não se cumpriram. (1994, p.33-34) Com essa política conciliadora dos persas, por volta de 450 a.C., Esdras e Neemias, chegam à Palestina, um após o outro, para por em ordem a situação. Eduard Lohse explica: Neemias se preocupou com a construção de uma muralha ao redor da cidade de Jerusalém. Pediu aos judeus o juramento de que não se casariam com membros dos povos vizinhos estrangeiros. Esdras ensinou aos habitantes de Jerusalém a lei, promulgando-a em nome do rei. A partir daí, o culto da comunidade judaica ficou sob proteção do governo persa. Assim, ela pôde desenvolver sua vida, segundo as prescrições da lei, sem obstáculos. (2000, p.13) Depois desse período de hegemonia persa, inaugura-se a era helenística com a vitória de Alexandre Magno sobre o rei persa Dario III, na batalha de Isso (333 a.C.). Segundo Horsley e Hanson “a dominação dos babilônicos e dos persas empalidece em comparação com a opressão que veio em conseqüência da conquista de Alexandre Magno e seus sucessores macedônios” (1995, p.28). Visto que, a força de combate do exército grego era muito grande, os judeus, logo reconhecem a superioridade militar e se submetem pacificamente ao poderio grego, por esse motivo, os judeus puderam continuar, como no domínio persa, seu culto livremente. Junto com a dominação grega, veio também seu modo de viver, ou seja, a Palestina agora se abre a influência grega, sua língua, cultura e herança religiosa. A influência grega foi tão grande que construíram teatros, ginásios, impuseram sua língua como à língua comum do povo, e assim, os judeus logo se adaptaram as novas circunstâncias e se orientavam por elas. Contudo, com a morte prematura de Alexandre Magno em 323 a.C. o poderoso império grego começa a desmoronar. Schmidt resume em poucas palavras como foram os anos seguintes a morte de Alexandre: a Palestina foi submetida por um século ao domínio do reino (egípcio) dos ptolomeus (301-198), para depois ser integrada ao reino dos selêucidas (198-64 a.C.). Um fato marcante foi, após a ascensão ao trono do selêucida Antíoco IV Epífanes, a rebelião dos macabeus em repúdio a cultos estranhos. No ano de 63 a.C. a Palestina caiu sob o domínio romano. (apud Schmidt-1994, p.34) Todos esses acontecimentos: a libertação do Egito pelas mãos de Moisés, o estabelecimento da monarquia de fato, com Davi, passando pelos cativeiros assírio, babilônico, o retorno a terra por meio dos persas, o domínio do forte exército grego de Alexandre até o domínio romano, fizeram com que uma teologia messiânica fosse desenvolvida, assim gerando esperanças de um novo rei que trouxesse novamente a autonomia política a Israel. E é justamente agora, no cenário palestinense, sob domínio romano que surge o “Carpinteiro de Nazaré”2. Em meio a uma sociedade onde o ambiente era de intensa turbulência. Por isso, analisaremos mais detalhadamente no próximo capítulo esse período. Capítulo 2 - A sociedade no tempo de Jesus de Nazaré e as expectativas messiânicas Num estudo sobre Jesus de Nazaré é impossível não passarmos pela Palestina do primeiro século, pois é nesse momento da história que se dá início a seu ministério público. Por isso, a partir de agora se faz necessário apresentarmos a situação política, econômica e social da Palestina sob dominação romana que 2 Segundo G. Vermès a profissão de Jesus de Nazaré permanece incerta, porém a tradição cristã o chama de carpinteiro baseada no fato de seu pai ter sido um e também devido aos relatos das pessoas de Nazaré registradas nos evangelhos: “o carpinteiro” (Mc 6, 3), ou o “filho do carpinteiro” (Mt 13, 55). nas palavras de Moraes “era uma verdadeira “panela de pressão” prestes a estourar” (2004, p.17). 2.1- Império Romano A dominação romana (Horsley e Hanson, 1995, p.43) sobre a Palestina se deu por volta de 63 a.C. pelas mãos de Pompeu. Após a violenta conquista de Pompeu, seguiu-se um longo período de lutas entre facções asmonéias e exércitos romanos rivais em busca do controle da área. Os efeitos dessa guerra civil na Palestina foram a devastação do país, cobrança de altos impostos e agitação social. A brutalidade com que os romanos tratavam os habitantes da Palestina os induzia à submissão. Contudo, esse tipo de comportamento brutal e exploratório por parte dos romanos levava alguns grupos religiosos da Palestina a desejarem a libertação dessa política opressora. Em 40 a.C., em meio ao caos político da guerra civil romana surge Herodes I, o Grande. Este conseguiu ser reconhecido “por decisão oficial do Senado romano como rei da Palestina” (Lohse, 2000, p.32), isso devido sua habilidade em manobras políticas. Quando Jesus nasceu ele que reinava na Palestina (Mt 2,1; Lc 1,5). Depois de submeter o povo judeu com a ajuda das legiões romanas, Herodes que era um admirador da cultura grega, empreendeu grandes construções gregas, tais como: termas, teatros, ginásios e templos, que segundo Lohse, “desagradou muitos judeus, todavia, tentou também cativá-los, ampliando e reformando o Templo. Este recebeu de novo a mesma forma arquitetônica do tempo do rei Salomão” (2000, p.34). Juan Mateos e Fernando Camacho nos informam que: com a morte de Herodes (ano 4 a.C), o reino foi dividido entre seus três filhos, com o consentimento do imperador Augusto, que, no entanto, deixando de dar atenção ao testamento de Herodes, não outorgou o título de rei a nenhum dos três. (2003, p.9) Lohse complementa essa informação dizendo que Augusto procedeu, praticamente, conforme o testamento de Herodes. Antipas e Felipe foram nomeados tetrarcas, ou seja, pequenos príncipes. Arquelau não recebeu título de rei, mas somente um inferior, o de etnarca. Para o povo, essas diferenças de títulos nada significavam. Considerou os governantes como reis. Por isso, o Novo Testamento chama de reis Arquelau (Mt 2,22) e também Herodes Antipas em Mc 6,14 e Mt 14,9. (apud Lohse-2000, p.36) Arquelau era o mais odiado pelos judeus, o que levou o imperador Augusto no ano 6 d.C. destituí-lo do poder e exilá-lo na Gália. Seu domínio ficou nas mãos do governador (procurador) romano. Mateos e Camacho nos informam da importância do governador romano: O governador romano não passava de supervisor, ao passo que o aristocrático Sinédrio agia como autêntico governo. O titular do sumo sacerdócio, que era ao mesmo tempo presidente do Sinédrio, era qualificado de “chefe de Estado”. É verdade que os sumos sacerdotes eram nomeados e depostos ao sabor da vontade do governador romano. (apud Mateos e Camacho-2003, p.13) No tempo de Jesus, Pôncio Pilatos é quem exercia o cargo de procurador da Judéia (26-36 d.C) e foi ele que segundo os evangelhos condenou Jesus à morte (Mt 27,1-25; Mc 15,1-15; Lc 23,1-26; Jo 18,28 ss.; 19,1-22). Em meio a esse regime de dupla autoridade, ou seja, de um lado o romano e de outro o judaico, os conflitos foram contínuos. Com isso, surgem alguns partidos religiosos, uns a favor e outros contra esse regime político opressor. Vejamos a seguir alguns pontos relevantes desses partidos religiosos. 2.2 - Partidos religiosos Na época de Jesus de Nazaré, nos informa Leonhard Goppelt que “Israel estava dividido em partidos religiosos claramente distintos. Partindo do cunho teocrático da coletividade judaica, esses grupos tinham também o caráter de partidos políticos” (2003, p.65). Por esse motivo, analisaremos quatro dos partidos religiosos de maior relevância no tempo de Jesus: saduceus, fariseus, essênios e zelotas. 2.2.1. Os saduceus São conhecidos por esse nome por causa do sumo sacerdote do tempo do rei Salomão, Sadoc, (1Rs 2,35) de quem as grandes famílias sacerdotais descendiam. Eram, então, o partido da aristocracia judaica, cujos membros, ocupavam altos cargos sacerdotais e, com isso, detinham além do poder religioso o poder político da nação. Mateos e Camacho nos informam o seguinte: Eram muito conservadores no campo religioso e igualmente no campo político, porém abertos à influência da cultura grega helenista. Adaptavam-se ao domínio romano; chegaram a uma composição, uma espécie de acordo não escrito: eles procuravam manter a ordem, ocupando os postos dirigentes, para que assim os romanos os deixassem tranqüilos. Aceitavam a injustiça da dominação estrangeira contanto que não comprometesse sua posição nem pusesse em perigo o seu poder. (apud Mateos e Camacho-2003, p.35) Em relação às doutrinas, sabemos que os saduceus, rejeitavam a doutrina farisaica da ressurreição dos mortos e também negavam a existência de anjos e espíritos. A vida dos saduceus era focada no que é terreno, por isso, tiravam o maior proveito de sua situação de poder. 2.2.2. Os fariseus O nome fariseus deriva da palavra hebraica perûsim que traduzida literalmente, significa: os separados. Constituíam o partido religioso formado em sua grande maioria por leigos devotos que dirigidos por letrados buscavam levar as práticas religiosas ao extremo. Acreditavam que o cumprimento da Lei ou Torá era o requisito mais importante da vida, por isso, supunham que ao homem só restava estudá-la e pô-la em prática em todos os aspectos da vida. Os pontos principais da doutrina farisaica (Mateos e Camacho, 2003, p.36) eram: a imortalidade da alma, a ressurreição dos mortos (onde os justos ressuscitarão para a vida eterna na glória do reino messiânico e os pecadores para o castigo eterno) e a existência de anjos e espíritos. Tinham, também, a demasiada preocupação em pagar o dízimo e se manterem “puros”, ou seja, resumindo, sem terem contato com pessoas que não observasse a Lei como eles (isso esclarece os diversos conflitos que os evangelhos relatam entre Jesus e os fariseus). Em relação às expectativas messiânicas dos fariseus, Lohse nos informa o seguinte: Os fariseus desenvolveram a expectativa da ressurreição dos mortos em uma doutrina coerentemente formulada, diferenciando-se dos saduceus (At 23,8), e cultivaram uma forte esperança messiânica. Se o povo se preparar em pureza e santidade para a vinda do Messias, este, então, aparecerá como filho de Davi, a fim de reunir as tribos dispersas de Israel e erigir de novo o reino. (apud Lohse2000, p.73-74) Assim, os fariseus esperavam que a libertação de Israel das mãos opressoras, aconteceria por intermédio da intervenção de Deus, contudo, para que esse momento chegasse mais rápido seria necessário a prática rigorosa da Lei. 2.2.3. Os essênios Os essênios eram um partido religioso judaico independente, ou seja, viviam em comunidades afastadas. Foi um partido que rompeu com o sistema político e religioso de seu tempo. Eram mais extremistas que os fariseus, pois estes ainda respeitavam as instituições, já os essênios entendiam que o culto e o templo estavam corrompidos por terem um sacerdócio indigno. Esperavam que o próprio Deus o restaurasse. Seu radicalismo levou-os a considerarem-se o povo exclusivo de Deus, por isso estudavam as Escrituras em suas comunidades aguardando o juízo divino que os salvariam e condenaria todos que não fizessem parte de seu grupo. 2.2.4. Os zelotas No segundo volume da obra lucana3 encontramos, provavelmente, o fundador do partido dos zelotas: “Judas, o galileu, que nos dias do recenseamento atraiu o povo atrás de si” (At 5,37). Os zelotas eram um partido ativista e em sua maioria composto pelas classes oprimidas, porém, diferentes dos fariseus e essênios, aguardavam o reinado de Deus não de braços cruzados, mas partiram para a luta armada em busca da libertação de Israel do domínio romano. Lohse aponta algumas das motivações dos zelotas que os levavam a essas ações revolucionárias: Quem reconheceu o imperador como seu senhor e lhe pagou impostos, infringiu, na perspectiva dos zelotas, o primeiro mandamento, que prescreve honrar somente a Deus. Os zelotas se recusavam a se submeter ao domínio do imperador romano e a chamá-lo de Kyrios (senhor). Não estavam dispostos a aguardar com paciência a futura transformação messiânica, como os fariseus, mas queriam determinar o curso da história pelo próprio agir. (apud Lohse2000, p.75-76) Em resumo, como nos diz Mateos e Camacho: Deixando de lado os saduceus, que não desejavam mudança alguma, havia duas posições em face da chegada 3 Encontramos essa divisão da obra do evangelista Lucas em: História da Literatura Cristã Primitiva - uma introdução ao Novo Testamento aos Apócrifos e aos Pais Apostólicos de Philipp Vielhauer. do reinado de Deus: a primeira, própria dos fariseus e dos essênios, atribuía a mudança exclusivamente à intervenção divina; a segunda, própria dos zelotas, queria efetuar a mudança, contando com a ajuda de Deus, mediante a força das armas. (apud Mateos e Camacho-2003, p.46) Não é tarefa fácil sintetizar as diversas maneiras como esses grupos concebiam a libertação de Israel e as expectativas messiânicas que os moviam, porém, basicamente, o que se propôs foi apresentar o contexto e o ambiente, enxertado de ideologias, em que Jesus de Nazaré começa seu ministério. Portanto, como se pode observar da sociedade do tempo de Jesus sob domínio romano é que a grande esperança de Israel era o reinado de Deus, que havia de mudar o curso da história, libertando o povo de todas as injustiças e opressões sofridas, e assim, dar início a época de justiça, paz e prosperidade anunciada pelos profetas do Antigo Testamento, principalmente depois das difíceis experiências de dominações estrangeiras. Capítulo 3 - Jesus de Nazaré: o Messias Rino Fisichella nos diz que “o messianismo não é especifico de Israel, porém é um fenômeno peculiar em Israel, porque foi vivido e compreendido como um fenômeno político e religioso de maneira particular” (Fisichella. In: Pacomio, L. & Mancuso, V. (Org.); 2003 p.482), ou seja, em Israel, ele indica uma esperança de ver a intervenção salvífica de Iahweh, sendo possível observar em sua história uma leitura messiânica em diferentes épocas, porém mantendo sempre viva essa esperança de salvação. E isso, é muito significativo para os escritos do Novo Testamento. Em consonância com a idéia acima, Jurgen Moltmann, nos diz que: “não existe a cristologia incondicional. A condição histórica da cristologia é a promessa do Messias do Antigo Testamento e a esperança judaica fundamentada na Bíblia Hebraica” (2009, p.21). Complementando essa idéia I. Howard Marshall nos diz o seguinte: Continua a existir uma grande divergência entre estudiosos que defendem que os Evangelhos sinóticos oferecem um panorama bastante confiável sobre a forma como Jesus agia e falava, e os que sustentam serem duvidosas as narrativas dos Evangelhos significativamente e que o Jesus histórico era diferente da forma retratada nos Evangelhos. Logo, devo agir de acordo com a primeira posição, tomando a direção oposta a que foi adotada por Bultmann, e assim discutir a teologia de Jesus da maneira como nos é apresentada pelos evangelistas, com base no sólido pressuposto de que as apresentações de Jesus, que encontramos nos Evangelhos sinóticos, estão próximas o suficiente da realidade histórica, de forma a nos permitir utilizá-las para compreender sua mensagem e sua missão. (2007, p.39)4 Sendo assim, visto que até o exato momento a pesquisa preocupou-se em apresentar o pano de fundo histórico da qual emergiu as expectativas messiânicas judaicas, e também, o contexto e o ambiente turbulento que foi o da Palestina do primeiro século em que Jesus de Nazaré nasceu, cresceu, desenvolveu seu ministério terreno, foi crucificado e ressuscitou. A partir de agora pretende-se analisar de fato, o movimento de Jesus de Nazaré5, focando em especial o título/nome de Messias, o Cristo, Ungido de Deus, partindo dos pressupostos acima citados. 4 Temos ciência da discussão do Jesus histórico e o Cristo da fé (querigma), porém como o escopo de nossa pesquisa não é pormenorizar essa discussão e cremos ser possível encontrar o Jesus histórico por meio dos Evangelhos, sugerimos para maiores detalhes sobre o assunto a leitura de Teologia do Novo Testamento de Joachim Jeremias (1977). 5 Segundo Gerd Theissen, em Sociologia do Movimento de Jesus, o movimento de Jesus de Nazaré é um fenômeno de renovação intrajudaico despertado por Jesus, onde segundo Theissen o cristianismo primitivo dividi-se em duas frentes, o helenístico e o palestinense, sendo este último o que caracterizou o movimento de Jesus. Para tal, intento, iniciaremos apresentando uma breve explicação sobre o significado do verbo hebraico (ou aramaico) ( מׁשחmashiah), e seu correspondente, em grego Χριστός (Christos). Sucintamente, ambos, significam: untar, pintar, ungir, ungido ou ser ungido. Como já vimos acima (no início do surgimento da monarquia em Israel com Saul, Davi e seus sucessores), a tradição judaica conhece a unção de reis que foram instituídos legítimos “ungidos de Iahweh” (1Sm 9,16; 16,12-13; 2Sm 23,1) e também a unção do sumo sacerdote (Lv 4,3-5) e, mais raramente, de profetas (1Rs 19,16; Is, 61,1; Sl 105,15). Com isso, nota-se a importância do Messias, o Ungido, para Israel, e conseqüentemente, para os escritos do Novo Testamento. Heinz-Josef Fabry e Klaus Scholtissek nos dão algumas informações interessantes em relação à ocorrência da palavra Christos no Novo Testamento: No Novo Testamento, há 529 ocorrências de christos, e duas vezes aparece à transcrição grega messias (Jo 1,41; 4,25). Esse título é, por conseguinte, a designação cristológica mais comum no Novo Testamento; ele se acha em todos os escritos neotestamentários (com exceção dos 25 versículos de 3João), 270 apenas em Paulo. (2008, p.78) Oscar Cullmann corrobora com a idéia acima de que a designação cristológica mais comum do Novo Testamento seja a de Messias ou Cristo, pois cita em sua cristologia: Para nos convencermos da importância que davam a este título, basta lembrar que, desde a época do Novo Testamento até nossos dias, “Messias” chegou a ser para os cristãos o título cristológico por excelência [...] Desde muito cedo, os cristãos adquiriram o hábito de associar o título de “Cristo” ao nome de Jesus. Jesus Cristo, pois, significa Jesus-Messias. Já nos mais antigos escritos cristãos que nos chegaram, as Epístolas de Paulo, o termo “Cristo” mostra a tendência a converter-se em nome próprio (embora Paulo, invertendo as vezes a ordem usual, escreve “o Cristo Jesus”, evidenciando, assim, que não esquece a verdadeira significação deste título). Na época apostólica, o verdadeiro sentido do título Messias é, pois, conhecido. Deveríamos sempre nos lembrar, ao ler o Novo Testamento, que no espírito de seus autores, “Jesus Cristo” significa corretamente “Jesus o Messias”. (2008, p.150) Sendo assim, na mesma linha de Cullmann, George Eldon Ladd, confirma a importância do título e seu uso singular na teologia paulina: O título e conceito de Messias (Christos = Mashiah = ungido) é o mais importante de todos os conceitos cristológicos, historicamente falando, se não teologicamente, porque tornou-se no modo central de designar a compreensão cristã da pessoa de Jesus. Isto é provado pelo fato de Christos, que é propriamente um título designativo de “ungido”, logo tornou-se um nome próprio. Jesus tornou-se conhecido não só como Jesus, o Cristo ou Messias (At. 3,20), mas como Jesus Cristo ou Cristo Jesus. Só ocasionalmente Paulo fala de Jesus; ele quase sempre usa o nome composto; e ele fala com mais freqüência de Cristo do que de Jesus. (2001, p.127) Não restam dúvidas da singular importância que carrega o título messiânico “Cristo”, para a igreja primitiva e o cristianismo, que por intermédio do apóstolo Paulo ganha também o status de nome próprio, ou seja, Jesus Cristo é o Messias. Tanto é verdade que esse título/nome passa a dar nome à nova fé, pelo fato de que os discípulos de Jesus de Nazaré foram, primeiramente, chamados de “cristãos” em Antioquia (At 11, 26). Contudo, surge uma questão que procuraremos responder de forma pontual e objetiva: por que Jesus de Nazaré manifestava uma singular reserva quanto ao uso do título Messias cada vez que se fazia para designar sua pessoa e sua obra (Mc 1,43ss; 5,43; 8,27-30; Lc 22,63-71)? Fabry e Scholtissek nos informam o seguinte, “que o próprio Jesus, em vida, se confrontou com expectativas salvíficas messiânicas de diferentes colorações” (apud-Fabry e Scholtissek-2008, p.85), ou seja, no contexto em que Jesus de Nazaré viveu havia diversas expectativas messiânicas na mente do povo, sendo a de um messias nacionalista-político da linhagem de Davi a idéia predominante. Se o propósito de Jesus fosse oferecer ao povo de Israel tal reino davídico, político e terreno, eles o teriam aceitado de imediato e lutado por ele até a morte, pois o que o povo desejava era um rei para libertá-los de Roma e não um salvador para redimi-los dos pecados. Seguindo essa mesma linha de pensamento Ladd diz: “messias” sugeria às mentes dos judeus um filho real de Davi, que seria ungido por Deus para trazer a Israel o livramento político do jugo dos pagãos e para estabelecer o reino terreno, e fica evidente de imediato que seria necessário a Jesus utilizar o termo somente com grande reserva. Tivesse Jesus publicamente proclamado ser o Messias, aquela proclamação seria recebida pelo povo como uma chamada para que se ajuntasse para a rebelião contra Roma. (apud Ladd-2001, p.131) Nesse sentido James D. G. Dunn afirma que “tal papel Jesus rejeitou [...] para Jesus, então, a confissão de si próprio como o Messias significava um malentendido de sua missão. Conseqüentemente ele desencorajava tal confissão” (2009, p.114). É óbvio que nesse sentido Jesus não quer que difundam uma opinião errada sobre ele, pois isso poderia suscitar um entusiasmo messiânico falso. Resumindo, o messianismo que Jesus de Nazaré exerceu foi de um caráter bem diferente do que esperava a mentalidade popular. Ele era o Messias, mas não o político, conquistador e guerreiro que a mente de seus contemporâneos ansiavam e esperavam. O messianismo de Jesus se caracteriza por toda sua ação, isto é, a missão toda de Jesus de Nazaré, desde sua morte e ressurreição, não simplesmente pelo cumprimento (seja de qual tipo for) de expectativas messiânicas, por mais que tenham sido depositadas em sua pessoa. Seu ministério terreno, sua morte na cruz e sua ressurreição dentre os mortos são decisivos para a avaliação de sua messianidade. Somente assim, juntando esses fatores, é que podemos criar a imagem adequada de Jesus Cristo, ou seja, o Jesus terreno não pode ser compreendido sem o Cristo ressuscitado, e é este, e não outro o Messias, Jesus de Nazaré, que atuou entre nós. Contudo, os escritos neotestamentários pressupõem a fé em Jesus de Nazaré, o Cristo, e relatam sua vida a luz da fé cristã. Sendo assim, o Novo Testamento aplica além de “Cristo” outros títulos messiânicos a pessoa de Jesus, o que veremos a seguir. 3.1 - Títulos messiânicos Filho do Homem, Filho de Deus, Filho de Davi e “Kyrios” são os títulos mais usados pelos escritores do Novo Testamento, sendo que esses títulos não se chocam entre si, mas se interpretam mutuamente, resplandecendo ainda mais o testemunho daquele a qual se referem. Por se tratarem de temas muito extensos e discutidos, procuraremos, então, analisar brevemente cada um desses títulos atribuídos a Jesus de Nazaré. 3.1.1. Filho do Homem Esse título messiânico tem sua origem no Antigo Testamento, mais especificamente, nos livros dos profetas Ezequiel e Daniel 7. Ladd nos diz que “a expressão ocorre no livro de Ezequiel (cerca de noventa vezes) como o nome particular pelo qual Deus se dirige ao profeta” (apud Ladd-2001, p.139). Onde em Ezequiel tem o significado literal do termo, ou seja, filho do homem é simplesmente homem, pertencente ao seu gênero humano. Em Daniel já há um contraste com essa idéia, pois o filho do homem agora é aquele que aparecerá no fim dos tempos para julgar o mundo, ou seja, “é uma figura escatológica messiânica celestial que trás o reino aos santos afligidos sobre a terra” (apud Ladd-2001, p.140). Segundo consenso de vários estudiosos (Cullmann, Ladd, Moltmann, Fisichella, G. Vermès, e outros), esse foi o título favorito que Jesus usou para fazer referência a si próprio (Mt 8,20; 11,19; Mc 2,10; 2,28). Fisichella diz que essa expressão aparece nos evangelhos 82 vezes, sempre e somente nos lábios de Jesus [...] todos os textos relativos a essa expressão podem ser reduzidos a três categorias: a) o ministério terreno do filho do homem; b) sua paixão, morte e ressurreição; c) sua glória escatológica e o respectivo retorno no final dos tempos. (apud Fisichella In: Pacomio, L. & Mancuso, V. (Org.); 2003, p.302). Se enquadrando nesse viés, Ladd complementa: Jesus será o Filho do Homem celestial e glorioso, vindo com as nuvens, para julgar os homens e para inaugurar o Reino glorioso. Entretanto, em antecipação desta manifestação apocalíptica como o Filho do Homem, Jesus é o Filho do Homem enviado incógnito entre os homens, cujo ministério não é reinar em glória, mas sofrer e morrer em humilhação pelos homens. O Filho do Homem futuro, celestial, já está presente entre os homens, mas de uma forma que eles dificilmente esperariam. (apud Ladd-2001, p.149) Sendo assim, Filho do Homem no Novo Testamento refere-se diretamente a pessoa de Jesus de Nazaré que com esse título quis identificar a si mesmo e a sua missão, e assim, interpretar seu oficio messiânico a seu próprio modo. 3.1.2. Filho de Deus Encontramos esse título em diversas passagens do Antigo Testamento (Êx 4,22; 2Sm 7,14; Sl 2,7; 89; Ml 2,10; e outros). Cullmann (2008, p.356) nos informa que esse título era empregado de três maneiras diferentes: primeiro, o povo de Israel inteiro é chamado “filho de Deus”; em segundo lugar, o rei porta este título; e finalmente, certos comissionados especiais de Deus, tais como os anjos. Ele acrescenta também a noção deste título no Oriente e no helenismo onde nas antigas religiões orientais principalmente os reis eram considerados como gerados por deuses. Esta crença estava particularmente espalhada no Egito, onde os faraós passavam por ser filhos do deus sol Rá. Ela é atestada também, porém, com menor clareza, na Babilônia e na Assíria. Para a época do Novo Testamento, pode-se pensar também nos imperadores romanos e no título de divi filius que lhes era conferido. (apud Cullmann-2008, p.355) Com essa herança histórica o título é usado no Novo Testamento para exprimir a relação de Jesus com Deus, ou seja, revelar a relação absolutamente única que há entre eles: exatamente a de filiação. John Stott diz que “a afirmação de que Jesus é o Filho de Deus foi mais que messiânica e descreve seu relacionamento único e eterno com Deus (Mt 11,27; Jo 5,17; 10,30; 14,10-11)” (2007, p.32). Dizer então, que Jesus é Filho de Deus, somente exprime a realidade da relação de Jesus de Nazaré com Deus. 3.1.3. Filho de Davi É evidente que os Evangelhos e o Novo Testamento, em geral, reconhecem a tradição do título Filho de Davi (Mt 1; 9,27; 12,23; Lc 3; Rm 1,3), pois como já vimos acima, a herança veterotestamentária já havia alimentado as mentes do povo de Israel na esperança de um rei guerreiro “da casa de Davi” (2Sm 7). Por isso a cautela de Jesus em relação ao uso do título (Mc 12,35-37) para que o povo não tivesse uma interpretação inadequada do Messias. Horsley e Hanson nos informam que “a questão da imagem de um rei davídico simbolizava substancialmente aquilo que este agente de Deus faria: libertar e restaurar a sorte de Israel, como o fizera o Davi original” (1995, p.92). Contudo, Ladd complementa afirmando que “Jesus é de fato o Filho de Davi; mas somente isto não é suficiente” (apud Ladd-2001, p.135), ou seja, Jesus é da descendência de Davi, porém sua messianidade não se resume somente ao uso desse título messiânico e sua libertação vai além da libertação e restauração política. 3.1.4. Kyrios O título messiânico Kyrios é de origem grega: κύριος, e significa “Senhor”. Giovanni Iammarrone nos informa que: os judeus dos dois últimos séculos começaram a se dirigir a Deus empregando o termo absoluto Kyrios ao lado do hebraico Adon. Este termo foi utilizado na Septuaginta para indicar Iahweh. Tal uso pode explicar a adoção do termo no Novo Testamento. Nos escritos do Novo Testamento, Kyrios aparece 719 vezes, com diversos significados. (Iammarrone. In: Pacomio, L. & Mancuso, V. (Org.); 2003, p.689) Contudo, quem mais foi chamado de Kyrios foi Jesus Cristo. Às vezes como forma de tratamento (como no exemplo de Marta e Maria em Lc 10,40), e às vezes como título que expressa sua messianidade e proclama sua glória e soberania sobre a história humana (At 1,6; 2,33-36; Rm 10,9; Fp 2,9-11). Sendo assim, Kyrios no Novo Testamento refere-se a Jesus de Nazaré, porém ressuscitado e exaltado. 3.2 - A autoconsciência messiânica de Jesus de Nazaré Vimos até este ponto da pesquisa que os Evangelhos e os demais escritos do Novo Testamento apresentam Jesus de Nazaré como o Messias e, além disso, vão interpretando a sua vida e lhe atribuindo títulos messiânicos que expressam a fé da comunidade primitiva e nos servem até os dias hodiernos. Leonardo Boff diz que “os títulos que a fé atribuiu exprimem exatamente quem era Jesus desde seu nascimento até sua cruz: o esperado das nações, o salvador do mundo, o Filho de Deus, Deus mesmo feito condição humana” (1986, p.40). Contudo, outra pergunta se apresenta: Jesus de Nazaré declarou-se Messias e teve nesse sentido uma autoconsciência messiânica? Boff (1986, p.41) nos apresenta alguns indícios que apontam que Jesus de Nazaré tinha consciência de seu messiado, ou seja, para ele Cristo não começa seu ministério pregando a si próprio, mas o Reino de Deus,6 o que pressupõe que Jesus se entende como o Messias, porque prega, presencializa e já esta inaugurando o Reino de Deus. Outra característica importante apontada por Boff é a relação de Jesus com Deus, isto é, sua filiação. Para ele “quem chama a Deus de Abba-Pai (Mc 14,36), sente-se e é seu Filho” (1986, p.107). Nesse sentido Boff complementa: Cremos que sua experiência profunda do Pai e da correspondente filiação constituíam o fundamento da consciência de Jesus de ser o Enviado e o Inaugurador do Reino de Deus. Jesus não veio pregar o Messias, o Cristo, o Filho de Deus, mas para viver, com palavras e atos, o Filho de Deus, o Cristo, e o Messias. Não porque a comunidade chama a Jesus de Filho de Deus e Cristo, Ele é feito Cristo e Filho de Deus. Mas porque de fato o foi, pode a comunidade 6 Como não é nosso objetivo desenvolver o tema Reino de Deus, sugerimos a leitura da obra de Leonardo Boff: Jesus Cristo Libertador (1986) e também: Reino de Deus e Esperança Apocalíptica de Gottfried Brakemeier (1984). com razão chamá-lo de Filho de Deus e Cristo. (apud Boff1986, p.107-108) Para Boff não há dúvidas que Jesus tinha consciência de ser ele o Messias, o Cristo e o Filho de Deus. Fabry e Scholtissek concordam com Boff nesse sentido e complementam dizendo que: O anúncio de Jesus em palavras e atos tem por base uma pretensão de autoridade provocantemente alta, que está em conexão direta com o reinado de Deus anunciado. A autoridade da missão de Jesus tem sua peculiaridade, ou seja, não tem uma derivação histórica. Por isso, Jesus tem consciência de seu envio por Deus, de sua tarefa e da autorização de Deus, de sua autoridade que se funda em Deus. Se Jesus não se reconheceu expressis verbis como o Messias, uma autocompreensão messiânica no sentido mais amplo não lhe pode ser negada. Jesus se sabia determinado a conduzir Israel para o reinado de Deus. A ligação entre a soberania régia manifesta de Deus e uma figura mediadora, que está em proximidade especial com ele, já caracteriza a expectativa do ungido no judaísmo primitivo, a qual por isso também se prestou, nesse aspecto, para a interpretação da pessoa de Jesus. (apud Fabry e Scholtissek-2008, p.84-85) Para encerrarmos o assunto, pois está claro que muitos autores concordam que Jesus de Nazaré de fato tinha uma consciência messiânica, e cremos, baseado nas palavras dos evangelistas em Mt 16,20; Lc 2,39-52 e outros, faremos uso das palavras de Iammarrone que nos diz: que as narrativas evangélicas, embora tendo surgido no contexto da confissão de fé pós-pascal em Jesus como Senhor, não aumentam indevidamente seu autoconhecimento histórico, e muito menos o falsificam, pois são expressões de uma compreensão mais profunda por parte da comunidade cristã daquilo que ele historicamente ouviu e pensou a respeito de si e de sua missão salvífica. Jesus teve sempre consciência de sua identidade pessoal única, do mesmo modo, ele teve sempre consciência de sua missão salvífica e os Evangelhos nos testemunham que ele esteve aberto aos modos e às formas como ela vinha se realizando concretamente, segundo a vontade do Pai que a ele se revelava nos fatos humanos cotidianos e a qual ele se sentia sempre sujeito, “obediente” (Mc 14,36) (apud Iammarrone. In: Pacomio, L. & Mancuso, V. (Org.); 2003, p.135) Sendo assim, não restam dúvidas que por mais que Jesus de Nazaré não se tenha reconhecido expressis verbis como o Messias, fica clara sua autoconsciência de sua missão, pois não se anuncia a si mesmo, mas anuncia o Reino de Deus. E mais, relaciona-se com Deus chamando-o de Pai, consciente que é seu Filho e entende que a autoridade de sua missão salvífica está fundamentada em Deus. É nesse sentido que os Evangelhos e todo o Novo Testamento testificam da pessoa de Jesus de Nazaré e “foram escritos para que creiamos que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhamos vida em seu nome” (Jo 20,31). Considerações finais É óbvio que na presente pesquisa sobre o Messias, Jesus de Nazaré, muitos pormenores de sua vida, ministério público, morte e ressurreição não foram abordados ou simplesmente passaram despercebidos pelo crivo do autor. Até porque como nos diz o evangelista João: “Jesus fez muitas coisas e se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos” (Jo 21,25). Contudo, o que se propôs foi uma análise de cunho cristã-evangelica, com o simples objetivo de realçar a pessoa de Jesus Cristo, o nazareno, como o Messias. Por isso, a preocupação de uma análise histórica, retornando ao êxodo do Egito, passando pelos diversos períodos de dominações estrangeiras, até a dominação romana. Assim, em meio ao desenrolar da história as expectativas de libertação messiânicas foram sendo geradas. Isso foi apresentado de modo que apontasse sempre para o momento de Jesus de Nazaré na história de Israel. Também uma análise teológica foi apresentada, onde apontasse para a relevância da pessoa de Jesus, o Cristo, nos primórdios da Igreja e em todo o decorrer da história do cristianismo até os dias de hoje. Por isso, sintetizamos alguns títulos messiânicos que, corretamente, foram sendo interpretados e atribuídos a Jesus de Nazaré na pregação do evangelho e no caminhar da Igreja. Isso, sem nos esquecermos de analisar as dificuldades que o próprio Jesus teve que enfrentar em seu tempo, por causa das errôneas interpretações e expectativas messiânicas correntes que estavam impregnadas nas mentes de seus contemporâneos. E por fim, uma breve análise de sua autoconsciência messiânica foi também apresentada, onde se apurou que sim, o simples Carpinteiro de Nazaré era consciente de sua missão salvífica autorizada por Deus. Assim, se encerra a presente pesquisa, acreditando que a mesma possa ser o arcabouço de um futuro trabalho mais detalhado da vida daquele que foi e que é o maior homem de toda a história: Jesus de Nazaré, o Messias. Bibliografia Bíblia Sagrada – tradução João Ferreira de Almeida, revista e atualizada 2ª São Paulo: SBB, 1998. BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador: ensaio de cristologia crítica para o nosso tempo. 13ª edição, Petrópolis: Vozes, 1986. BRAKEMEIER, Gottfried. Reino de Deus e Esperança Apocalíptica. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1984. CULMANN, Oscar. Cristologia do Novo Testamento. Tradução de Daniel de Oliveira e Daniel Costa. São Paulo: Hagnos, 2008. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. 18ª edição. Sinodal e Vozes, 2004. DUNN, James D. G. 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