Capítulo 2 - Geomorfologia Global: Megaformas da Paisagem. 1. Breve Histórico. 2. Tectônica Global e Megaformas do Relevo. 3. Geomorfologia Global e Deriva dos Continentes. 4. Geomorfologia Global e Tectônica de Placas. 5. Esboço do desenvolvimento das paisagens e da drenagem da margem atlântica da América do Sul. 6. Esboço do desenvolvimento das megaformas e da drenagem do R G S. 7. Morfotectônica; Unidades morfotectônicas do Rio Grande do Sul. 2. 1 - Breve Histórico A Geomorfologia Global é o ramo do estudo das formas da Terra que objetiva descrever e determinar a gênese das paisagens, a partir do arcabouço das grandes formas estruturais do Planeta em que se leva em conta grandes intervalos de tempo. As paisagens são referidas à Tectônica Global , em particular à Tectônica de Placas. É o ramo mais recente da Geomorfologia. O primeiro autor a abordar a geomorfologia, de maneira sistemática, deste ponto de vista, foi Lester King com a publicação The Morphology of the Earth” em 1962. A estrutura deste livro referencial embasa o mega desenvolvimento das paisagens, na teoria da Deriva dos Continentes, estabelecida por Alfred Wegner em 1912, a qual serve de alicerce para o estabelecimento da moderna Tectônica de Placas. No começo da década de 70 do século XX, Arthur Holmes expõe pela primeira vez os processos globais da Tectônica de Placas, tais com expansão do assoalho oceânico, correntes de convecção do manto e deriva dos continentes e processos orogênicos associados. A partir daí desenvolveu-se a atual teoria da Tectônica de Placas através dos trabalhos de Tuzo Wilson, Harry Hess e outros. Em 1991 Michael Summerfield publica o livro Global Geomorphology, onde aborda o desenvolvimento das paisagens a partir do modelo da Tectônica de Placas,. No Brasil o geomorfólogo Aziz Ab’ Saber no ano 2000 cria o termo Megageomorfologia para entitular os processos geomorfológicos de desenvolvimento das grandes paisagens do Planeta que atuaram a partir do período Cretáceo, a aproximadamente 120 milhões de anos, referindo-se especificamente aos grandes traços da geomorfologia do Brasil. No Rio grande do Sul, em 1997 Paul Edwin Potter da Universidade de Cincinnati, professor visitante do Curso de pós Graduação em Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ministrou pela primeira vez a disciplina de Geomorfologia Global neste Curso. Paralelamente às suas atividades didáticas , publicou no Journal of South American Earth Sciences, volume 10, “The Mesozoic and Cenozoic paleodrainage of South America: a natural history, artigo pioneiro e seminal em Geomorfologia Global para a América do Sul. 2. 2 - Tectônica Global ou Geotectônica e Megaformas do Relevo A tentativa de explicar a formação das grandes estruturas da Terra, continentes e oceanos, e as grandes formas ,cadeias de montanhas, grandes planaltos interiores, etc. surgiu dos primeiros modelos de Tectônica Global no século XIX. Em 1829, Elie de Beaumont elaborou a Teoria da Contração como motor da Tectônica Global, com base na premissa de que a Terra está se contraindo, devido ao seu resfriamento progressivo. Esta contração seria o motor dos movimentos da crosta terrestre os quais formariam as estruturas tectônicas, dobras e falhas, bem como as grandes formas das paisagens terrestres, entre elas, as cadeias de montanhas. O descobrimento da desintegração radioativa de alguns elementos químicos naturais, com a liberação de grande quantidade de calor, desqualificou a hipótese da Terra em resfriamento e contração, como causa do desenvolvimento das estruturas tectônicas e das grandes formas das paisagens terrestres. Desde então, outros modelos de tectônica global foram elaborados com o objetivo de explicar o desenvolvimento dos grandes sistemas de montanhas da Terra (Himalaias, Andes, Alpes, etc.). Predominaram os modelos fixistas, cuja principal premissa era a permanência das posições atuais dos continentes e oceanos durante a história da Terra. Em 1912, Alfred Wegener introduziu a noção de Deriva dos Continentes e estabeleceu um modelo mobilista, que contesta a idéia de permanência, a qual, dominava o pensamento geológico do início do século XX. Suas concepções, apresentadas no livro The Origin of Continents and Oceans (1912), foram fundamentais para o modelo de tectônica global, hoje amplamente aceito, a Teoria da Tectônica de Placas, surgida na década de 70 do século XX. 2. 3. - Geomorfologia Global e Deriva dos Continentes O livro de Wegner é um marco notável no desenvolvimento da ciência geológica, merece ser lido por quem se interessa pela história da Terra e pela história do desenvolvimento do pensamento geológico. Os argumentos explicativos que suportam a necessidade de um modelo de deriva dos continentes para elaborar uma teoria coerente de tectônica global nascem de três linhas de evidências, sendo elas, gemorfológicas, litológicas e paleontológicas. O argumento geomorfológico básico é a semelhança de recorte de determinadas costas dos continentes, as quais justapostas têm encaixe satisfatório. Tal situação sugere a sua possível união em passado distante. O exemplo mais característico é o relativo às costas da América do Sul e da África que pode ser observado em um globo terrestre ou mapa mundi. Baseado, em parte, neste argumento Wegner reconstituiu as massas continentais atuais em um único continente que denominou Pangea (todas as terras), que existiu a 250 milhões de anos, figura 2. 1. Fig. 2. 1 - O continente Pangea estruturado à 250 milhões de anos, modificado de Wegner (1927). À direita, A. Wegener, o profeta da Tectônica de Placas. Wegner supôs que este super continente se fragmentou em dois, Laurásia à norte e Gondwana à sul, os quais, posteriormente, originaram a atual geometria dos continentes, por nova fragmentação, figura 2. 2. Fig. 2. 2 - Fragmentação do Pangea em Laurásia a Norte e Gondwana a Sul. O esquema acima também mostra o início da fragmentação do Gondwana a 130 M. A. A América do Sul começou a separar-se da África pelo seu extremo Sul. O argumento litológico, registro nas rochas de antigos climas, sensibilizou Wegner, principalmente pela sua formação científica em Meteorologia. Observou a distribuição atual de certas rochas que são registros correspondentes a determinados climas do passado na Era Paleozóica a 250 milhões de anos, especialmente depósitos de origem glacial denominados tilitos. Estes registros ocorrem simultaneamente na África, Índia, Austrália, Antártida e América do Sul, no mesmo plano temporal. No Rio Grande do Sul existem registros desta glaciação ocorrida a 250 milhões de anos no então Continente Gondwana, parte do Pangea, situado, à época, nas proximidades do pólo Sul. Uma das feições mais representativas da existência de glaciais e do seu pretérito movimento, são sinais de antigas geleiras, que ocorriam neste velho continente, representadas hoje por depósitos glaciais e estrias glaciais, registradas em rochas que eram o assoalho das geleiras. Estas marcas ocorrem em rochas que afloram no município de São Gabriel, RS., figura 2. 3. Fig.2. 3 – Paleo estrias glaciais produzidas a 250 milhões de anos, aproximadamente na linha do cabo do martelo. As estrias foram marcadas no substrato quando a geleira se movimentava e fragmentos de rocha dura englobados na sua base atritavam rochas menos resistentes do substrato. São Gabriel, RS. Fotos Novatski et Al. (1984). Portanto, a 250 milhões de anos, os cinco continentes mencionados provavelmente formavam uma única massa continental com clima glacial, situada nas proximidades do pólo sul a qual, Wegner denominou Continente Gondwana. O argumento paleontológico se baseia em evidentes similaridades entre a fauna e flora terrestre fóssil das camadas de rochas paleozóicas nos cinco continentes acima citados, o que indica a sua possível pertinência a uma mesma massa continental no passado. Nas rochas do Rio Grande do Sul, ocorrem fósseis que têm seus similares nas rochas da África do Sul da mesma idade. Um deles é o Mesosaurus Brasiliensis, encontrado em rochas do município de São Gabriel, figura 2. 4 . Fig 2. 4 – Mesosaurus brasiliensis, ocorre como fóssil em rochas sedimentares paleozóicas no município de São Gabriel, RS, bem como na África do Sul. Pequeno réptil marinho precursor dos grandes répteis que posteriormente povoaram os continentes. Do ponto de vista geomorfológico, Alexandre Du Toit e Lester C. King foram os primeiros a levar sistematicamente em consideração a concepção global da deriva dos continentes, proposta por Wegner, para estabelecer modelos continentais de desenvolvimento das paisagens e das redes de drenagem. Alexandre Du Toit (1927), em seu trabalho clássico de correlação entre a geologia da África e América do Sul, baseado na observação de fatos e na hipótese da deriva dos continentes, assinalou uma série de feições favoráveis à influência da deriva, no aspecto das megaformas das paisagens atuais dos dois continentes. • Similaridade geral das linhas de costa do Oeste da África e do Leste da América do Sul • Padrões de fratura representando escarpas de linha de falha junto à costa. • Planaltos com abruptas terminações em grandes escarpas na costa, superfícies erosivas no reverso das escarpas em suaves monoclinais cujas pendentes são voltadas para o interior dos continentes. • Sistemas de drenagem disruptivos ou mesmo reversos, como é o caso dos rios Paraná, Uruguai e São Francisco no Brasil, que percorrem longos caminhos em arco no interior dos planaltos brasileiros para só após desaguarem no Oceano Atlântico. Estas feições são ilustradas esquemáticamente na figura 2. 5, original do Autor. Fig. 2. 5 – Soerguimentos planálticos, ( GG, Arco do Rio Grande, e G’G’, Arco de Ponta Grossa) na costa da América do Sul, gerados quando da abertura do “Rift” do Atlântico, na ruptura do Continente Gondwana.Escarpas alinhadas e Drenagem reversa do sistema fluvial Paraná – Uruguai , os quais têm suas cabeçeiras junto às escarpas da costa, mas fazem um longo percurso em arco até atingirem o Oceano Atlântico, provavelmente controlado pelo soerguimento que originou a ruptura do continente Gondwana a 250 m. a. (modificado de Du Toit, 1924). Lester King publica o primeiro livro de Geomorfologia Global, The Morphology of the Earth em 1965, onde desenvolve as concepções de Du Toit e elabora uma teoria erosiva para a gênese e desenvolvimento histórico das feições da paisagem, a concepção das Superfícies de Erosão Cíclicas, formadas por processos de pedimentação - pediplanação (ver Geomorfogênese). Baseia esta teoria na hipótese da Deriva dos Continentes. A figura 2.6 é uma secção esquemática que abrange o embasamento cristalino, rochas sedimentares e rochas vulcânicas da América, África do Sul e Antártica, com estruturas monoclinais primitivas, quando da ruptura do Continente Gondwana a aproximadamente 120 milhões de anos. A partir desta paisagem primitiva, as formas subseqüentes se desenvolveram, principalmente pelo recuo paralelo das escarpas costeiras originais, junto á nova costa, esculpidas principalmente por processos de pedimentação - pediplanação, tendo como nível de base referencial o novo oceano recém formado. Fig. 2. 6 – Monoclinais primitivas costeiras e riftes pós ruptura do Continente Gondwana, sugeridas por Lester King, (modificado de King 1962) 2. 4 - Geomorfologia Global das Margens Passivas e Tectônica de Placas Um novo modelo, mais completo do que o anterior, da Tectônica Global, que leva em conta a Teoria da Deriva dos Continentes, é a teoria da Tectônica de Placas, elaborada a partir de 1960. Este modelo geotectônico é um aperfeiçoamento das concepções de Wegner, Du Toit e Lester King.O novo paradigma da tectônica global amplia a base para o entendimento do desenvolvimento das megaformas das paisagens, a nível continental. Este modelo geotectônico, concebe a litosfera dividida em sete grandes placas e pelo menos uma dúzia de placas menores, compostas verticalmente pela crosta e parte superior do manto rígido, (figura 2. 7). Estas placas se movimentam relativamente, com mútua influência entre elas. As atividades tectônica, sísmica e vulcânica que ocorrem nas margens e interior das placas estão diretamente relacionadas a estes movimentos. A estreita zona onde ocorre a maioria dos movimentos,é denominada limite entre placas e as regiões periféricas adjacentes são chamadas margens das placas. Existem três tipos de limites entre placas: Divergentes, como a Cadeia Mesoceânica do Atlântico,onde, por extrusões vulcânicas, nova crosta é formada; Convergentes, como na costa oeste da América do Sul, na cordilheira dos Andes, onde duas placas se movimentam relativamente uma sobre a outra, e a mais leve mergulha sobre a mais pesada, ocorrendo subducção; Transformantes, em que as placas se movem, lateralmente uma em relação à outra, ao longo de falhas transformantes, como ocorre na Falha de Santo André, Califórnia. Em alguns casos, três placas podem estar em contato e este limite é denominado junção tripla (ver figura 2. 9). O conjunto destes limites entre placas , a sua dinâmica passada e atual, desempenham importante papel na distribuição e gênese das megaformas das paisagens e grandes sistemas de drenagem atuais. Fig.2. 7 – Modelo das principais placas tectônicas. As flechas indicam o sentido do movimento. A Placa Sul Americana tem seu limite Oeste na Cordilheira dos Andes e Leste na cadeia mesoceânica do Atlântico. O Rio Grande do Sul situa-se no interior desta placada. (modificado de Summerfield 1991). Soerguimentos Termais Junções Triplas e Aulacóginos Os soerguimentos termais ocorrem em áreas de vulcanismo anômalo, não associado com as margens atuais de placas, seja convergentes, divergentes ou transformantes. Estas áreas de vulcanismo anômalo são denominadas pontos quentes, os quais, geralmente produzem soerguimentos da crosta denominados soerguimentos termais, Autores como Summerfield (1991), Potter (1997) usam extensivamente o modelo da Tectônica de Placas na descrição e explicação das paisagens ao nível de megaformas do relevo. Soerguimentos, Epirogênicos, Rifteamentos e Margens Continentais Passivas Especificamente para o desenvolvimento a longo prazo das paisagens do Rio Grande do Sul, que se situa no interior da Placa Sul Americana, figura 2. 7 , interessam os movimentos ocorridos nos limites divergentes, nas margens de placas destes , denominadas margens passivas e, particularmente os movimentos no interior da Placa Sul Americana. Estes movimentos são denominados genericamente Soerguimentos Epirogênicos . Atualmente são admitidos principalmente dois tipos básicos de soerguimentos epirogênicos: Termais e mecânicos. constituindo-se em amplos domeamentos de centenas de quilômetros de extensão e elevações de mais de um quilômetro, com relação aos terrenos circundantes, figura 2. 8. Fig. 2. 8 – Soerguimentos epirogênicos termais. Em A, o magma sobe da Astenosfera para a Litosfera, em B penetra na Crosta e origina vulcões em superfície. Em C a crosta se rompe, forma um “Rift Valey”, por exemplo, (os atuais da África), que pode evoluir para um Oceano nascente, por exemplo,(Mar Vermelho atual). Origem, formação de “rift valeys” e novas bacias oceânicas, ( modificado de Summerfield 1991). Associados a estes domeamentos ocorrem grandes fraturas em ângulos de 1200 denominadas junções triplas. Duas delas se desenvolvem e geram a abertura de um proto oceano enquanto que a terceira é estanque, gera um braço de “rift” no continente que é preenchido por sedimentos e denominado Aulacógino, figura 2. 9. Os aulacóginos são sítios da foz de grandes sistemas de drenagem atuais. No Brasil são aulacóginos as bacias sedimentares Tucano, Recôncavo, Tacutú, estuário do Amazonas, e no Uruguai, o estuário do Prata. Fig. 2. 9 – Junções triplas, formação de proto oceano e aulacógino, modificado de Summerfield 1991). Os pontos quentes estão associados a altas temperaturas anômalas do manto na base da crosta, causadas por plumas do manto originadas em profundidade, no limite entre o núcleo e o manto. As relações núcleo, manto, crosta podem ser visualizadas na figura. 2. 10. Fig.2. 10 – Zonação do Planeta. De fora para dentro: Crosta, Manto, Núcleo Líquido, Núcleo Sólido. As plumas se originam no limite entre o manto e o núcleo, ( modificado de Press e Siever 1997). . Estas plumas causam a fusão da base da crosta e adelgaçamento desta, onde ocorrerá o soerguimento termal. Eventualmente o soerguimento pode ser tal que no ponto de máxima elevação, a crosta rígida se rompe e forma rift valeys ou vales de afundamento, ver esquema da figura. 2. 8. Neste estágio, se encontram os grandes riftes da África do Sul. A seqüência soerguimento, rifteamento e ruptura continental pode levar à formação de uma margem continental passiva e também de um novo oceano, como foi o caso do Oceano Atlântico e da margem continental leste da América do Sul, que se constitui em uma margem passiva madura. O Mar Vermelho, é um oceano provavelmente em fase inicial de formação com margens passivas nascentes. Megafeição da paisagem, comum às margens continentais passivas, é um amplo soerguimento monoclinal, que separa a costa de bacias continentais interiores, assinalado pela primeira vez por Alexandre Du Toit e Lester C. King, ver figuras 2. 5 e 2. 6.. Quando o rifteamento leva à ruptura de um continente, a elevação original do continente é modificada, criando-se uma nova paisagem. Um novo nível de base de erosão é estabelecido no proto oceano nascente. O entendimento dos movimentos verticais da crosta que ocorrem durante o rifteamento é favorecido pelo estudo dos depósitos sedimentares associados, situados nas bacias sedimentares marginais que ocorrem junto às margens continentais passivas, figura 2. 12. Estas seqüências sedimentares ocorrem abaixo do nível do mar atual e são estudadas indiretamente por métodos de investigação geofísicos, principalmente sísmicos, figura 2. 11. Fig. 2. 12 – Modelo de bacia sedimentar marginal, formada nas margens passivas de placas divergentes. Na figura pode-se observar os segmentos associados às diversas fases de deposição, (modificado de Summerfield 1991). As pesquisas sísmicas detectaram cunhas de depósitos sedimentares que afinam progressivamente em direção ao oceano e ao continente. Os depósitos que registram a fase de rifteamento, são chamados sedimentos sin rift , ocorreram logo após a separação continental, associados a uma estreita e profunda calha de deposição. Os depósitos que ocorreram após a separação são denominados sedimentos post rift, ocorrem associados a um oceano já formado e a um novo continente, área fonte destes depósitos. A interpretação destas seqüências sedimentares, em conjunto com feições geomorfológicas e morfotectônicas no interior do continente, permitem estabelecer modelos do desenvolvimento das paisagens das margens passivas. Lester King foi pioneiro na relação das feições geomorfológicas e morfotectônicas do continente, com os depósitos correlativos das bacias marginais, ver figura 1. 8, cap I, Introdução à Geomorfologia. As bacias sedimentares marginais assumem grande importância como produtoras de petróleo e formam as principais reservas de óleo do Brasil. Na costa do Rio Grande do Sul ocorre a Bacia de Pelotas, com potencial para a exploração de petróleo e gás. Soerguimentos mecânicos Os soerguimentos mecânicos são posteriores aos termais, envolvem ajustamentos isostáticos que ocorrem, quando uma parte da crosta é removida, seja por erosão, como ocorre nas grandes escarpas de margens continentais passivas, seja por degelo de áreas recentemente atingidas por glaciações , como na Escandinávia. Para a geomorfologia, os soerguimentos mecânicos causados por remoção de massa através da erosão, são importantes, pois eles também determinam, subsidência, e deposição na margem continental passiva adjacente, contribuem para o preenchimento das bacias marginais na fase “post rift”. Quando ocorre denudação nas escarpas das margens passivas, a carga da coluna da crosta terrestre nestes lugares é reduzida. Concomitantemente uma coluna adjacente da crosta é acrescida na zona costeira. Ocorre então transferência de material em profundidade. Na base da crosta, no sítio de deposição, há aumento de pressão, enquanto que na região de denudação há decréscimo desta. Como resposta a esta diferença de pressão, ocorre lenta migração de material no manto através de gigantescas correntes de convecção que causam subsidência na zona costeira e soerguimento na zona das escarpas em erosão. Este processo é denominado reajustamento isostático, figura. 2. 13 . Fig. 2.13 - Esquema de soerguimento por reajustamento isostático mecânico. No continente ocorre soerguimento e erosão, na margem continental subsidência e deposição. Mecanismo de preenchimento das bacias marginais na fase pós rift, (modificado de Holmes 1970). Abaixo generalização do preenchimento post Cretáceo em bacia marginal da costa brasileira e superfícies de erosão resultantes na área fonte, segundo King (1950). Margens Passivas, Grandes Escarpas O rompimento do super continente Pangéa (todas as terras), a aproximadamente 180 milhões de anos criou muitas margens de continentes novas denominadas margens passivas. Este evento foi de grande significado para o desenvolvimento das paisagens continentais de grandes dimensões, principalmente pelo estabelecimento de novos níveis de base, no caso do Rio Grande do Sul, o Oceano Atlântico. Estas condições favoreceram processos de denudação e transporte no interior dos continentes recém formados e deposição nas margens destes, conforme o esquemas das figuras 2. 12 e 2. 13 As margens divergentes de ruptura continental apresentam baixo nível de atividade tectônica, se comparadas com as margens convergentes ativas, por isto foram denominadas margens passivas, também conhecidas como margens rifteadas Muitas destas margens passivas, mas não todas, apresentam feições geomorfológicas notáveis sob a forma de grandes escarpas como são as atuais Serra do Mar – Mantiqueira e do Espinhaço no Brasil, figura 2. 15 Fig. 2. 14 - Grandes escarpas associadas a margens passivas de placas. As escarpas , como a Serra do Mar, mostram o nível de recuo atual das margens rifteadas a partir da abertura do Oceano Atlântico. O Rio Grande do Sul, em sua parte norte, representa o extremo sul da Serra do Mar; (modificado de Summerfield 1991). As margens passivas podem ser divididas em dois tipos, de acordo com o padrão de soerguimento: Ombreira de Rifte, em que o eixo de máximo soerguimento mecânico está localizado na costa, nas bordas da área soerguida, e os divisores da drenagem também, figura 25, como é o caso das serras do Mar e Espinhaço no Brasil. Apresentam considerável deformação tectônica pós rifteamento. Margens passivas do tipo Arco são aquelas margens onde o eixo de máximo soerguimento está localizado no interior da área soerguida e os divisores da drenagem também, como é o caso dos Planaltos da Borborema e Uruguaio Sul Riograndense. São pouco deformadas após o rifteamento, figura 2. 15. Fig. 2. 15 - Tipos de margens passivas, de acordo com o padrão de soerguimento. A costa do Rio Grande do Sul relacionada ao Escudo sul – rio grandense se caracteriza como uma margem passiva com padrão de soerguimento em arco onde o divisor de bacias ocorre no interior do continente. As serras do Mar e Espinhaço são margens passivas tipo ombreira de rifte, com divisores de água próximos da costa. Abaixo das escarpas a topografia é dissecada e aplainada, acima o relevo é em monoclinal suavizado, com fraca pendente para o interior dos continentes. O grande e relativamente rápido desmantelamento do relevo, ocorre nas escarpas que recuam paralelamente para o interior. As superfícies de erosão antigas permanecem acima das principais escarpas, para o interior do continente, no flanco suavizado da monoclinal primitiva. As superfícies erosivas mais recentes geralmente ocorrem abaixo destas escarpas. 2. 5 - Esboço do desenvolvimento das paisagens e da drenagem da margem atlântica da América do Sul A separação da América do Sul da África foi acompanhada de amplos soerguimentos epirogênicos termais, rifteamentos e aulacóginos. Aulacógino, já conceituado anteriormente como “rifte” abortado que não chega a se desenvolver para um proto oceano. Estas três grandes feições geotectônicas e, após, o soerguimento da Cordilheira dos Andes, determinaram os desenvolvimentos das mega paisagens e mega drenagem da América do Sul.Na costa atlântica do continente sul americano estão registrados seis amplos soerguimentos termais e cinco aulacóginos ou rifts, figura 2. 16. Fig. 2. 16 - Soerguimentos regionais e aulacóginos associados ao rifteamento que originou o Oceano Atlântico e os atuais continentes Africano e Sul Americano. De Norte para Sul, Soerguimento das Guianas, Aulacógino Takutu e Foz do Amazonas, Soerguimento do Nordeste e Aulacógino Tucano – Recôncavo, Soerguimento Mantiqueira e Graben Taubaté, Soerguimento do Uruguai e Aulacógino do Prata, (modificado de Potter 1997). Os soerguimentos termais iniciaram a criação de grandes planaltos, Roraima (até 3000m de altura), Borborema (até 1000m de altura),– Espinhaço – Serra do Mar - Mantiqueira , até 2000m de altura), Uruguaio – Rio Grandense – Meridional, (até 1800m de altura), Planalto de Sumucurá (até 1500m de altura), Planalto Deseado, (até 1000m). Estas áreas planálticas, intensamente erodidas a partir da ruptura do Continente Gondwana, serviram como principal fonte dos sedimentos que se depositaram nas bacias marginais da costa e também em algumas bacias interiores da Placa Sul Americana. Os aulacóginos determinaram as principais calhas de deposição. Os desenvolvimento dos grandes traços da rede de drenagem da América do Sul, Bacias do Baixo Orenoco, Baixo Amazonas, São Francisco, Paraná – Uruguai, foi concebido por Potter (1997) e está associado ao desenvolvimento inicial destas grandes unidades planálticas , dos aulacóginos e das bacias marginais interiores, quando da ruptura do Continente Gondwana, a aproximadamente 180 milhões de anos. Por serem contemporâneas aos processos de rifteamento que originaram o Oceano Atlântico, as drenagens iniciais e os planaltos são denominados sinrift As bacias do Alto Orenoco, Amazonas (Solimões, Purus e Madeira), os rios Paraguai, Colorado e Negro, são posteriores e associam-se ao soerguimento da Cordilheira dos Andes no Terciário, médio período Mioceno, a aproximadamente 40 milhões de anos. Mais recentes são as drenagens associadas às planícies costeiras da Fachada Atlântica, Terciário Superior, os rios maiores e do Quaternário os rios que se desenvolvem exclusivamente nas planícies costeiras. Todos estes segmentos de drenagem se estabeleceram quando o Oceano Atlântico já existia como tal e são denominadas post rift. 2. 6 - Esboço do Desenvolvimento a longo prazo das Megaformas da Paisagem e dos Sistemas de Drenagem do Rio Grande do Sul. Domo Uruguai – SW da África O início do desenvolvimento das megaformas da paisagem e das bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul está relacionado ao domo termal Uruguai – SW da África, concomitante com a abertura do Oceano Atlântico Sul, no período Cretáceo a aproximadamente 180 milhões de anos, Potter (1997). Tomado no conjunto, o soerguimento do Uruguai – SW da África originou no Rio Grande do Sul, como forma primitiva, uma gigantesca metade de domo, com eixo principal orientado segundo a direção noroeste (Arco de Rio Grande), Sanford e Lange (1960), figura2. 22. Esta megaforma da paisagem foi visualizada e assinalada por Ab’ Saber (1969), embora sem relacioná-la à tectônica de placas. A outra metade se situa no SW da África.O padrão de soerguimento é principalmente do tipo Arco, figura 2. 15, com os divisores de água maiores mantidos no interior do continente. O centro desta megaforma é hoje ocupado pelo Escudo Uruguaio - Sul riograndense onde afloram principalmente rochas plutônicas pré cambrianas, o seus flancos correspondem à área ocupada principalmente pelo Planalto onde afloram principalmente rochas vulcânicas mesozoicas. O seu limite sul é demarcado pelo Estuário do Prata, o limite norte pelas nascentes do Rio Uruguai. Entre o núcleo e o flanco do meio domo ocorre uma zona intermediária de circundenudação Barberena, e Becker (1980), figura 2. 22, a Depressão Periférica, onde afloram rochas sedimentares paleozóicas e mesozóicas da Bacia do Paraná. O alinhamento que coincide com a direção geral da provável junção original com o SW da África é marcado pela Planície Costeira e a atual linha de Costa, figura 2.17. Fig. 2. 17 - – ½ Domo do Uruguai – Sudoeste da África. No núcleo, rochas plutônicas pré cambrianas do Escudo, nos flancos rochas vulcânicas mesozóicas, entre os dois compartimentos, rochas sedimentares paleozóicas e mesozóicas. Orientação preferencial do soerguimento, NW. Modificado de Barberena e Becker (1980). Sistemas de Drenagem. A bacia hidrográfica mais antiga do Rio Grande do Sul é a Bacia do Rio Uruguai, desenvolvida primitivamente, em seu baixo curso, no Escudo Uruguaio SulRiograndense, rios Negro e Estuário do Prata e mais recentemente, no seu médio e alto curso no Planalto Meridional, com exceção do Rio Ibicuí que em uma de suas cabeceiras escava a Depressão Periférica, figura 2. 18. Fig. 2. 18 – Relações das bacias de drenagem do Estado com o Soerguimento do Uruguai – SW da África. O núcleo do Soerguimento corresponde ao Escudo, o flanco ao Planalto. A drenagem do baixo Uruguai, Negro e Estuário do Prata é sin rift. Os restantes ramos têm desenvolvimento, pós rift. Os canais de drenagem de desenvolvimento mais recente ocorrem na Planície Costeira. Este sistema de drenagem é conseqüente ao Soerguimento do Uruguai e reverso à atual linha de costa, desenvolvendo-se no Rio Grande do Sul, nos flancos do meio domo Uruguai – Sudoeste da África. Provavelmente o Estuário do Prata e a Bacia do Baixo Rio Negro se originaram na fase rift, a partir de 180 milhões de anos, Potter (1997). Os demais segmentos das Bacias Uruguai - Negro se desenvolveram no Terciário na fase post rift a partir de 60 milhões de anos. As bacias hidrográficas atuais da Fachada Atlântica, Jaguarão, Camaquã Jacuí, Maquiné, Três Forquilhas, são obsequentes ao soerguimento do Uruguai e conseqüentes á margem atlântica, direcionadas diretamente à atual linha de costa. São contemporâneas com a abertura da Depressão Periférica associada à superfície de erosão da Campanha de idade mio pliocênica, embutida na superfície de erosão Caçapava do Sul, de idade paleocênica, Ab’ Saber (1969). Pode-se estabelecer como marco inicial de desenvolvimento destes sistemas de drenagem, o Mioceno a 40 milhões de anos. A antiguidade do sistema fluvial Jacuí é atestada pela presença de depósitos grosseiros, conglomerados, em seu vale atual, em cotas até 100m, registros estes indicadores de um paleo rio Jacuí, A,figura 2. 23, com competência muito maior do que a do canal atual, Franke (1990). Estes depósitos grosseiros com seixos principalmente de ágata, calcedônea, na margem esquerda do atual Jacuí, indicam o avanço das escarpas do Planalto à época de deposição destes ruditos. As bacias hidrográficas da Planície Costeira, Capivari, Tramandaí, Gravataí, etc. têm seu desenvolvimento muito recente, no período Quaternário. 2. 7 - Morfotectônica: Unidades Morfotectônicas do Rio Grande do Sul A palavra morfotectônica ( Kober 1928) refere-se a unidades mega estruturais (Tectônica de Placas) da geomorfologia, envolve principalmente as grandes subdivisões fisiográficas das paisagens,como os escudos cristalinos( Escudo Uruguaio – Sul riograndense), as cadeias de montanhas (Cordilheira dos Andes), antigas e modernas, os grandes planaltos (Planalto Meridional Brasileiro), as depressões periféricas aos escudos (Depressão Periférica Gaúcha), os grandes escarpamentos costeiros (Serra do Mar) e as planícies litorâneas associadas (Planície Costeira do Rio Grande do Sul). O termo atualmente faz parte da Geomorfologia Global ou Megageomorfologia. O grande escarpamento da costa brasileira, a Serra do Mar é uma unidade morfotectônica, . A morfotectônica é o elo de ligação entre a Geomorfologia Global e a Geomorfologia Estrutural. O estado do Rio Grande do Sul é compartimentado em quatro unidades morfotectônicas: Escudo, Planalto, Depressão Periférica e Planície Costeira, implantadas no Soerguimento do Uruguai, figura 2. 19. Todas têm sua continuidade estendida para fora dos limites do território gaúcho. Fig. 2. 19 – Os 4 grandes compartimentos morfotectônicos do Rio Grande do Sul: Escudo, Planalto, Depressão Periférica, Planície Costeira, associados à deformação em arco da margem atlântica rifteada. O Escudo Sul Riograndense (Rambo 1942), faz parte de uma unidade morfotectônica que se estende para o território do Uruguai, denominado Escudo Uruguaio – Sul Riograndense. O Escudo Sul Riograndense tem forma grosseiramente triangular, com um dos vértices interiorizado que aponta para o quadrante noroeste. Este vértice serve de divisor de águas entre as bacias do rio Camaquã, desenvolvida no eixo do Escudo, e as bacias dos rios Ibicui, Negro. Jaguarão e Jacuí posicionadas nas suas bordas, já no compartimento morfotectônico Depressão Periférica Gaúcha. A base do triângulo corresponde ao limite entre o Escudo sul - riograndense e o compartimento morfotectônico Planície Costeira. As paisagens do Escudo foram modeladas principalmente em rochas ígneas plutônicas, figura 2. 20. Fig.2. 20 - Localização, aspecto na imagem Google Earth e vista panorâmica de campo do Escudo. A Depressão Periférica Gaúcha (Ab’ Saber 1969) faz parte de uma unidade morfotectônica correspondente `a regiões de denudação periférica aos Escudos Cristalinos Brasileiros, tem continuidade a Oeste onde adentra o território Uruguaio e a leste, para Santa Catarina. Bordeja o Escudo Sul rio - grandense acompanhando os lados deste grande maciço triangular, com exceção do lado que confronta o oceano, onde o limite do Escudo é com a Planície Costeira. As paisagens da Depressão Periférica foram modeladas principalmente em rochas sedimentares, fig. 2. 21. Fig. 2. 21 – Localização, aspecto na imagem Google Earth e vista panorâmica de campo da unidade morfotectônica Depressão Periférica. As partes Norte e Oeste do território gaúcho correspondem ao extremo Sul do compartimento morfotectônico Planalto Meridional, Planalto de (Rambo (1942) que ocupa no Brasil amplas áreas dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás, estendendo-se também ao Paraguai, Uruguai e Argentina. As paisagens do Planalto foram esculpidas principalmente em rochas ígneas vulcânicas, figura 2. 22. Fig. 2. 22 – Localização, aspecto na imagem Google Earth e vista panorâmica de campo do Planalto. A unidade morfotectônica Planície Costeira, Delaney (1965) ocorre no quadrante Leste do Estado, em uma faixa alongada de direção nordeste. Acompanha a costa do Oceano Atlântico, ligada à Bacia Sedimentar Marginal Costeira de Pelotas. É uma das maiores planícies costeiras do Planeta. As paisagens da Planície Costeira foram modeladas principalmente em sedimentos de origem recente, figura 2. 23. Fig. 2. 23 – Localização, aspecto na imagem Google Earth e vista panorâmica de campo da Planície Costeira.