Insulinas Análogas - Narrativa

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CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
JUDICIÁRIO E FORNECIMENTO DE INSULINAS ANÁLOGAS PELO SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE:
DIREITOS, CIÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS
Autores (em ordem alfabética)
Daniel Wang
Denise Franco
Fernanda Terrazas
Mariana Vilella
Natália Pires
I. INTRODUÇÃO
A Lei Federal 11.347/06, em seu artigo 1º, diz que todos os pacientes
portadores de diabetes terão direito a receber gratuitamente do Sistema Único de
Saúde todos os medicamentos e insumos necessários para seu tratamento. A mesma
lei estabeleceu também que cabe ao Ministério da Saúde selecionar os medicamentos
que serão adquiridos pelos gestores de saúde para fornecimento gratuito aos
pacientes (art. 2º).
A despeito da existência dessa política, reclamam os pacientes que nas listas
de medicamentos produzidos pelo Ministério da Saúde constam apenas as insulinas
regulares e a NPH, ficando excluídas da política as chamadas insulinas análogas.
Pacientes e médicos que defendem o uso das insulinas análogas alegam que seu uso
diminui casos de hipoglicemia, além de ser mais conveniente, o que aumentaria a
adesão ao tratamento e diminuiria a quantidade de problemas relacionados ao
diabetes, economizando outros gastos pelo sistema de saúde.
O fornecimento dessas insulinas tem sido a principal reivindicação de
associações de pacientes de diabetes que, entre outras estratégias de atuação, fazem
intenso uso de ações judiciais contra o poder público, tanto na forma de ações
individuais em que se pede o fornecimento dessas insulinas para um indivíduo, quanto
por meio de ações coletivas movidas em parceria com Ministério Público ou
Defensoria Pública, para exigir a inclusão das insulinas análogas na lista oficial de
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medicamentos regularmente e gratuitamente oferecidos pelo Sistema Único de
Saúde1.
Atualmente, dentre as ações que demandam fornecimento e tratamento
médico, a insulina análoga representa um dos produtos mais pedidos em diversos
estados.
O grande número de pedidos judiciais gerou muitos efeitos. Além das vitórias
de pacientes individuais ou de ações coletivas nos tribunais, alguns estados já estão
fornecendo as insulinas análogas em suas listas de medicamentos, apesar da recusa
do Ministério de Saúde de incluí-las na política nacional de combate ao diabetes.
A decisão reiterada do Ministério da Saúde e da maioria dos estados de não
fornecer as insulinas análogas fundamenta-se no argumento de que não há evidências
científicas de que as mesmas reduzam a mortalidade e a morbidade dos pacientes,
sendo sua única vantagem o uso mais cômodo (Relação Nacional de Medicamentos
Especiais, 2008). Outra razão alegada seria o fato de que as análogas são muito mais
caras que as insulinas humanas e a NPH.
II. O QUE É DIABETES
A Diabetes mais comum é denominada diabetes mellitus. Em apertada
síntese, a diabetes mellitus é um conjunto de doenças que tem em comum a
hiperglicemia (excesso de açúcar no sangue), ou pelo falta de produção de insulina ou
associado à redução na sua ação.
Se não controlada, a diabetes mellitus pode trazer complicações graves à
saúde, como doenças cardiovasculares (primeira causa de morte entre indivíduos
diabéticos), falência renal, amputação de membros inferiores, disfunção erétil e
cegueira.
Segundo dados da Federação Internacional de Diabetes (Atlas IDF, 2009), a
prevalência mundial da doença entre os adultos (com idade entre 20-79 anos) é de
6,6%, já atingindo 285 milhões de adultos em 2010. Estima-se que esta prevalência
1
Um caso em que o pedido de inclusão das insulinas análogas teve sucesso foi o do Município de São
Gonçalo, que criou uma política de distribuição dessas insulinas após uma ação civil pública proposta
pelo Ministério Público Federal. Ver O Globo. “Prefeitura de São Gonçalo é obrigada a fornecer insulina
especial
a
diabéticos
do
município”,
9
de
Setembro
de
2010.
Disponível
em
http://oglobo.globo.com/rio/mat/2010/09/09/prefeitura-de-sao-goncalo-obrigada-fornecer-insulina-especialdiabeticos-do-municipio-917591941.asp. Acesso em 5 de Fevereiro de 2011.
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aumentará para 7,8% (438 milhões) de adultos até 2030, o que significa que, dentro
deste período de trinta anos, prevê-se um aumento de 69% no número de adultos com
diabetes nos países em desenvolvimento, paralelamente a um aumento de 20% nos
países desenvolvidos.
No Brasil, estima-se que 5,8% da população seja portadora de diabetes. Ela
atinge principalmente pessoas idosas (por volta de 20% dos brasileiros com mais de
65 anos sofrem de diabetes) e aqueles com até oito anos de escolaridade (VIGITEL,
2010). A tendência é que esse número aumente, em decorrência do avanço da
expectativa de vida no Brasil.
III. Controle da diabetes mellitus: insulinas análogas vs. insulinas humanas
Como ainda não há cura para a diabetes, o paciente tem de aprender a
controlar a patologia para prevenir ou estabilizar complicações ligadas a ela. O
controle passa por, entre outras coisas, mudanças no seu estilo de vida, como parar
de fumar, organizar um plano alimentar saudável e a prática de atividades físicas. O
controle da glicemia também necessita do uso de medicamentos, em especial as
insulinas.
As insulinas são de vários tipos e se classificam de acordo com o tempo da
ação. De forma bastante esquemática podemos dividir as insulinas entre aquelas de
ação rápida (Regular), intermediária (NPH), prolongada (Glargina e Detemir) e
ultrarápida (Lispro, Aspart e Glusilina). As insulinas de ação rápida e intermediária
(Regular e NPH) são chamadas também de “insulinas humanas”, enquanto que as
outras são agrupadas como “insulinas análogas” à humana, termos que usaremos ao
longo do texto.
Em termos de controle da diabetes, ambos os tipos de insulina apresentam a
mesma eficácia. Contudo, os defensores do uso das insulinas análogas no lugar das
humanas defendem que as análogas, por apresentarem perfil mais proximo do
fisiologico e por poderem ser aplicadas no inicio de cada refeição (enquanto as
regulares humanas precisam ser aplicadas pelo menos 30 minutos antes), aumentam
a flexibilidade na qualidade de vida do paciente e reduzem a incidência de
hipoglicemia (que apresenta sintomas como frio, tremor, fraqueza, tontura, dor de
cabeça e irritabilidade). Os defensores da insulina análoga também afirmam que a
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melhora na qualidade de vida leva a maior adesão ao tratamento e, logo, ao melhor
controle da diabetes.
Tunis et al, (2009) e Grima et al, (2007) constataram em suas pesquisas que
existem menos casos de necessidade de tratamento de complicações decorrentes da
diabetes entre pacientes usuários de insulinas análogas. Lasserson et al. (2010), Maia
et al. (2007), Hartman (2008) e Maia & Araújo (2002) identificaram menos episódios
de hipoglicemia entre os usuários de insulinas análogas, quando comparados com
usuários de insulinas humanas.
Os autores citados também apontam que o melhor resultado no uso das
insulinas análogas está muito ligado à sua comodidade. Para uma doença crônica e
assintomática como a diabetes, que requer atenção permanente e cuidados
desconfortáveis durante longo período de tempo, a adesão ao tratamento é uma
variável essencial que determinará os resultados do tratamento. E um dos fatores de
adesão ao tratamento é a sua conveniência.
Por outro lado, há pesquisas que afirmam que, em geral, o uso de insulinas
análogas, em substituição às humanas, não trouxe melhora significativa na condição
de saúde dos pacientes em relação ao controle glicêmico e à redução de risco de
hipoglicemia, embora os pacientes estivessem mais satisfeitos com o tratamento
(Siebenhofer et al., 2009 A; Siebenhofer et al., 2009 B; Singh et al, 2009; CITEC,
2009).
Sugere-se, nesse sentido, que a maior satisfação com o tratamento não
decorre da melhora no quadro de saúde, mas da maior conveniência do tratamento
feito com insulinas análogas (Siebenhofer et al., 2009 B). A partir de um amplo
levantamento, Siebenhofer et al., (2009 A) e BRATS (2010) indicam que a maior parte
da literatura científica internacional aponta na direção de que não há evidências fortes
de que as insulinas análogas trazem melhoras significativas nas condições de saúde
dos pacientes.
Portanto, existe forte divergência na literatura medico científica quanto à maior
efetividade (resultados de melhora nas condições de saúde) do tratamento com
insulinas análogas. Contudo, uma coisa é certa: as insulinas análogas são muito mais
custosas que as humanas.
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De acordo com a Secretaria de Saúde do Município de São Paulo2, dentre as
insulinas análogas compradas pelo sistema municipal de saúde, em grande parte para
o cumprimento de sentenças judiciais, a Insulina Análoga Glargina (R$ 179,59 o frasco
com 10 ml), a mais judicializada como será observado a seguir, pode chegar a ser 13
vezes mais cara que a Insulina Humana NPH (fornecida a R$13,00 o frasco com 10
ml). Confira a planilha abaixo3:
Acompanhamento e Registro de Preços Insulinas
Secretaria de Saúde de Municipio de São Paulo (Março-Abril 2011)
INSULINA APIDRA SOLOSTAR SOL. INJ. - CANETA DESC. 3ML
INSULINA APIDRA SOLOSTAR SOL. INJ. - FRASCO AMPOLA C/ 10ML
INSULINA ASPART 100 UI/ML(NOVORAPID) FR C/10ML
INSULINA GLARGINA 100UI/ML(LANTUS CARPULE) FR. C/ 3ML
INSULINA GLARGINA 100UI/ML(LANTUS) FR. C/ 10ML
INSULINA HUMANA NPH 100 UI/ML
INSULINA HUMANA NPH EM SOL. INJ. C/100UI/ML-CX. 1 FAM 10ML
INSULINA HUMANA REGULAR EM SOL. INJ. COM 100 UI/ML
INSULINA LANTUS SOLOSTAR SOL. INJ., CANETA DESC. 3 ML
INSULINA LISPRO 100 UI/ML EM FAM C/ 10 ML
R$ 14,33/CANETA
R$ 47,78/FAM
R$ 53,18/FR
R$ 57,88/CARPULE
R$ 179,59/FAM
R$ 10,40/REFIL
R$ 13,00/FAM
R$ 9,86/FAM
R$ 63,91/CANETA
R$ 48,99/FAM
INSULINA LISPRO 100 UI/ML EM REFIL C/ 3 ML
R$ 19,56/REFIL
INSULINA LISPRO MIX 25 - 100 UI/ML
R$ 22,97/REFIL
De acordo com os dados expostos acima, resta claro que a Insulina Humana é
de fato mais barata que quaisquer das Insulinas Análogas, como as Insulinas Lispro
(R$ 48,99 o frasco com 10 ml) e Aspart (R$ 53,18 o frasco com 10 ml), também
frequentes alvos da judicialização.
Além da discussão quanto à maior efetividade do tratamento com insulinas
análogas, a literatura científica que estuda tais medicamentos também diverge quanto
ao seu custo-efetividade.
Os estudos que indicam não haver evidências fortes de benefícios – melhor
controle da glicemia, menos casos de hipoglicemia ou menor ocorrência de problemas
decorrentes da diabetes – avaliam que não há justificativas em assumir o custo muito
mais elevado das insulinas análogas (Siebenhofer et al., 2009 B; Singh et al, 2009;
BRATS, 2010).
2
De acordo com os últimos acompanhamentos de preços de medicamentos e insumos fornecidos ao
Município de São Paulo por meio do Registro de Preços nos termos do artigo 23 da Lei 8666/93.
Publicados no Diário Oficial da Cidade de São Paulo em 03 de março e 13 de abril de 2011, páginas 101
e 62, respectivamente.
3
Planilha elaborada com o cruzamento de dados das informações publicadas pela Secretaria de Saúde
do Município de São Paulo junto ao Diário Oficial da Cidade de São Paulo, nos dias 03 de março e 13 de
abril de 2011, páginas 101 e 62, respectivamente.
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Mesmo quando se reconhecem vantagens das insulinas análogas sobre as
humanas, isto não necessariamente significa que sua incorporação valha a pena.
Em sentido oposto, outros estudos afirmam que as insulinas análogas possuem
melhor relação custo-efetividade em relação às humanas, uma vez que a maior
conveniência das primeiras, além de trazer maior comodidade ao paciente, levaria a
uma maior adesão ao tratamento, diminuindo a incidência de hipoglicemia e reduzindo
gastos por parte do sistema de saúde para tratamento de problemas relacionados à
diabetes (McAdam-Marx, 2008; Leichter, 2008; Brunton, 2008).
Em síntese, a discussão na comunidade científica continua aberta. Existe
divergência quanto aos benefícios advindos com o uso das insulinas análogas e
quanto ao seu custo-efetividade.
IV. A POLÍTICA PARA DIABETES DO SUS4
A assistência para os portadores de diabetes no Sistema Único de Saúde é
feita mediante a distribuição de medicamentos e insumos para o controle da doença,
cuja responsabilidade é solidária entre as três esferas de governo: federal, estadual e
municipal.
A Lei Federal nº 11.347 de 2006 definiu critérios para a distribuição gratuita
de medicamentos e materiais necessários para o controle e monitorização da doença
aos pacientes inscritos em programas de educação para diabéticos em todo o país.
Em outubro de 2007, essa lei federal foi regulamentada pela Portaria do Ministério da
Saúde nº 2.583, que definiu o elenco de medicamentos e insumos necessários
disponibilizados pelo SUS aos usuários portadores de diabetes mellitus. As
responsabilidades dos entes federados no financiamento e fornecimento desses
produtos encontram-se normatizadas pela Portaria nº 4.217 do Ministério da Saúde,
de 29 de dezembro de 2010.
A Relação Nacional de Medicamentos (RENAME) de 2010, a lista mais
recente que define os medicamentos essenciais para fornecimento gratuito e
universal, também elenca as insulinas para controle da diabetes mellitus como parte
da política farmacêutica federal.
4
Sobre a política farmacêutica no Sistema Único de Saúde como um todo ver Anexo I
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A legislação federal define que a política de assistência farmacêutica do
Sistema Único de Saúde para os portadores de diabetes mellitus compreende apenas
o fornecimento das insulinas humanas: NPH e Regular. Desse modo, as insulinas
análogas não foram padronizadas pelo governo federal para fornecimento pelo
sistema público de saúde.
Na RENAME de 2008 existe uma justificativa bastante clara para a não
inclusão das insulinas análogas: não há evidências de que o tratamento com insulinas
análogas traga melhores resultados terapêuticos quando comparadas com insulinas
humanas. O documento cita diversos trabalhos mostrando a ausência de benefícios
adicionais com o uso de análogas e considerou que as pesquisas que identificaram
benefícios estão enviesadas por problemas metodológicos (RENAME, 2008).
No entanto, como os estados e os municípios podem, por iniciativa própria,
complementar os programas de assistência farmacêutica definidos pelo governo
federal por meio da elaboração de protocolos estaduais que incorporem as insulinas
análogas, cinco estados da federação decidiram por fornecer algumas das insulinas
análogas, que não estão previstas na política de assistência farmacêutica do Sistema
Único de Saúde para o controle do diabetes mellitus. São eles: do Distrito Federal5,
Espírito Santo6, Minas Gerais7, Paraná8 e Rio Grande do Sul9.
As justificativas para inclusão são aquelas usadas pelos defensores do uso
de insulinas análogas. A título de exemplo, o governo do Paraná entende que o
tratamento apenas com insulinas humanas é “incapaz[es] de promover o adequado
controle da glicemia sem um aumento inaceitável
no risco de hipoglicemia”,
fundamentando tal afirmação por meio de citação de artigos científicos que embasam
esta posição. Afirma, também, que a avaliação da relação custo-benefício com o uso
de insulinas análogas é “bastante favorável” (SESA Paraná, 2006)10.
Em conclusão, apenas em alguns poucos estados existe uma política de
acesso universal às insulinas análogas11. As incertezas quanto às vantagens do uso
5
O Distrito Federal possui protocolo complementar para fornecimento de insulina Glargina.
O Estado do Espírito Santo possui protocolo complementar para fornecimento da insulina Glargina.
7
O Estado de Minas Gerais possui protocolo complementar para fornecimento da insulina Glargina, mas
apenas para diabetes de tipo 1.
8
O Estado do Paraná possui protocolo complementar para fornecimento das insulinas Glargina, Lispro,
Aspart e Detemir.
9
O Estado do Rio Grande do Sul possui protocolo complementar para fornecimento das insulinas Lispro e
Aspart.
10
Sobre o posicionamento de representantes dos gestores do SUS ver Anexo VII
11
Para maiores informações sobre a metodologia empregada na pesquisa de protocolos estaduais, ver
Anexo II
6
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de insulinas análogas e o seu maior custo geram uma situação em que a resposta do
Ministério da Saúde e da maioria dos Estados é pela sua não incorporação, embora
alguns Estados tenham entendido que as evidências existentes são suficientes para
justificar o seu fornecimento, atendendo às demandas dos pacientes.
IV. JUDICIALIZAÇÃO DAS INSULINAS ANÁLOGAS
Conforme visto, a incorporação das insulinas análogas encontra resistência
por parte do sistema público de saúde. Os pacientes – individualmente ou
representados por ONGs e o Ministério Público – encontraram no Poder Judiciário
uma via para enfrentar essa resistência e conseguir, por via de ações contra o Poder
Público, o acesso gratuito às insulinas análogas com base no direito constitucional à
saúde.
Os medicamentos para diabetes, especialmente as insulinas análogas,
representam o principal objeto da judicialização da saúde no estado de São Paulo.
Afonso da Silva & Terrazas (2010), por meio de entrevistas com beneficiários de
ações judiciais com pedido de medicamentos no município de São Paulo, descobriram
que aproximadamente 24% deles são pacientes de diabetes e que as insulinas
análogas são o medicamento mais pedido.
Em outra pesquisa, que analisa os medicamentos fornecidos pela Prefeitura
do Município de São Paulo, aqueles para diabetes representam 46% do total (Vieira &
Zucchi, 2007). Entre as pessoas assistidas pela Defensoria Pública do Estado de São
Paulo que pleiteiam o direito à saúde, 25% buscam medicamentos para diabetes, em
especial insulinas (Wang, 2009). Cabe destacar que tais ações possuem um alto
índice de sucesso nos Judiciário (Vieira & Zucchi, 2007; Chieff & Barata, 2009; Afonso
da Silva &Terrazas, 2010 e Wang, 2009).
No município do Rio de Janeiro também são os medicamentos para diabetes
o principal objeto da judicialização da saúde, embora em proporções menores.
Figueiredo (2010) levantou que dentre os pedidos contra o Poder Público, 13,2% era
para o tratamento de diabetes, seguido pelos oftalmológicos (5,2%). A autora dividiu
os medicamentos demandados entre aqueles que são fornecidos pelo SUS e aqueles
que estão fora das listas. No primeiro grupo a insulina NPH encontra-se em primeiro e
a humana regular em terceiro em termos de frequência. Já dentre os medicamentos
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não regularmente inclusos na política pública de saúde, as insulinas análogas,
somadas, são as mais frequentemente demandadas (Figueiredo, 2010).
V. Perfil da judicialização das insulinas no Brasil
Por ainda não haver pesquisas que tratem especificamente sobre as ações
judiciais demandando insulinas, percebemos que seria necessária uma pesquisa mais
específica e ampla sobre o caso das insulinas análogas. Além de identificar quais as
insulinas análogas mais pedidas, importa-nos, também, saber como os juízes
analisam, se é que o fazem, as informações científicas divergentes sobre a eficácia
das insulinas análogas, bem como se eles aceitam a idéia de que considerações de
custo e custo-benefício podem ser alegadas pelos gestores para não fornecer a
análoga no lugar da regular ou da NPH.
Foi feita uma pesquisa sobre casos envolvendo pedido de insulinas nos
Tribunais de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Minas Gerais (TJ-MG), Rio Grande do Sul
(TJ-RS), Espírito Santo (TJ-ES) e Rio de Janeiro (TJ-RJ); todos os Tribunais
Regionais Federais (TRF 1, TRF 2, TRF, 3, TRF 4, TRF 5); o Supremo Tribunal
Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). No total, 501 decisões foram
analisadas12.
As insulinas mais pedidas são as análogas de insulina: em primeiro a
Glargina (Lantus), seguida de Lispro (Humalog) e Aspart (Novorapid). Essas são as
insulinas que não são fornecidas pelo SUS e são objeto de reivindicação pelos
pacientes.
Tipo de insulina
Insulina
12
Total
Glargina (Lantus)
319
Lispro (Humalog)
148
Aspart (Novorapid)
117
NPH
63
Regular Humana
40
Detemir (Levemir)
30
Para mais detalhes sobre a pesquisa de jurisprudência, ver Anexo III
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Ultra rápida (n.i.)
12
n.i.
10
Novomix
9
NPH ou Regular Humana
(n.i.)
9
Apidra (Glusilina)
7
Inalável Exubera
1
Total geral
765
Em um grande número de casos o paciente pediu, no mesmo processo, mais
de uma insulina. No cálculo da frequência de insulinas demandadas somamos todas
aquelas que foram pedidas, por isso há muito mais insulinas do que decisões.
Uma forma interessante de olhar esse dado é agrupar as insulinas análogas
em um grupo e as insulinas humanas (NPH e regular) em outro. Tem-se que 84% das
insulinas pedidas judicialmente são análogas.
Proporção de tipos de insulina solicitas por medida judicial
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A chance de um paciente conseguir uma decisão obrigando o poder público a
fornecer a insulina demandada é muito grande. Em 88% (440) dos casos o tribunal
decidiu a favor do paciente. Apenas em 11% (53 casos) o pedido foi negado pelo
tribunal.
Em 1% dos casos o paciente pedia tanto insulinas regularmente fornecidas
quanto análogas e os tribunais decidiram fornecer aquelas, mas não estas. Por isso,
os classificamos como casos em que a decisão concede parcialmente o pedido.
Tribunal concede insulina?
Se separarmos o resultado dos julgamentos por tipo de ação, liminar ou final,
encontramos o interessante dado de que entre as decisões finais mais de 92%
fornecia a insulina, enquanto que entre as decisões liminares este número diminui
para um pouco mais de 78% dos casos.
Conforme mostraremos adiante, o menor sucesso das liminares reside no fato
de que alguns magistrados entendem que as evidências médicas são controversas e
que se faz necessária a produção de perícia para averiguar a real necessidade do
medicamento pleiteado.
Concessão: liminar vs. final
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VI. A argumentação dos tribunais
Neste item procederemos à análise dos argumentos usados pelos tribunais
para fundamentar suas decisões. Conforme visto, o Judiciário precisa enfrentar
diversas questões: controvérsia científica; deferência ou ativismo frente a decisões
administrativas; impacto econômico; e sopesamento entre direito à saúde do individuo
e necessidades da coletividade. Neste item, portanto, analisaremos as diferentes
respostas – quando presentes – a estas questões nos julgamentos.
As decisões foram divididas de acordo com o resultado do recurso – se
concedida ou não a insulina demandada.
Agrupamos os argumentos em três conjuntos: (1) argumentos relativos à
condição sócio-econômica do paciente; (2) argumentos que fazem referência à
necessidade ou eficácia do tratamento pedido e (3) argumentos que entram no debate
sobre os custos do tratamento demandado e as conseqüências de sua concessão no
orçamento público.
Por fim, nos pouquíssimos casos em que houve voto divergente, optamos por
analisar apenas os votos vencedores para entender o argumento que de fato embasa
a decisão tomada pelos tribunais.
Decisões que concedem a(s) insulina(s)
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Conforme visto, em 440 dos casos (88%) a insulina pedida é concedida pelos
tribunais.
Destes 440, 215 fazem referência à condição sócio-econômica do paciente.
Dentre estes 215 casos, na quase totalidade - 208 decisões (97%) - os tribunais
afirmaram que se tratava de um paciente hipossuficiente e que nem ele, e nem sua
família, teriam condições de arcar com os custos do tratamento. Em 5 casos, o tribunal
entendeu que a condição sócio-econômica do paciente é irrelevante na análise de
pedido de fornecimento da insulina porque o Sistema Único de Saúde é universal e
igualitário, não comportando discriminação de renda. Em 1 caso, por ser tratar de
decisão em sede liminar, o tribunal entendeu que não caberia discussão sobre a
hipossuficiência do paciente. Por fim, também em 1 caso o tribunal afirmou que o
Sistema Único de Saúde “deve tratar cidadãos de forma indistinta (...) mas
preferencialmente aos hipossuficientes”. Neste caso, não ficou claro se o cidadão
recebeu o tratamento por ser hipossuficiente ou apenas por ser cidadão.
Análise da condição sócio-econômica do paciente
Do total que concede a insulina, em 293 decisões houve alguma análise
sobre a necessidade e a eficácia do tratamento pedido. Uma alegação recorrente por
parte do Poder Público para pedir o indeferimento da ação era quanto a real
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necessidade do paciente de receber a insulina pedida e à eficácia do tratamento
quando comparado com aqueles regularmente oferecidos pelo sistema público de
saúde. Na grande maioria das vezes em que esse tema apareceu na decisão do
tribunal - 246 casos - os tribunais basearam-se no laudo do médico do paciente para
provar que o paciente necessitava do tratamento, a despeito das alegações e
evidências em contrário trazidas pelo Poder Público. Em 6 casos o tribunal foi
convencido da necessidade e eficácia do tratamento por meio de perícia técnica
judiciária, e em outros 5 a decisão foi tomada com base em pesquisa de literatura
médica ou estudos técnicos sobre a eficácia das insulinas análogas. Houve 1 caso em
que o tribunal baseou-se tanto na literatura médica quanto no laudo assinado pelo
médico do paciente. Em 2 casos o tribunal reconheceu a necessidade do tratamento,
mas abriu a possibilidade de substituição do medicamento pedido por um genérico.
Por fim, em 33 casos o tribunal simplesmente afirmou que o tratamento pedido era
necessário, sem citar a fonte desta afirmação.
Análise da eficácia e necessidade da insulina pedida
Com relação ao debate sobre os custos do tratamento e as consequências
econômicas e orçamentárias da sua concessão, esse assunto foi analisado e usado
na fundamentação da decisão em 182 casos. Em 130 deles o tribunal entendeu que,
quando está em jogo o direito à vida e à saúde dos pacientes, a questão dos custos é
irrelevante e não pode ser alegada pelo Poder Público para justificar o não
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
fornecimento de um medicamento. Em 34 casos os magistrados entenderam que a
alegação de que não havia recursos ou que a concessão de medicamentos traria
danos ao sistema de saúde ou ao atendimento de outros pacientes não foi
comprovada pelo Poder Público. Em 18 decisões entendeu-se que a ausência de
recursos é culpa da própria administração pública, de sua má gestão ou falha na
escolha de prioridades, não podendo ser alegada em favor do Estado para se eximir
de fornecer o medicamento pedido.
Análise das conseqüências da decisão no orçamento público
Decisões que não concedem a(s) insulina(s)
Conforme visto, em apenas 53 casos o pedido de fornecimento de
medicamento foi negado pelo tribunal. Em apenas 5 casos o pedido foi negado tendo
como fundamento (ou um dos fundamentos) o fato de o paciente ter condições
financeiras para comprar o medicamento, ou de não conseguir provar sua
hipossuficiência. O seguinte trecho é representativo: “O impetrante não é assistido por
médico do SUS, tem plano de saúde (fls 12) e não demonstrou, inequivocamente, não
ter condições de arcar com os custos de seu tratamento" (Tribunal de Justiça de São
Paulo - AC 812.909-5/2-00).
CASOTECA DIREITO GV – PRODUÇÃO DE CASOS 2011
Houve 44 casos em que a não concessão da insulina teve como fundamento
(ou um dos fundamentos) a não comprovação da necessidade ou indispensabilidade
do paciente de receber o tratamento pedido, inclusive pela não comprovação da
eficácia das insulinas análogas sobre as humanas, regularmente oferecidas pelo
poder público.
Destes 44 casos, em 25, principalmente liminares, o tribunal entendeu que
não poderia conceder o medicamento porque o conjunto probatório não foi suficiente
para comprovar a necessidade, especialmente pela falta de realização de perícia
médica judicial. Em 2 casos, o tribunal concluiu, a partir do laudo produzido pelo
próprio médico do paciente, que a insulina análoga não seria indispensável para o
paciente. Já em 6 decisões, o tribunal baseou-se na perícia médica judicial para
afirmar que o tratamento pedido não era indispensável ao paciente e que o tratamento
poderia ser feito com as insulinas regularmente oferecidas pelo sistema público. Em 4
julgados a afirmação de que não havia necessidade do fornecimento da insulina foi
baseada na literatura médica que afirma não haver vantagens na substituição das
insulinas análogas pelas regulares ou NPH. Por fim, em 7 casos os tribunais não
informaram a fonte da informação de que o tratamento não seria necessário ou
indispensável.
Análise da eficácia e necessidade da insulina pedida (total de 44 casos)
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Os custos da concessão judicial e/ou seu impacto econômico foram usados
como argumento para negar a concessão em 19 dos 53 casos de não concessão. Em
7 deles, o tribunal afirmou de forma mais genérica que custos impõem restrições a
direitos, portanto não haveria como o Estado fornecer todos os medicamentos
demandados pelos pacientes. Já em 12 casos, os tribunais foram mais específicos e
afirmaram que é preciso respeitar as escolhas do sistema de saúde e, portanto,
caberia à Administração decidir o rol de medicamentos aos quais os cidadãos podem
ter acesso.
Decisões com pedido de mudança estrutural
Neste item analisaremos as decisões que pedem mais do que o simples
fornecimento de insulina a um paciente ou um grupo determinado de pacientes. Elas
pedem o fornecimento regular de insulinas pelo Poder Público a uma coletividade. São
pedidos de mudança estrutural porque demandam uma efetiva mudança na política e
não só uma atuação pontual.
As decisões com pedido de mudança estrutural merecem ser analisadas
separadamente porque elas têm potencialmente maior impacto econômico para o
sistema de saúde, atingem um número muito maior de pessoas.
Na pesquisa feita por meio do banco de dados eletrônico dos tribunais foram
encontrados 7 casos com pedido de mudança estrutural. A estes adicionamos para a
análise uma decisão que encontramos por outra via - Apelação 803.640-5/3-00
(TJSP), mas cuja análise entendemos válida pelo fato de serem poucas as ações com
pedidos de mudança estrutural que conseguimos coletar por meio da pesquisa pelo
site.
Tribunal
Ação
Pedido
Resultado
Fornecimento dos medicamentos
Apelação
constantes no Programa Nacional
Concede
TRF 4
2004.72.09.001393-1 de Assistência Farmacêutica para
pedido
Hipertensão Arterial e Diabetes
Implantação de Protocolo Clínico
aos análogos de insulina de longa
(glargina e levemir) e curta
Ag. Instrumento 5005575TRF 4
duração (aspart e lispro), com o Nega pedido
03.2010.404.0000
objetivo de viabilizar o acesso dos
portadores de Diabetes Mellitus
Tipo 1 ao tratamento.
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TRF 4
TRF 5
TJ-ES
TJRS
TJSP
TJSP*
Fornecimento de todo e qualquer
medicamento e exame
necessários ao tratamento da
Ag. Instrumento
Diabetes Mellitus Tipo II, para
2007.04.00.040761-1
residentes nos Municípios que
integram a Subseção Judiciária da
Justiça Federal de Jaraguá do
Sul/SC.
Fornecimento de Glargina a todos
os usuários do sistema de saúde
Apelação 478990
de Sergipe portadores de
Diabetes Mellitus Tipo 1
Fornecimento aos pacientes
portadores de diabetes de insulina
Ag. Instrumento
análoga de longa duração
24099159964
(Glargina) e de curta duração pelo
Estado do Espírito Santo.
Fornecimento de Glargina e
Ag. Instrumento
Detemir a todas as crianças e
70021180922
adolescentes portadoras de
diabetes.
Fornecimento de Glargina aos
Apelação 697.081-5/6-00
munícipes de Jacareí
Fornecimento de todos os
medicamentos e insumos
Apelação 803.640-5/3-00 necessários, inclusive insulinas,
aos residentes no Município de
São Paulo portadores de Diabetes
Nega pedido
Concede
pedido
Concede
pedido
Nega pedido
Nega pedido
Nega pedido
Denegação do pedido de mudança estrutural
Em 4 casos houve denegação do pedido de fornecimento de insulinas
análogas para uma coletividade. Todos eles eram pedidos alternativos, ou seja,
pediam-se insulinas para um indivíduo ou grupo determinado de pessoas e, ao mesmo
tempo, para toda uma coletividade. Embora nos 4 casos o pedido de mudança
estrutural (para a coletividade) tenha sido negado, em 3 deles o pedido individual foi
concedido.
No Ag. Instrumento 2007.04.00.040761-1 (TRF 4) o tribunal negou o pedido
considerando as conseqüências que a decisão teria para o sistema público de saúde.
Ressaltou, ainda, que os recursos do SUS são escassos e que “[D]deferir-se, sem
qualquer planejamento, benefícios para alguns, ainda que necessários, pode causar
danos para muitos, consagrando-se, sem dúvida, injustiça”. A decisão também
entendeu que a introdução de medicamentos deve obedecer a formalidades e a um
processo administrativo e que se o tribunal concedesse o pedido, estaria atuando em
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matéria típica da Administração. Por fim, reforça o entendimento de que o direito à
saúde é um direito social coletivo e não um direito individual.
No Ag. Instrumento 70021180922, o TJRS entendeu que não tinha
conhecimento médico-científico suficiente para avaliar os benefícios das medicações
pedidas e determinar a obrigação do Estado de cumprir a obrigação demandada. Além
do mais, fala-se nos custos que tal decisão implicaria “seguramente sacrificando
carências básicas e bem conhecidas na área da saúde, bastando confrontar os
preços”.
A Apelação 697.081-5/6-00 (TJSP) é um dos casos com pedido alternativo.
Embora tenha havido um pedido de mudança estrutural, este não foi discutido ao
longo do acórdão, que simplesmente analisou o pedido individual e julgou
parcialmente procedente a ação civil pública, obrigando a Administração a fornecer a
insulina apenas aos beneficiários nomeados na inicial. Não se sabe os fundamentos
de tal decisão.
Na
Apelação
803.640-5/3-00,
o
TJSP
entendeu
que
o
pedido
é
demasiadamente genérico e que “a tutela do interesse difuso à saúde, no caso dos
autos, deve passar obrigatoriamente pela tutela de direitos individuais, sob pena de
tornar o autor carecedor da ação por falta de interesse”.
Por fim, no Ag. Instrumento 5005575-03.2010.404.0000 entendeu-se que as
evidências científicas disponíveis “não permitem identificar vantagens significativas em
relação à utilização dos diferentes tipos de insulinas, considerando eficácia, segurança
e comodidade” e que as insulinas NPH e regular, fornecidas pelo Ministério da Saúde,
suprem as necessidades dos pacientes. Além do mais, afirmou que a lei que trata
sobre diabetes dá aos pacientes o direito de acesso aos medicamentos escolhidos
pelo SUS e que não há inconstitucionalidade ou ilegalidade nos critérios adotados pelo
sistema: “[T]trata-se de política pública elaborada de acordo com as diretrizes do
Governo Federal, amparadas, por sua vez, pelos dados disponibilizados por equipe
técnica”. Por fim, ressaltou-se ainda que questões orçamentárias e de custos devem
ser consideradas para não comprometer a fruição de direitos “a parcela mais ampla da
sociedade”.
Concessão do pedido de mudança estrutural
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Em um dos casos - Apelação 2004.72.09.001393-1 (TRF 4) - houve pedido
de fornecimento de insulinas já constantes no Programa Nacional de Assistência
Farmacêutica para Hipertensão Arterial e Diabetes. Neste caso, o pedido é estrutural,
mas diferencia-se dos outros porque se pede a efetivação de uma política já existente,
enquanto que nos outros se pede uma mudança na política por meio da introdução de
insulinas análogas, não constantes na lista oficial.
Dentre os pedidos de fornecimento de insulinas análogas concedidos, em um
caso, a Apelação 478990 (TRF 5), havia um pedido alternativo (tanto para um
indivíduo quanto para uma coletividade). Neste caso, ambos haviam sido concedidos
em primeira instância e o Poder Público apelou. Contudo, o tribunal analisou apenas o
pedido individual e toda a argumentação foi construída em torno da necessidade do
indivíduo. Decidiu-se por negar provimento à apelação, o que dá a entender que
ambos os pedidos foram concedidos, embora não tenha havido qualquer
argumentação sobre o pedido de mudança estrutural.
Por fim, em apenas um caso - Ag. Instrumento 24099159964 (TJES) decidiu-se pela concessão do pedido de mudança estrutural de forma fundamentada.
O julgado baseou-se na apresentação de estudos científicos e em receitas médicas
afirmando que as insulinas solicitadas são superiores à NPH, regularmente fornecida
pelo sistema de saúde no referido Estado. O tribunal considerou também que os
estudos apresentados pela Administração Pública defendendo que as análogas não
são indispensáveis, pois podem ser substituídas pela NPH, são inconclusivos. Sobre o
impacto financeiro, a decisão afirmou que “dificuldades financeiras do Poder Público
não podem servir de obstáculo ao fornecimento de medicamentos e de garantia da
vida dos jurisdicionados”.
VII. Os tipos ideais de decisões
A partir da análise de conteúdo do fundamento dos julgados, procederemos à
construção de tipos-ideais de decisão judicial sobre pedidos de fornecimento de
insulinas análogas.
Importa ressaltar que “ideal”, neste contexto, não tem uma carga
valorativa/normativa e não significa “o melhor” ou “o mais desejável”. Tipo-ideal é um
conceito específico da sociologia weberiana que procura entender a realidade por
meio da construção de um tipo “puro” e com características propositalmente
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acentuadas. É uma forma de reduzir o mundo real - com toda sua complexidade,
ambiguidade e nuances - a uma construção analítica mais simples e homogênea – e
comumente fictícia – em que apenas alguns aspectos são propositalmente escolhidos
para ajudar a entender a realidade e, especialmente, para fazer classificações e
estudos comparativos13.
Tipo ideal das decisões em geral
É uma decisão que fornece a insulina análoga.
A decisão típica aceita a receita do médico do paciente como necessária e
suficiente para demonstrar a necessidade e a adequação do medicamento. Além do
mais, julga que a receita deve prevalecer frente ao entendimento da administração
pública de que as insulinas pretendidas não são indispensáveis. O médico é quem
está mais capacitado para escolher o tratamento para seu paciente, e sua receita
fornece toda a informação médica-científica necessária para o julgamento. O laudo é
um trunfo contra evidências científicas em contrário apresentadas pela Administração
e faz com que a perícia médica-judicial seja dispensável. O tribunal afirma não ter
condições de questionar a decisão de tratamento escolhida por um médico, mas
desconsidera as opções de tratamento escolhidas pelo sistema de saúde. Ou seja, o
juiz típico nesses casos de concessão não quer se substituir ao médico, mas se
substitui à Administração Pública a cada decisão.
Isso faz com que a alegação de que um medicamento não pertence à lista
oficial seja de pouca relevância. Ademais, frente a direitos individuais tão
fundamentais, como vida e saúde, a questão dos custos de se fornecer a insulina é
secundária, ou mesmo irrelevante, e não pode ser usada pela Administração Pública
para negar um tratamento a um paciente que dele necessite. Além do mais, a
Administração é incapaz de mostrar que não possui recursos para fornecer a insulina
pedida e tampouco consegue provar que o seu fornecimento traz riscos para o
sistema público de saúde e sua capacidade de atender outros pacientes.
Considera, por fim, que a condição sócio-econômica do paciente é um
aspecto importante a ser considerado no julgamento, de forma que a sua
hipossuficiência é uma razão a mais para que o Judiciário intervenha em sua
proteção.
13
A definição de tipo ideal pode ser encontrada em Weber (1986).
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Tipo ideal das decisões com pedido de mudança estrutural
É uma decisão que nega o pedido de concessão de insulinas análogas a uma
coletividade, ou seja, a introdução destes medicamentos nas políticas do sistema
público de saúde.
Fundamenta-se no fato de que a escassez de recursos impede o sistema de
saúde de fornecer todos os medicamentos que os médicos indicam aos seus
pacientes, uma vez que o gasto feito sem critérios pode impedir esse mesmo sistema
de oferecer bens e serviços que protejam a saúde de outros pacientes.
Há receio de que obrigar o fornecimento das insulinas mais caras pode deixar
desamparada outra parcela da população, especialmente os menos favorecidos e que
dependem do sistema público.
O fato de que os recursos são escassos gera a necessidade de se
estabelecer critérios de como usá-los. E esses critérios devem ser estabelecidos pela
Administração Pública, desde que escolhidos por meio de um processo correto e com
fundamentação científica. Cabe, portanto, ao Judiciário, respeitar tais critérios, sob
pena de intervir em matéria reservada a outro Poder.
Em um quadro de incerteza científica sobre a real imprescindibilidade das
insulinas análogas e de suas vantagens em relação às regulares humanas e NPH
(humanas), não há como o tribunal colocar-se no lugar do administrador público para
avaliar qual o melhor tratamento e decidir que ele deve ser fornecido pelo sistema
público de saúde.
Ao contrário das decisões individuais, no caso de pedido de mudança
estrutural, o tribunal nega-se a se colocar no lugar do Administrador Público e confia a
este o poder de avaliar, a partir do conhecimento existente, qual o tratamento mais
adequado a ser fornecido para a população.
Contudo, está aberta a possibilidade para que os pacientes, individualmente,
e com grande chance de sucesso, venham a pleitear aquilo que o tribunal denega
para uma coletividade.
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