CEFAC Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica MOTRICIDADE ORAL DISFUNÇÕES TÊMPORO-MANDIBULARES: FATORES ETIOLÓGICOS E CONSEQÜÊNCIAS NA MUSCULATURA MASTIGATÓRIA SILVIA GROTHE MACHADO SÃO PAULO 1998 1 CEFAC Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica MOTRICIDADE ORAL DISFUNÇÕES TÊMPORO-MANDIBULARES: Fatores etiológicos e conseqüências na musculatura mastigatória Monografia de conclusão do curso de especialização em Motricidade Oral Orientadora: Mirian Goldenberg SILVIA GROTHE MACHADO SÃO PAULO 1998 2 Resumo Com o objetivo de abordar determinados fatores que permeiam a síndrome da dor e disfunção miofacial, principalmente os fatores etiológicos e as conseqüências na musculatura mastigatória, me propus a realizar uma investigação teórica acerca deste assunto. No que diz respeito à etiologia, a grande maioria dos autores consultados apresenta opiniões similares referindo-se a ela como sendo de ordem multifacetada, abrangendo aspectos tanto emocionais quanto físicos. Entretanto, uma grande ênfase foi dada às parafunções orais como fatores desencadeantes da disfunção em questão. A mesma semelhança de opiniões entre os autores foi observada no que tange a abordagem terapêutica, sendo praticamente unânime a idéia de se adotar uma conduta clínica multidisciplinar devido à multideterminação do problema. Em contrapartida, com relação às conseqüências na musculatura mastigatória, foram encontradas algumas divergências nos achados clínicos. Por este motivo, a maioria dos autores consultados acredita na necessidade de uma constante pesquisa na área. 3 Summary With the purpose of approaching some factors that permeates the myofascial pain-dysfunction syndrome, specially the etiological factors and the consequences in the masticatory muscles, I decided to develop a theorical investigation around this subject. Regarding the etiology, nowadays, most of the consulted authors present similar opinions about it, refering to the subject as something with many facets, including aspects both emotional and physical. However, a great emphasis has been given to oral parafunction activities as being the factors that cause the refered dysfunction. There is also a great similarity of opinions between the authors regarding the therapeutic approach, being almost unanimous in the idea of using a multidisciplinary clinical action due to the multidetermination of the problem. Meanwhile, about the consequences in the masticatory muscles, some divergences around clinical findings have been found. For this reason, most of the consulted authors believe in the necessity of a constant research about the subject. 4 Sumário 1 - Introdução_______________________________________________ 6 2 - Anatomia ________________________________________________ 9 3 - Miologia Mastigatória_______________________________________ 12 4-Anatomia e Fisiologia da Articulação Têmporo-Mandibular___________ 16 5- Discussão Teórica__________________________________________ 20 5.1 - Parafunções e Desordens Têmporo-Mandibulares______________ 27 5.2 - Fatores Oclusais e Musculares _____________________________ 35 5.3 - Tratamento ____________________________________________ 49 5.3.1 - Abordagem Fonoaudiológica _____________________________ 54 6 - Considerações Finais _____________________________________ 63 7 - Referências Bibliográficas __________________________________ 66 5 1 - Introdução Há aproximadamente trinta anos, trabalhos na área mioterápica vêm sendo realizados por fonoaudiólogos. Entretanto, observa-se ainda em pequeno grau a procura de atendimento fonoaudiológico por pacientes com queixas de alterações do sistema motor oral, associadas às disfunções têmporo-mandibulares. Provavelmente esta procura esteja ocorrendo em função de uma maior conscientização de alguns profissionais sobre a importância da intervenção multidisciplinar, visando condutas coerentes e integradas para a efetivação do trabalho a ser desenvolvido, uma vez que as alterações acima citadas envolvem mais de um campo científico. Contudo, pelo fato de ter contato com alguns odontólogos, cuja atuação está diretamente direcionada à estes paciente, tenho observado que na grande maioria dos casos um parecer fonoaudiológico não chega a ser solicitado. Ao conversar com alguns pacientes da clínica onde atuo e obter informações dos dentistas responsáveis pelos pacientes em questão, pude observar a freqüente queixa relacionada aos músculos mastigatórios. A partir desse momento, tenho questionado-me sobre a relação entre os fatores envolvidos na disfunção referida e o campo de atuação fonoaudiológica. Assim, o conhecimento sobre os fatores etiológicos, os sintomas e as abordagens terapêuticas referentes às influências das disfunções 6 têmporo-mandibulares na musculatura mastigatória, motivou a realização do presente trabalho que está centrado na revisão literária que abrange tais aspectos. Neste estudo, irei abordar em um primeiro momento a anatomia orofacial, focalizando a musculatura mastigatória, a anatomia e fisiologia da articulação têmporo-mandibular. Em seguida, será realizada uma discussão teórica sobre os fatores etiológicos e as conseqüências encontradas tanto nos músculos da mastigação quanto em outras partes do sistema estomatognático. Por fim, a abordagem estará em torno dos processos relacionados às intervenções terapêuticas da disfunção apresentada, sendo que a área fonoaudiológica será mais evidenciada. Considero que este estudo seja relevante à ciência fonoaudiológica, uma vez que o fonoaudiólogo é um dos profissionais responsáveis pela reabilitação oral do paciente. Assim sendo, cabe muitas vezes a ele intervir nas alterações do sistema estomatognático e, portanto, nos músculos da mastigação. Acredito que a relevância deste trabalho estenda-se também aos demais profissionais que atuam nas referidas alterações e consequentemente aos pacientes que, por sua vez, são submetidos a tratamentos relacionados a essa área motora. Como em qualquer outra forma de intervenção fonoaudiológica, é fundamental o amplo conhecimento da área a ser abordada para que o êxito terapêutico tenha maior probabilidade de ocorrer, evitando condutas inadequadas e prejudiciais ao paciente. 7 Considerando os fatores abordados, é indiscutível que quanto mais e melhor informado estiver o profissional em questão, maior será o benefício para todas as partes envolvidas no processo. 8 2 - Anatomia Devido ao intuito deste trabalho estar relacionado ao estudo das influências das desordens têmporo-mandibulares na musculatura mastigatória, a abordagem anatômica das partes envolvidas torna-se de importante para o entendimento da relação existente entre as áreas afetadas. De acordo com Sicher e Tandler (1981), Erhart (1987) e Medeiros (1991) tal abordagem é descrita da seguinte forma: A anatomia da cabeça abrange a do esqueleto cefálico e a das partes moles que nele encontram-se. No esqueleto cefálico distinguem-se duas regiões: o crânio e a face, cujos limites entre elas não são muito nítidos. Os ossos estabelecem conexão entre si através de articulações que, de acordo com a conformação e o aspecto estrutural, agrupam-se em articulações fibrosas, cartilaginosas, ou sinoviais. Exceto a articulação da mandíbula com o osso temporal, a união entre os ossos ocorre ou por sincondrose, que é a interposição de substância cartilaginosa, ou por sindesmose, que significa a interposição de tecido conjuntivo no crânio. A articulação da mandíbula com o osso temporal pertence ao tipo sinovial de articulação e recebe o nome de Articulação Têmporo-Mandibular (ATM). 9 As articulações sinoviais possuem, geralmente, grande mobilidade e apresentam elementos constituintes: cápsula, cavidade e superfícies articulares que as caracterizam. O sistema muscular, considerado parte mole, é constituído por órgãos ativos do movimento denominados músculos e órgãos anexos. Os músculos cutâneos e os esqueléticos compreendem os músculos da cabeça e do pescoço. A musculatura cutânea da cabeça é representada pelos músculos mímicos que localizam-se logo abaixo da pele e apresentam inserção de uma das extremidades na face profunda da mesma, desencadeando sua movimentação. Dentre os vários músculos esqueléticos da cabeça, encontram-se os músculos da mandíbula, mais comumente denominados músculos mastigatórios. Alguns autores apontam como mastigatórios um grupo de apenas quatro músculos, sendo eles o masséter, temporal, pterigóideo medial e pterigóideo lateral. Entretanto, devido aos músculos mandibulares serem estudados durante a função mastigatória, autores como Marchesan(1993) têm considerado como mastigatórios, não apenas o grupo de músculos acima citados, mas também outros que desempenham papel fundamental na função em questão. A miologia mastigatória é determinada, então, tanto pelos músculos elevadores ou levantadores da mandíbula como pelos abaixadores desta estrutura. O grupo de músculos elevadores da mandíbula é composto pelo músculo temporal, masséter e pterigóideo medial, enquanto que o grupo 10 muscular responsável pela depressão mandibular é constituído pelo músculo pterigóideo lateral, o digástrico, o geni- hióideo e o milo- hióideo. Cabe ressaltar que, além desta musculatura específica para o desempenho da função mastigatória, contamos ainda com a participação de um grupo de músculos auxiliares da mastigação, formado pelo músculo bucinador, o orbicular dos lábios, o zigomático maior e o zigomático menor, que participam ativamente da função estomatognática referida. 11 3 - Miologia Mastigatória A anatomia da musculatura mastigatória é abordada de maneira semelhante por inúmeros autores como Moore (1985), Sicher e Tandler (1991) e Medeiros (1991). Músculo Temporal Com um formato triangular semelhante ao de um leque, é composto por fibras musculares que têm origem na fáscia e soalho da fossa temporal. Estas fibras convergem em direção ao espaço situado medialmente ao arco zigomático, onde o músculo atinge sua espessura maior, e atravessam este espaço para terminar na mandíbula. A inserção do músculo é feita por duas porções tendinosas separadas entre si. A porção superficial insere-se na borda da apófise coronóide e o tendão profundo insere-se na face medial da apófise coronóide, numa zona que se estende de seu ápice até abaixo da crista temporal. A ação principal deste músculo é a de elevar a mandíbula, porém também participa da retrusão e lateralização da mesma. Músculo Masséter Constitui uma massa quadrangular na qual reconhecem-se duas porções, uma superficial e outra profunda. As fibras da porção superficial dirigem-se de cima para baixo e de diante para trás. As da porção profunda têm direção quase vertical, desviando-se às vezes um pouco para diante e para baixo. 12 Sua origem ocorre no arco zigomático, sendo que a porção superficial origina-se nos dois terços anteriores da borda inferior deste arco e a porção profunda tem origem em todo o arco zigomático. A zona de inserção do masséter compreende a superfície lateral do ramo mandibular, até chegar superiormente na apófise coronóide. Embora este músculo tenha como ação principal a elevação da mandíbula, ele também contribui significativamente para a projeção e lateralização desta estrutura. Músculo Pterigóideo Medial ou Interno É um músculo quadrilátero espesso, que apresenta duas cabeças de origem e situa-se profundamente no ramo mandibular. A cabeça superficial tem origem na tuberosidade maxilar, enquanto que a cabeça profunda, representante da maior parte deste músculo, origina-se na face medial da lâmina lateral do processo pterigóide. A inserção desta musculatura ocorre na face medial da mandíbula, nas proximidades do ângulo. A principal ação deste músculo é a elevação mandibular porém, ele participa também do movimento de sua protrusão e lateralização, com a boca fechada. Músculo Pterigóideo Lateral ou Externo Insere-se no crânio através de duas cabeças e termina na articulação têmporo-mandibular na fossa pterigóidea, no colo da mandíbula. Segue uma direção médio-lateral e ântero-posterior. 13 O feixe superior, menor, insere-se na face infratemporal da asa maior do osso esfenóide, dirigindo-se até a crista esfenotemporal. O feixe inferior, por sua vez, insere-se na face lateral da lâmina lateral da apófise pterigóide, deixando livre apenas uma faixa estreita da mesma, situada atrás da sutura pterigomaxilar. A inserção terminal do músculo faz-se na borda anterior do menisco interarticular, na parte anterior da cápsula da articulação têmporomandibular e na fossa pterigoidéia da mandíbula que se encontra situada logo abaixo dos dois terços laterais do côndilo. Este músculo age mediante contração unilateral do lado ativo e relaxamento do lado passivo, na depressão, projeção e lateralização mandibular. Digástrico É dividido em dois ventres por um tendão intermediário. O ventre posterior origina-se na incisura mastóidea do osso temporal e/ou da face medial da apófise mastóide, dirigindo-se obliquamente para baixo e para diante. O ventre anterior do músculo, grosso em sua porção lateral e achatado de cima para baixo na parte próxima da linha média, tem origem na fossa digástrica da mandíbula junto à sínfise. Este músculo age na depressão e retropulsão da mandíbula. Geni- Hióideo Este músculo dirige-se desde o mento até o corpo do osso hióide. Sua zona de origem situa-se acima da extremidade anterior da linha milo- 14 hioidéia, juntamente à espinha mentoniana, na chamada apófise genisuperior. À medida que se dirige para o osso hióide, alarga-se e achata-se simultaneamente. Termina na metade anterior da face anterior do hióide, sendo que as suas inserções estendem-se pela parte inicial do corno maior deste mesmo osso. O geni-hióideo é um músculo depressor e retropulsor da mandíbula, além de dirigir o osso hióide para diante. Milo- Hióideo Também chamado diafragma bucal, forma com o do lado oposto uma lâmina muscular ampla, convexa para baixo, fechando inferiormente o soalho da boca até uma extensão bem posterior. A lâmina muscular é mais delgada anteriormente que posteriormente. A zona de origem deste músculo ocupa toda a linha milo-hioidéia, estendendo-se desde a parte compreendida entre a região alveolar do terceiro molar e da face medial do mento, até a mesma região do lado oposto. As fibras mais posteriores do músculo descem com direção medial e vão inserir-se, por meio de fibrilas tendinosas, na superfície anterior do corpo do hióide. As fibras restantes estão dispostas cada vez menos obliquamente, confluindo com as do lado oposto em uma lâmina tendinosa denominada rafe milo-hioidéia. Este músculo deprime a mandíbula quando o osso hióide está fixo, além de puxá-lo para cima favorecendo a deglutição. 15 4 - Anatomia e Fisiologia da Articulação Têmporo-Mandibular A articulação têmporo-mandibular é a única do esqueleto cefálico classificada como uma articulação sinovial, bilateral e triaxial, ou seja, é capaz de realizar movimentos em torno de três eixos. Como toda articulação sinovial, apresenta corpos articulares recobertos de cartilagem, membrana sinovial e cavidade articular. É composta pelo tubérculo articular do temporal, a cabeça ou côndilo da mandíbula e o disco articular. O tubérculo articular é uma saliência óssea, alongada com raio variável entre 5 e 15 milímetros que se dirige paralelamente à fossa mandibular, que é a porção côncava posterior da superfície articular do temporal. É bastante convexo no sentido sagital e ligeiramente côncavo no transversal. Lateralmente continua-se com a raíz lateral do zigoma e sua cobertura é formada de fibrocartilagem. A cabeça ou côndilo da mandíbula apresenta-se em par e representa a superfície articular, encontrando-se bilateralmente no extremo superior do bordo parotídeo do ramo da mandíbula. O côndilo é um ovóide ósseo de aproximadamente dois centímetros de largura e meio centímetro de espessura, cujo eixo longitudinal forma com o lado oposto um ângulo de 150 à 160 graus, com ápice voltado para trás e convexo nos sentidos sagital e frontal. Embora toda a parte delimitada do côndilo mandibular encontre-se intracapsularmente, somente a vertente anterior é realmente articular, uma 16 vez que apenas ela contacta com a parede anterior da cavidade articular. Dessa forma, é a única região recoberta de fibrocartilagem, sendo que a zona situada atrás dela possui apenas um invólucro de simples tecido conjuntivo. O disco ou menisco articular é uma placa elíptica fibrocartilaginosa considerada de difícil regeneração. A região anterior corresponde ao tubérculo temporal, a posterior relaciona-se com a cavidade articular e a face inferior adapta-se à cabeça mandibular. Pode suportar de um a dois quilogramas de pressão. Na porção posterior a espessura varia de 4 a 5 mm e na anterior de 3 a 4 mm e dá inserção a feixes do músculo pterigóideo lateral. A articulação têmporo-mandibular é circundada por uma membrana fibrosa e frouxa denominada cápsula articular. Estende-se entre a superfície articular superior e o colo da mandíbula, fusionando-se anularmente com o disco articular. A base da cápsula insere-se anteriormente na vertente do côndilo temporal, posteriormente no lábio anterior da fissura petrotimpânica, medialmente na base da espinha do esfenóide e lateralmente no tubérculo anterior e na raíz longitudinal. O vértice da cápsula, por sua vez, apresenta circunferência oblíqua, para baixo e para trás, encontrando-se fixada no contorno da superfície articular. 17 A cápsula não existe na face ântero-medial, uma vez que nesta região ocorre a fusão das fibras tendinosas do músculo pterigóideo lateral com as fibras do disco articular. A cápsula articular é revestida na sua face interna por uma membrana conjuntiva e delgada denominada membrana sinovial, a qual secreta líquido sinovial ou sinóvia visando a redução do atrito entre as superfícies articulares. Nesta articulação também são encontrados ligamentos que estão intimamente ligados à cápsula articular, sendo que certas regiões da cápsula são mais espessas para garantir maior reforço ao sistema ligamentar, composto pelo ligamento lateral externo, lateral interno e posterior. A inervação da articulação têmporo-mandibular é realizada pelos nervos aurículo-temporal e masseterino, ambos pertencentes ao ramo mandibular do nervo trigêmio e a irrigação é feita por ramos das artérias temporal superficial, timpânica, meníngea média, auricular posterior, palatina ascendente e faríngea superior. Jankelson (1990) explica que a articulação têmporo-mandibular movimenta-se através da ação da musculatura mastigatória e dos músculos supra-hióideos apresentando movimento de rotação, translação e associação dos mesmos. No início da abertura bucal o côndilo apresenta movimento de rotação em função da contração da musculatura depressora da mandíbula e relaxamento da elevadora, sendo que no final da abertura ele translada anteriormente. 18 No fechamento bucal, os depressores da mandíbula e pterigóideo lateral inferior relaxam-se e os músculos temporais entram em contração levando a mandíbula para trás. Assim, o côndilo é puxado para cima colocando-se contra a eminência articular e o disco apresenta um movimento de rotação para frente do côndilo. Os movimentos da articulação têmporo-mandibular são limitados pela ação de ligamentos, visando a proteção dos tecidos moles, da placa timpânica e o impedimento de deslocamento do côndilo para fora da eminência articular. O sistema ligamentar é constituído pelo ligamento capsular, pelos colaterais( laterais e mediais), o temporomandibular, esfenomandibular e estilomandibular. 19 5 - Discussão Teórica Através de revisão na literatura, observa-se que a região orofacial pode ser afetada por várias condições motoras e sensoriais. Clark e Takeuchi (1995) as agrupam em três blocos, sendo o primeiro composto pelas desordens têmporo-mandibulares, o segundo pelas condições da dor orofacial crônica e o último pelas desordens motoras orais. Embora os demais autores não realizem a mesma divisão didática, o conteúdo de seus trabalhos aborda as mesmas condições acima citadas. É claramente evidenciado na literatura que a articulação têmporomandibular pode ser afetada por vários fatores. Entretanto, dependendo do autor tais fatores são referidos como disfunções, desordens ou distúrbios. Medeiros (1991) os classifica em seis grupos de distúrbios. O primeiro é o grupo dos distúrbios do desenvolvimento da articulação têmporo-mandibular, no qual encontram-se a aplasia, a hipoplasia e a hiperplasia do côndilo mandibular. O segundo refere-se aos distúrbios traumáticos da articulação têmporo-mandibular, no qual encontram-se a sub-luxação, a luxação, a anquilose, as lesões do disco articular e as fraturas do côndilo da mandíbula. No terceiro grupo estão os distúrbios inflamatórios da articulação têmporo-mandibular, ou seja, a artrite infecciosa, a artrite reumatóide a osteoartrite e a artrite traumática. 20 O quarto grupo é composto pelos distúrbios neoplásicos da articulação têmporo-mandibular e o quinto grupo pelos distúrbios extraarticulares desta articulação. No sexto grupo situa-se a síndrome da dor e disfunção miofacial. O presente trabalho tem por objetivo concentrar-se neste último grupo. Contudo, na literatura grande parte dos autores ainda referem-se à esta síndrome utilizando a denominação ampla de desordens têmporo- mandibulares. As demais desordens, quando referidas, são especificamente nomeadas. Devido ao fato de a maioria dos autores consultados utilizarem o termo desordens têmporo-mandibulares ao abordarem a síndrome acima citada, optou-se por ainda utilizar esta mesma nomenclatura mesmo tendo conhecimento de que em estudos mais recentes a mesma vem sendo substituída. A terminologia desordem têmporo-mandibular é adotada pela American Dental Association para referência da desordem quando há dor na região pré-auricular, nos músculos mastigatórios ou na articulação têmporomandibular, ruídos nesta articulação durante o funcionamento da mandíbula, limitações ou desvios nos movimentos mandibulares de extensão. Fricton e Schiffman (1995) explicam que os problemas têmporomandibulares são geralmente vistos como desordens multifacetadas e de etiologia variada. Segundo estes autores , em parte isto ocorre porque os problemas têmporo-mandibulares envolvem algumas possíveis desordens do sistema mastigatório, geralmente relacionadas com o funcionamento 21 propriamente dito dos músculos da mastigação e o funcionamento da articulação têmporo-mandibular. Turk, Thomas e Zaki (1995) salientam que desde a identificação destes problemas, na década de trinta, dois modelos etiológicos têm sido propostos como base para a classificação de subgrupos de indivíduos que apresentam alterações desta ordem. O primeiro modelo está relacionado à causa miogênica, ou seja, relaciona-se ao aspecto muscular. Geralmente, ele é subdividido em atividade muscular causada por influências psicológicas, como o estresse, e alterações musculares associadas com os hábitos parafuncionais. O segundo modelo etiológico , por sua vez, relaciona-se à causa artrogênica, relativa às articulações e subdivide-se em anormalidades estruturais específicas. Embora as desordens têmporo-mandibulares estejam sendo referidas por mais de seis década, ainda não se chegou ao consenso do que constitui este quadro clinicamente significativo. Decker et al (1995) abordam este assunto categorizando os sinais e sintomas à ele relacionados. Os autores citam como os sinais mais comuns das desordens têmporo-mandibulares, o ruído articular, a fragilidade muscular e articular, a dor, a limitação e o desvio do movimento mandibular. Os sintomas mais comuns, por sua vez, incluem a dor facial, a dor de cabeça, ouvido e pescoço, ruídos na articulação e dificuldade na execução das funções mandibulares. 22 Com relação a estes fatores apontados acima, Turk et al (1995) ressaltam que a tentativa de diferenciar pacientes com desordens têmporomandibulares dos não portadores de tal acometimento, simplesmente pela quantidade de sintomas e os sinais, como foi realizado por determinado tempo, não se traduz em uma prática efetiva. Para os autores, o grupo clínico e o de controle são diferenciados, em suas práticas clínicas, ao reportarem dor, dor em resposta à palpação muscular, restrição da amplitude vertical durante o movimento mandibular e estalo articular, sendo válido salientar que este último não se encontra presente na maioria dos indivíduos que procuram tratamento para as desordens têmporo-articulares relacionadas à dor. Clark e Takeuchi (1995) complementam estas abordagens explicando que com relação às desordens em questão, pode-se encontrar a mialgia que significa dor insípida, contínua e que aumenta com a função, podendo ocorrer como resultado de trauma no tecido muscular, hábitos de forte fechamento mandibular como bruxismo ou apertamento dentário e infecção ou dano do tecido articular. Em vários estudos, o estresse, a ansiedade, o trauma, os hábitos e as atividades motoras durante o sono são sugeridos como fatores iniciadores do processo de mialgia. Levy et al (1990) abordam estes mesmos fatores, mas complementam com a fraqueza muscular congênita acentuada por contrações máximas repetidas, uso contínuo da musculatura, uso incompatível da musculatura e seus tendões no limite da integridade estrutural. 23 Esses autores alertam para o fato de que quando a mialgia é localizada, denomina-se dor miofacial. Entretanto, o uso de tal denominação somente se faz possível desde que algumas características estejam presentes, como por exemplo bandas frágeis de palpação local no músculo e pontos de gatilho no interior dessas bandas, com dor referida aos tecidos vizinhos. Quando a dor encontra-se mais generalizada é denominada fibromialgia. Após alguns anos, concordando com estes autores, Jaeger (1995) também aponta para a queixa da presença da dor, que pode ser localizada em qualquer região, não apenas nos músculos ou ao redor deles e que é referida a partir de pontos localizados de fragilidade, também conhecidos como pontos de gatilhos, encontrados nas bandas tensas da musculatura esquelética. Utilizando-se da denominação de Síndrome da Dor Miofacial, Thornhill (1996) a caracteriza por dor crônica pré-auricular e, assim como Clark e Takeuchi (1995), aponta para a fragilidade que envolve a musculatura mastigatória, além de salientar que a causa é geralmente multifacetada e pobremente definida. Skootsky et al (1989) já haviam apontado para o fato de que a dor miofacial tem sido documentada como a causa mais comum das dores na região da cabeça e pescoço. Essa dor orofacial é também abordada por Graff-Radford (1995) e, segundo este autor, ela pode ser subdividida em duas grandes categorias. A primeira é caracterizada por dor aguda e a segunda por dor crônica. 24 Na categoria da dor aguda, tal sensação caracteriza-se por curta duração, presença de uma patologia evidenciada, geralmente considerada de tratamento fácil e de mínimas inabilidades envolvidas. A dor crônica, entretanto, é caracterizada por períodos de longa duração (superior à seis meses), geralmente a patologia é pobremente definida, existência de relatos sobre tratamentos fracassados e significativa inabilidade oral. Para o autor, quando se trata desta última categoria, torna-se fundamental a existência de uma abordagem multidisciplinar. Com relação aos aspectos etiológicos, vários estudos têm demonstrado que hábitos orais como o apertamento dentário e o bruxismo têm sido considerados como os grandes fatores desencadeantes destas desordens têmporo-mandibulares e das situações de dor. Isto já havia sido apontado por Browne , Clark e Koyano (1993) ao afirmarem que, embora existam várias desordens motoras que afetam a musculatura orofacial, esses dois fatores vêm merecendo destaque na literatura no que tange aos aspectos desencadeantes das duas situações referidas. Estas referências vêm de encontro com as observações de Fricton e Schiffman (1995). Os mesmos descrevem que os hábitos parafuncionais têm sido freqüentemente analisados como possíveis fatores etiológicos da síndrome da dor e disfunção miofacial. Em alguns estudos, vem sendo observada a prevalência da associação de tais hábitos com os sinais e sintomas das referidas 25 disfunções, sendo que em outros a associação entre o apertamento dentário e dores de cabeça relatadas pelos pacientes é abordada. Ainda Fricton e Schiffman (1995) complementam expondo que, quando determinados hábitos são induzidos experimentalmente, podem causar dor semelhante àquela relatada por pacientes com as desordens em questão. Contudo, apontam para o fato de que nenhuma relação causal, demonstrando que hábitos parafuncionais são causadores de desordens têmporo-mandibulares, tem sido estabelecida por estudos longitudinais. 26 5.1 - Parafunções e Desordens Têmporo-Mandibulares Browne, Clark e Koyano (1993) explicam que a atividade motora de baixa intensidade e involuntária da mandíbula durante o sono é considerada como um comportamento fisiológico e, portanto, normal. As funções deste processo são as de manter a passagem do ar e garantir a deglutição do excesso de saliva ou da secreção nasal acumulada na orofaringe durante o período de sono. Entretanto, quando a atividade motora ocorre com grande freqüência ou grande intensidade, podem ocorrer danos nas fibras musculares e tornálas doloridas. Para estes autores, o bruxismo, então, pode ser considerado sempre que ocorrer contração muscular forte, freqüente e rítmica que resulte em movimento de esmagamento dos dentes. Geralmente, os indivíduos apresentam movimentos rítmicos da mandíbula em ambos os lados, porém é possível encontrar aqueles que apresentam apenas o apertamento dentário sem movimentação, mas tão danoso quanto a atividade com o movimento. Helkimo (1974) relata que o bruxismo engloba várias atividades orais como o contato dentário, a rigidez mandibular e a pressão lingual. Os estudos nesta área continuam e a definição de tal parafunção vai modificando-se. Glaros (1981) faz sua definição com base em relatos de pacientes sobre alguma possível alteração sendo que ao longo do tempo, chegou a ser descrita, por exemplo, simplesmente pelas evidências deixadas nas facetas dentárias. 27 Embora não se tenha chegado à um consenso, outros autores discutem, em alguns estudos, se a presença ou ausência de dor na musculatura mastigatória deve ser considerada como um aspecto importante para a definição da parafunção em questão. Mais recentemente, Lavigne et al (1992), considerando algumas destas observações acima citadas, definem esta parafunção ressaltando a presença de um freqüente rangimento ou apertamento dentário durante o sono por pelo menos seis meses de duração, podendo existir ruídos associados, alterações dentárias, freqüente rigidez nos músculos da mastigação durante a manhã, fadiga ou desconforto e hipertrofia do músculo masséter. No encontro da Associação Americana de Dor Orofacial em 1993, Hathaway e Lavigne sugerem, como definição de bruxismo, a contração ritmada e mantida dos músculos da mastigação, acompanhada pelo contato dentário. Os efeitos danosos causados nos indivíduos com tal parafunção, são abordados por Rompré et al (1992) ao citarem a tensão ocorrida nas estruturas envolvidas na atividade mastigatória, principalmente nas articulações têmporo-mandibulares e nos músculos da mastigação. Hathaway (1995) complementa tais observações apontando para as possíveis alterações no aspecto dentário e os danos nas estruturas periodontais. Indo de encontro à essas colocações, Medeiros (1991) atenta para o fato de que o apertamento dentário interfere na harmonia do sistema 28 estomatognático, pois apresenta ação direta nas estruturas que compõe este sistema. Segundo este autor, o músculo masséter geralmente encontra-se em hiperatividade sendo possível levar à alterações peiodontais e até mesmo à uma mobilidade dentária. Contrações excessivas de língua e lábios são freqüentemente observadas e também podem levar à abalos no periodonto, bem como gerar desconforto na região bucal. Nos tecidos periodontais pode-se encontrar, como seqüela do apertamento dentário, uma hiperatividade compensatória das estruturas do periodonto. Nos dentes, a ação deste hábito parafuncional é bastante evidenciada por desgastes, presença de hipersensibilidade pulpar, periodontite, mobilidade e abrasão dentária, além da perda da dimensão vertical. Lund (1995) relata ser provável que a dor originada pelo bruxismo seja causada por uma irritação muscular que ocorre após um exercício ou fadiga. Segundo ele, vários pacientes relatam que ao acordarem, os músculos da mastigação ou mandibulares encontram-se doloridos, mas que tal sensação vai sendo amenizada com o passar do dia. É válido destacar que tal fato pode ser apenas considerado como uma simples fadiga muscular. Contudo, existem pacientes que esporadicamente apresentam episódios de bruxismo quando suas vidas tornam-se estressantes e, neste caso, a dor inicia-se aproximadamente no mesmo momento em que ocorre aumento da atividade eletromiográfica noturna e ultrapassa o período da exercitação excessiva, podendo durar um dia ou mais. 29 Contribuindo, Lavigne, Lund e Dao (1994) relatam que a maioria dos indivíduos com bruxismo ou apertamento dentário seguidos de dor, referem que esta última apresenta considerável piora pela manhã, sendo minimizada durante o decorrer do dia. Dessa forma, os autores comparam a dor experienciada por estes indivíduos à sensibilidade muscular induzida por uma sobrecarga excessiva, decorrente de exercícios físicos realizados por uma pessoa despreparada fisicamente. Os autores citados acima concordam com Browne, Clark e Koyano (1993) ressaltando que, juntamente a esta sensibilidade, também podem ocorrer danos às fibras musculares e/ou tecido conjuntivo, causando edema e inflamação. Lund (1995) ainda destaca que, embora o bruxismo possa levar à dor, existem indivíduos que demonstram tal parafunção noturna, hipertrofia da musculatura mandibular , desgaste dentário considerável e não apresentam episódios de dor. Segundo ele, a explicação para este fato é a de que tais indivíduos têm treinado a musculatura em questão e consequentemente ela tornou-se resistente a danos e/ou fadiga. Estudos demonstram que as fibras do músculo masséter nestes sujeitos parecem estar adaptadas. Tal conceito postula, então, que a hiperatividade muscular pode levar à dor, porém não invariavelmente. Ainda Lund (1995) demonstra um esquema que contraria o conceito do ciclo vicioso de que a dor leva à hiperatividade muscular e que a mesma leva à dor. Para ele, o estresse e uma alteração dentária podem levar a uma hiperatividade muscular, que, por sua vez, pode provocar uma fadiga do 30 músculo gerando mioespasmo. O mesmo pode ser decorrente de uma super contração ou extensão muscular. O mioespasmo pode levar tanto a um quadro de dor quanto a uma síndrome de disfunção. Decorrendo destes dois processos, é possível encontrar contraturas, desarmonia oclusal, desarranjo interno da articulação têmporo-mandibular e artrite degenerativa, que podem ocasionar um padrão mastigatório alterado. Segundo este autor, este padrão pode ser responsável tanto pela dor miofacial quanto pela síndrome disfuncional. Lavigne e Montplaisir anteriores relatando que (l995) complementam esses estudos o bruxismo pode ocorrer juntamente a outras desordens do sono como apnéia, movimentos periódicos das pernas durante o sono, miaclonia mandibular e grunhidos. Além disso, ele pode ocorrer na presença de desordens psiquiátricas e neurológicas como tiques, distonia oromandibular, coma, acidente vascular cerebral, hemorragia cerebelar e retardo mental. Para estes autores, o bruxismo pode ser considerado como um comportamento normal, no qual alguns fatores tenham transformado a atividade normal e usual da musculatura mandibular em uma atividade de maior freqüência e força, com um ocasional contato dentário. Browne et al (1993), através de estudos polissonográficos (monitorização do sono), sugerem que o bruxismo é visto mais freqüentemente durante a transição do estágio profundo do sono para o menos profundo. Observam que, ao se estimular eletricamente o lábio superior, o bruxismo é suprimido devido à produção de um reflexo inibitório 31 que reprime o fechamento mandibular, não alterando, contudo, os batimentos cardíacos ou o ciclo respiratório. Assim como Sturdevant, Lundeen e George (1988), Browne et al (1993) abordam a existência de hipóteses de que o estresse excessivo possa produzir uma hiperatividade muscular, sendo que na musculatura mastigatória ela se expressa através de atividades parafuncionais como o apertamento dentário ou o rangimento dos dentes, também denominado bruxismo. Ao concordarem com os demais autores, Browne et al (1993) novamente reforçam a tese de que quando estas parafunções apresentam força elevada, geralmente causam danos na musculatura. O resultado de um estudo realizado por Widmalm et al (1995) vai de encontro à esta afirmação, demonstrando que as parafunções orais apresentam papel predominante na etiologia das desordens têmporo-mandibulares. Contudo, Sturdevant et al (1988) estendem tais danos também às articulações e neste caso, as atividades são expressas em forma de dor, ruído articular e/ou limitação nos movimentos da mandíbula. Esses mesmos autores observam que o estresse foi encontrado como o fator desencadeante mais fraco no que tange às dores musculares combinadas com as articulares. Assim, as manifestações psicossociais como a depressão e o estresse, podem ser aspectos importantes com relação à dor muscular, mas não à dor articular ou combinada. Dessa forma, é possível que as dores articulares tenham uma etiologia separada da dor muscular, como por exemplo: trauma intrínseco ou 32 extrínseco, processo inflamatório, imunológica ou degenerativa. Além disso, observa-se, com base em estudos, que mais tempo e energia são necessárias para produzir sintomas articulares e portanto, é sugerido que a dor na articulação ocorra mais tardiamente que a dor muscular, uma vez que os músculos da mastigação são facilmente danificados pelo apertamento e rangimento dos dentes, tornando-se rapidamente sintomáticos. Em contrapartida, as articulações são mais resistentes deixando de apresentar dor após breves episódios de sobrecarga. Com relação as teorias sobre a etiologia do bruxismo observa-se que elas estão centradas, principalmente, no que tange aos efeitos da oclusão, às alterações psicológicas (como mudanças na personalidade e/ou no nível de estresse) e aos hábitos orais parafuncionais. As teorias oclusais vêem a oclusão como um possível fator que contribui para a freqüência e intensidade das atividades de contato dentário, mas não como o fator etiológico primário. As teorias psicológicas, por sua vez, defendem a idéia de que tal parafunção é causada por alguma alteração psicológica ou psicopatológica. Com o intuito de sustentar tal teoria, estudiosos têm pesquisado a relação entre a freqüência do bruxismo e a prevalência de vários tipos de desordens psicológicas, principalmente a depressão e a ansiedade. A partir de 1980, não são encontradas, na revisão de literatura, novas opções de tratamento embasadas nos princípios etiológicos. As mesmas continuam centradas nos tratamentos oclusais, psicológicos, biofeedback e farmacológicos. 33 Embora a teoria oclusal observe que as alterações oclusais podem afetar o contato dentário em alguns indivíduos, pesquisas demonstram que elas não representam um efeito universal e não parecem ser efetivas para a maioria das pessoas que relatam a presença do bruxismo. Na prática clínica, o enfoque psicológico tem sido amplamente direcionado para o bruxismo. Contudo, estudos têm demonstrado que tal conduta proporciona um efeito global (redução da ansiedade em geral) e não específico para a mudança do hábito instalado. 34 5.2 - Fatores Oclusais e Musculares Partindo do pressuposto de que a fragilidade muscular é considerada como um dos fatores encontrados nas desordens têmporomandibulares e nas dores miofaciais, Solberg, Pullinger e Seligman (1988) buscam realizar uma associação entre fatores oclusais e fragilidade muscular. Em seus achados, observam a ausência de associação entre fragilidade muscular e padrão oclusal de mordida cruzada. Entretanto, em indivíduos com sobremordida profunda de incisivos e overbite superior ou igual à 5 mm, a fragilidade muscular é mais comumente referida, sendo que pacientes com oclusão classe ll, divisão 2, apresentam maior fragilidade muscular que classe ll, divisão 1. Isto se deve a dois fatores: primeiro porque o trespasse vertical está diretamente relacionado à desoclusão posterior que é responsável pela redução da atividade da musculatura elevadora de mandíbula e segundo, porque nestes padrões oclusais tal mecanismo encontra-se prejudicado. Dibbets e Weele (1996) complementam apontando para o fato de que, em adultos, os sinais de desordens têmporo- mandibulares parecem estar relacionados à forma craniofacial, mais precisamente com relação às deficiências faciais horizontais. Embora tenham encontrado tais associações, os autores não apontam os fatores oclusais como bons indicadores de fragilidade muscular, 35 mas sim os sinais intracapsulares. Esclarecendo, relatam que os indivíduos com esta fragilidade apresentam maior fragilidade também na articulação têmporo-mandibular. Assim sendo, descrevem que quando estes estão livres de qualquer fragilidade muscular, demonstram menor incidência nos estalos desta articulação em comparação àqueles com a musculatura enfraquecida. Além disso, observam também maior associação entre estalos articulares e fragilidade muscular localizada, de 1 à 3 pontos, que na fragilidade generalizada, com 4 pontos ou mais. Estes autores demonstram, através de estudos, que a fragilidade referida encontra-se em 96% dos indivíduos com fragilidade na articulação têmporo-mandibular, em 68% com estalo nesta mesma articulação e em 71% com crepitação articular. Medeiros (1991) aborda por ordem de surgimento cinco teorias sobre a etiologia da Síndrome da disfunção miofacial. Inicialmente encontra-se a teoria da mordida profunda, cuja principal causa é a perda da dimensão vertical, relacionada geralmente à perda uni ou bilateral dos dentes posteriores, grande desgaste da superfície oclusal ou erupção parcial de dente permanente. A diminuição da dimensão vertical gera alteração na relação de oclusão dentária bem como no interrelacionamento do sistema mastigatório. Dessa forma, ocorre pressão do côndilo sobre os nervos aurículo- temporal e corda do tímpano. A teoria da desarmonia oclusal baseia-se nos contatos dentários traumatogênicos que têm por conseqüência uma posição retrusiva da 36 mandíbula e compressão dos tecidos retro-auriculares. Neste caso, acreditase que as interferências oclusais sejam mais significativas que a sobremordida. Entretanto, tal teoria é contestada pois vários indivíduos com uma oclusão considerada adequada apresentam alterações semelhantes às relatadas pelos demais portadores da síndrome da dor e disfunção miofacial, sendo que a maior parte dos sintomas relacionam-se à parte muscular e não oclusal. Em seguida, a teoria músculo-dentária acredita que um contato dentário pode alterar o mecanismo de propriocepção, gerando incoordenação e espasmos musculares. A teoria neuro-fisiológica diz que a desarmonia muscular pode surgir logo após um desequilíbrio da oclusão, sendo que inicialmente a síndrome manifesta-se por uma incoordenação funcional dos músculos ligados à mandíbula. Posteriormente evolui para espasmos da musculatura mastigatória, fazendo com que os movimentos da mandíbula tornem-se dolorosos e limitados. Nesta teoria, a situação psicológica começa a ser levada em consideração devido uma tensão muscular generalizada. A última teoria abordada é denominada Teoria Psiconeurofisiológica, também conhecida por Teoria de Laskin. Acredita-se que o fator inicial é o espasmo muscular, que pode ser originado por uma sobre-extensão em função de um aumento inadequado da dimensão vertical, por contração e pela fadiga muscular geralmente causada pelo apertamento dentário. Assim, os movimentos apresentam uma limitação, a mandíbula altera seu 37 posicionamento, surge uma desarmonia oclusal levando tanto à uma alteração na oclusão quanto à espasmos. Nesta última teoria, diferentemente das demais, o desarranjo oclusal é conseqüência da problemática e não o fator etiológico. Ela está fundamentada em estudos que demonstram que em indivíduos considerados normais quanto à situação oclusal apresentam sintomas relacionados à disfunção têmporo-mandibular. Estudos radiológicos demonstram uma porcentagem pequena de sinais radiográficos e nos estudos bioquímicos dos pacientes com alterações na articulação têmporo-mandibular observa-se aumento nos níveis de catecolamidas e esteróides. Okeson (l995) avalia o papel da oclusão nas desordens dos músculos mastigatórios, no bruxismo e nas desordens intracapsulares. O autor aponta duas maneiras da condição oclusal influenciar no funcionamento das articulações têmporo-mandibulares. A primeira está relacionada à introdução de mudanças na condição oclusal. Segundo ele, tais mudanças podem originar uma dor muscular como resposta, embora seja possível observar que freqüentemente novos engramas musculares são desenvolvidos e o paciente acaba por adaptar-se às mudanças com uma pequena conseqüência. A segunda condição está relacionada à instabilidade ortopédica. Assim, o autor avalia que ela deve ser significativa assim como deve ocorrer sobrecarga das estruturas mastigatórias. Para ele, esta sobrecarga é responsável por obter respostas das articulações. 38 Segundo este autor, somente quando a relação dinâmica da condição oclusal é ativada durante uma função, é que o verdadeiro impacto da oclusão pode ser apreciado. Isso explica por que algumas condições oclusais consideradas pobres não estão associadas aos sintomas da síndrome da dor e disfunção miofacial enquanto que condições oclusais sadias parecem estar positivamente associadas a essa desordem. Pullinger et al (1993), através de análises multifatoriais, mostram que, exceto em poucas condições oclusais definidas, existe um risco relativamente baixo de fatores oclusais estarem associados com as desordens têmporo-mandibulares. Para Okeson (1995), ainda se faz necessária uma avaliação científica dos efeitos dinâmicos das atividades mastigatórias nas estruturas da mastigação, para que sejam verdadeiramente avaliados os efeitos da condição oclusal nas desordens têmporo-mandibulares. Fricton e Shiffman (1995) contribuem salientando que, embora alguns estudos tenham demonstrado que tanto o aspecto oclusal funcional quanto o estrutural são importantes como possíveis fatores de risco para as desordens têmporo-mandibulares, isto não estabelece se a oclusão causa tais desordens, resulta delas ou se é uma associação independente destas variáveis. Embora grande parte dos autores aponte para a necessidade de continuidade de estudo neste campo, atualmente é aceito na Odontologia que a posição mandibular e o padrão de contato oclusal dentário podem influenciar no tipo de atividade muscular dos músculos mastigatórios. 39 Atividades funcionais normais de mastigação, deglutição e fala não parecem estar relacionadas com o surgimento de desordens têmporomandibulares. Entretanto, outras atividades não relacionadas com a função produzem hiperatividade muscular que apresentam uma relação mais estreita com sintomas dessas desordens. Essas atividades citadas acima têm sido referidas como parafunções e incluem, assim, o bruxismo e o apertamento dentário. Alguns autores acreditam que o contato oclusal pode aumentar consideravelmente a hiperatividade muscular, sendo que alguns estudos demonstram relação entre fatores oclusais e sintomas mastigatórios e outros não demonstram tal ocorrência. Tem sido notado que um padrão específico de contato oclusal pode influenciar um grupo muscular, também específico, quando os indivíduos realizam voluntariamente o apertamento dentário e os movimentos em posição excêntrica. Em contrapartida, também tem sido demonstrado que o contato oclusal não influencia o bruxismo. No entanto, alterando-se a condição oclusal, a função muscular também é afetada. Assim, a introdução de uma interferência experimental pode levar a sintomas de dor, mas não ao bruxismo. A idéia de que um grande contato oclusal possa aumentar uma atividade muscular, como o bruxismo, deve ser questionada levando-se em consideração alguns princípios ortopédicos. Estes princípios mostram que quando um ligamento que sustenta uma articulação está alongado, um reflexo nocioceptivo é ativado e acaba 40 resultando na redução da atividade dos músculos relacionados à articulação. A resposta obtida é vista no sistema mastigatório quando um dente se encontra sobrecarregado, alongando, assim, o ligamento periodontal. Tal sobrecarga resulta em uma redução imediata dos músculos elevadores da mandíbula. Por esta razão, seria uma violação dos princípios ortopédicos assumir que o forte contato dentário pudesse causar aumento da atividade muscular no bruxismo ou no próprio apertamento dentário. Todavia, este mesmo contato oclusal pode criar sintomas relacionados à dor muscular. Visando a relação entre os vários padrões de contato oclusal e os músculos masséteres e temporais, estudos referem que quando os indivíduos portadores de contatos oclusais bilaterais realizam uma excursão laterotrusiva, os dois pares de músculos citados entram em atividade. Entretanto, se o contato mesial for eliminado, somente os músculos do lado do trabalho são consideravelmente ativados. Isto demonstra que, quando tal contato é eliminado, os músculos masséter e temporal do lado do balanceio podem sofrer mínima ativação durante este movimento. Felício(1994) ressalta que uma hiperatividade muscular pode ser desencadeada em função de um contato prematuro, visando proteger os dentes que estão proporcionando tal contato. Se durante os movimentos mandibulares interferências oclusais ocorrerem, a tonicidade muscular pode alterar-se. Essa hiperatividade também pode estar presente, no lado do trabalho, em casos de mastigação unilateral decorrente de interferências 41 oclusais, cáries e/ou perdas dentárias. Além disso, a articulação têmporomandibular do lado do balanceio sofre maior esforço, a linha média pode apresentar desvio e o côndilo pode sofrer remodelação. Anelli (1997) diz que os masseteres podem apresentar hipertonia ou espasmos uni ou bilateralmente. Quanto aos músculos temporais, pterigóideos mediais, laterais, esternocleidomastóideos e trapézios geralmente apresentam-se hipertônicos e doloridos quando em movimento e palpação. Okeson (1995) aponta para o fato de que, quando um grupo dentário funciona como guia, ambos os músculos masséter e temporal do lado do trabalho são ativados durante o movimento laterotrusivo. Porém, se houver apenas o contato dos dentes caninos, ou seja, a guia canina, somente o músculo temporal é ativado durante o movimento. Há mais de uma década estudos como os de Shupe et al e Riise e Sheikholislam, ambos de 1984, demonstram que certas condições oclusais podem afetar o grupo muscular a ser ativado durante o movimento mandibular específico. Isto quer dizer que alguns contatos oclusais posteriores podem aumentar a atividade da musculatura elevadora de mandíbula. Em contrapartida, outros estudos demonstram que o contato oclusal prematuro não favorece o aumento do bruxismo. Isto foi constatado a partir de um trabalho realizado por Okeson (1995) no qual aumentou-se consideravelmente a altura dentária de um grupo de indivíduos e a maioria 42 deles apresentou diminuição significativa da parafunção, de duas a quatro noites, havendo, após este período, o retorno ao nível normal da mesma. De início, pode-se imaginar que os dois princípios dos contatos oclusais sejam opostos. Porém, Okeson (1995) relata que uma avaliação cuidadosa revela duas atividades musculares diferentes em ambos os casos. Dessa forma, explica que, no primeiro caso, aborda-se os efeitos do contato oclusal nos movimentos mandibulares conscientes e voluntários; já no segundo, revela-se o efeito na atividade muscular subconsciente e involuntária. Enquanto a primeira atividade é produzida pelo uso funcional de nível periférico, a segunda é iniciada e regulada no sistema nervoso central. Isso quer dizer que influências das estruturas periféricas têm um efeito inibitório na atividade muscular. É válido ressaltar que o bruxismo parece ser gerado no sistema nervoso central e sua estimulação tem um efeito de excitação nessa atividade. Sendo assim, Shupe et al (1984) e Riise e Sheikholislam (1984) sugerem que os contatos oclusais influenciam nas respostas musculares durante atividades funcionais do sistema mastigatório, enquanto Okeson (1995) destaca que estes mesmos contatos têm pequeno efeito na parafunção denominada bruxismo. Este último autor destaca, como outro influenciador das respostas musculares, a intensidade de qualquer interferência na condição oclusal. Uma interferência aguda poderá precipitar uma resposta de proteção muscular durante uma atividade funcional. Ao mesmo tempo, esta mudança 43 na condição oclusal tende a suscitar um efeito inibitório na atividade parafuncional. Quando a interferência oclusal torna-se crônica, a resposta muscular é alterada. O autor destaca que esta interferência pode afetar a atividade funcional, alterando os engramas musculares para evitar um contato potencialmente danoso e exigir demasiadamente da função. Pode ser que esta alteração seja controlada pelo gerador central do padrão muscular e represente uma resposta adaptativa. Assim, se a alteração dos engramas musculares não for criada, pode ser desenvolvida uma significativa desordem de dor muscular. Considerando todas estas abordagens, o autor salienta a importância da condição oclusal para a saúde funcional do músculo durante a mastigação, deglutição, fala e postura mandibular. Segundo ele, distúrbios nesta condição podem levar ao aumento da tonicidade muscular e a alguns sintomas. Para este autor o bruxismo também parece não estar relacionado aos contatos dentários, mas sim às mudanças nos níveis de estresse e estágios do sono, numa atividade do sistema nervoso central, como já foi abordado no presente trabalho. Okeson (1995) ainda considera de suma importância a compreensão das diferenças acima descritas para se estabelecer um diagnóstico e tratamento apropriado para o paciente. Vários autores desenvolveram estudos abordando a atividade muscular dos músculos mastigatórios. Com o intuito de verificar a atividade muscular craniofacial nas desordens craniomandibulares, Isberg et al (1985) 44 observam que na mastigação dos indivíduos com dor nos músculos mandibulares, ocorre aumento da duração e da atividade muscular. Entretanto, em pessoas sem tal acometimento, o aumento da atividade eletromiográfica não foi detectada. Posteriormente, Levy et al (1990) abordam o mesmo assunto e contribuem com novas considerações. Observam que indivíduos com dor nos músculos mandibulares e cervicais demonstram, em grau limitado mudanças no restabelecimento destes músculos, devido a presença de modificações musculares durante reações específicas, como por exemplo, no fechamento mandibular e na sobrecarga da dentição ou da articulação têmporo-mandibular. Independentemente da localização da dor e do músculo envolvido, estes autores notam que o restabelecimento do músculo temporal, por exemplo, ocorre com menor freqüência que nos demais músculos, sendo que tal efeito torna-se mais pronunciado quando a dor localiza-se somente nos músculos mandibulares. Além disso, observam que todas as pessoas com queixa de dor muscular, avaliadas por eles, relatam dor no músculo masséter. Este músculo também sofre alteração quanto ao seu padrão de restabelecimento em indivíduos com dor muscular, sendo que normalmente ela ocorre durante movimentos rápidos de elevação mandibular, desenvolvendo velocidade e força durante a fase de fechamento, tanto na mastigação quanto no apertamento intercuspideano. 45 Estes fatores sugerem que indivíduos com dor muscular podem mudar significativamente o padrão de restabelecimento muscular em reações motoras específicas. Além disso, quando o músculo em questão reduz sua atividade ou ocorre o cessamento da descarga durante, por exemplo, a mastigação, desenvolve-se menor velocidade e força, sendo possível que outro músculo assuma tal função. Em estudos anteriores, estes mesmos autores observam que em indivíduos considerados normais, o restabelecimento dos músculos temporais e masséteres encontra-se afetado pelo número e localização de contatos oclusais e, por esse motivo, sugerem que estes fatores sejam avaliados nas pessoas que apresentam dor muscular. Ainda em 1990, Levy et al apontam para o fato de que as mudanças encontradas no restabelecimento muscular podem ser atribuídas a um mecanismo compensatório, cuja finalidade é a de proporcionar o alívio ou ao menos a diminuição da dor. Achados eletromiográficos , descritos por Lavigne, Lund e Dao (1994), demonstram que períodos de elevação da atividade no músculo masséter, coincidem com a oscilação da dor referida por pacientes explicando, assim, por que o nível de dor nos indivíduos com bruxismo parece ser consideravelmente mais elevado que em pacientes com dor miofacial que não apresentam tal parafunção. Shroeder et al (1991) contribuem neste aspecto demonstrando que achados eletromiográficos não mostram diferenças entre os músculo masséter do lado direito e esquerdo em casos de sintomas unilaterais e que 46 os registros do músculo trapézio revelam atividade deste músculo acompanhando a atividade periódica do masséter em alguns pacientes. Embora tenham sido encontradas atividades musculares aumentadas em pacientes com desordens têmporo-mandibulares, também foram registrados casos de pessoas com este comprometimento sem aumento de tal atividade e indivíduos normais com aumento da mesma. A partir desses achados, Shroeder et al (1991) concluem que ao mesmo tempo em que a eletromiografia identifica algumas situações importantes, o seu valor como diagnóstico auxiliar ainda encontra-se restrito. Isto ocorre pelo fato de não haver diferenças na atividade muscular capazes de serem refletidas nas gravações eletromiográficas além das condições experimentais muitas vezes não serem suficientes para evocar a atividade muscular tal qual ocorre nas condições fisiológicas do cotidiano. Outros aspectos que têm sido descritos em muitos estudos são os posturais. Clinicamente, tem-se observado que uma má postura geralmente encontra-se associada com a síndrome da dor e disfunção miofacial. Considerando a estreita relação entre os sintomas crâneo- cervicais e o sistema mastigatório, Clark (1983) aponta para a importância de se avaliar a coluna cervical. Posteriormente, a necessidade de tal avaliação volta a ser abordada em alguns estudos. Vários autores, entre eles Valk et al (1992) descrevem a relação existente entre a posição da cabeça e a mandíbula. Outros estudos demonstram, ainda, que aproximadamente um terço dos pacientes que 47 apresentam disfunções têmporo-mandibulares também referem queixas de comprometimento na região cervical variando de grau moderado à severo. Braun et al (1992) contribuem com as observações citadas acima, demonstrando a grande incidência de desordens têmporo-mandibulares em indivíduos que recorrem ao serviço fisioterápico para avaliação e tratamento de dores e disfunções cervicais. 48 5.3 - Tratamento Alguns processos de tratamento, anteriormente citados no presente trabalho, são complementados por outras abordagens terapêuticas bastante evidenciadas na literatura que concerne as alterações abordadas. Vickers e Cousins (1994) afirmam que tanto o diagnóstico quanto o tratamento destas desordens podem ser dificultados devido a natureza multifatorial do problema, pois envolvem variáveis orgânicas, psicológicas, sociais e culturais. Dessa forma, os autores defendem o estabelecimento de uma clínica multidisciplinar que possa auxiliar nas condutas a serem adotadas, norteando o trabalho a ser desenvolvido. Anteriormente ao tratamento encontra-se, evidentemente, a etapa do diagnóstico. Para Steenks et al (1995) o principal desafio clínico em se fazer um diagnóstico em pacientes com possível síndrome da dor e disfunção miofacial refere-se às queixas apontadas e às estruturas afetadas. Segundo estes autores, os movimentos ativos e as articulações têmporo-mandibulares geralmente são avaliados e os músculos mastigatórios palpados. Entretanto, devido a relação topográfica próxima entre os músculos e as estruturas das articulações têmporo-mandibulares, confusões sobre a origem miogênica, artrogênica ou combinada da desordem podem permanecer. Visando o estabelecimento do diagnóstico, Felício (1994) aponta para aspectos que devem ser investigados como, por exemplo, o início, 49 freqüência, duração, localização da dor, fatores desencadeantes, fatores de alívio, além da história pessoal, médica e odontológica do paciente. Além disso, torna-se fundamental que exames clínicos e exames complementares, como os exames radiográficos da articulação têmporomandibular, tomografia, artroscopia e ressonância magnética, sejam realizados com a finalidade de se estabelecer o diagnóstico desejado. Steenks et al (1995) utilizam vários testes clínicos diagnósticos derivados da terapia física. No que tange à avaliação funcional do sistema mastigatório, acreditam que a atenção do examinador deva estar voltada para os seguintes fatores: os movimentos ativos e passivos, nos quais a amplitude do movimento é medida de forma diferenciada em cada caso; a tração e a translação; a compressão e resistência das estruturas articulares e, por fim, a palpação das articulações têmporo-mandibulares , dos músculos masséteres, temporais e ligação dos pterigóideos mediais. No que tange às abordagens terapêuticas, Medeiros (1991) defende que o tratamento esteja baseado em fatores neuromusculares, que por sua vez, podem ser abordados por vários ângulos: Psicologicamente, o tratamento está centrado na conscientização sobre os efeitos do apertamento ou rangimento dentário nas estruturas do sistema estomatognático. Além disso é trabalhada a tensão psíquica, visando minimizar essas alterações encontradas. Fisicamente, o tratamento ocorre através da administração de calor seco ou úmido, ondas curtas, massagens, ultra-som ou raios infravermelhos. Além disso, exercícios podem ser realizados visando a harmonia 50 muscular e estabilidade mandibular através do treino da musculatura mastigatória. No tratamento oclusal, ocorre a utilização de placas oclusais que objetivam a desmemorização proprioceptiva mandibular, levando à uma melhora na condição neurofisiológica presente. Quanto aos processos de tratamento, Decker et al (1995) relatam que a terapia física tem tornado-se parte fundamental da abordagem multidisciplinar no tratamento de disfunções têmporo-mandibulares, dor e algumas outras condições de dor orofacial. Estão incluídos, neste tipo de intervenção, os exercícios terapêuticos e algumas modalidades dos mesmos. Os presentes autores concordam com as colocações de Medeiros (1991) ao destacarem que os exercícios na musculatura mastigatória e cervical são importantes para a estabilização e futura manutenção da posição músculo-esquelética adequada, melhora no conforto muscular e articular, além de facilitar a adequação de funções alteradas. Para eles, os exercícios terapêuticos para o sistema mastigatório incluem aspectos como a amplitude nos exercícios de deslocamento para melhora da mobilidade, exercícios isométricos para fortalecimento muscular e melhora de coordenação, exercícios repetitivos para a melhora da biomecânica da função articular e muscular, exercícios posturais para redução de tensão tanto na musculatura quanto na articulação e exercícios de estiramento para aumentar a amplitude do movimento e comprimento de tecidos moles. 51 Marchesan (1994) concorda com a utilização de exercícios musculares afirmando que os mesmos têm o papel de estabilizar e melhorar as funções alteradas em decorrência de desordens na articulação têmporomandibular. Com relação ao processo de tratamento, Quinn (1995) também se coloca favorável aos exercícios mandibulares, destacando a importância dos mesmos. Segundo o autor, eles ajudam na correção de problemas como bruxismo, desvio e hipermobilidade mandibular. Contudo, ele ressalta a importância dos hábitos parafuncionais inconscientes tornarem-se conscientes para, então, serem oferecidas estratégias capazes de solucionar tais dificuldades. Para o autor, os exercícios de alongamento e contração alternada entre músculos antagonistas, durante a movimentação da articulação têmporo-mandibular, tendem a minimizar as dores e a disfunção encontrada, além de promover o aumento da força e da extensão muscular em resposta a eventuais sobrecargas. Turk et al (1995) destacam que os principais objetivos que visam o controle das disfunções têmporo-mandibulares incluem a redução dos processos de dor, o restabelecimento da função normal da mandíbula, redução do uso de medicação analgésica, diminuição da desconforto psicológico e recuperação do funcionamento normal da vida. Visando estes fatores, esses autores explicam que o tratamento deve envolver a educação cuidadosa do paciente com relação aos hábitos parafuncionais, postura mandibular e relação entre a atividade muscular e os sintomas como a dor. Com isso, objetiva-se treinar a capacidade do paciente 52 em observar, reduzir e evitar atividades danosas, enquanto as intervenções físicas são administradas pelos profissionais envolvidos no caso. Um outro recurso que também tem sido bastante observado na literatura é o uso de placa oclusal de resina, através da qual supõem-se que haja a redução do dano dentário e da atividade muscular. Lund (1995) explica que a finalidade do uso desta placa é a de permitir o contato interoclusal exclusivamente no centro dos arcos dentários, promovendo a redução na tensão nos músculos da mastigação de forma rápida e eficaz. Lavigne e Montplaisir (1995) relatam que além dos benefícios acima citados, a placa age tentando corrigir alguns hábitos orais inadequados. Neste mesmo ano, o uso da placa também é defendido por Willis, porém com o objetivo de limitar os movimentos mandibulares laterais, ou seja, uma placa protetora dos dentes caninos. Apesar da existência de vários recursos terapêuticos, a grande maioria destes autores alerta para a possibilidade existente dos pacientes apresentarem respostas diversas quando submetidos a tais procedimentos. Torna-se, então, fundamental que os profissionais envolvidos com o caso realizem adaptações e/ou modificações específicas necessárias para cada paciente. Dessa forma, novamente é defendida a idéia de que a atuação multidisciplinar seja a mais indicada para os problemas discutidos. 53 5.3.1 - Abordagem Fonoaudiológica Este tipo de intervenção é minuciosamente abordada por autoras como Felício (1994) e Anelli (1997). A primeira, ressalta que o trabalho fonoaudiológico em casos de disfunções têmporo-mandibulares baseia-se na terapia miofuncional, cujo objetivo é o de adequar os músculos orofaciais às funções estomatognáticas através delas próprias e minimizar a dor. O terapeuta deve tornar-se um investigador, juntamente ao paciente, buscando o entendimento dos processos que levam à condição desagradável na qual este último encontra-se. Primeiramente deve-se abordar com o paciente o porquê da intervenção fonoaudiológica, ou seja, entender qual é a contribuição desta ciência para o trabalho de equilíbrio muscular, dentário e ósseo bem como das funções orais. Discutir sobre as alterações existentes e os possíveis fatores etiológicos também são de grande relevância no processo terapêutico, uma vez que objetivam a conscientização da problemática e as mudanças necessárias para a modificação do quadro existente. Ambas as autoras citadas acima apontam para algumas alterações do sistema estomatognático que podem ser encontradas no momento da avaliação das pessoas que apresentam queixas compatíveis com a síndrome da dor e disfunção têmporo-mandibular. Com relação aos lábios, ambas as autoras observam que geralmente encontram-se desocluídos no repouso, sendo o superior evertido 54 e o inferior volumoso, além de uma tensão elevada durante as funções estomatognáticas de mastigação e deglutição. Entretanto, também é possível encontrar lábios finos e estirados, sendo observada tensão no momento da oclusão. Felício (1994) ressalta que estas últimas características geralmente são observadas em pessoas que apresentam dimensão vertical insuficiente e/ou apertamento dentário. A interposição labial também pode ser verificada, sendo que em alguns casos podem existir marcas na mucosa labial inferior ou superior, podendo ser conseqüência de uma maloclusão ou de um hábito de apertamento dentário. A língua, por sua vez, deve ser avaliada quanto à mobilidade, postura e forma, levando-se em consideração o que é possibilitado pela conformação dos arcos dentários. É possível encontrá-la interposta nas arcadas dentárias, hipotônica, com um tônus satisfatório e com marcas em suas laterais principalmente se existe apertamento dentário. Quanto ao palato mole, Felício (1994) atenta para o fato de que a inervação do músculo tensor do palato mole, que promove a abertura da tuba auditiva, é realizada pelo V par craniano ( Nervo Trigêmio) que também inerva os músculos da mastigação e o músculo tensor do tímpano. Dessa forma, é possível que algum sintoma auditivo esteja relacionado à uma incoordenação muscular promovida por esse conjunto de músculos. As bochechas geralmente encontram-se com marcas na região interna, em função da pressão dos dentes nesta mucosa. Isto pode ocorrer 55 por uma hipotonia desta musculatura e/ou por que as mesmas são sugadas durante o apertamento dentário. As autoras descrevem que a avaliação da maxila relaciona-se aos aspectos morfológicos como atresia e simetria da hemi-arcada direita e esquerda. A mandíbula, por sua vez, é avaliada quanto à simetria óssea, o tipo de crescimento e sua movimentação funcional. Segundo Felício (1994) na abertura bucal máxima, se a medida obtida for menor que 30mm suspeita-se de uma disfunção muscular ou articular, uma vez que a medida normal pode variar entre 40 e 45mm. Ainda com relação à mandíbula, observa-se a abertura e fechamento lentos, verificando a presença de desvios mandibulares, ruídos na articulação e presença de dor, sendo que os desvios podem estar relacionados à uma espasticidade muscular unilateral. No repouso, é importante observar se há desvio de linha média, ou seja, se o freio labial superior coincide com o inferior. Assim, quando a postura encontra-se alterada é sinal de que as forças musculares podem estar desequilibradas, podendo refletir nas funções estomatognáticas. As autoras ressaltam que na presença de contatos prematuros pode-se observar desvio mandibular, quando em máxima intercuspidação, para o lado oposto ao do contato. Na avaliação, os movimentos de lateralidade e protrusão também devem ser investigados visando obter dados sobre restrições 56 e desconfortos durante o movimento, sendo que a medida normal de lateralidade varia entre 10 e 12mm. Para as autoras, os fatores relacionados à respiração devem ser atentamente observados, pois um elevado número de indivíduos com disfunção têmporo-mandibular possuem uma respiração superior e rápida, geralmente associada à uma hiperatividade da musculatura extrínseca da laringe e da face, durante a fonação. Dessa forma, o estabelecimento da respiração diafragmática-abdominal e o controle pneumo-fonoarticulatório devem ser promovidos. Neste caso, a avaliação deve estender-se para ao aspectos relacionados à voz devido à hiperatividade da musculatura cervical estar geralmente presente. O processo de avaliação fonoaudiológica estende-se para as funções estomatognáticas. Com relação à mastigação, deve-se observar como ela está ocorrendo, ou seja, se existe movimento cíclico, se há um padrão verticalizado, se restrições encontram-se presentes e se é bilateral alternada ou unilateral. Esta última situação pode indicar uma limitação ou somente um hábito mastigatório. Na deglutição deve-se observar os pressionamentos da língua, a tensão da musculatura peri-oral e a presença de desvio mandibular. No que tange à fala, podem ocorrer restrições articulatórias, sigmatismo anterior ou lateral e projeção lingual nos fonemas /t/, /d/, /n/ e /l/. Anelli (1997) ressalta a importância de uma investigação sobre os hábitos parafuncionais, visando a retirada ou minimização dos mesmos. 57 Hábitos como o apertamento dentário, roer as unhas, mascar chicletes em demasia, morder objetos e apoiar a mão na mandíbula com freqüência são hábitos geralmente encontrados em pessoas com queixas relacionadas com a síndrome da dor e disfunção têmporo-mandibular. Com relação à terapia propriamente dita, Anelli (1997) ressalta que a explicação inicial sobre as reais possibilidades de tratamento e o prognóstico são fundamentais para que o paciente não abandone ao tratamento, por acreditar que não está sendo obtido o resultado desejado. Esta conscientização é importante porque geralmente os pacientes chegam aos consultórios com dor e, assim, esperam o quanto antes livrarem-se dela, o que geralmente não ocorre com a rapidez desejada. Após esta primeira etapa, o fonoaudiólogo deve instruir o paciente com relação à sua dieta alimentar, devendo inicialmente evitar alimentos muito consistentes. Gradativamente a consistência alimentar vai sendo adequadamente administrada, acompanhando, assim, o processo terapêutico muscular. Ainda com relação à alimentação é preciso informar o paciente sobre a importância da limitação da abertura bucal, visando proteger as estruturas orais alteradas. À medida que ocorre melhora da tonicidade e mobilidade muscular, a abertura bucal tende a modifica-se até chegar à um padrão adequado. Para Felício (1994) o início do processo terapêutico deve ser semelhante ao apontado por Anelli (1997). Assim, acredita que ele encontrase baseado na conscientização da problemática existente juntamente às 58 técnicas de relaxamento que propiciam o aumento da circulação sangüínea periférica e eliminação de resíduos metabólicos. Com isso, a hiperatividade muscular e a dor vão sendo minimizadas. A postura corporal durante a realização dos exercícios miofuncionais é um fator que merece atenção constante. O ideal é que o paciente permaneça sentado com a cabeça ereta, pois assim alterações posturais da mandíbula e assimetrias no trabalho muscular são evitadas, contribuindo para o processo de reabilitação. Tanto a postura da língua na cavidade oral quanto a sua movimentação estão relacionadas à função e postura mandibular. Assim, Felício (1994) sugere a realização de exercícios que envolvem a musculatura intrínseca e extrínseca da língua. Dessa forma, pode-se trabalhá-la alargando e afilando a língua, protruindo-a e também tocando os lábios com a sua ponta. Os movimentos ântero-posteriores da língua contra o palato propiciam a sua retrusão e o seu posicionamento no palato pode ser facilitado através da realização de estalo lingual. Tanto a postura da língua quanto a depressão e elevação mandibular podem ser abordadas quando a língua mantém-se no palato e concomitantemente abre-se e fecha-se a boca. Tal exercício pode demonstrar a existência de desvio mandibular, podendo ocorrer em função de um acoplamento lingual insuficiente, por desordens intra-articulares ou porque os músculos elevadores da mandíbula apresentam-se espásticos unilateralmente. 59 Exercícios de fortalecimento da musculatura supra-hioidéa são recomendados para as pessoas que pressionam os dentes anteriores inferiores e/ou a sínfise mentoniana, nas quais o côndilo sofre um deslocamento anterior. Com relação aos lábios, Felício (1994) sugere um trabalho que vise a adequação da forma e função quando uma atividade excessiva desta musculatura é observada durante principalmente a mastigação e deglutição. Quando a musculatura labial encontra-se em hiperatividade, geralmente associada à uma atividade excessiva dos músculos faciais e elevadores da mandíbula, devem ser administrados exercícios que promovem o relaxamento da musculatura envolvida. A presente autora sugere a utilização de água salgada e morna que deve ser deslocada alternadamente de um vestíbulo labial para o outro, promovendo um aumento da circulação sangüínea, distensão da musculatura e consequentemente seu relaxamento. Além do recurso citado acima, também pode-se utilizar um garrote (aproximadamente 15mm de comprimento e 9mm de espessura) que deve se mantido no vestíbulo labial sem que haja força labial contrária , visando o alongamento desta musculatura. No caso da musculatura labial encontrar-se hipofuncionante, exercícios isocinéticos e isométricos labiais são indicados. Conforme citado pela a autora em questão, a sucção também pode ser uma grande aliada no trabalho com a musculatura depressora da mandíbula. Contudo, deve-se estar atento para que não ocorram 60 movimentos de protrusão ou ântero-posteriores da mandíbula e para que a elevação e depressão desta estrutura sejam realizadas vagarosa e suavemente. A sucção, então, promove o relaxamento da musculatura elevadora da mandíbula, fazendo com que o paciente sinta-se aliviado. A lateralização mandibular, por sua vez, também pode ser trabalhada através do uso de um garrote com cerca de 15mm de comprimento que deve ser transferido do lado direito da cavidade oral para o esquerdo da mesma, com os lábios em oclusão. Entretanto, para a realização destes movimentos é preciso que não haja ruído articular na lateralização da mandíbula. No que tange à abordagem terapêutica das funções estomatognáticas, as autoras apresentam condutas semelhantes. Acreditam, dessa forma, que a partir do momento em que uma melhora da situação oclusal e muscular for sendo atingida, a mastigação começa a ser abordada. Assim, destacam que para se trabalhar esta função é necessário primeiramente que os movimentos da mandíbula possam ser realizados sem a presença de dor e com uma amplitude mais adequada. Associada a esses fatores, a consistência dos alimentos vai sendo devidamente modificada, adequando-se às possibilidades que o sistema estomatognático oferece. Tanto para uma autora quanto para a outra, inicialmente a alimentação sólida pode ser utilizada 61 para treino, devendo ser gradativamente incorporada ao cotidiano do paciente, visando a manutenção da harmonia muscular e das estruturas que compõe o sistema em questão. Pelo fato da respiração geralmente encontrar-se alterada devido as tensões musculares existentes, a atenção do fonoaudiólogo deve estar voltada para esta função estomatognática , visando sua adequação. Anelli (1997) expõe que o trabalho respiratório pode ser realizado através dos exercícios de relaxamento, bastante utilizados para alterações de voz. Caso a deglutição esteja modificada, sua abordagem vai sendo realizada à medida que as demais funções vão sendo trabalhadas. Contudo, segundo as autoras, qualquer abordagem deve estar respaldada pela conscientização dos processos alterados, para que a conduta terapêutica apresente um efeito desejado. Felício (1994) complementa afirmando que cada momento do processo terapêutico deve ser cuidadosamente avaliado para que somente seja realizado com o paciente o que uma determinada etapa permite, evitando o agravamento da situação. 62 6 - Considerações Finais Há mais de seis décadas, estudos científicos vêm sendo realizados com o intuito de esclarecer os inúmeros fatores que permeiam algumas desordens têmporo-mandibulares, também classificadas como Síndrome da Dor e Disfunção Miofacial. Contudo, ainda existem muitas incertezas no que tange ao diagnóstico, etiologia e tratamento das mesmas. Especificamente com relação ao diagnóstico, é unânime a postura de que esta é uma faceta de suma importância, uma vez que é o fundamental norteador para se estabelecer um tratamento adequado e conseqüente melhora da patologia referida. Segundo a maioria dos autores estudados, para que a realização do diagnóstico e o acompanhamento do caso sejam os mais satisfatórios possíveis, é fundamental que os profissionais envolvidos tenham um amplo conhecimento das características e dos fatores que desencadeiam as desordens em questão. Observou-se, a partir de uma revisão literária, que os problemas têmporo-mandibulares são, geralmente, vistos como desordens multifacetadas que envolvem algumas possíveis alterações do sistema mastigatório e das articulações têmporo-mandibulares, comprometendo, assim, o aspecto funcional dos mesmos. A etiologia destes problemas, também abordada nesta revisão, foi descrita como sendo variada, abrangendo tanto aspectos psicológicos quanto físicos. 63 Durante algum tempo, acreditou-se que as alterações oclusais ou dentárias pudessem ser as causadoras da síndrome da dor e disfunção miofacial. Entretanto, devido à incessante realização de estudos na área, este conceito foi cedendo o seu lugar. Atualmente, pesquisas demonstram que os principais fatores desencadeantes das desordens abordadas são as parafunções orais, como o rangimento e o apertamento dentário, embora alguns fatores oclusais também possam contribuir para os sintomas destas desordens. Contudo, a grande maioria dos autores abordados apontam para a necessidade da continuidade de pesquisas na área, buscando com isso, cada vez mais o entendimento sobre os fatores que permeiam as desordens em questão. Uma vez que a etiologia dos problemas têmporo-mandibulares e suas conseqüências envolvem mais de um campo científico, como demonstrado nos estudos pesquisados, o tratamento a ser instituído deve, então, englobar uma clínica multidisciplinar. Este tipo de tratamento visa garantir a adoção de condutas pertinentes, uma vez que devem ser abordados os aspectos psicológicos, odontológicos e musculares do paciente. Cabe ressaltar que o último aspecto acima citado tem sido destacado na literatura sendo atribuído grande parte do êxito terapêutico às intervenções nesta área. A intervenção fonoaudiológica baseia-se justamente no terceiro modo de abordagem física, contribuindo com o restabelecimento muscular e funcional das estruturas afetadas. Vários estudos demonstraram que a 64 musculatura mastigatória encontra-se alterada nas desordens têmporomandibulares merecendo, assim, atenção específica. Baseando-se na multideterminação do problema pesquisado, conclui-se que é fundamental ao fonoaudiólogo, assim como para os demais profissionais envolvidos no processo de reabilitação, o conhecimento das inúmeras variáveis determinantes das desordens discutidas, de suas possíveis conseqüências e das condutas terapêuticas adequadas. Com isso, espera-se garantir uma melhor qualidade de vida para os indivíduos que sofrem com os problemas abordados durante este trabalho. 65 7 - Referências Bibliográficas ANELLI, W. - Atuação fonoaudiológica na desordem temporomandibular. In:LOPES FILHO, O . ed. Tratado de fonoaudiologia. 1997. p.82128. BRAUN, B.; DI GIOVANA.; SCHIFFMAN, E.; et al.- A cross–sectional study of temporomandibular joint dysfunction in post cervical trauma patients. J. Craniomandib.Disord. Facial Oral Pain, 6:24-31, 1992. BROWNE, P.A.; CLARK, G.T.; KOYANO, K.- Oral motor disorders in humans. Journal of Califórnia, 21:19-30, 1993. 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