Introdução à Álgebra Não Comutativa via Exemplos Paula Murgel Veloso e Jones Colombo UFF 3o Colóquio da Região Nordeste Setembro de 2014 Sumário Introdução 1 1 Por que estudar anéis não comutativos? 1.1 Conceitos básicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.2 Breve histórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.3 Primeiros exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 3 6 8 2 Como controlar o tamanho dos anéis? 2.1 Dimensão de um A-módulo . . . . . . . . . 2.2 Soma Direta . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.3 Elementos de Torção e Aniquiladores . . . 2.4 Módulos Livres . . . . . . . . . . . . . . . . 2.5 Anéis satisfazendo identidades polinomiais . . . . . 13 14 15 15 16 18 3 Dividir para entender 3.1 Álgebra Exterior (∧) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.2 Álgebra de Clifford . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.3 Álgebras Envelopantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 22 25 26 4 Como desmontamos anéis semissimples? 4.1 Teorema de Wedderburn-Artin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 29 Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 iii Introdução Neste texto pretendemos dar uma apresentação diferenciada da teria de anéis não comutativos. Pretendemos apresentar os resultados apenas via exemplos, isto é, não vamos seguir a metodologia usual: definição, exemplos, proposições, teoremas; vamos definir, enunciar teoremas e aplicar resultados em exemplos. O principal resultado que pretendemos expor é o Teorema de Wedderburn–Artin, que caracteriza a estrutura de um tipo de anéis não comutativos, em termos de anéis que são “quase” corpos, a única diferença sendo que seus elementos não comutam. Tal teorema, embora esteja na origem da teoria de anéis continua influenciando e sendo um paradigma na atualidade. Como já dissemos, nosso obetivo não é demonstrar teoremas; se algum teorema aparece com demonstração, é apenas pelo motivo de que achamos que é essa é uma forma rápida de explicar o conteúdo do teorema. Qualquer um que já tenha lido uma peça de teatro sabe que elas são incialmente maçantes, pois começam apresentando os personagens e algumas de suas características. Em matemática acontece o mesmo (especialmente na álgebra); são peças que possuem inúmeros atores e cada um deles desempenha apenas uma pequena parte na ação que irá se seguir. Quando tratamos de anéis não comutativos, é muito difícil não falarmos nada de anéis não associativos. Por isso, mencionamos e damos exemplo de algumas famílias de álgebras não associativas. Mas existem outras álgebras não associativas que também são importantes e das que não tratamos, por exempo asálgebras alternativas, as álgebras de Jordan e as álgebras de Bernstein, as álgebras de composição. Por motivação para estudar uma estrutura algébrica, entendemos uma das seguintes situações: • a estrutura tem aplicação na física moderna. Podemos citar as álgebras de Weyl e de Clifford, que têm aplicações na física quântica. • a estrutura é empregada em uma abordagem para resolver equações diferenciais. O principal exemplo nessa classe são as álgebras de Lie. • a teoria da estrutura tem algum resultado paradigmático para o estudo de outras álgebras. Esse é o caso das álgebras envelopantes. No capítulo 1, vamos apresentar conceitos básicos, um pouco sobre a história da álgebra não comutativa, e alguns exemplos que sintetizam a teoria, mas que ainda esteja no nível de um aluno de graduação, para que os mesmos possam melhor fruir os resultados. No capítulo 2, vamos apresentar a teoria de módulos, uma parte muito importante do Teorema de Wedderburn–Artin. No capítulo 3, iniciamos com alguns resultados preliminares da teoria de anéis e depois apresentamos algumas álgebras, 1 2 Introdução justificando a importância de cada uma delas. Finalmente, no capítulo 4, falaremos a respeito do Teorema de Wedderburn–Artin, juntamente com as ideias introduzidas por Pierce, e aplicaremos os resultados para fazer a decomposição, garantida pelo teorema de Weddburn–Artin, de algumas álgebras. Capítulo 1 Por que estudar anéis não comutativos? Neste e no próximos dois capítulo vamos contar um pouco da história do início da teoria, dar as definições básicas e exemplos que consideramos significativos. 1.1 Conceitos básicos Para mais detalhes sobre os tópicos a seguir, sugerimos as referências [1], [4]. Comecemos recordando a definição do objeto principal deste curso: um anel. Definição 1.1 Um anel A é um conjunto não vazio munido de duas operações binárias, denotadas por + (adição) e · (multiplicação) tais que, para todos a, b, c ∈ A, verificam-se as seguintes propriedades: i. ( a + b) + c = a + (b + c) (associatividade da adição); ii. a + b = b + a (comutatividade da adição); iii. existe elemento 0 ∈ A tal que, para todo a ∈ A, a + 0 = a = 0 + a (existência de elemento neutro aditivo); iv. para todo a ∈ A, existe elemento − a ∈ A tal que a + (− a) = 0 = (− a) + a (existência de elemento simétrico aditivo); v. ( a · b) · c = a · (b · c) (associatividade da multiplicação); vi. ( a + b) · c = a · c + b · c) (distributividade da multiplicação sobre a adição). Se, além das propriedades i.–vi., A também tiver a propriedade vii. existe elemento 1 ∈ A tal que, para todo a ∈ A, a · 1 = a = 1 · a (existência de elemento neutro multiplicativo), dizemos que A é um anel com unidade. Neste curso, todos os anéis terão unidade; assim, a palavra anel se referirá sempre a um conjunto A que satisfaça as propriedades i.–vii. 3 4 Capítulo 1: Por que estudar anéis não comutativos? Definição 1.2 Seja A um anel. Dados a, b, c ∈ A, definimos o comutador de a e b (também conhecido como o colchete de Lie de a e b) por ser: [ a, b] = ab − ba, e o associador por ser: ( a, b, c) = ( ab)c − a(bc). Dizemos que um anel é comutativo se [ a, b] = 0 para todo a, b ∈ A e é associativo se ( a, b, c) = 0 para todo a, b e c ∈ A. Dado um anel A, definimos o centro de A como o conjunto: Z ( A) = {z ∈ A | az = za, ∀ a ∈ A}. Note que Z ( A), com as mesmas operações de adição e multiplicação de A, também é um anel (comutativo). Observe que A é um anel comutativo se e somente se Z ( A) = A. É bastante comum que os primeiros cursos universitários de Álgebra de graduação no Brasil tratem principalmente de anéis comutativos – os conjuntos numéricos Z, Q, R e C são todos exemplos de anéis comutativos (por que N não é um anel?). Tipicamente, o primeiro exemplo de anel não comutativo a que os alunos são apresentados são os anéis Mn (R) (matrizes quadradas de ordem n × n com entradas reais), com n ≥ 2 – é bastante fácil encontrar matrizes A, B ∈ Mn (R) tais que AB 6= BA. No entanto, esses não foram os primeiros exemplos de anéis não comutativos que surgiram historicamente. Antes de nos concentrarmos no primeiro anel não comutativo estudado, vejamos mais alguns tipos especiais de anéis. Definição 1.3 Seja A anel comutativo com a propriedade: se ab = 01 , então a = 0 ou b = 0. Dizemos que A é um domínio. Elementos não nulos a, b de um anel A tais que ab = 0 são chamados divisores de zero. Assim, um domínio é um anel comutativo sem divisores de zero. Os anéis Z, Q, R e C são todos exemplos de domínios. Definição 1.4 Seja A anel. Um elemento a ∈ A é invertível se existe elemento b ∈ A tal que ab = 1 = ba (b é o inverso de a e usualmente denotado por a−1 ). O conjunto U ( A) = { a ∈ A | a é invertível} é o grupo das unidades de A. Um anel A é um anel de divisão se U ( A) = A \ {0} (ou seja, todos elementos não nulos de A são invertíveis). Um anel de divisão comutativo é um corpo. Os domínios Q, R e C são todos exemplos de corpos. Veremos mais adiante exemplos de anéis de divisão que não são corpos. Lembremos também o importante conceito de ideal: Definição 1.5 Seja A um anel. Um subconjunto não vazio L de A é um ideal à esquerda de A se as seguintes condições se verificam: i. se x, y ∈ L, então x + y ∈ L; 1 Passaremos a denotar, de agora em diante, a · b por ab. 1.1: Conceitos básicos 5 ii. se a ∈ A e x ∈ L, então ax ∈ L. Similarmente, definimos ideal à direita de A. Um subconjunto não vazio I de A é um ideal (ou ideal bilateral) de A se I é um ideal à esquerda e um ideal à direita de A. Note que, se A é um anel comutativo, os conceitos de ideal à esquerda de A, ideal à direita de A e ideal (bilateral) de A coincidem. Definição 1.6 Sejam K um corpo e A um conjunto não vazio A. Dizemos que A é uma Kálgebra (álgebra sobre o corpo K) se A tem as três operações a seguir: K×A → A , (α, a) 7→ αa A×A → A , ( a, b) 7→ a + b A×A → A ( a, b) 7→ a · b , de forma que para α ∈ K e a, b, c ∈ A, temos: a) αa e a + b tornam A um espaço vetorial sobre K; b) α( a · b) = (αa) · b = a · (αb); c) ( a + αb) · c = a · c + αb · c e também a · (b + αc) = a · b + α( a · c). No caso em que ( a · b) · c = a · (b · c), dizemos que A é uma álgebra associativa; se a · b = b · a, dizemos que A é uma álgebra comutativa, e se existe um elemento 1 ∈ A tal que 1 · a = a · 1 = a para todo a ∈ A, dizemos que A é uma álgebra com unidade. Em todo o texto usaremos o conceito de uma K-álgebra e de anel quase como sinônimos, apesar de parecerem coisas bem distintas. Acontece que o conceito de anel é mais geral, principalmente por que não depender das coordenadas, já o conceito de álgebra depende das coordenadas. Mas os principais exemplos de anéis são realizado como álgebras, além disso, fica claro na definição de álgebra que as propriedades interessantes são a comutativa e a associativa, a propriedade distributividade segue de maneira natural. Um exemplo de uma R-álgebra é o conjunto das matrizes 2 × 2 com entradas reais denotado por M2 (R), sendo as operações a multiplicação por escalar, a soma de matrizes e a multiplicação de matrizes. Com a terminologia acima e com as propriedades que já conhecemos das matrizes, temos que M2 (R) é uma R-álgebra associativa e com unidade. Como estamos acostumados a tratar produto interno em espaços vetoriais Rn sobre os R, sabemos que um produto interno é uma função Rn × Rn → R definida por (u, v) 7→ hu, vi que satisfaz, entre outras propriedades, a bilinearidade, isto é, hu + αv, wi = hu, wi + αhv, wi e hu, v + αwi = hu, vi + αhu, wi. A propriedade c) de uma K-álgebra nos diz que a operação · é também bilinear, com a diferença que o resultado a · b é novamente um elemento de A, e não um elemento de K. Note também que uma K-álgebra estende para o contexto de K-espaço vetorial o conceito de anel. Existem diversas famílias de álgebras que são muito estudas, mas a que se sobressai são as álgebras de Lie. 6 Capítulo 1: Por que estudar anéis não comutativos? O estudo das álgebras de Lie, nasceu de um sonho de Marius Sophus Lie (Nordfjordeid, 17/12/1842 – Oslo, 18/02/1899), que percebeu uma forma de imitar a teoria de Galois de equações algébricas no contexto de equações diferenciais. Ao aprofundar o estudo, ele percebeu que era preciso investigar os grupos de Lie e, depois, que esses grupos poderiam ser classificados por meio das álgebras de Lie. Assim, estudar as álgebras de Lie, no fundo é estudar invariantes de equações diferenciais. Em todo caso, essa teoria é bem extensa, com resultados profundos, e atualmente um campo de pesquisa ativo. Além disso, essa álgebra é certamente a mais importante dentre as álgebras não associativas e seus métodos influenciaram as abordagens de outras famílias de álgebras; vejamos sua definição: Definição 1.7 Uma álgebra de Lie g é uma álgebra em que a multiplicação (denotada por [ a, b] em vez de ab) satisfaz, para todos X, Y, Z ∈ g: i. [ X, X ] = 0; ii. [[ X, Y ], Z ] + [[ Z, X ], Y ] + [[Y, Z ], X ] = 0 (identidade de Jacobi); Observe que, como consequência, temos que: 0 = [ X + Y, X + Y ] = [ X, X ] + [ X, Y ] + [Y, X ] + [Y, Y ] = [ X, Y ] + [Y, X ]; logo [ X, Y ] = −[Y, X ] (Lei anticomutativa). 1.2 Breve histórico Façamos um apanhado do desenvolvimento da teoria de anéis e do papel dos anéis não comutativos nesse processo [3]. Em 1837, o irlandês Sir William Rowan Hamilton formulou a primeira teoria dos números complexos, definindo-os como pares ordenados de números reais (como fazemos hoje em dia) e encerrando, assim, quase três séculos de discussão sobre sua legitimidade. Como ele conhecia bem a interpretação de pares ordenados de números como vetores no plano, ele percebeu que ele havia, na verdade, construído uma álgebra que lhe permitia trabalhar com vetores em um plano. Hamilton também sabia que o maior problema de sua época, vindo da Física, era construir uma linguagem que fosse apropriada para desenvolver a Dinâmica (algo parecido com o que foi feito por Newton quando ele inventou o Cálculo, criando ferramentas adequadas para o desenvolvimento da Cinemática). Para tanto, era necessário criar uma álgebra para operar com vetores no espaço. Depois de muitos esforços, Hamilton se deu conta de que não seria possível construir tal estrutura e, baseando-se em considerações geométricas, percebeu que ele conseguiria descrever uma álgebra, não de vetores, mas de operadores que agem em vetores, trabalhando em uma álgebra de dimensão 4. Ele considerou, então, elementos da forma α = a + bi + cj + dk, que ele chamou de quatérnios, onde os coeficientes a, b, c, d representam números reais e i, j, k são símbolos formais denominados de unidades formais. Estava claro para ele que dois elementos desse tipo deveriam ser somados componente a componente, ou seja: ( a + bi + cj + dk) + ( a0 + b0 i + c0 j + d0 k) = ( a + a0 ) + (b + b0 )i + (c + c0 ) j + (d + d0 )k. A maior dificuldade era definir o produto de dois quatérnios de uma maneira razoável. Como esse produto deveria ter as propriedades usuais de uma multiplicação , como 1.2: Breve histórico 7 a propriedade distributiva, bastava decidir como multiplicar os símbolos i, j, k entre si. Isso exigiu um esforço considerável, pois, desde o começo, Hamilton assumiu implicitamente que o produto deveria ser comutativo (o que era perfeitamente razoável já que ele não sabia que estava prestes a descobrir a primeira estrutura algébrida não comutativa da Matemática!). Finalmente, em outubro de 1843, ele descobriu as leis fundamentais do produto dos quatérnios: i2 = j2 = k2 = ijk = −1, que implicam nas fórmulas: ij = k = − ji jk = i = −kj ki = j = −ik. No dia seguinte, Hamilton apresentou um extenso tratado sobre os quatérnios para a Academia Real Irlandesa. A descoberta dos quatérnios foi um choque para os matemáticos da época por uma série de razões. Entre outras, essa descoberta abria as possibilidades de novas extensões do corpo dos números complexos precisamente quando o recém-descoberto Teorema Fundamental da Álgebra parecia indicar que a necessidade de novas extensões tinha chegado a um fim. Em dezembro do mesmo ano, em resposta a uma carta de Hamilton, o matemático inglês John T. Graves introduziu um novo conjunto de números, os octônios, que podem ser definidos como o conjunto de elementos da forma a0 + a1 e1 + a2 e2 + . . . + a7 e7 , onde os coeficientes ai são números reais e os símbolos ei são as unidades básicas, para 0 ≤ i ≤ 7. Novamente, a soma de dois octônios é definida componente a componente, e o produto é definido primeiramente nas unidades básicas de acordo com certas regras e então estendido distributivamente. Um fato notável sobre os octônios é que o produto assim definido não é nem mesmo associativo. Graves não publicou sua descoberta, e tais números foram descobertos independentemente por Sir Arthur Cayley em 1845 (os octônios também são conhecidos como números de Cayley). Hamilton percebeu que era possível estender ainda mais essa construção e definiu os biquatérnios, elementos da forma α = a + bi + cj + dk, onde os coeficientes a, b, c, d são agora números complexos. Logo depois, ele introduziu os sistemas hipercomplexos: conjuntos de elementos da forma α = a0 + a1 e1 + a0 e2 + . . . + an en , com a adição definida componente a componente, e a multiplicação definida estabelecendo-se os valores de produtos de unidades básicas duas a duas. Como o produto de duas unidades básicas deve ter o mesmo formato de α, temos que: n ei e j = ∑ γk (i, j)ek . k =1 Em outras palavras, para dar a esse conjunto uma estrutura de álgebra, basta escolher convenientemente os valores dos coeficientes γk (i, j) (constantes estruturais do sistema). Esses fatos que recordamos foram os primeiros passos do desenvolvimento da teoria de anéis. Pouco depois, vários novos sistemas foram descobertos, e surgiu a necessidade de classificá-los. No artigo Linear Associative Algebras, publicado em 1871, Benjamin Peirce classificou as álgebras até então conhecidas e determinou 162 álgebras de dimensão menor que 7. Como ferramentas para o seu método de classificação, 8 Capítulo 1: Por que estudar anéis não comutativos? Peirce introduziu ideias muito importantes para a teoria de anéis, como as noções de elementos nilpotentes e idempotentes, e o uso de idempotentes para obter uma decomposição de uma álgebra dada. No século XIX, estavam ocorrendo desenvolvimentos importantes na teoria de álgebras não associativas. Após os trabalhos de S. Lie e W. Killing sobre o estudo de grupos de Lie e álgebras de Lie, A. Study e G. Scheffers introduziram, no período de 1889-1898, algumas noções básicas para o desenvolvimento da teoria estrutural de anéis, como os conceitos de álgebras simples e semissimples. Seus resultados inspiraram tanto T. Molien e E. Cartan, que obtiveram, independentemente, importantes resultados referentes à teoria estrutural de álgebras de dimensão finita reais e complexas. Ambos introduziram nesse contexto as noções de álgebras simples e semissimples e caracterizaram álgebras simples como álgebras de matrizes complexas. Todo esse trabalho culminou com os belíssimos teoremas de J. H. M. Wedderburn, em que a estrutura de álgebras de dimensão finita sobre corpos arbitrários, é descrita usando técnicas relacionadas à existência de elementos idempotentes, conforme sugerido pelo trabalho prévio de Peirce. 1.3 Primeiros exemplos O leitor interessado pode encontrar mais exemplos, bem como aprofundar os exemplos aqui expostos, em [3],[2] e [4]. Exemplo 1.8 (Quatérnios) Sejam i, j, k símbolos dados e considere o conjunto HR = { a + bi + cj + dk | a, b, c, d ∈ R}. Definimos a soma de dois elementos desse tipo como: ( a + bi + cj + dk) + ( a0 + b0 i + c0 j + d0 k ) = ( a + a0 ) + (b + b0 )i + (c + c0 ) j + (d + d0 )k. A multiplicação é definida distributivamente, com a multiplicação dos símbolos i, j, k satisfazendo: i2 = j2 = k2 = ijk = −1, ij = k = − ji jk = i = −kj ki = j = −ik. Computações diretas mostram que o conjunto HR é um anel, o anel dos quatérnios reais. Dado α = a + bi + cj + dk ∈ HR , podemos definir o conjugado de α como α = a − bi − cj − dk, e a norma de α como ||α|| = αα = a2 + b2 + c2 + d2 . Observação 1.9 Analogamente ao caso dos complexos, é fácil ver que, para quaisquer αβ ∈ HR : i. ||αβ|| = ||α|||| β|| = || βα||; ii. ||α|| ≥ 0, e ||α|| = 0 se e somente se α = 0. Verifique! 1.3: Primeiros exemplos 9 Se α ∈ HR e α 6= 0, então ||α|| 6= 0 e podemos definir α0 = α/||α|| ; notemos que: αα0 = α ||α|| α = =1 ||α|| ||α|| (do mesmo modo, vemos que α0 α = 1). Logo, α0 = α−1 . Assim, todo elemento não nulo de HR é invertível, e HR é um anel de divisão. Podemos, similarmente, definir HQ , o anel dos quatérnios racionais, considerando os coeficientes de i, j, k comos sendo números racionais. Todos argumentos acima ainda valem, e segue que HQ também é um anel de divisão. No entanto, se definirmos HC , o anel dos quatérnios complexos, pode haver elementos não nulos com norma nula, assim, HC não é um anel de divisão. Por fim, consideremos HZ , o anel dos quatérnios inteiros. Novamente, HZ é um anel e não contém divisores de zero (pois HZ ⊆ HQ , que é um anel de divisão). No entanto, U (HZ ), o conjunto dos elementos invertíveis de HZ , é bem pequeno. Seja α = a + bi + cj + dk ∈ U (HZ ). Segue da definição de norma que ||α|| ∈ Z e ||α|| > 0. Também, como αα−1 = 1, temos ||α||||α−1 || = 1, logo ||α|| = 1 = a2 + b2 + c2 + d2 (já que ||α|| > 0). Como a, b, c, d ∈ Z, a última igualdade só pode ocorrer se apenas um elemento dentre a, b, c, d for 1, e os demais 0. Consequentemente, U (HZ ) = {±1, ±i, ± j, ±k }. Exemplo 1.10 (K-anéis livres) Sejam K um anel e X = { xi | i ∈ I } um sistema variáveis independentes e não comutantes entre si, mas que comutam com os elementos de K. Podemos construir o anel livre gerado por X, que denotamos por K h xi | i ∈ I i, cujos elementos são polinômios nas variáveis não comutantes xi com coeficientes em K. O K-anel livre K h xi | i ∈ I i (em que as variáveis xi não comutam entre si) se comporta de maneira muito diferente do anel de polinômios K [ xi | i ∈ I ] (em que as variáveis xi comutam entre si). Exemplo 1.11 (Anéis com geradores e relações) Sejam K e A como no Exemplo 1.10 . Seja F = { f j | j ∈ J } ⊆ A. Denote por ( F ) o ideal gerado por F em A, e considere o anel quociente A = (AF) . Observe que, em A, temos que, para todo j ∈ J, f j ( xi | i ∈ I ) = 0. Assim, A é o anel gerado por { xi } sobre K com relações F. Vejamos alguns casos específicos: (a) Se usarmos as relações F = { xi xi0 − xi0 xi | i, i0 ∈ I }, então o anel quociente A é o anel de polinômios “usual” K [ xi | i ∈ I ] nas variáveis comutantes { xi }. (b) Se A = Rh x, yi e F = { x2 + 1, y2 + 1, xy + yx }, então A/( F ) é o anel dos quatérnios reais (Exemplo 1.8). (c) Se A = K h x, yi e F = { xy − yx − 1}, então A = A/( F ) é a (primeira) álgebra de Weyl sobre K, denotada por A1 (K ). A relação xy − yx = 1 em A1 (K ) apareceu de maneira natural nos trabalhos sobre os fundamentos matemáticos da Mecânica Quântica de Dirac, Weyl, Jordan–Winger, D. E. Littlewood e outros. No caso em que K é um corpo de característica zero, A1 (K ) também pode ser encarado como um anel de operadores diferenciais no anel de polinômios P = K [y]. De fato, se D 10 Capítulo 1: Por que estudar anéis não comutativos? denota o operador d/dy em P e L denota o operador de multiplicação à esquerda por y em P então, para todo f ∈ P, a “regra do produto” para derivadas nos dá que: ( DL)( f ) = d df (y f ) = y + f = ( LD + I ) f , dy dy onde I denota o operador identidade em P, ou seja, temos a relação DL = LD + I, que equivale a DL − LD = I. Considere EndK ( P) o conjunto de todos os K-endomorfismos de P (isto é, todos os homomorfismos de P em P que são K-lineares). Podemos definir uma função ϕ : A1 (K ) → EndK ( P), x 7→ D, y 7→ L. Observe que a imagem de ϕ é o anel S = {∑in=0 ai ( L) Di | ai ∈ P, n ∈ N}. Não é difícil ver que ϕ é um isomorfismo entre A1 (K ) e S. Exemplo 1.12 (Anéis de grupos) Sejam A um anel e G um grupo. Podemos definir o conjunto AG das A-combinações lineares formais de elementos de G: AG = { ∑ a g g | a g ∈ A, ∀ g ∈ G, e as somas são finitas}. g∈ G Definimos a adição de elementos de AG componente a componente, ou seja: ∑ ag g + ∑ bg g = ∑ (ag + bg ) g; g∈ G g∈ G g∈ G a multiplicação de elementos de AG é definida estendo-se A-linearmente a multiplicação em G, ou seja: ( ∑ a g g)( ∑ bg g) = ∑ a g bh gh. g∈ G g∈ G g,h∈ G É fácil verificar que, com as operações acima definidas AG é um anel (o elemento neutro da adição de AG é o elemento 0 = ∑ g∈G 0 A g, e o elemento neutro multiplicativo de AG é o elemento 1 = 1 A 1G + ∑ g∈G,g6=1 0 A g. Chamamos AG de o anel de grupo de G sobre A. Exemplo 1.13 Seja K um corpo. Considere sl2 (K) o subconjunto das matrizes 2 × 2 com entradas em K que têm traço nulo: a b sl2 (K) = { X = ∈ M2 (K) | tr ( X ) = a + d = 0}. c d Observe que, se X, Y ∈ sl2 (K), λ ∈ K, então, pelas propriedades do traço em matrizes, X + Y tem traço nulo, e λX também tem traço nulo, isto nos diz que sl2 (K) é um subespaço vetorial de M2 (K). Além disso, definimos o produto em sl2 (K) como [ X, Y ] = XY − YX, onde XY é a multiplicação usual da matriz X pela matriz Y. Temos que tr( AB) = tr( BA), para quaisquer matrizes A e B. Segue que tr[ X, Y ] = 0, isso nos diz que sl2 (K) é uma subálgebra de M2 (K) com esse produto. Note que as matrizes: 0 1 1 0 0 0 X= ,H = ,Y = , 0 0 0 −1 1 0 1.3: Primeiros exemplos 11 formam uma K-base para sl2 (K). Sejam eij as matrizes que tem 1 na posição ij e zero nas outras, é fácil de ver que eij ekl = δjk eil , onde δij = 1 se i = j, e δij = 0 caso contrário. Daí podemos deduzir que: [ H, X ] = [e11 − e22 , e12 ] = (e11 − e22 )e12 − e12 (e11 − e22 ) = e12 + e12 = 2X, de maneira semelhante também podemos deduzir que [ H, Y ] = −2Y e [ X, Y ] = H. Exemplo 1.14 Seja K um corpo. Considere so3 (K) o subconjunto das matrizes 3 × 3 com entradas em K talis que X = − X t , onde X t indica a matriz transposta de X. Logo, so3 (K) é { X ∈ M3 (K) | X + X t = 0} = { X ∈ M3 (K) | X é matriz antissimétrica}. Como sabemos que ( A + B)t = At + Bt e ( AB)t = Bt At , para quaisquer matrizes quadradas A, B, então a primeira identidade nos garante que so3 (K) é um subespaço vetorial de M3 (K). Se X, Y são matrizes antissimétricas, temos [ X, Y ]t = ( XY − YX )t = ( XY )t − (YX )t = Y t X t − X t Y t = (− X )(−Y ) − (−Y )(− X ) = −( XY − YX ) = −[ X, Y ]. Portanto, o comutador de matrizes antissimétricas continua sendo uma matriz antissimétrica. Exemplo 1.15 (Produto vetorial de R3 ) Considere R3 o conjunto de vetores no espaço real tridimensional – triplas ordenadas com coordenadas reais. Sabemos que, neste conjunto, temos operações de adição e multiplicação por escalares reais (as operações são feitas coordenada a coordenada); assim, R3 é um R-espaço vetorial. Vamos considerar como operação de multiplicação em R3 o produto vetorial × dos vetores u = ( x1 , y1 , z1 ) e v = ( x2 , y2 , z2 ) do R3 , definido por ~i ~j ~k u × v = det x1 y1 z1 x2 y2 z2 = ( y1 z2 − y2 z1 , x2 z1 − x1 z2 , x1 y2 − x2 y1 ). Sabemos do curso de Geometria Analítica, que o produto vetorial de dois vetores u e v dá como resultado um vetor que é perpendicular ao plano gerado pelos vetores u e v, e a norma de u × v é igual a área do paralelogramo determinando por u e v. No caso de u = λv, λ ∈ R (u e v são colineares), os vetores não geram um plano, e u × v é o vetor nulo. Como, (1, 1, 0) × (1, 0, 0) = (0, 0, −1) e (0, 1, 0) × (1, 1, 0) = (0, 0, −1) temos: (0, 1, 0) × [(1, 1, 0) × (1, 0, 0)] = (−1, 0, 0); [(0, 1, 0) × (1, 1, 0)] × (1, 0, 0) = (0, −1, 0); (0, 1, 0) × [(1, 1, 0) × (1, 0, 0)] 6= [(0, 1, 0) × (1, 1, 0)] × (1, 0, 0). Portanto, esse produto não é associativo. Pelas propriedades do determinante temos que u × u = 0 para todo u ∈ R3 e além disso, (u + v) × w = u × w + v × w e u × (v + w) = u × v + u × w para todo u, v e w ∈ R3 . Por outro lado, se u · v = ( x1 x2 + y1 y2 + z1 z2 ), então sabemos que, para todos u, v e w ∈ R3 : u × (v × w) = (u · w)v − (u · v)w (verifique!) 12 Capítulo 1: Por que estudar anéis não comutativos? Usando a identidade acima vemos que u × (v × w) = (u · w)v − (u · v)w w × (u × v) = (w · v)u − (w · u)v v × (w × u) = (v · u)w − (v · w)u, e, portanto, u × (v × w) + w × (u × v) + v × (w × u) = 0, isto é, R3 com o produto × é uma álgebra de Lie. Capítulo 2 Módulos: Como controlar o tamanho dos anéis? Suponha que V é um R-espaço vetorial. O conceito mais importante no estudo de espaços vetoriais é o de dimensão. Vamos recordar os elementos básicos desse conceito. Dado X um subconjunto de V, definimos Span( X ), o subespaço gerado por X, como o conjunto de todas as possíveis R-combinações lineares dos vetores de X, isto é: Span( X ) = {v ∈ V | v = a1 v1 + a2 v2 + . . . + an vn , ai ∈ R, n ∈ N, vi ∈ X }. No caso em que Span( X ) = V, dizemos que X é um conjunto gerador de V. Em geral, pode haver muitas redundâncias dentro de X (ou seja, pode ser que exista um subconjunto Y ⊂ X tal que Span(Y ) = Span( X )). Por isso definimos o conceito de conjunto linearmente independente. Dizemos que um conjunto de vetores X é linearmente independente se qualquer equação da forma: x1 v1 + x2 v2 + . . . + xn vn = 0, tem uma única solução, que é a trivial: x1 = x2 = . . . = xn = 0. Dizemos que um conjunto X que gera V e é linearmente independente é uma base de V. Um resultado importante, demonstrado nos cursos de Álgebra Linear, é que quaisquer duas bases de um espaço vetorial V têm a mesma cardinalidade; tal número é denominado dimensão de V. Além disso, essa definição coincide com a noção usual de dimensão. Gostaríamos de estender, se possível, conceito de dimensão para um outro objeto matemático: módulos M sobre um anel A. Veremos que esse objeto matemático não surge de maneira artificial, mas é uma consequência quase natural do conceito de anel. O conceito de módulo M sobre um anel A também pode ser visto como uma generalização do conceito de espaço vetorial V sobre um corpo K. Um espaço vetorial V é um conjunto de elementos (vetores) munido de duas operações: a adição de vetores, que mune V de uma estrutura de grupo comutativo, e a multiplicação de escalares (elementos do corpo K) por vetores, que deve satisfazer as seguintes propriedades: para todos a, b ∈ K e u, v ∈ V, temos distributiva a · (u + v) = a · u + a · v e ( a + b) · u = a · u + b · v; associativa ( ab) · v = a · (b · v); 13 14 Capítulo 2: Como controlar o tamanho dos anéis? elemento neutro 1 · v = v. Podemos imaginar uma estrutura algébrica na qual substituímos o corpo K por um anel A com unidade 1. Quando fazemos isso, obtemos o conceito de módulo M sobre o anel A, ou ainda, M é um A-módulo. Com essa definição, todo espaço vetorial é um K-módulo, todo grupo abeliano é um Z-módulo (para cada n ≥ 0, defina n · x = |x + x + {z. . . + x}, 0 · x = 0, (−n · x ) = −(n · x )). n Se A é um anel e n ∈ N, então o produto cartesiano A × A × . . . × A = An é um A-módulo, com as operações definidas coordenada a coordenada. Em particular, se n = 1, vemos que A é um A-módulo, onde a multiplicação do A-módulo A coincide com a multiplicação do anel A. Sejam X um conjunto não vazio, M um A-módulo, e F X a coleção de todas as funções f : X −→ M. Então, com a adição e a multiplicação definidas por ( f + g)( x ) = f ( x ) + g( x ) e (r f )( x ) = r f ( x ), para todos f , g ∈ F X , r ∈ A, x ∈ X, tornamos F X um A-módulo. Em particular se X = {1, 2, . . . , n} reobtemos o exemplo de An acima, e, se X = {1, 2, . . . , n} × {1, 2, . . . , m}, obtemos as matrizes de ordem n × m com entradas em M, que claramente é um A-módulo. Seja A um anel comutativo e com unidade 1, e I um ideal de A. Temos que I é um R-módulo, uma vez que, pela propriedade de ideal, ax ∈ I, para todo x ∈ I e a ∈ A. 2.1 Dimensão de um A-módulo Exemplo 2.1 Considere o Z-módulo Z2 . O conjunto {(2, 0), (3, 0)} é claramente linearmente dependente, pois 3 · (2, 0) − 2 · (3, 0) = (0, 0). No entanto, nenhum dos dois elementos é um múltiplo escalar do outro. Por outro lado, o conjunto {(2, 0)} não gera Z2 ; precisamos incluir outro elemento na “mesma direção” de (2, 0), de tal maneira que a primeira coordenada seja coprima com 2. Além disso, na direção de (0, 1) temos que incluir pelo menos mais um vetor. Então o conjunto {(2, 0), (3, 0), (0, 1)} gera Z2 e é linearmente dependente, mas não podemos retirar nenhum elemento dele sem que ele perca a propriedade de gerar Z2 . Exemplo 2.2 Considere o grupo abeliano aditivo Z5 = {0̄, 1̄, 2̄, 3̄, 4̄}. Pelo que observamos acima, Z5 é um Z-módulo. Note que: 5 · ā = 0̄, para todo ā ∈ Z5 . Definição 2.3 Dizemos que um subconjunto não vazio N ⊂ M de um A-módulo é um Asubmódulo de M se N é um A-módulo com as mesmas operações do A-módulo M restritas a N. Observação 2.4 Para verificar que um N é um submódulo de M basta verificarmos que: (a) 0 ∈ N; (b) se u, v ∈ N então u + v ∈ N; 2.2: Soma Direta 15 (c) se a ∈ A e u ∈ N então a · u ∈ N. Podemos verificar que se S, N são submódulos do A-módulo M, então S ∩ N e S + N = {u + v : u ∈ S e v ∈ N } sã A-submódulos de M. No caso em que A é visto como um A-módulo, então, se N é um submódulo de A, temos que, para u, v ∈ N e a ∈ A, u − v ∈ N e a · u ∈ A. Portanto, claramente N é um ideal do anel A. Já sabemos que se I ⊂ A é um ideal de A, então I é um A-submódulo de A (visto como A-módulo). Em outras palavras, os A-submódulos do A-módulo A são precisamente os ideais de A. 2.2 Soma Direta A definição de soma direta de módulos é igual à de soma direta de espaços vetoriais. No caso que um A-módulo M é escrito como M = P ⊕ Q, diremos que Q é o complemento de P em M, e o denotaremos Q = Pc ; assim, temos M = P ⊕ Pc . Exemplo 2.5 Seja o anel dos inteiros Z como Z-módulo. Quais são os Z-submódulos de Z? Sabemos que os Z-submódulos de Z são ideais de Z e, como Z é um domínio de ideais principais, para todo Z-submódulo N ⊂ Z, é possível determinar u ∈ N tal que N = Zu = {zu | z ∈ Z} , isto é, todo Z-submódulo de Z é da forma Zu, para algum u ∈ Z, u ≥ 0. Como resultado, vemos que quaisquer Z-submódulos de Z tem interseção não vazia. Se u, v ≥ 0, então uv ∈ Zu ∩ Zv. Assim, nenhum Z-submódulo Zu de Z, para u 6= 0 ou 1, tem complemento. Definição 2.6 Sejam M um A-módulo, v ∈ M, v 6= 0. O A-submódulo Cc’iclico gerado por v é o A-módulo Span(v) = { a · v | a ∈ A}. 2.3 Elementos de Torção e Aniquiladores Em um K-espaço vetorial V, se v ∈ V, v 6= 0, então o conjunto {v} é linearmente independente, mas isso não é necessariamente verdade para A-módulos. Definição 2.7 Seja M um A-módulo. Um elemento v ∈ M,v 6= 0 tal que rv = 0, para algum r ∈ A, r 6= 0, é chamado de elemento de torção de M. Em A-módulos, podemos considerar uma outra construção que definimos abaixo. Definição 2.8 Sejam M um A-módulo, v ∈ M, N um A-submódulo de M. O aniquilador de v é o conjunto: ann(v) = {r ∈ A | rv = 0} , e o aniquilador de N é o conjunto: ann( N ) = {r ∈ A | rN = {0}} , onde rN = {rv | v ∈ N }. Os aniquiladores são também conhecidos como ideais de ordens. 16 Capítulo 2: Como controlar o tamanho dos anéis? Não é difícil de verificar que ann(v) e ann( N ) são ideais de A. Claramente, v ∈ M é um elemento de torção se, e só se, ann(v) 6= {0}. Também, se A e B são submódulos de M, então A ⊂ B ⇒ ann( B) ⊂ ann( A). 2.4 Módulos Livres O fato de nem todos os módulos terem bases nos permite dar a seguinte definição: Definição 2.9 Um A-módulo M é dito livre se M = {0} ou se M admite uma base. Se β é uma base de M, então dizemos que M é livre sobre β. Mesmo um módulo livre ainda não se parece com um espaço vetorial, como fica claro no próximo exemplo: Exemplo 2.10 Seja A = K[ x1 , x2 , . . . , ] o anel de todos os polinômios com infinitas variáveis (comutantes) sobre o corpo K. Por conveniência, vamos escrever x para denotar x1 , x2 , . . . ; assim, f ( x1 , x2 , . . . ) = f (x) ∈ A. É fácil de ver que A é finitamente gerado como A-módulo pelo polinômio p(x) = 1. Agora considere o submódulo N de todos os polinômios com termos constante nulo, i.e.: N = S ({ x1 , x2 , . . . , xn , . . . }) Afirmação: N não é gerado por uma quantidade finita de polinômios. De fato, suponha, por absurdo, que N é gerado por uma quantidade finita de polinômios, digamos { p1 (x), p2 (x), . . . , pn (x)}. Então, para cada k, existem ak,1 (x), . . . , ak,n (x) ∈ A tais que n xk = ∑ ak,i (x) p j (x). i =1 Note, para todo j, p j (x) não possui termo constante. Como o número de variáveis que aparece cada p j (x) é finito, podemos escolher l tal que xl não aparece em p1 (x), p2 (x), . . . , pn (x). Para cada al,i (x), vamos isolar os termos que contém xl , e os termos que não contém xl : al,i (x) = xl q j (x) + r j (x), onde q j (x), r j (x) ∈ A, e r j (x) não possui a variável xl . Temos: n xl = ∑ al,i (x) p j (x) = xl i =1 n n i =1 i =1 ∑ q j ( x ) p j ( x ) + ∑ r j ( x ) p j ( x ). O último somatório da segunda igualdade não envolve xl e deve ser igual a 0. Então o primeiro somatório da segunda igualdade deve ser igual a 1, o que é impossível, já que nenhum p j (x) não tem termo constante. Assim, N não pode ser finitamente gerado. 2.4: Módulos Livres 17 Exemplo 2.11 O conjunto Z × Z é um Z × Z-módulo livre, e, naturalmente, a multiplicação por escalar é dada por (m, n)( a, b) = (ma, nb). Observe que o submódulo Z × {0} não é livre, pois não contém nenhum elemento linearmente independente e, portanto, não tem base. Como estamos no contexto de anéis não comutativos, precisamos ser mais específicos com a natureza do módulo. Exemplo 2.12 Considere A = M2 (R). Sabemos que A2 é um A-módulo. Mas podemos considerar duas multiplicações escalares, que são: A · ( B, C ) = ( AB, AC ) ou ( B, C ) · A = ( BA, CA), onde A, B, C ∈ M2 (R). Assim, podemos definir módulo à direita e módulo à esquerda. Definição 2.13 Seja A um anel. Dizemos que M é um A-módulo à direita (à esquerda) se existe em M uma multiplicação à direita (à esquerda) por elementos de A: a · m ∈ M (respectivamente, m · a), para todos a ∈ A e m ∈ M. Sejam A, B anéis. Dizemos que M é um ( A, B)-bimódulo se M é um A-módulo à direita e um B-módulo à esquerda. Também denotaremos o A-módulo M à esquerda por A M, e à direita por M A . Com esses poucos exemplos, vemos que a definição de dimensão dada para Kespaços vetorias não funciona para A-módulos. Definição 2.14 Seja C um conjunto. Dizemos que C satisfaz a condição de cadeia ascendente (CCA) se, para toda família não vazia C = {Ci | i ∈ I } de subconjuntos de C, não existe uma cadeia infinita estritamente ascendente Ci1 ( Ci2 ( . . . (o que é equivalente a: para toda família não vazia C = {Ci | i ∈ I } de subconjuntos de C, para qualquer cadeia ascendente Ci1 ⊂ Ci2 ⊂ . . . na família C , existe n ∈ N tal que Cin = Cin+1 = Cin+2 = . . .). A condição de cadeia descendente (CCD) para C é definida de maneira semelhante, obviamente substituindo ( por ), e ⊂ por ⊃. Seja V um K-espaço vetorial. É claro que, se dim(V ) é finita ,então V satisfaz a CCA. Definição 2.15 Sejam A um anel e M um A-módulo à direita ou à esquerda. Dizemos que M é um módulo Noetheriano (respectivamente, Artiniano) se M satisfaz CCA (respectimante, CCD). Dizemos que A é um anel Noetheriano à esquerda (respectivamente à direita) se A é um A-módulo Noetheriano à esquerda (respectivamente à direita). Note que A ser um anel Noetheriano à esquerda é o mesmo que dizer que toda família não vazia de ideais á esquerda de A tem um ideal maximal á esquerda. É desnecessário dizer que a nomeoclatura acima é em homenagem, respectivamente, a Emmy Noether e Emil Artin, que iniciaram o estudo das condições de cadeias ascendentes e descendentes de ideias e de submódulo. 18 Capítulo 2: Como controlar o tamanho dos anéis? Proposição 2.16 Seja A um anel Noetheriano (Artiniano) à esquerda. Se M é um A-módulo finitamente gerado à esquerda, então M é um módulo Noetheriano (Artiniano). Nem sempre um anel A Noetheriano á esquerda também é Noetheriano á direita (e vice-versa), isto é, os conceitos de anel Noetheriano à esquerda e à direita são conceitos independentes. Por isso, o fato de um anel ser Noetheriano é um fato mais forte que ser apenas Noetheriano de um lado. Também vemos o conceito de ser Noetheriano (Artiniano) generaliza o conceito de dimensão finita. 2.5 Anéis satisfazendo identidades polinomiais O estudo dos anéis com identidades polinomiais (PI-anéis) nasceu de um sentimento de que a família dos anéis é muito grande, portanto, seria interessante em um primeiro momento estabelecer algumas propriedades mais gerais e só depois se aprofundar nos detalhes de cada um deles. Nesse sentido, as identidades polinomiais parecem exercer essa função, pois dividem os anéis em grandes categorias. Só para citar um exemplo, todos os anéis que são estudados na graduação usual estão dentro de uma única categoria que é a categoria dos anéis comutativos e associativos, isto é, do ponto de vista da PI-teoria, todos esses objetos algébricos são equivalentes. Ainda podemos citar as que as identidades polinomiais possuem as seguintes propriedades: qualquer subanel ou imagem holomórfica de um PI-anel é um ainda um PI-anel, um produto direto finito da PI-anéis é um PI-anel. Sempre se pode presumir que a identidade que umPI-anel satisfaz é multilinear. Se um anel é finitamente gerado por n elementos como um módulo sobre o seu centro, então, ele satisfaz todos os polinômios alternados de grau ≥ n. Se R e S são PI-anéis, então R ⊗Z S, é também um PI-anel. Se R é um PI-anel, então Mn ( R), o anel das matrizes n × n com entradas em R, também o é. Apesar dos avanços relatados, a classificação dos anéis continua incompleta. Existe uma grande quantidade de família de anéis que continuam sendo estudadas, utilizando as mais diversas técnicas. Basta verificar uma pequena lista de possíveis campos de estudo da teoria de anéis: anéis primos, anéis primitivos, anéis locais, anéis semilocais, anéis ordenados, álgebras dos operadores, álgebras envelopantes, operadores diferenciais, grupos de Brauer, cohomologia de anéis, módulos projetivos, variedade de anéis etc. Vamos introduzir uma abordagem para o estudo de anéis não comutativos: as identidades polinomiais. Antes de mais nada, vamos ver dois exemplos: a b Exemplo 2.17 Seja A ∈ M2 (R) com tr( A) = 0. Então A é da forma . E calculando c −a a b A = c −a 2 2 a b a + bc ab − ba 1 0 2 = = ( a + bc) . c −a 0 1 ac − ca a2 + bc Vemos que o quadrado de qualquer matriz real de ordem 2 × 2 é um múltiplo da matriz identidade e, portanto, comuta com todas matrizes de M2 (R). 2.5: Anéis satisfazendo identidades polinomiais 19 Vamos introduzir [ A, B], o comutador das matrizes A, B, definido como [ A, B] = AB − BA. Note que tr ([ A, B]) = tr ( AB − BA) = tr( AB) − tr( BA) = 0. Naturalmente, essa definição pode ser estendida para matrizes quadradas de qualquer tamanho e essa propriedade continua válida. Assim, para todas matrizes A, B, C ∈ M2 (R), temos: [[ A, B]2 , C ] = 0. Esse tipo de consideração só é interessante em álgebras não comutativas, pois em álgebras comutativas temos ab = ba para quaisquer a, b elementos da álgebra. Definição 2.18 Sejam X = { x1 , x2 , . . . } um conjunto infinito enumerável de variáveis não comutantes e K um corpo. Considere Kh X i o anel de polinômios nessas variáveis (observe que cada polinômio só pode envolver uma quantidade finita de variáveis). Seja R uma K-álgebra (associativa). Dado f = f ( x1 , x2 , . . . , xn ) ∈ Kh X i, dizemos que f = 0 é uma identidade polinomial para R se f (r1 , r2 , . . . , rn ) = 0 para todos r1 , r2 , . . . , rn ∈ R. Se R é uma K-álgebra que satisfaz alguma identidade polinomial f = 0 não trivial, dizemos que R é uma PI-álgebra. 20 Capítulo 2: Como controlar o tamanho dos anéis? Capítulo 3 Semissimplicidade: Dividir para entender Vamos começar a apresentação da semissimplicidade definindo algumas propriedades de módulos sobre anéis. Definição 3.1 Sejam A um anel e M um A-módulo (à esquerda). Dizemos que M é um módulo simples (irredutível) se M 6= 0 e M não tem outro A-submódulo além de (0) e o próprio M. Dizemos que M é um módulo semissimples (ou completamente redutível) se cada A-submódulo N de M é um somando direta de M (ou seja, existe A-submódulo N 0 não nulo de M tal que M = N ⊕ N 0 ). Dizemos que A é um anel simples à esquerda (anel semissimples à esquerda) se o A-módulo à esquerda A A é simples à esquerda (semissimples à esquerda). Note que o módulo (0) é semissimples, mas não é simples. E, da definição, qualquer submódulo de um módulo semissimples é semissimples. Lema 3.2 Sejam A um anel e M um A-módulo não nulo semissimples à esquerda. Então M contém um A-submódulo simples à esquerda. Demonstração: Seja m 6= 0, m ∈ M. Podemos nos restringir ao caso M = Am (por cause da observação acima). Considere o conjunto de todos os submódulos de M que não contêm o elemento m. Pelo Lema de Zorn, existe algum A-submódulo N maximal com relação à propriedade m 6∈ N. Sendo M semissimples, podemos tomar um submódulo N 0 (que necessariamente é não nulo), tal que M = N ⊕ N 0 . Vejamos que N 0 é simples. De fato, se N 00 é um submódulo não nulo de N 0 , então N ⊕ N 00 deve conter m (pela maximalidade de N). Daí, N ⊕ N 00 = M, o que implica que N 00 = N 0 , ou seja, N 0 não tem outros submódulos além de (0) e o próprio N 0 ; assim, N 0 é simples. Teorema 3.3 Para um A-módulo M = A M, são equivalentes: 1. M é semissimples; 2. M é soma direta de uma família de submódulos simples; 3. M é a soma da família de submódulos simples. 21 22 Capítulo 3: Dividir para entender (Convenção: A soma e a soma direta de uma família vazia de submódulos é o módulo {0}.) Antes de formular o Teorema de Wedderburn-Artin no Capítulo 4, vamos construir alguns exemplos de anéis semissimples à esquerda. O exemplo mais elementar de anel simples são os anéis de divisão D. É fácil ver que os D-módulos à esquerda são exatamente os D-espaços vetoriais, que são exemplos de anéis semissimples. Teorema 3.4 Sejam A um anel e Mn ( A) o anel das matrizes n × n sobre A. Então cada ideal I de Mn ( A) tem a forma Mn ( J ) para um único e bem determinado ideal J de A. Em particular, se A é um anel simples, então Mn ( A) também é simples. Demonstração: Se J é um ideal de A, então claramente Mn ( J ) é um ideal de Mn ( A). Se J e J 0 são ideais de A, é também claro que J = J 0 se, e só se, Mn ( J ) = Mn ( J 0 ). Agora considere I ⊂ Mn ( A) um ideal, e J o conjunto de todas as entradas (1,1) das matrizes de I. Não é difícil de ver que J é um ideal de A. Queremos mostrar que I = Mn ( J ). Para tanto, considere a seguinte identidade: para qualquer matriz M = (mij ), temos: eij Mekl = m jk eil , onde eij denota a matriz que tem 1 na posição ij e 0 nas outras. Assuma que M ∈ I. Tome i = l = 1, então a identidade acima nos diz que m jk e11 ∈ I, e daí que m jk ∈ J para todo j e k. Assim, I ⊂ Mn ( J ). Reciprocamente, seja A = ( aij ) ∈ Mn ( J ). Para mostrar que A ∈ I, basta mostrar que ail eil ∈ I para todo i, l. Vamos determinar uma matriz M = (mij ]) ∈ I tal que ail = m11 . Fazendo j = k = 1 na identidade, temos: ail eil = m11 eil = ei1 Me1l ∈ I. E, portanto, a conclusão do teorema agora é clara. Voltaremos a explorar este assunto no capítulo 4, agora vamos apresentar algumas álgebras. 3.1 Álgebra Exterior (∧) Esta álgebra foi introduzida por Hermann Günther Grassmann, nascido em Estetino, Alemanha, em 15/04/1809 e falecido em 26/09/1877, que foi um grande polímata, prestigiado em sua época como um grande linguista e atualmente como matemático. A matemática produzida por Grassmann era bastante Moderna e, talvez por isso, não foi compreendida em sua época. Introduziu inúmeras ideias tais como: definição formal de espaços vetoriais, a Grassmanniana, a notação bra-ket usada na física, lei de Grassmann na linguística para as línguas indo-europeias, a lei de Grassmann na teoria de cores em ótica, o número de Grassmann, . . . A Álgebra Exterior nos permite lidar, de maneira algébrica, com os conceitos de área, volume e orientação, e estender o conceito de integração para variedades diferenciáveis em qualquer dimensão. Muito da linda teoria de determinantes de uma matriz sobrevive dentro dessa álgebra. Vamos iniciar com a definição atual dessa álgebra. 3.1: Álgebra Exterior (∧) 23 Definição 3.5 Sejam K um corpo de característica zero, V um K-espaço vetorial e {ei | i ∈ I } uma base de V. A álgebra exterior (ou de Grassmann) de V E(V ) = ∧(V ) é uma álgebra associativa gerada por {ei | i ∈ I } com as seguintes relações: ei e j + e j ei = 0, i, j ∈ I. Da definição, se i = j temos 2ei2 = 0 e, como char(K) = 0, temos que ei2 = 0, para todo i ∈ I. Vamos supor, para dar exemplo de uma notação muito comum quando tratamos dessa álgebra, que dim(V ) = 3. Podemos construir subespaços de V chamados potências exteriores ∧1 , ∧2 , ∧3 de V: ∧1 só tem múltiplos de K, ∧2 que é gerado por e1 e2 , e1 e3 , e2 e3 (observe que qualquer outro produto de dois vetores se escreve em termos desses dois – por exemplo: e3 e1 = −e1 e3 ), ∧3 é um espaço unidimensional gerado por e1 ∧ e2 ∧ e3 . Qualquer produto com mais de três vetores é nulo, pois sempre teremos dois vetores iguais – por exemplo: e1 e2 e3 e1 = −e1 e2 e1 e3 = e1 e1 e2 e3 = e12 e2 e3 = 0. Assim, os elementos de E(V ) se escrevem da seguinte forma: a 1 + a 2 e1 + a 3 e2 + a 4 e3 + a 5 e1 e2 + a 6 e1 e3 + a 7 e2 e3 + a 8 e1 e2 e3 , onde os ai ∈ K. Assim, dim( E(V )) = 8 = 23 . Em geral, dim( E(V )) = 2dim(V ) . Nos livros de cálculo tensorial, aparece o produto Wedge ("cunha") ei ∧ e j entre vetores de R3 e de R2 . Essa álgebra algumas vezes também é chamada de álgebra de Grassmann. Quando a álgebra de Grassmann foi introduzida, ela se relacionava com o conceito de área e volume em R2 e R3 e com os seu análogos em dimensão maior. Para entender tal relação, considere os seguintes exemplos: Exemplo 3.6 Seja o plano cartesiano R2 e sua base canônica e1 = 1 0 , e2 = 0 1 . Sejam os vetores em R2 a u= = ae1 + be2 , b c v= = ce1 + de2 , d com a, b, c, d ∈ R. A área do paralelogramo definido por u ev é dada por: a c Área = det u v = det = | ad − bc| . b d Considere agora o produto exterior de u e v: u ∧ v = ( ae1 + be2 ) ∧ (ce1 + de2 ) = ac(e1 ∧ e1 ) + ad(e1 ∧ e2 ) + bc(e2 ∧ e1 ) + bd(e2 ∧ e2 ) = ( ad − bc)(e1 ∧ e2 ). Note que o coeficiente que acompanha e1 ∧ e2 é precisamente o determinante da matriz u v . O fato de que esse determinante pode ser positivo ou negativo tem o significado intuitivo que a sequência de vetores u e v pode ser orientada no sentido anti-horário ou no sentido horário. A área com sinal é a área assinalada do paralelogramo: o valor absoluto da área assinalada é a área comum, e o sinal determina a sua orientação. 24 Capítulo 3: Dividir para entender Agora um exemplo que conecta o produto vetorial de dois vetores do R3 com o produto exterior e com o volume do paralelepípedo determinado por esses três vetores. Exemplo 3.7 Vamos relacionar o produto vetorial × com o produto exterior ∧ em R3 . Recordemos que o produto vetorial u × v nos dá um vetor perpendicular a u e v, cujo comprimento é a área do paralelogramo determinado por u e v. Consider a base canônica de R3 denotada por e1 , e2 , e3 e escreva u = u1 e1 + u2 e2 + u3 e3 , v = v1 e1 + v2 e2 + v3 e3 . O produto exterior u ∧ v é u ∧ v = (u1 v2 − u2 v1 )(e1 ∧ e2 ) − (u1 v3 − u3 v1 )(e1 ∧ e3 ) + (u2 v3 − u3 v2 )(e2 ∧ e3 ) onde e1 ∧ e2 , e1 ∧ e3 , e2 ∧ e3 formam uma base para o ∧2 . Os coeficientes acima são os mesmos que aqueles na definição habitual do produto vetorial de vetores em R3 , a única diferença é que o produto exterior não é um vetor comum, mas um bivetor. Se w = w1 e 1 + w2 e 2 + w3 e 3 , o produto exterior de três vetores é u ∧ v ∧ w = (u1 v2 w3 + u2 v3 w1 + u3 v1 w2 − u1 v3 w2 − u2 v1 w3 − u3 v2 w1 )(e1 ∧ e2 ∧ e3 ) u 1 v 1 w1 = det u2 v2 w2 (e1 ∧ e2 ∧ e3 ) u 3 v 3 w3 onde e1 ∧ e2 ∧ e3 é a base para o espaço unidimensional ∧3 . Como podemos ver é vantajoso se livrar de produtos vetorial × e substituí-los por produtos de cunha ∧, uma vez que o produto vetorial só faz sentido em dimensão três: o resultado aponta em uma direção perpendicular às dos dois vetores envolvidos (em duas dimensões, não existe essa direção, e, em quatro (ou mais) dimensões, existe uma infinidade de direções perpendiculares a quaisquer dois vetores. Já no produto cunha ∧ está bem definido e com um bom comportamento em qualquer dimensão ≥ 2. Exemplo 3.8 Seja V um R-espaço vetorial e E = E(V ) a sua álgebra Exterior. Vamos mostar que essa álgebra satisfaz a seguinte identidade polinomial [[ x1 , x2 ], x3 ] = 0. Para isso, veja que [[ x1 , x2 ], x3 ] é linear em cada uma das variáveis x1 , x2 , x3 , isso nos garante que é suficiente verificar a identidade [[r1 , r2 ], r3 ] = 0 para elementos r − 1, r2 e r3 da base de E, digamos que r1 = ei1 . . . eim , r2 = e j1 . . . e jp e r3 = ek1 . . . ekn , então [r1 , r2 ] = [ei1 . . . eim , e j1 . . . e jp ] = (1 − (−1)mp )ei1 . . . eim e j1 . . . e jp , isto é, [r1 , r2 ] 6= 0 se m e p são ímpares. [[r1 , r2 ], r3 ] = 0, independente do valor de n. Segue que [r1 , r2 ] tem comprimento par, e 3.2: Álgebra de Clifford 3.2 25 Álgebra de Clifford A álgebra de Clifford foi introduzida por William Kingdon Clifford (Exeter, 4/05/1845–Região Autónoma da Madeira, 03/03/1879), matemático e filósofo inglês. Com base no trabalho de Hermann Grassmann, ele introduziu o que hoje é chamado de álgebra geométrica – um caso especial foi nomeado em sua honra. As operações da álgebra geométrica têm o efeito de espelhamento, rotação, translação. Boa parte da produção científica de Hamilton envolveu dar um significa físico aos quatérnios. A tal ponto ele popularizou os quatérnios, que muitos físicos passaram a usá-los para formalizar fenômenos físicos. Isso é possível porque os quatérnios possuem uma subálgebra que tem o grupo das isometrias do R3 . Assim, é possível descrever movimentos de objetos fazendo simples multiplicações nessa subálgebra – em particular, isso ainda é feito em Computação Gráfica. Infelizmente para Hamilton, essa aplicação não prosperou na física ,e a teoria não foi aplicada na física quântica. Por outro lado, as álgebras de Clifford (que são também uma generalização da álgebra Exterior) tiveram um sucesso muito maior. Inclusive, é possível fazer uma apresentação dos grupos dos Spinor para matemáticos por meio de um subgrupo do grupo das unidades dessa álgebra. Certamente as aplicações dessa álgebra superaram até as expectativas de Clifford que foi quem introduziu e primeiro estudou tal família álgebras. Vamos dar algumas razões pelas quais estudar as Álgebras de Clifford é interessante. • quatérnios podem ser entendido em termos de uma subálgebra da álgebra de Clifford, ou seja, a subálgebra contendo apenas escalares e bivetores; • a álgebra de Clifford também generaliza a álgebra Exterior. Definição 3.9 Sejam K um corpo com char(K) 6= 2, V um K-espaço vetorial, {ei | i ∈ I } uma base de V. e h, i uma forma bilinear em V. A álgebra de Clifford de V é gerada por {ei : i ∈ I } sobre K com as seguintes relações: ei e j + e j ei = 2 ei , e j , i, j ∈ I. Considere q : V −→ K a forma quadrática, definida por q(v) = hv, vi. Denotamos a álgebra de Clifford acima definida por Cl(V, q). No caso em que K = R as álgebras de Clifford são conhecidas como álgebras geométricas. Toda forma quadrática não degenerada em um R-espaço vetorial V de dimensão finita n = p + q é equivalente à forma diagonal: q(v) = v21 + · · · + v2p − v2p+1 − · · · − v2p+q , O par de inteiros ( p, q) é a assinatura da forma quadrática. O espaço vetorial real V com esta forma quadrática q é muitas vezes denotado Cl p,q (R). A base ortonormal canônica {ei } de Cl p,q (R) consiste em n = p + q vetores ortogonais entre si, p dos quais têm norma 1 e q com norma −1. Se a forma bilinear hi é identicamente nula, a álgebra de Clifford é a álgebra exterior. Vamos mostrar como obter os quatérnios da álgebra de Clifford. 26 Capítulo 3: Dividir para entender Exemplo 3.10 Considere V = R3 . Em para v, w ∈ R3 temos o produto interno, hv, wi = −(v1 w1 + v2 w2 + v3 w3 ). Agora vamos introduzir o produto de Clifford dos vetores v e w: vw + wv = hv, wi Sejam e1 , e2 e e3 os vetores unitários ortogonais de R3 . O produto de Clifford produz as relações: e2 e3 = − e3 e2 , e1 e3 = − e3 e1 , e1 e2 = − e2 e1 , e e21 = e22 = e23 = −1. A forma geral de um elemento da álgebra Cl0,3 (R) é: p = a1 + a2 e1 + a3 e2 + a4 e3 + a5 e1 e2 + a6 e3 e1 + a7 e2 e3 + a8 e1 e2 e3 , A combinação linear dos elementos grau par de Cl0,3 (R) define uma subálgebra Cl00,3 (R), com o elemento geral da forma q = b1 + b2 e1 e2 + b3 e3 e1 + b4 e2 e3 . Uma base para esse subespaço é dada por i = e2 e3 , j = e3 e1 , k = e1 e2 . Vamos verificar que essa subálgebra é a álgebra dos quatérnios. Calculemos i2 = (e2 e3 )2 = e2 e3 = −e22 e23 = −1, e ij = (e2 e3 )(e3 e1 ) = −e2 e1 = e1 e2 = k. Finalmente, ijk = (e2 e3 )(e3 e1 )(e1 e2 ) = −1. 3.3 Álgebras Envelopantes Um tópico importante no estudo de álgebras de Lie e, provavelmente, a principal fonte de suas aplicações é a representação da álgebra de Lie. A representação ρ atribui a qualquer elemento x de uma álgebra de Lie um operador linear ρ( x ). O espaço de operadores lineares não é apenas uma álgebra de Lie, mas também uma álgebra associativa e, assim, podem-se considerar produtos ρ( x )ρ(y). O ponto principal para introduzir a álgebra envolvente universal é estudar tais produtos em várias representações de uma álgebra de Lie. Um obstáculo pode ser imediatamente visto em uma tentativa ingênua de fazer isso: as propriedades dos produtos dependem drasticamente da representação, não apenas da própria álgebra de Lie. Por exemplo, em uma representação ρ pode ocorrer ρ( x )ρ(y) = 0, no entanto em outra representação σ pode ser que σ( x )σ(y) 6= 0. Apesar disso, parece ser verdade que 3.3: Álgebras Envelopantes 27 certas propriedades são universais para todas representações. A álgebra envolvente universal é uma forma de compreender todas essas propriedades simultaneamente. Nesse sentido, parece-se muito com o estudo de álgebras de grupos. Além disso, o teorema de Poincaré–Birkhoff–Witt, é um resultado importante e paradigmático no estudo de outras álgebras. Exemplo 3.11 Sejam K um corpo e A uma K-álgebra. Então A é um anel e um K-módulo. Vamos “esquecer” a multiplicação usual de dois elementos de A (que existe, já que A é um anel) e definir uma nova multiplica¸ao dada pelo colchete de Lie (veja Definição 1.1, o produto de Lie). Vamos denotar o R-módulo A com essa multiplicação por A− . Em A− , temos, para todos a, b ∈ A− e r ∈ K: [ a, a] = a2 − a2 = 0, e, [[ a, b], c] + [[b, c], a] + [[c, a], b] = = (( ab − ba)c − c( ab − ba)) + ((bc − cb) a − a(bc − cb)) + ((ca − ac)b − b(ca − ac)) = = (( ab)c − (ba)c) − c( ab + c(ba)) + ((bc) a − (cb) a − a(bc) + a(cb)) + ((ca)b − ( ac)b − b(ca) + b( ac)) = = abc − bac − cab + cba + bca − cba − abc + acb + cab − acb − bca + bac = = 0; portanto A− é uma álgebra de Lie. Vimos que, dada qualquer K-álgebra A, trocando seu produto de anel pelo produto de Lie, obtemos uma álgebra de Lie A− . Uma álgebra associativa U = U (g) é uma álgebra envelopante universal da álgebra de Lie g se g é uma subálgebra de U − e U tem a seguinte propriedade universal: para toda álgebra associativa A e para todo homomorfismo de álgebras de Lie φ : g 7→ A− , existe um único homomorfismo de álgebras associativas ψ : U 7→ A que estende ψ|g = φ. O teorema de Poincaré-Birkoff-Witt, nos diz que toda álgebra de Lie g possui uma única álgebra envelopante universal U (g) (a menos de homomorfismo) . 28 Capítulo 3: Dividir para entender Capítulo 4 Como desmontamos anéis semissimples? 4.1 Teorema de Wedderburn-Artin No capítulo anterior, estudamos diversas propriedades dos anéis semissimples. Neste capítulo, apresentamos um teorema de estrutura desses anéis, devido a J. H. M. Wedderburn (1907) e E. Artin (1927). Essencialmente, o Teorema de WedderburnArtin nos permite descrever completamente a classe dos anéis semissimples a partir da classe mais elementar dos anéis de divisão. O teorema, considerado por muitos como o primeiro grande resultado da teoria abstrata de anéis, continua tão importante hoje quanto no início do século XX, quando foi inicialmente descoberto. Antes de enunciarmos o Teorema de Wedderburn-Artin, vamos produzir mais exemplos de anéis semissimples e analisar as propriedades do anel de matrizes sobre anéis de divisão, que serão os “blocos” elementares para a construção de anéis semissimples. Teorema 4.1 Sejam D um anel de divisão, e A = Mn ( D ). Então: (a) A é um anel simples, semissimples à esquerda, artiniano à esquerda e noetheriano à esquerda. (b) A tem (a menos de isomorfismo) um único módulo simples à esquerda V. A age fielmente sobre V, e A A ' n · V como A-módulo.1 (c) O anel dos endomorfismos End( A A), visto como anel dos operadores à direita de V, é isomorfo a D. Para produzirmos mais exemplos de anéis semissimples, vejamos a seguinte proposição: Proposição 4.2 Sejam A1 , A2 , . . . , Ar anéis semissimples à esquerda. Então o seu produto direto A = A1 × A2 × . . . × Ar é também um anel semissimples à esquerda. 1n · V denota a soma direta de n cópias do A-módulo V. 29 30 Capítulo 4: Como desmontamos anéis semissimples? Demonstração: Como cada Ai é um anel semissimples, podemos escrevê-lo como Ai = Ii,1 ⊕ . . . Ii,mi , onde cada Ii,j é um ideal minimal à esquerda de Ai , para j = 1, . . . , mi , i = 1, . . . , r. Cada Ai pode ser visto como um ideal em A, assim Ii,j também é um ideal minimal à esquerda de A. Daí: AA = A1 ⊕ . . . ⊕ Ar = M Ii,j , i,j e concluímos que A é um anel semissimples à esquerda. Segue do Teorema 4.1 e da Proposição 4.2 que, se D1 , . . . , Dr são anéis de divisão, então, para quaisquer números naturais n1 , . . . , nr , Mn1 ( D1 ) × . . . × Mnr ( Dr ) é um anel semissimples à esquerda, o que nos dá diversos exemplos anéis semissimples à esquerda. Aliás, esses são todos os exemplos que existem. Teorema 4.3 (Teorema de Wedderburn-Artin) Seja A um anel semissimples à esquerda. Então existem anéis de divisão D1 , D2 , . . . , Dr e n1 , . . . , nr ∈ N tais que: A = Mn1 ( D1 ) × . . . × Mnr ( Dr ), Além disso, r e os pares (n1 , D1 ), . . . , (nr , Dr ) são unicamente determinados (a menos de isomorfismo). O Lema de Schur é necessário para provar o Teorema de Wedderburn-Artin: Lema 4.4 (Lema de Schur) Sejam A um anel e A V um A-módulo simples à esquerda. Então End( A V ) é um anel de divisão. Demonstração: Seja f ∈ End( A V ), f 6= 0. Então im( f ) 6= 0 e ker( f ) 6= V. Como im( f ) e ker( f ) são submódulos de V, segue que im( f ) = V e ker( f ) = 0, isto é, f é uma bijeção e, portanto, invertível em End( A V ). O Teorema de Wedderburn-Artin nos diz que todo anel semissimples à esquerda pode ser escrito como produto direto de anéis de matrizes, que é um anel semissimples à direita também; assim: Corolário 4.5 Todo anel semissimples à esquerda é também um anel semissimples à direita, e vice-versa. . Por causa do corolário, podemos falar simplesmente em anel semissimples, sem os adjetivos “à esquerda"e “à direta". O Teorema de Wedderburn-Artin nos diz que todo anel semissimples tem um número finito e unicamente determinado de componentes simples (seus ideias minimais) e se escreve como soma direta de tais componentes. Gostaríamos de encontrar uma descrição mais intrínseca dessas componentes. Para isso, vejamos as definições abaixo: 4.1: Teorema de Wedderburn-Artin 31 Definição 4.6 Seja A uma anel. Dizemos que e ∈ A é um (elemento) idempotente se e2 = e. Se e = 0 ou 1, então e é um idempotente trivial. Se e ∈ A é um elemento idempotente e e ∈ Z ( A), então e é um idempotente central. Dizemos que e ∈ A é um (elemento) idempontente central primitivo se e é um idempotente central e se, para cada representação e = e0 + e00 , onde e0 e00 ∈ A são idempotentes centrais, então e0 = 0 ou e00 = 0. Dizemos que e, f ∈ A são idempotentes ortogonais se e e f são idempotentes e se e f = 0. Temos que: Teorema 4.7 Sejam A um anel semissimples e A = ri=1 Ai uma decomposição de A como soma direta de ideais minimais. Então existe um família completa de idempotentes centrais primitivos não nulos {e1 , . . . , er } ⊂ A unicamente determinada (i.e., ei é um idempotente central primitivo, ei e e j são ortogonais se i 6= j, para i, j = 1, . . . , r, e e1 + . . . + er = 1). Reciprocamente, se existe uma família completa de idempotentes centrais primitivos não nulos {e1 , . . . , er } ⊂ A, então definindo Ai = Aei , temos que Ai é um ideal minimal de A L para i = 1, . . . , r, e A = ri=1 Ai L Vamos ver nos prócimos exemplos como encontrar as componentes simples e uma família completa de idempotentes centrais primitivos de um anel semissimples. Exemplo 4.8 Considere a C-álgebra A: A = M1 (C) × M2 (C) × M3 (C). Essa álgebra pode ser vista como uma subálgebra forma: ∗ 0 0 0 0 ∗ ∗ 0 0 ∗ ∗ 0 0 0 0 ∗ 0 0 0 ∗ 0 0 0 ∗ de M6 (C) cujos elementos são da seguinte 0 0 0 ∗ ∗ ∗ 0 0 0 ∗ ∗ ∗ onde cada ∗ representa um número complexo. Como existem 14∗, dim( A) = 14. Os ∗ estão arranjados em blocos, e 14 = 12 + 22 + 32 . Como os elementos centrais da álgebra das matrizes são multiplos escalares da matriz identidade, os elementos centrais de A são da forma λ1 0 0 0 0 0 0 λ2 0 0 0 0 0 0 λ2 0 0 0 0 0 0 λ3 0 0 0 0 0 0 λ3 0 0 0 0 0 0 λ3 no Existem 3 autovalores, um para cada bloco. de componentes simples de A = dim Z ( A) = 3 = no de blocos. Consequentemente, 32 Capítulo 4: Como desmontamos anéis semissimples? Dentre os elementos centrais de A, quais são idempotentes? Como em C os únicos idempotentes são 0 e o 1, devem existir 23 = 8 idempotentes centrais, que são: 1 0 0 e1 = 0 , e2 = I , e3 = 0 , 0 0 I e1 + e2 , 1 = e1 + e2 + e3 , e1 + e3 , 0. e2 + e3 , Veja que e1 , e2 , e3 são idempotentes primitivos, uma vez que não podem ser escritos como soma de outros dois idempontentes centrais não triviais. Observe ainda que e1 , e2 , e3 são ortogonais, isto é, ei e j = 0 se i 6= j, i, j = 1, 2, 3. Exemplo 4.9 Seja G = S3 , o grupo das permutações dos elementos {1, 2, 3} denotadas por (1), (12), (13), (23), (123), (132). Considere a álgebra de grupo KS3 , onde K é um corpo algebricamente fechado de característica zero. Pelo resultado a seguir, KS3 é um anel semissimples: Teorema 4.10 Sejam G um grupo finito e K um corpo algebricamente fechado tais que char(K) - | G |. Então KG é um anel semissimples, KG ' r M M ni ( K ), i =1 e | G | = ∑ri=1 n2i . Segue também que KS3 ' Mn1 (K) × . . . × Mnr (K) e 6 = |S3 | = ∑ri=1 n2i . Vamos obter uma família completa de idempotentes centrais primitivos de KS3 . Antes disso, vejamos o seguinte resultado: Proposição 4.11 Sejam G um grupo finito e K um corpo algebricamente fechado tais que char(K) - | G |. Então: no de componentes simples de KG = no de classes de conjugação de G = dim Z (KG ). Como sabemos, em S3 temos 3 classes de conjugação (a classe dos 1-ciclos de S3 , a classe dos 2-ciclos de S3 e a classe dos 3-ciclos de S3 ). Portanto, dim Z (KS3 ) = 3 e KS3 tem 3 componentes simples. Logo, existe apenas a seguinte possibilidade para n1 , n2 , n3 : n1 = n2 = 1 e n3 = 2. Concluímos que uma família completa de idempotentes centrais primitivos de KS3 tem 3 elementos: e1 , e2, e3 . Considere: 1 ((1) + (12) + (13) + (23) + (123) + (132)) , 6 1 e2 = ((1) − (12) − (13) − (23) + (123) + (132)) , 6 4 2 2 e3 = (1) − (123) − (132) 6 6 6 e1 = 4.1: Teorema de Wedderburn-Artin 33 O primeiro idempotente aparece em toda álgebra de grupo, isto é, e1 = 1 |G| ∑ g g∈ G Para ver que e2 é um idempotente, escreva os seguintes elementos centrais: a = (1) + (123) + (132) b = (12) + (13) + (23). Então, a2 = 3a (daí 1/3a é um idempotente), b2 = 3b e ab = 3b = ba, daí ( a − b )2 = 3( a − b ) e e2 = 1/6( a − b) é também um idempotente. O último idempotente vem do fato de 1 = e1 + e2 + e3 . Exemplo 4.12 Para esse exemplo, vamos enunciar o seguinte resultado: Proposição 4.13 Sejam K um corpo e Cn o grupo cíclico de ordem n, tais que char(K) - n. Considere a decomposição do polinômio x n − 1 em fatores irredutíveis em K[ x ]: x n − 1 = f 1 ( x ) f 2 ( x ) . . . f r ( x ), e ζ 1 , ζ 2 , . . . , ζ r raízes de f 1 ( x ) f 2 ( x ) . . . f r ( x ) respectivamente. Então: KCn ' K(ζ 1 ) ⊕ K(ζ 2 ) ⊕ . . . ⊕ K(ζ r ). Assim, temos: QC7 ' Q ⊕ Q(ζ ), onde ζ é uma raiz do 7o polinômio ciclotômico φ7 ( x ) = x6 + x5 + x4 + x3 + x2 + x + 1 (i.e., ζ é uma raiz primitiva da unidade de ordem 7) – pois, em Q[ x ], x7 − 1 = ( x − 1)( x6 + x5 + x4 + x3 + x2 + x + 1), e ( x − 1) e ( x6 + x5 + x4 + x3 + x2 + x + 1) e são ambos irredutíveis. Temos também: √ √ 1+i 3 −1 + i 3 ) ⊕ Q( ), QC6 ' Q ⊕ Q ⊕ Q( 2 2 pois, em Q[ x ], x6 − 1 = ( x − 1)( x + 1)( x2 + x + 1)( x2 − x + 1), φ1 ( x ) = ( x − 1), φ2 ( x ) = ( x + 1), φ3 ( x ) = x2 + x + 1 e φ6 = x2 − x + 1 √ (os 1o , 2o , 3o e√6o polinômios ciclotômicos respectivamente) são irredutíveis, √ e 1, −1, (−1 + i 3)/2 e (1 + i 3)/2 são sua √ −1+ i 3 1+ i 3 raízes respectivamente (note, aliás que Q( 2 ) = Q( 2 )). Temos também a seguinte proposição, válida para grupos abelianos: Proposição 4.14 Sejam K um corpo e G um abeliano, tais que | G | = n, char(K) - n. Se K contém alguma raiz primitiva da unidade de ordem n, então: KG ' K | ⊕K⊕ {z. . . ⊕ K} . n 34 Capítulo 4: Como desmontamos anéis semissimples? Em particular, se K = C (que é um corpo algebricamente fechado, temos que: CC4 ' C ⊕ C ⊕ C ⊕ C ' C(C2 × C2 ), ou seja, grupos distintos cujos anéis de grupo são isomorfos. Se G e H são grupos isomorfos, é claro que os anéis de grupos RG e RH sobre qualquer anel R também serão isomorfos. A recíproca nem sempre é verdadeira, como acabamos de ver. Esse é nosso primeiro comtato com o Problema do Isomorfismo, um importante problema da teoria de anéis de grupos que pergunta: sob que condiões em R e em G, o isomorfismo de anéis RG ' RH implica o isomorfismo de grupos G ' H? O próximo exemplo é uma aplicação da teoria de operadores lineares. Iniciemos com o seguinte exercício: Exercício 4.15 Suponha que K é um corpo, V é um K-espaço vetorial e T : V → V é um operador linear. Defina a função φT : K[ x ] → End(V ) definida por φT ( a0 + a1 x + . . . + an x n ) = a0 I + a1 T + . . . + an T n , onde a0 é multiplicado pelo operador identidade I e T n = |T ◦ T ◦{z. . . ◦ T}. n vezes a. Mostre que φT é um homomorfismo de anéis. Disso podemos concluir que φT define em V uma estrutura de K[ x ]-módulo da seguinte forma: se p( x ) = a0 + a1 x + . . . + an x n ∈ K[ x ] e v ∈ V, então p ( x ) · v = a0 v + a1 T ( v ) + . . . + a n T n ( v ). b. Mostre que, se V tem dimensão finita, então ker(φT ) 6= {0}. Nesse caso, existe um único polinômio mônico p T ∈ K[ x ] com a propriedade: ker(φT ) = {qp T : q ∈ K[ x ]} O polinômio p T é chamado de polinômio mínimo de T e tem a propriedade p T ( T ) = 0 e, se q ∈ K[ x ] é um outro polinômio não nulo tal que q( T ) = 0, então p T divide q. Exemplo 4.16 Vamos estudar o operador linear T : R3 → R3 definido por ( x, y, z) 7→ (− x + y − z, −2x + 2y − 3z, y − 2z). O polinômio característico de T é, a menos do sinal, x3 + x2 + x + 1 = ( x2 + 1)( x + 1). Como duas raízes são complexas (±i), vemos que esse polinômio é irredutível em R[ x ]; assim, o polinômio mínimo é o próprio polinômio característico, i.e., p T ( x ) = ( x2 + 1)( x + 1),. R[ x ] R[ x ] Estamos interessados em estudar ( p ) . Vamos admitir que sabemos que ( p ) é semissimples, T T e queremos obter sua decomposição como no Teorema 4.3. p p Considere p1 = x + 1, p2 = x2 + 1 ∈ K[ x ]. Defina f 1 = pT1 = x2 + 1 e f 2 = pT2 = x + 1. Claramente, mdc( f 1 , f 2 ) = 1; logo, podemos calcular g1 , g2 ∈ K[ x ] tais que f 1 g1 + f 2 g2 = 1. Fazendo as contas, obtemos g1 = 12 e g2 = 1−2 x . Considere e1 = f 1 g1 e e2 = f 2 g2 . Claramente, e1 + e2 = 1. Note que e1 e2 = x2 + 1 2 (1 − x )( x + 1) 2 1 = (1 − x ) p T . 4 4.1: Teorema de Wedderburn-Artin R[ x ] 35 R[ x ] Assim, e1 e2 = 0 em ( p ) , ei2 = ei em pT para i = 1, 2. T Podemos usar essa decomposição para estudar o operador linear T. Considere R = e1 ( T ) definido por ( x, y, z) 7→ (0, − x + z, − x + z) e S = e2 ( T ) que é definido por ( x, y, z) 7→ ( x, x + y − z, x ) . Temos: R + S = I e R2 = R, S2 = S im( R) e im(S) são subespaços invariantes por T. Calculando uma base para im( R) obtemos {(0, 1, 1)} e uma base para a im(S) obtemos {(1, 2, 1), (0, 1, 0)}. É claro que {(0, 1, 1), (1, 2, 1), (0, 1, 0)} é uma base de R3 . Escrevendo T com respeito a essa base obtemos a matriz −1 0 0 0 0 1 0 −1 0 Os detalhes finais podem pode ser encontrados no Teorema da Decomposição Primária de um Operador Linear. 36 Capítulo 4: Como desmontamos anéis semissimples? Referências Bibliográficas [1] A. Garcia, Y. Lequain, Elementos de Álgebra, IMPA, Projeto Euclides, 4a Edição, 2003. [2] T. Y. Lam, A first course in noncommutative rings, Graduate Texts in Mathematics, 131, Springer-Verlag, New York, 2a Edição, 2001. [3] C. Polcino Milies, S. K. Sehgal, An Introduction to Group Rings, Kluwer Academic Publishers, 2002. [4] Rowen, L. H., Ring theory, Vol. I, II. Pure and Applied Mathematics, 127, 128. Academic Press, Inc., Boston, MA, 1988. [5] Drensky, V., Free algebras and PI algebras: Graduate Course in Algebra, Springer, Singapore, 1999. [6] Herstein, I. N., Noncommutative Rings, The Mathematical Association of America Textbooks 15. 5th Print of 1st Edition, 2005. 37