A IGREJA ORTODOXA UCRANIANA EM PONTA GROSSA E AS

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Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2014. ISSN 2317-9759
MULHER UCRAÍNA: A IGREJA ORTODOXA UCRANIANA EM PONTA GROSSA
E AS DIMENSÕES DO PAPEL FEMININO (1950 – 1986)
RESSETTI, Jeanine Campos
CONEGLIAN, Flavio Marcelo
1. Introdução
A proposta dessa pesquisa foi compreender, através de práticas religiosas da Igreja
Ortodoxa Ucraniana em Ponta Grossa-PR, as dimensões do papel feminino dentro da
instituição e perceber os vários códigos de conduta que essa mulher precisa exercer dentro de
suas tradições, pois a mulher ucraniana é responsável em dar continuidade ao processo de
transmissão de valores que mantém as tradições, essa característica está profundamente
aprofundada em seu inconsciente ou consciente que as torna vinculadas à sua religião
tradicional.
A religião Ortodoxa Ucraniana ultrapassa a expressão mística: por trás de seus ritos
religiosos podemos observar a realidade das suas tradições e do cotidiano de seus fiéis, pois a
comunidade estima a permanência da memória demarcada por seus antepassados. Embora
seus antepassados vindos da Ucrânia tenham passado por enfrentamentos culturais como, por
exemplo, a temporalidade, as invasões territoriais, a grande dificuldade encontrada com a
imigração, dentre outras, suas tradições resistiram, as quais ainda são valorizadas até hoje
pelos seus descendentes.
Para tanto, o objetivo do trabalho foi analisar a organização da Igreja Ortodoxa
Ucraniana e, a partir dela, compreender a relevância que essa organização tem sobre a
identidade ucraniana, sobretudo a feminina, ou seja, o estudo busca compreender como as
práticas religiosas da Igreja Ortodoxa Ucraniana integram a formação da identidade feminina
ucraniana.
2. Metodologia
Para analisar a organização da Igreja Ortodoxa Ucraniana e, a partir dela, a construção
nacional ucraniana foram utilizados como fonte bibliográfica: Burko (1963), Millus (2002) e
Evdokmov (1989), esses descrevem a trajetória do povo ucraniano e o papel da mulher
ortodoxa. Para analisar profundamente é preciso se colocar diante das experiências religiosas
sugeridas pela liturgia. Desta forma, através da observação dos ritos religiosos praticados pela
Igreja Ortodoxa Ucraniana e de seus fiéis na cidade de Ponta Grossa-PR, utilizamos como
metodologia observação participativa buscando perceber a vivência dessas mulheres dentro da
igreja, ainda utilizamos a semiótica e análise dos registros paroquiais de casamento.
Para observação participativa criamos uma ficha1 a partir da análise em campo, a
pesquisa de campo foi feita através de anotações obtidas durante a participação em diversos
ritos ortodoxos nos anos de 2009 a 2011. Segundo Tim May (2001, p.177), a pesquisa de
campo é “o processo no qual um investigador estabelece um relacionamento multilateral e de
prazo relativamente longo com uma associação humana na sua situação natural com o
propósito de desenvolver um entendimento científico daquele grupo”.
1
Na ficha consta: Data da Visita/ Horário/ Duração da Pesquisa/Campo de Observação/ Circunstância/
Interpretação dos Dados/ Quantidade e Aspectos dos Presentes/Relatos formais e informais (entrevistas e
conversas) /Análise.
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Porém utilizamos, para análise, registros de casamento no período de 1950 a 19862. A
partir desses registros foram feitos gráficos (Gráfico 1 e 2) que nos dão compreensão das
distribuições dos casamentos no período proposto e mostram outras características dos
costumes do grupo. Além disso, obtivemos através dos registros de casamento o recorte
temporal da pesquisa proposta, para isso, ainda foi utilizado o histórico da Paróquia São Jorge
Protetor em Ponta Grossa, por meio dessas fontes é possível compreender a dinâmica
matrimonial dos “ucranianos pontagrossenses”.
Muitas Igrejas Ortodoxas, na diáspora, escolhem seguir seu calendário litúrgico
original, sendo assim, há dias em que o casamento não pode ser realizado, como na véspera
de quarta e sexta-feira durante o ano, vésperas de domingos santos (domingos que antecedem
a quaresma, como o domingo de ramos, a Páscoa) e principais dias santos, na semana que
antecede a Páscoa e uma semana após, na quaresma, onde são feitos os jejuns e as penitências,
vésperas da elevação da cruz e da decapitação de São João. No caso do calendário não ser
seguido por motivos inusitados, o casal deve ter obrigatoriamente a dispensa do Bispo. Desse
modo, a partir do calendário, compreendemos a distribuição dos casamentos ao longo de cada
ano considerado. Deste modo, entendemos que as datas eram definidas buscando seguir uma
dimensão cultural. O gráfico nos possibilitará ver as definições destas datas.
Gráfico 1. Distribuição do número de casamentos por meses
Podemos observar no (Gráfico 1) que em alguns meses as celebrações de casamento
são nulas (como março, junho e dezembro), porém, no mês de fevereiro, essas celebrações
estão em nível mais elevado. Referente aos meses que não tem casamento, isso se deve às
festas religiosas (como a quaresma, a Páscoa e o Natal), quanto ao período de fevereiro, é um
mês significativo para os cristãos e para a crença camponesa europeia, ligado profundamente
com a primavera pelo sentido de renovação e por ser miticamente a estação do amor. Os
O recorte temporal utilizado surgiu a partir da inauguração da Igreja Ortodoxa Ucraniana de Ponta Grossa – PR
(Paróquia São Jorge Protetor) no ano de 1950, sendo esse o início das atividades religiosas. Levando em
consideração os registros de casamento guardados na paróquia, demarcamos com o ultimo registrado, no ano de
1986 (após essa data os registros de batismo, casamento, dentre outros são encaminhados para Curitiba-PR).
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ucranianos além de seguir o calendário cristão, estavam atrelados ao calendário agrícola
essencialmente camponês.
Gráfico 2. Idade com que as mulheres se casavam.
Gráfico 3. A idade em que os homens casavam
As idades tanto das mulheres (Gráfico 2) quanto dos homens (Gráfico 3) seguem um
padrão, mantendo as tradições e hábitos na constituição dos casais e se enquadram nessas
estruturas socioculturais tradicionais.
Ao dividirmos esses dados por idade e por gênero, percebemos a dinâmica do
comportamento entre os fiéis (referentes à idade de casar) o objetivo foi indicar se houve
mudanças entre esses períodos, pois cada um possui uma forma de pensar (por ser de idades
diferentes), de conduzir sua relação com a religião. Porém, com a análise pode-se considerar
que durante o período de 1958 a 1986 não existiram alterações significativas entre as idades
dos noivos.
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O casamento era fundamental para dar continuidade à memória ucraniana, assim, ao se
instalarem os ucranianos queriam preservar a herança cultural, assim com a união entre as
famílias fortaleceriam esses laços com a terra deixada, sendo essa melhor maneira de tornar o
grupo etnicamente “puro”, portanto, esses jovens tinham a obrigação de casar-se com alguém
do seu grupo, criando então um grupo culturalmente homogêneo.
Além destes usamos coletas de informações através de pesquisa de campo, pois a
partir dessas experiências vividas dentro do espaço religioso podemos encontrar detalhes da
relação entre a Igreja e as mulheres.
Para atingirmos os objetivos do trabalho exploramos alguns dos ofícios religiosos
como o Oficio do Matrimônio da Igreja Ortodoxa Ucraniana, tendo como fonte o livro O
Sacramento do Amor (EVDOKMOV, P, 1989), pois notamos que é a partir desse momento
que a mulher passa a “fazer parte da sociedade ortodoxa”.
Procuramos identificar, portanto, elementos do pertencimento religioso das mulheres
ucranianas, pois tal característica se deve ao fato dessas mulheres compartilharem a sua
identidade com a Instituição, o que acaba influenciando na produção de seus próprios
discursos.
3. Resultados Obtidos
Os imigrantes, embora tivessem passado por um enfrentamento cultural nas suas
tradições, resistiram às diversas ocupações na região da Ucrânia e não permitiram que a sua
cultura fosse esquecida, carregada até hoje por seus descendentes, a religião tem papel
importante para manter as tradições, pois é utilizada como referência da cultura ucraniana, a
Igreja faz parte da vida dos ucranianos e de seus descendentes.
Tendo como elemento de análise a mulher ortodoxa, notamos que o matrimônio é um
momento importante na vida dessas mulheres, pois é a partir da prática matrimonial que
podemos observar como a Igreja interfere na relação familiar, contudo fica destinada a elas a
missão de repassar os costumes aos seus familiares tendo como principal objetivo a
recuperação da memória coletiva e da sua história nacional, até hoje valorizada pelos
ucranianos.
No entanto mudanças foram inevitáveis, a língua ucraniana nos ritos se misturou com
a língua portuguesa, as moças e mulheres não usam mais o véu (que era quesito obrigatório
em sua origem como sinal de obediência, dignidade e feminilidade), são poucos os jovens que
participam das celebrações com seus pais e avós, assim os casamentos são realizados entre
pessoas de outras etnias. Dentre tantas mudanças o desejo de tornar a memória herdada de
seus antepassados e a “necessidade” de pertencer a um determinado grupo mantém, assim,
viva as tradições tornando-as integrantes de sua própria identidade.
4. Considerações finais
A mulher tem um papel fundamental na preservação da tradição dentro do âmbito
familiar, pois cabe a ela cuidar do lar e educar seus filhos de acordo com os costumes
ucranianos ortodoxos. A transmissão de valores e costumes está associada ao cumprimento do
papel de mãe, seguindo assim a perspectiva da Igreja. As mães ao seguir à risca as tradições,
deixam para seus filhos uma conduta onde não é permitido questionar, sendo assim esses
darão continuidade a essa cultura. Portanto, a mulher cumpre seu papel de acordo com a
maneira em qual foi educada, pois cumprir essa função é de grande relevância para a Igreja e
para a cultura ucraniana sendo essa uma das condições de existência dessas tradições.
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De acordo com Horbatiuk (1983), na família ucraniana a autoridade é partilhada com a
mulher inclusive no que se refere à economia e à educação dos os filhos. Assim, a dona-decasa assume a responsabilidade de tomar conta das “coisas da casa” e ensinar as filhas a
assumirem esse papel. Os papéis femininos são marcados pela ocupação com o lar,
envolvendo na sua rotina cozinhar, lavar roupa, costurar, dentre outros serviços domésticos.
Contudo, devido às condições do meio em que se inseriu, a mulher se obriga a
redefinir seu papel dentro da sociedade ortodoxa ucraniana como, por exemplo, além das
obrigações dentro da Igreja e do lar, devido às dificuldades encontradas e as mudanças que
sofre a cidade de Ponta Grossa, elas sentem a necessidade de se inserir dentro do mercado de
trabalho. Com isso ocorre o desaparecimento de alguns elementos tradicionais fazendo com
que a mulher compartilhe os papéis com o homem, demonstrando maneiras novas para viver
em um local novo. Portanto, podemos dizer que os costumes sofrem influências do meio,
expondo a disposição de acolher ou recusar o diferente.
No entanto, as mulheres compartilham a sua identidade com a instituição, o que acaba
influenciando na produção de seus próprios discursos, pois a religião é uma variedade
simbólica e esse simbolismo influencia na construção das identidades e, portanto, a
reprodução de valores integrantes da identidade feminina ucraniana.
Durante a pesquisa podemos observar que, devido às “modernidades”, as ucranianas
romperam com alguns valores tradicionais assumindo outros papéis (dentro da comunidade e
da sociedade) como o envolvimento das mulheres na direção da Igreja como indica o histórico
da Igreja de Ponta Grossa; em contrapartida sabe-se que ainda existem mulheres que se
encontram amoldadas à situação que lhes é designada pela Igreja.
5. Referências bibliográficas
BURKO, Valdomiro. A Imigração Ucraniana no Brasil. 2ed. Curitiba: s.l. 1963.
EVDOKMOV, P. O Sacramento do Amor. O mistério conjugal à luz da tradição ortodoxa.
São Paulo: Paulinas, 1989.
HOBATIUK, Paulo. Imigração Ucraniana no Paraná. Porto Alegre: Uniporto, 1983.
KOSSOY, B. Os tempos da Fotografia: o efêmero e o perpétuo. São Paulo: Ateliê Editorial,
2007.
MILLUS, Nicolas. Origem histórica do Cristianismo Ortodoxo. Curitiba, 2002.
MILLUS, Nicolas. Uma Breve Visão Histórica do Cristianismo na Ucrânia. Curitiba,
2002.
MAY, Tim. Pesquisa social. Questões, métodos e processos. Porto Alegre, Artemed. 2001.
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