O BRASIL E A NOVA COMPOSIÇÃO DA ECONOMIA

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O BRASIL E A NOVA COMPOSIÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL
Gilmar Mendes Lourenço
Recente pesquisa, conhecida como Programa Internacional de Comparação, efetuada pelo Banco Mundial, sob a
tutela da Organização das Nações Unidas (ONU), demonstra expressivas modificações, em pouco mais de meia década
(2005-2011), no quadro econômico global, composto por um painel de 199 países, a partir da mensuração dos
agregados sínteses, particularmente do produto interno bruto (PIB), com base no critério de paridade de poder de
compra (sigla em inglês PPP), que enseja cotejos internacionais.
Essencialmente, o parâmetro PPP permite estimar as grandezas econômicas das nações, em dimensão real, a
partir da conversão dos respectivos valores, medidos em padrão monetário local, em cifras comparáveis em escala
mundial, quando cotados a uma cesta de moedas dos países que realizam maior intercâmbio comercial com aquele
que constitui o alvo da avaliação. Para fins de exames de envergadura econômica de distintas regiões e países, a regra
da PPP é mais adequada que o mecanismo convencionalmente adotado para a identificação do PIB, derivado da
aplicação da taxa de câmbio média do ano ao produto final gerado no exercício.
Na prática, agregando as seis maiores nações emergentes (China, Índia, Rússia, Brasil, Indonésia e México),
atinge-se 32,3% do PIB do mundo, o que quase iguala o peso aferido para as seis consideradas mais desenvolvidas
(EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido e Itália), que chega a 32,9%. Em outros termos, uma dúzia de países
responde por dois terços da produção global de bens e serviços.
As estatísticas revelam que 32 nações desfrutam da situação de renda elevada (PIB per capita acima de US$
12.475, ou 50,3% da economia do planeta), 84 figuram em estado de renda média (entre US$ 1.026 e US$ 12.475,
sendo 48,2% do total) e 1,5% são tidas como de rendimento baixo (inferior a US$ 1.026, ou 1,5%).
É possível identificar também que, depois de suplantar o Japão e assumir o segundo posto no ranking da produção
e negócios, no transcorrer dos anos 2000, a China vem encostando cada vez mais nos Estados Unidos (EUA) – que ainda
figura no primeiro lugar –, cujo PIB correspondia a 86,9% do americano, em 2011, contra 43,1% em 2005. Semelhante
comportamento foi exposto pela Índia que, ao saltar de 18,9% para 37,1% da economia americana, mudou do quinto
para o terceiro degrau na classificação, no intervalo em tela, suplantando Alemanha (quinto) e Japão (quarto).
Partindo da hipótese, bastante provável, de prosseguimento dessa tendência, a China deverá assumir, em breve,
o topo da lista, retomando a posição ocupada durante grande tempo da Era Cristã até o princípio do século 19.
Enquanto isso, os EUA perderão a liderança exercida desde 1872. De fato, apenas a título de ilustração, as ruas de
Pequim vêm sendo palco da substituição das bicicletas por automóveis, a formalização do mercado de trabalho e os
salários reais chineses crescem a um ritmo de quase 10% ao ano, e os conglomerados Huawei e Alibaba já controlam o
mercado mundial de tecnologia da informação.
Ainda assim, a renda per capita do chinês, 99ª posição, equivale a um quinto dos US$ 50 mil por ano, recebidos
pelo cidadão dos EUA, o que justifica a manutenção do rótulo de nação subdesenvolvida. Por essa linha de
abordagem, relatório da Universidade de Michigan (EUA) aponta aumento da desigualdade na China, comprovada
pela elevação do coeficiente de Gini de 0,3, no final do decênio de 1970, para 0,55, em 2010, reflexo da forte
concentração dos frutos da expansão econômica acelerada nas áreas urbanas, em detrimento das zonas rurais.
Lembre-se aqui que o Gini varia entre zero e um, mostrando piora na distribuição de renda quando se distancia de 0,5
no rumo da unidade.
Simulações preparadas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) apontam que o PIB
chinês alcançará o dos EUA em 2019, o que resultará na continuidade da interferência decisiva na formulação da
política de juros norte americana, por meio de polpudas aquisições de papéis do tesouro dos EUA, que superam,
atualmente, os US$ 1,3 trilhão. A China ainda permanecerá carregando a marca de ponto de hospedagem de
investimentos corporativos dos EUA, em virtude das vantagens comparativas em custos de produção.
Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v. 7, n. 4, junho 2014 | 1
O Brasil também experimentou apreciável avanço no tempo em foco, passando da décima (12,8% do PIB
americano) para a sétima (18,1%) colocação, deixando para trás França, Grã-Bretanha e Itália, e representando mais de
3% (US$ 2,816 trilhões) do PIB efetivo do grupo de países acompanhado pelo Banco e 57% do observado pela América
Latina. O PIB per capita do País estaria em US$ 14.639 por ano (80º lugar), 8,8% acima da média mundial (US$ 13.460).
Esse desempenho decorreu da combinação de fatores favoráveis, resumidos na inserção no ciclo das
commodities agrícolas, minerais e metálicas globais, determinado pela impulsão da demanda chinesa e dos preços
externos, e no fortalecimento do mercado interno, fruto da perenidade da desinflação, da criação e disseminação do
crédito consignado (mais barato por ser a prestação descontada da folha de pagamento do tomador), da política de
recomposição do poder aquisitivo do salário mínimo e dos programas oficiais de transferência de renda, ancorados no
bolsa família.
Contudo, a manutenção da marcha evolutiva, em um cenário internacional de crescimento moderado – 3,4% e
3,9% em 2014 e 2015, respectivamente, de acordo com projeções da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) – e acirramento da concorrência intercapitalista, exigirá do Brasil mais consistência e ousadia na
direção da construção de um projeto de nação.
Este, por seu turno, deverá conter um rearranjo da orientação macroeconômica, voltado essencialmente à
diminuição do gasto público, do déficit externo e, por consequência, da inflação, e à concretização da segunda
geração das mudanças estruturais, com ênfase para a tributária, a fiscal, a administrativa, a patrimonial, a financeira, a
previdenciária e a trabalhista.
Recorde-se que o estágio inicial desse árduo trabalho foi cumprido, no decênio de 1990, com a liberalização
comercial, a flexibilização dos monopólios, a regulamentação das concessões dos serviços públicos, a primeira parte
da reforma do aparato previdenciário, o plano real e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O esforço perdeu ímpeto
nos anos 2000, limitando-se à criação do crédito consignado, do cadastro positivo e da lei de falências.
O aprofundamento das
reformas institucionais
representa a senha para a
redução de custos e a
modernização da
economia brasileira
O aprofundamento dos aprimoramentos institucionais constitui a senha para a redução estrutural de custos e a
modernização do aparelho produtivo, elementos cruciais para a reinserção brasileira no ambiente competitivo interno
e exógeno. Isso porque, a corrente de comércio do País representa apenas 1,3% da movimentação de vendas e
compras mundiais, sendo o 22º entre os exportadores e o 21º entre os importadores.
Nesse sentido, a inversão em infraestrutura e educação representa o principal pilar para a recuperação e
multiplicação dos ganhos de produtividade, em um contexto de mercado de trabalho estreito, por conta da marcha de
exaustão do bônus demográfico, e de reduzida escolaridade. Para cada grupo de 100 alunos ingressantes no ensino
básico apenas 7 concluem a formação superior no Brasil. Segundo a OCDE, o País aplica somente 25% do julgado ideal
por estudante na faixa escolar entre 6 e 15 anos de idade, aspecto que explica, em grande proporção, a ocupação do
57º lugar no Programa Internacional de Estudantes (Pisa).
No terreno das despesas médias de produção, o Brasil estaria no 10º posto entre 28 nações investigadas em gastos
com energia elétrica no setor manufatureiro, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. A
Fundação Dom Cabral apurou que a insuficiência de investimentos em transportes ocasiona prejuízos anuais de quase
4% do PIB, sendo que as alocações em infraestrutura absorvem 2% do PIB no País, contra 4% na América Latina.
Em direção parecida, pesquisa realizada pelo International Institute for Management Development (IMD) –, uma
das mais importantes escolas de negócios do mundo, sediada na Suíça –, em parceria com a Fundação Dom Cabral,
revela que o Brasil recuou 16 postos (do 38º para o 54º, para uma amostra de 60 países), entre 2010 e 2014, no ranking
do indicador de competitividade, ficando a frente apenas de Eslovênia, Bulgária, Grécia, Argentina, Croácia e Venezuela.
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Lembre-se aqui que as economias da Eslovênia, Bulgária, Grécia e Croácia foram duramente atingidas pela
instabilidade financeira – concebida em seus detalhes desde a década de 1980, com as ligações promíscuas entre
governos, bancos centrais e irmandade financeira, deflagrada em 2006 e agudizada em 2008 e 2009, depois da
falência do banco Lehman Brothers –, enquanto que a da Argentina padece por conta de desarranjos conjunturais e
estruturais e a da Venezuela encontra-se inadimplente.
O mais inquietante é que houve perda de competitividade brasileira em termos absolutos em 2014, o que
representou a pior performance desde 1996. De fato, o País foi derrotado por ele mesmo, em razão da deficiente
infraestrutura, tímida liberalização comercial, precário aparato regulatório e reduzido nível de produtividade da
gestão pública.
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