Equilíbrio químico 1. Equilíbrio Químico. Uma reacção química é um processo dinâmico, em que as moléculas de reagentes chocam entre si, dando origem, por rearranjo das ligações entre os átomos, às moléculas dos produtos. Este processo é reversível, isto é, as moléculas dos produtos podem eventualmente percorrer o caminho inverso, refazendo os reagentes originais. Quando a velocidade do processo no sentido directo iguala a do processo no sentido inverso, as quantidades de reagentes e produtos deixam de variar no tempo e a reacção atinge o estado de equilíbrio. Uma das grandes descobertas de sempre no domínio da Química foi a de que este estado é caracterizado, para cada reacção, por um valor constante do quociente do produto das quantidades de produtos da reacção pelo produto das quantidades de reagentes. Este quociente é a constante de equilíbrio da reacção K. Esta descoberta, devida a Guldberg e Waage, é ainda hoje conhecida por lei de acção das massas. Vejamos o seu significado. Na Tabela abaixo estão indicados valores publicados por Taylor e Crist ( J. Am. Chem. Soc. 1941, 63, 1377) para as pressões parciais de reagentes e produto da reacção H2 + I2 ⇒ 2HI p(H2) 0.1645 p(I2) p(HI) K=p(HI)2/(p(H2) p(I2)) 0.09783 0.9447 55.41 0.2583 0.04229 0.7763 55.19 0.1274 0.1339 0.9658 54.67 0.1034 0.1794 1.0129 55.31 0.02703 0.02745 0.2024 55.19 0.06443 0.06540 0.4821 55.16 Estes valores foram obtidos à temperatura de 425 ºC e portanto em condições em que reagentes e produtos são substâncias gasosas. [Comportam-se portanto (baixas pressões, altas temperaturas) como gases perfeitos. Logo, as quantidades ni de cada gás são proporcionais às suas pressões parciais: pi = RT. ni / V ]. As experiências correspondentes às quatro primeiras linhas correspondem a reacções efectuadas partindo de mistura de hidrogénio (H2) e iodo (I2), isto é, a reacção prosseguiu no sentido directo, enquanto as duas últimas começaram com iodeto de hidogénio (HI) puro 1 Equilíbrio químico e seguiram portanto o sentido inverso. As quantidades iniciais foram em todas elas diferentes, de modo que, no equilíbrio, cada experiência apresenta um conjunto diferente de pressões parciais. A constante de equilíbrio, o quociente p(HI)2 K = p(H2) p(I2) é, no entanto, sempre o mesmo e independente das condições iniciais. O valor desta constante pode ser obtido empiricamente para cada reacção química, a uma dada temperatura, tal como no exemplo acima. Este processo obrigaria, no entanto, a um enorme esforço experimental de análise química de cada vez que fosse necessário saber um valor de K. A Termodinâmica Química é a parte da Química Física que se dedica ao cálculo, por métodos alternativos, dos valores de constantes de equilíbrio e da sua variação com condições externas, como a temperatura. Essencialmente o que se pretende é definir o sentido de evolução dum sistema químico (quando um sistema deixa de evoluir, atingiu o equilíbrio). Pode estabelecer-se um paralelo com sistemas puramente mecânicos, como um peso que cai sob acção da gravidade, para se compreender o que é pretendido. Neste caso temos um corpo com uma determinada energia potencial (dependente da altura), que é transformada durante a queda em energia cinética. Enquanto esta aumenta, a energia potencial diminui e a energia total conserva-se. O critério de evolução neste caso é, como sabemos bem, o da diminuição da energia potencial: o sistema tende para uma energia potencial mínima. Um sistema químico é muito mais complexo que o sistema acima examinado. A energia potencial e a energia cinética não variam regra geral de modo significativo (a não ser no caso de explosões) e há portanto que encontrar outro critério de evolução. A ideia de que esteja de algum modo relacionado com energia leva-nos a examinar as transformações energéticas numa reacção química. Energética das reacções químicas Há reacções químicas que se dão com libertação de calor, enquanto outras absorvem 2 Equilíbrio químico calor. Medir o calor libertado ou absorvido num processo químico é uma tarefa conceptualmente simples (embora na prática seja por vezes muito complicada). Utilizam-se aparelhos denominados calorímeros, em que podemos, por exemplo, medir o aumento ou diminuição de temperatura duma determinada quantidade de água n, colocada à volta do recipiente onde se realiza a reacção. O calor Q será então calculado pelo produto de n pela diferença de temperatura medida ∆T e pela capacidade calorífica da água C: Q/J = n/mol . ∆T/K . C/J K-1 mol-1 (Ter em atenção que ∆T é representado pelo mesmo número em K ou em ºC, visto que se trata duma diferença). Calor é uma das formas que um sistema tem de trocar energia com o exterior. A outra é o trabalho, como num motor dum automóvel, em que parte da energia libertada na combustão é utilizada para fazer movimentar as rodas (a outra parte é dissipada para o exterior sob a forma de calor, através do radiador). Num calorímetro, a variação de energia durante uma reacção química é passada para o exterior totalmente sob a forma de calor. Nas condições normalmente prevalecentes durante uma reacção, isto é, a pressão(atmosférica) fixa, o calor libertado ou absorvido corresponde à variação duma forma de energia que os termodinâmicos designam por entalpia, representando-a pela letra H. Num calorímetro pode portanto medir-se a variação de entalpia duma reacção. O princípio da conservação de energia (1º Princípio da Termodinâmica) impõe que, quando uma reacção se dá no sentido inverso, a variação de entalpia seja igual em módulo, mas de sinal contrário, ao da variação no sentido directo. Temos portanto que estabelecer (por convenção arbitrária) qual o sinal que atribuimos em cada um dos casos. Por outro lado, como só podemos medir variações (diferenças entre produtos e reagentes), convém-nos estabelecer um zero convencional, para termos uma escala de medida. O zero de entalpia foi estabelecido pela União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC) como a entalpia dos elementos na sua forma mais estável a 25 ºC e à pressão de 1 bar ( = 105 Pa). Exemplo: A entalpia do oxigénio é zero para a forma molecular O2, existente como gás, enquanto o ozono, O3, e o oxigénio atómico, O, têm entalpias diferentes de zero. 3 Equilíbrio químico Quanto ao sinal, consideram-se as variações de entalpia correspondentes a reacções em que há libertação de calor, negativas e as correspondentes a absorção de calor, positivas. Exemplo: A entalpia de formação da água (líquida), a 25 ºC e 1 bar, é negativa, isto é, há libertação de energia quando se forma 1 mol de água a partir dos seus elementos constituintes, oxigénio e hidrogénio, na sua forma mais estável, O2 e H2: H2 (g) + 1/2 O2 (g) ⇒ H2O (l) ∆fHº = –285.8 kJ mol-1 Então, a entalpia de dissociação da água terá que ser positiva: H2O (l) ⇒ H2 (g) + 1/2 O2 (g) ∆dHº = +285.8 kJ mol-1 Neste exemplo, há vários pontos importantes a reter: - Utiliza-se o símbolo ∆ por se tratar duma variação de entalpia entre reagentes e produtos; os índices f e d designam as reacções, respectivamente, de formação dum composto a partir dos seus ele mentos na forma mais estável e de dissociação desse composto; o expoente º designa condições de referência (25 ºC, 1 bar). - A unidade normalmente utilizada para a entalpia é kJ (=103 J). Sempre que forem realizados cálculos com estes valores, deverá ter-se em atenção este facto, como veremos em pormenor a seguir. - Como os elementos nesta forma têm entalpia nula, pode dizer-se que a entalpia de formação da água é –285.8 kJ mol-1. Medindo valores de calor libertado ou absorvido noutras reacções de formação, têm sido compiladas extensas tabelas de entalpias de formação. Foram medidas entalpias de formação para muitos compostos, cujos valores podem ser encontrados em manuais de Química e publicações especializadas em Tabelas Termoquímicas. Estes valores podem ser usados para calcular a variação de entalpia em qualquer reacção química. 4 Equilíbrio químico Exemplo: O conhecimento da energia cedida na reacção de combustão de glucose é muito importante do ponto de vista biológico. Este valor pode obter-se a partir dos seguintes valores de entalpias de formação, retirados de tabelas termoquímicas: ∆fHº (glucose) = – 1274.0 kJ mol -1 ∆fHº (dióxido de carbono) = – 393.5 kJ mol -1 ∆fHº (água) = – 285.8 kJ mol -1 Então, podemos calcular ∆fHº da reacção C6H12O6 (s) + 6O2 (g) ⇒ 6CO2 (g) + 6H2O (l) através da subtracção das entalpias dos reagentes (O2 é um elemento na sua forma mais estável e tem convencionalmente entalpia 0) das dos produtos: ∆rHº = – 285.8 x 6 – 393.5 x 6 – (–1274.0 + 0 x 6) = – 2801.8 kJ mol -1 Por vezes o problema é o oposto, sendo necessário conhecer a entalpia de combustão para se calcular a entalpia de formação. É o caso dos hidrocarbonetos (compostos de carbono e hidrogénio), cujas reacções de formação são normalmente irrealizáveis (quando se combina carbono com hidrogénio, obtêm-se inúmeros hidrocarbonetos e nunca um único puro). Vejamos o caso do hidrocarboneto mais simples, o metano. Exemplo: A entalpia de formação do metano não pode ser medida directamente por realização da reacção C (sól.) + 2H2 (g) ⇒ CH4 (g) pelas razões acima apontadas. A reacção de combustão CH4 (g) + 2O2 (g) ⇒ CO2 (g) + 2H2O (liq.) é, pelo contrário, muito fácil de realizar (o metano é um combustível e o principal constituinte do gás de cidade), podendo medir-se a sua variação de entalpia: ∆rHº = –890.3 kJ mol -1. 5 Equilíbrio químico Somando então reacções de ∆rHº conhecida 2× [H2 (g) + 1/2 O2 (g) ⇒ H2O (liq.) ] ∆fHº = 2×( –285.8 kJ mol-1) C (sól) + O2 (g) ⇒ CO2 (g) ∆fHº = – 393.5 kJ mol-1 CO2 (g) + 2 H2O (liq.) ⇒ CH4 (g) + 2 O2 (g) ∆rHº = + 890.3 kJ mol -1 C (sól.) + 2H2 (g) ⇒ CH4 (g) ∆fHº = – 393.5 kJ mol-1+2×(–285.8 kJ mol-1)+ 890.3 kJ mol -1= –74.8 kJ mol-1 obtém-se um valor para a reacção de formação do metano. Repare-se como à soma de reacções para obter uma reacção final corresponde uma soma dos valores de variação de entalpia - trata-se duma aplicação do princípio da conservação da energia. Veja-se também como à reacção inversa da de combustão do metano se pode atribuir uma variação de entalpia simétrica da de combustão. Sentido das transferências de energia - definição de entropia As tabelas termoquímicas dão a quantidade de energia trocada com o exterior quando se dá uma reacção química, mas não respondem à questão inicial: em que sentido se vai dar uma dada reacção? Na realidade há reacções que prosseguem espontaneamente com absorção e outras com libertação de energia. Para chegarmos a um critério de evolução química, examinemos uma transferência de energia muito simples: calor a passar dum corpo quente para um corpo mais frio. Trata-se dum fenómeno que, toda a gente sabe, se dá em sentido único: o calor só passa espontaneamente dos corpos mais quentes para os mais frios. Para passar calor do mais frio para o mais quente é preciso uma máquina, um frigorífico, por exemplo, e o fenómeno não é portanto espontâneo. Suponhamos que o corpo quente está à temperatura de 50 ºC (323 K) e o corpo frio a 25 ºC (298 K) e que, postos em contacto, passam 300 J sob a forma de calor dum para o outro. Introduzimos uma nova função termodinâmica, a que se dá o nome de entropia, definindo a 6 Equilíbrio químico sua variação como o quociente do calor trocado pela temperatura: ∆S = Q / T. Como o calor é cedido pelo corpo quente, temos que para este Q = −300 J, enquanto o corpo frio recebe Q' = + 300 J. A variação que a função entropia sofre no processo espontâneo de transferência de calor do corpo quente para o corpo frio é: ∆S = −300 / 323 + 300 / 298 = 0.071 J K-1> 0 A entropia é portanto definida de tal forma que aumenta ( a sua variação é maior que zero) quando se dá um processo espontâneo. "O calor passa espontaneamente dos corpos quentes para os mais frios" e "A entropia aumenta num processo espontâneo" são afirmações equivalentes neste caso simples. São duas formas diferentes de enunciar o Segundo Princípio da Termodinâmica, uma das leis mais importantes da Física. A segunda forma é mais abstracta, mas permite uma aplicação mais fácil ao estudo das reacções químicas. Temos assim que uma reacção química evolui no sentido que aumenta a entropia. Quando a entropia deixa de aumentar (porque atingiu um máximo), a reacção chega ao equilíbrio. Como é que se calcula então a variação de entropia numa reacção química? Há duas parcelas a considerar. A primeira parcela é a diferença de entropia entre os produtos da reacção e os reagentes (cada substância tem uma entropia diferente). A segunda corresponde ao efeito que a reacção produz no meio exterior - se ela liberta calor, a entropia do meio exterior aumenta, se absorve calor, diminui. A entropia duma substância pode ser medida, a partir da definição, realizando-se medidas, desde temperaturas muito baixas, do calor necessário para aumentar a sua temperatura, ou seja, da sua capacidade calorífica. Tomando a entropia a 0 K como o valor zero, a entropia a uma temperatura T será: T T S(T) = ∫ dQ/T = ∫ CdT/T 0 0 Os gases têm maior entropia que os líquidos e estes que os sólidos, devido ao calor de fusão e de vaporização que é necessário fornecer. Entropias a 298 K e pressão de 1 bar foram medidas para muitas substâncias e aparecem normalmente tabeladas juntamente com as entalpias de formação. Recorrendo a estas tabelas, é regra geral possível calcular a primeira parcela acima referida da variação de 7 Equilíbrio químico entropia numa reacção química, a que podemos chamar variação interna. Para podermos calcular a segunda parcela, precisamos de saber o calor que a reacção liberta ou absorve. Mas essa grandeza já sabemos que corresponde à variação de entalpia. Então temos: ∆Stotal = ∆Sinterno+∆Sexterno = ∆rS − ∆rH / T Exemplo: A reacção de formação de ferrugem (oxidação do ferro) é, sem dúvida, uma reacção espontânea à temperatura ambiente: 4Fe (sól.) + 3O2 (g) ⇒ 2Fe2O3 (sól.) A parcela correspondente à variação interna de entropia pode calcular-se com base nos seguintes valores encontrados em tabelas termoquímicas: Substância Sº/ J K-1mol-1 Fe Fe2O3 87.4 27.3 O2 205 ∆rSº = 87.4 x 2 − 27.3 x 4 − 205 x 3 = − 549.4 J K-1mol-1. ( Como um dos reagentes é um gás e o produto é um sólido, a variação de entropia da reacção é negativa, a entropia interna diminui) A segunda parcela é calculável com base no valor de entalpia de formação do óxido de ferro Fe2O3: ∆fHº(Fe2O3) = – 824.2 kJ mol-1, obtida também numa tabela. Então temos: ∆Sºtotal= ∆rSº− ∆rHº / T = −549.4 −(–824.2 x 1000 x 2) / 298.15 = + 4979 J K-1mol-1 A variação total de entropia é muito positiva, apesar da variação interna ser negativa, porque a reacção liberta calor em grande quantidade, aumentando a entropia do meio exterior. A entropia aumenta muito na formação de ferrugem. (Repare-se como multiplicámos – 824.2 por 1000, para transformar kJ em J, e por 2, uma vez que na reacção acima se formam 2 mol de Fe2O3, enquanto o valor de ∆fHº(Fe2O3) = – 824.2 kJ mol-1 se reporta unicamente à formação de 1 mol) 8 Equilíbrio químico Quando aumentamos muito a temperatura, o termo − ∆rHº / T vai-se tornando cada vez mais pequeno, até que passa a ser menor em módulo que o termo ∆rSº. Para temperaturas altas é então a reacção inversa, a formação de ferro a partir dos seus óxidos, que se torna a reacção espontânea (por isso é que se trabalha a altas temperaturas nos altos fornos duma siderurgia). Conclusão: Pode prever-se o sentido em que vai evoluir uma reacção química se soubermos calcular o valor de ∆Sºtotal= ∆rSº− − ∆rHº / T: ∆Sºtotal>0 → sentido directo ∆Sºtotal<0 → sentido inverso Energia de Gibbs As duas parcelas podem calcular-se através do uso de duas tabelas diferentes. Para facilitar o uso destas tabelas, é preferível condensá-las numa só. Define-se para tal uma nova função. Esta nova função tem as unidades duma energia e designa-se (actualmente) por energia de Gibbs. ∆G = − T × ∆Stotal = ∆rH − T x ∆rS A energia de Gibbs tende a diminuir (devido ao sinal − na definição, quando S aumenta, G diminui) e atinge um mínimo no equilíbrio. Exerce, para um sistema químico, as mesmas funções que a energia potencial para o sistema puramente mecânico que examinámos acima. Por isso, a energia de Gibbs transportada por 1 mol duma determinada substância química é também designada por potencial químico. No exemplo de formação de ferrugem ∆Gº = − T x ∆Sºtotal= − 4979 x 298.15 = −1485 x 103 = −1485 kJ mol-1 Este valor significa que quando se passa de 4 mol de ferro e 3 mol de oxigénio para 2 mol de óxido de ferro, a 298 K e pressão de 1 bar, há uma variação de energia de Gibbs muito negativa. A reacção é muito favorável no sentido directo e prossegue até esgotar 9 Equilíbrio químico praticamente um dos reagentes, o ferro ou o oxigénio. A constante de equilíbrio da reacção tem portanto um valor muito elevado. Examinemos agora uma outra reacção, a formação do amoníaco NH3 (uma reacção de grande interesse industrial): N2 + 3H2 ⇔ 2NH3 Consultando uma tabela, obtivemos a energia de Gibbs de formação em condições de referência ∆fGº = − 16.5 kJ mol-1 (como na reacção tal como está escrita se formam 2 mol de amoníaco, temos ∆rGº = − 33.0 kJ mol-1). É ainda um valor negativo, mas muito menos negativo que no caso de formação de ferrugem. Verifica-se experimentalmente que, quando se misturam azoto (N2) e hidrogénio (H2), estes reagem em grande extensão, mas no equilíbrio ainda existem em quantidades apreciáveis. Os reagentes não se esgotam, ao contrário do caso anterior. A constante de equilíbrio é maior que 1, mas bastante menor que no caso da reacção anteriormente estudada. Se quiséssemos agora comparar a tendência do amoníaco e do óxido de ferro para se decomporem, formando os seus elementos constituintes, teríamos que examinar a tendência das reacções acima indicadas para se darem no sentido inverso. Escrevendo-as então ao contrário, facilmente poderíamos concluir, a partir do que já foi dito, que ∆rGº seriam respectivamente + 33 e + 1485 kJ mol-1, e as constantes de equilíbrio correspondentes seriam menores que 1, mas enquanto na decomposição do amoníaco teríamos um valor não muito pequeno, na do óxido de ferro o valor seria praticamente 0. Resumindo: ∆rGº muito negativa muito grande (∞) negativa e pequena (em módulo) >1 positiva e pequena <1 muito positiva muito pequena (≅ 0) K equilíbrio Relação entre ∆rGº e a constante de equilíbrio 10 Equilíbrio químico A tabela acima sugere uma relação logarítmica entre ∆Gº e K. Pode provar-se por argumentos termodinâmicos que loge Kp = −∆Gº/RT Esta é uma equação fundamental da Termodinâmica Química e permite calcular constantes de equilíbrio só a partir de informação termodinâmica (entalpias, entropias) sobre reagentes e produtos da reacção. Exemplo: O gás dióxido de azoto (um dos principais poluentes produzido no motor dum automóvel) pode existir como molécula simples (monómero) ou como uma associação de duas moléculas (dímero). O equilíbrio entre estas duas formas pode traduzir-se pela seguinte reacção: 2NO2 (g) ⇔ N2O4 (g) Determinar a quantidade de cada destas espécies, à pressão de 1 bar. O primeiro passo é a consulta duma tabela para se obter os valores de ∆fGº para cada gás. Substância ∆fGº/kJmol-1 NO2 51.3 N2O4 97.8 Calculamos então ∆rGº = 97.8 − 2 x 51.3 = − 4.8 kJ mol-1 = − 4800 J mol-1. O segundo passo é o cálculo do valor da constante de equilíbrio K. [Numa reacção em fase gasosa, a constante de equilíbrio exprime-se em função das pressões parciais das substâncias envolvidas e designa-se por Kp. A unidade usada é o bar, pressão à qual são medidas ∆fGº]. loge Kp= 4800 / (8.314 x 298.15) = 1.9373 ⇒ Kp = 6.94. Então temos p(N2O4) 6.94 = p(NO2)2 e uma segunda equação que relaciona as pressões parciais: 11 Equilíbrio químico p(N2O4) + p(NO2) = 1 bar [A soma das pressões parciais iguala a pressão total] Ficamos assim com um sistema de duas equações a duas incógnitas. Por substituição da segunda na primeira: p(N2O4) 1 − p(NO2) 6.94 = = p(NO2)2 p(NO2)2 obtendo-se uma equação do segundo grau, com duas soluções: p(NO2) = 0.314 bar e p(NO2) = − 0.458 bar A pressão não pode ser negativa, pelo que a primeira solução é a única aceitável. Temos portanto: p(NO2) = 0.314 bar e p(N2O4) = 1 − p(NO2) = 0.686 bar Como a pressão é proporcional à quantidade de substância, através da equação dos gases perfeitos, temos uma composição de equilíbrio de 31.4 % (molar) de NO2 e 68.6 % de N2O4. [Estes números exemplificam como a ∆rGº pequeno e negativo corrresponde K pouco maior que 1 e quantidades apreciáveis no equilíbrio, tanto de reagentes como de produtos]. Variação da constante de equilíbrio com a temperatura A uma determinada temperatura, a constante de equilíbrio é um número fixo que caracteriza uma reacção no equilíbrio, quaisquer que tenham sido as concentrações iniciais de reagentes e produtos. Este número varia no entanto com a temperatura. Aumenta com o aumento de temperatura para algumas reacções e para outras diminui. Esta variação pode ser facilmente interpretada em termos da equação abaixo apresentada: log e K = − ∆G º − ∆H º ∆S º = + RT RT R Se admitirmos que ∆Hº e ∆Sº são grandezas que variam lentamente com a temperatura, o que é válido na maioria das reacções químicas, podemos usá-las, em primeira 12 Equilíbrio químico aproximação, como valores constantes na equação acima. Pode então facilmente ver-se que só a primeira parcela do termo direito da equação varia com a temperatura, porque contem o factor 1/T. Logo, o logaritmo da constante de equilíbrio (e portanto também a própria constante K) varia com T de acordo com o sinal e a magnitude da variação de entalpia da reacção ∆Hº. Assim, quando T aumenta, 1/T diminui e: - se ∆Hº for positivo (reacção endotérmica), a parcela (-∆Hº/RT) torna-se menos negativa e log K aumenta; - se ∆Hº for negativo (reacção exotérmica), a parcela (-∆Hº/RT) torna-se mais negativa e log K diminui. Conclusão: A constante de equilíbrio duma reacção endotérmica aumenta quando a temperatura aumenta. A constante de equilíbrio duma reacção exotérmica diminui quando a temperatura aumenta Esta conclusão é uma das formas do Princípio de Le Chatelier que, enunciado com generalidade, diz que os fenómenos no equilíbrio tendem a contrariar qualquer modificação externa que se aplique às condições de equilíbrio (há também quem lhe chame o princípio da perversidade da Natureza). Aplicado ao caso da variação de temperatura, este enunciado traduz-se da seguinte maneira: Uma reacção endotérmica no equilíbrio reage a um acréscimo da temperatura produzindo mais produtos (K aumenta), o que irá absorver algum calor do meio exterior e tende a fazer baixar T, contrariando o seu aumento inicial. Pelo contrário, se tiver havido um decréscimo da temperatura, a reacção evolui no sentido inverso, que é exotérmico, e produz mais reagentes, libertando calor, o que tende a aumentar de novo a temperatura. 13