Frederico “O Grande” A consolidação da Prússia como potência européia Jadir Vieira1 [email protected] Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC Resumo Este artigo se propõe a fazer uma breve explanação de quem foi Frederico “O Grande” . É com este objetivo que serão analisadas estrategicamente os acertos e os erros do comandante Frederico II em duas batalhas importantes de sua carreira. Primeiramente iremos narrar e analisar a Batalha de Kolin onde Frederico sofreu uma derrota. A segunda, e última, a analisarmos é a Batalha de Leuthen, onde ele vence. Durante toda a nossa narrativa, além de fazermos citações de alguns estrategistas famosos, como por exemplo; Sun Tzu, Clausewitz e Maquiavel; tivemos como prioritário repassar alguns dos valiosos ensinamentos estratégicos do grande comandante prussiano. Palavras chave: Estratégia, batalha, táticas e Prússia. Abstract This article intends to make a brief explanation of who was Frederick "The Great". It is with this objective that will be strategically analyzed the successes and mistakes of the commander Frederick II in two important battles of his career. First we will narrate and analyze the Battle of Kolin where Frederick suffered a defeat. The second, and last, the look is the Battle of Leuthen, where he wins. Throughout our narrative, and making famous quotes from some strategists, for example, Sun Tzu, Clausewitz and Machiavelli, had a priority over some of the valuable strategic lessons of the great Prussian commander. Keywords: strategy, battle, tactics and Prussia. 1 Graduando do curso de História da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Ensaio monográfico apresentado na disciplina de História Moderna, ministrada pelo professor Dr. João Klug, no primeiro semestre de 2011. 1 Introdução No início do século XVIII os Estados germânicos eram muito semelhantes entre si, eram centenas de pequenos Estados alemães os quais compunham o Sacro Império RomanoGermânico, e que detinham uma relativa autonomia diante do Sacro Império, porém podiam ser chamados para socorrer o império quando este assim o desejasse. Nesse sentido não tinham muito significado no contexto europeu da época, pois apesar de fazerem parte do Sacro Império Romano-Germânico; devido às disputas que haviam entre si, não passavam de “joguetes” na mão do Imperador do Sacro Império. Diante dessa situação é que se colocava a questão: Como unificar esta verdadeira “colcha de retalhos”? Como assumir a liderança dessas centenas de Estados que viviam em disputas entre si e unificá-los para, assim, constituir um Estado com a preponderância e status que os germânicos em sua longa história demonstraram serem merecedores? Naquele momento, à Prússia começava a despontar como uma liderança entre os cerca de 350 principados dos Estados Germânicos pertencentes ao Sacro Império RomanoGermânico, porém as suas pretensões não seriam nada fáceis de serem efetivadas. Em 18 de janeiro de 1701, em contrapartida de uma aliança com o Imperador do Sacro Império Romano-Germânico onde os prussianos ajudaram o imperador a derrotar a Suécia por brigas religiosas contra o império, foi coroado pela primeira vez o rei da Prússia: o Príncipe Eleitor também denominado Frederico I. Apesar deste ato não ter sido considerado de grande importância por seus contemporâneos, na realidade demonstrou, em um momento posterior, ser de grande valor. O sucessor do trono prussiano foi Frederico Guilherme I o qual organizou com muita parcimônia os serviços civis e aumentou consideravelmente o efetivo do exército o qual subiu de 36.000 para 80.000 homens2. Ao contrário do resto da Europa onde as elites nada produziam, Frederico Guilherme impingiu à nobreza prussiana a honra de alcançar os mais altos postos do exército; fazendo assim com que na Prússia somente os mais abastados pudessem comandar as tropas: "o grande educador do prussianismo, esforçava-se ao mesmo tempo em mudar, de alguma forma, a resistente e orgulhosa nobreza, embutindo-lhe um novo sentimento de honra: a honra em servir ao Estado e ao Exército” 3. 2 3 Kittredge, 1989, p. 15. Krockow, 2002, p. 24-25. 2 Frederico Guilherme deixou um sucessor que não só fez juz a sua linhagem como foi o seu maior expoente: Frederico II, denominado já em sua época de Frederico "O Grande". Foi em 24 de janeiro de 1712 que nasceu àquele que iria se tornar um dos heróis da história alemã e até mesmo da história mundial, principalmente no campo da estratégia e da política. Tendo no pai uma figura extremamente zelosa pelas coisas de estado, foi, porém, com o mesmo rigor que educou seu filho e herdeiro de sua tão amada pátria prussiana. Na sua juventude Frederico, assim como muitos nesta fase da vida, era muito irrequieto, o que acabava causando alguns desentendimentos com seu pai, indo ao ponto de, em certo dia, ele presenciar a execução de seu melhor amigo; aquela foi à lição que seu pai lhe aplicara por sua constante insubordinação e tentativa de querer fugir de seu destino. A lição foi aprendida por Frederico, porém a sua má fama de insolência já havia se alastrado pela Europa: Ninguém estava muito preocupado com Frederico II e com os perigos que ele poderia representar. Quase todos os dirigentes da Europa conheciam o jovem rei como alguém que gostava de ler e tocar músicas [...]. Pensavam nele como um fraco, ou até mesmo um tolo, que certamente nunca teria fibra para atacá-los4. Os seus inimigos estavam desatualizados, Frederico havia assumido o trono da Prússia em 1740 e em menos de um ano aproveitando-se do descrédito que os outros dirigentes europeus tinham por sua pessoa e, com toda a requintada educação que seu pai havia lhe proporcionado onde, estudando à história dos grandes generais do passado, acabou por se tornar um mestre na arte da guerra, e agindo de surpresa em uma campanha relâmpago conquistou o rico território da Silésia que tinha um grande significado para a Prússia, pois sem muitos recursos e não sendo muito extensa, ao adquirir o território da Silésia, a Prússia obteve um significativo aumento territorial. Com essa conquista a Prússia atingiu outro patamar de força e seus inimigos começaram a ficar temerosos. Frederico foi desenvolvendo ao longo de sua trajetória uma nova filosofia militar, ao seu conhecimento teórico ele acrescentou suas experiências aprendidas no campo de batalha e assim desenvolveu sua estratégia: “Todas as nossas guerras devem procurar ser curtas e vigorosas, porque [...] uma guerra demorada vai gradualmente afrouxando nossa admirável disciplina, rarefaz a população do país e exaure nossos recursos” 5. E após poucos anos no poder Frederico já amedrontava seus inimigos: 4 Kittredge, 1989, p. 34. 5 Luvaas, 2001, p. 148. 3 Na primavera de 1743, três anos após ascender ao trono Frederico II já era reconhecido como uma força a ser considerada. Na verdade, de todos os combatentes da Primeira Guerra Silesiana, apenas o monarca prussiano conseguiu alcançar o que queria. Certamente consolidou sua reputação como general, [...] mostrou aos governantes da Europa que não era fraco nem tolo6. Foi por intermédio da depuração de seus conhecimentos teóricos com os longos anos de prática no campo de batalha e na administração do estado prussiano que Frederico desenvolveu sua aprimorada filosofia bélica e diplomática. Para ele, que apesar de ter sido um grande general que fazia a arte da guerra com extrema primazia, alianças deveriam ser buscadas: É sempre prudente e necessário fazer alianças, caso contrário, os possíveis aliados podem transformar-se em inimigos; e mesmo que eles se recusem a ajudar você, pelo menos, pode esperar que observem uma cuidadosa neutralidade7. Ao mesmo tempo em que era temido por seu poderio bélico, Frederico também era muito respeitado no campo das negociações. Ele fazia e desfazia alianças sem que seus aliados tomassem conhecimento, a não ser, quando já no campo de batalha, era tarde demais. Em uma de suas mais célebres máximas: "A questão fica, portanto, assim simplificada: deve o povo perecer ou o príncipe violar o tratado?" 8. Não é a toa que ele foi tão temido, para ele escrever seus ensinamentos sobre diplomacia é porque ele já os havia praticado várias vezes: em 4 de junho de 1741 ele fez um tratado com a França e em desfavor da Áustria, em outubro de 1741 ele fez um acordo com a Áustria e em desfavor da França, em fevereiro de 1742 ele atacou a Morávia (pequeno reino sob a tutela da Áustria), em 1742 fez o Tratado de Breslau pelo qual selava a paz entre a Áustria e Prússia, em janeiro de 1745 quebra o tratado de Breslau. Após o ano de 1745 foram feitos vários tratados dentre os quais podemos citar o Tratado de Paris, o Tratado de Paz de Fussen, a Convenção de Hanôver, o Tratado de Paz de Dresden, e finalmente de 1749 a 1756 ocorreu uma verdadeira “Revolução Diplomática” onde as antigas alianças forma desfeitas e novas alianças forma feitas9. Apesar do aprimoramento com que Frederico II fazia sua diplomacia, foram as batalhas travadas ao longo de sua vida que emolduraram a sua personalidade. Para dar uma pequena luz da história de sua carreira, trazemos duas batalhas travadas na Guerra dos Sete Anos. 6 Kittredge, 1989, p. 40. Luvaas, 2001, p. 54. 8 Ibid, p. 55. 9 Kittredge, op. cit., p. 39-51. 7 4 Foram escolhidas estas duas batalhas por acreditarmos que através delas o leitor possa vislumbrar o caráter de Frederico, o tamanho da missão que ele executou e mostrar que àquele que ia se tornar em pouco tempo "O Grande" era um ser humano passível de erros como qualquer outro, porém que ele aprendeu suas lições e ainda nos deixou o seu legado. A Batalha de Kolin: uma derrota Logo no início das Guerras Silesianas em 1756, os prussianos haviam atacado os austríacos que recuaram para o interior das muralhas da cidade de Praga, de onde conseguiam rechaçar seus atacantes. É quando os prussianos, que já tinham sofrido dezenas de milhares de baixas neste ataque10, se vêem em uma situação difícil, pois após se trancarem no interior das muralhas de Praga, os sitiados conseguem pedir ajuda à Rainha do Sacro Império Romano Germânico, Maria Tereza, a qual envia um comandante com grande capacidade: o Marechal Daun com tropas de 60 mil homens em auxílio aos sitiados. Se aqueles reforços atingissem Praga os prussianos estariam cercados por todos os lados e sucumbiriam. Antes que isso ocorresse Frederico II resolveu interceptá-los. No início da campanha Frederico talvez não tenha previsto que após o ataque inicial à Praga as guarnições daquela praça altamente fortificada poderiam se enclausurar em seu interior e que, para piorar a situação de seu exército, poderia ser cercado por reforços austríacos. Frederico sendo um estudioso dos generais do passado poderia ter se lembrado daquilo que escreveu Plutarco em uma de suas obras sobre os generais do passado onde nos conta sobre o sítio que Júlio César fez a cidade gaulesa de Alésia: "Cercado e envolvido por dois exércitos numerosos, foi obrigado a fortificar-se com duas muralhas, uma contra os da cidade, outra contra os que sobrevinham, se os dois exércitos conseguissem juntar-se César estaria perdido" 11 . Naquela ocasião, se não fosse à falta de unidade de comando por parte dos gauleses estes possivelmente o teriam derrotado. Para Sun Tzu o ataque às fortalezas é a forma mais fraca de combater: "A mais alta realização na guerra é atacar os planos do inimigo; depois atacar as suas alianças; em seguida 10 Kittredge, 1989, p. 52. 11 Plutarco, 2006, p. 100. 5 atacar seu exército; e a mais baixa é atacar suas cidades fortificadas"12. Em anos posteriores, mais especificamente falando no final da campanha silesiana, este princípio estratégico é plena e exitosamente aplicado por Frederico ao ampliar consideravelmente sua cavalaria o que por si só causa grande apreensão entre seus inimigos e provoca a assinatura de um armistício pela rainha do Sacro Império Romano-Germânico Maria Tereza. No desenvolvimento de seu aprendizado, Frederico foi um grande estudioso dos feitos dos generais de seu tempo e dos feitos dos grandes nomes da antiguidade: “A história é a escola dos príncipes; é dever deles conhecer bem os erros do passado para evitar cometê-los de novo”. E é a partir de suas leituras que Frederico desenvolveu seu apurado senso crítico quanto ao valor da erudição: “O conhecimento humano seria mais bem servido se, em vez de escrevermos mais livros, nos esforçássemos para fazer extratos decentes daqueles que já existem”. Frederico, apesar de seu profundo apego pela cultura, obteve sua glória mais no campo de batalha onde fez a junção do conhecimento teórico com a prática: “Fatos passados são importantes, no entanto devem ser refinados ao passar no crivo do raciocínio” 13. Posteriormente, talvez com a análise de seus acertos e erros, ao analisar às táticas que empregou na Batalha de Kolin, Frederico pode constatar que contrariou duas de suas máximas: " A primeira máxima de todos os generais é a de nunca deixar-se forçar a combater contra a sua vontade" 14 e “Quando for forçado pelo inimigo a combater, é sinal de que cometeu erros e tem que dançar conforme a música”.15 Para uma análise de que tipo de general era Frederico, podemos dizer que existem dois tipos básicos: àquele que planeja tudo desde o princípio e àquele que faz um plano básico e vai improvisando de acordo como a situação se apresente. Estes dois tipos de generais são representados, simplificadamente falando, por Sun Tzu, no primeiro caso, e por Carl Von Clausewitz, no segundo caso. Há características positivas e negativas em ambos os casos e, além do mais, essas definições são genéricas, sendo que em ambas as filosofias existem abundantes traços de uma e de outra. Para Sun Tzu deve-se ganhar a guerra com o mínimo de esforço; privilegiando assim a diplomacia; e o general deve planejar minuciosamente desde o primeiro passo até o último. Na visão de Clausewitz a guerra deve ser decidida em batalhas principais com concentração máxima de forças neste momento. Ganhar a guerra desta forma é a maior glória 12 Sun Tzu, 2002, p. 62. Luvaas, 2001, p. 63-67. 14 Ibid, p. 148. 15 Ibid, p. 257. 13 6 para o general e seu exército; e o planejamento é importante, porém ele considerava que o general deve primar mais por sua preparação para assim poder sobrepujar o inesperado, pois a sua doutrina é de que por mais que se previna o acaso durante a guerra, este vai modificando o curso dos acontecimentos e, por fim, o modifica completamente. Com um efetivo inicial de 112.500 homens, Frederico deixou a maior parte de seus homens sitiando Praga e deslocou-se com 33.000 homens para interceptar os reforços austríacos. Em 18 de Junho de 1757 ocorreu a batalha de Kolin, localizada a cerca de 20 km de Praga. Ambos os exércitos se posicionaram de cada lado da via que ligava Praga a Viena. Ao decidir interceptar os reforços austríacos, Frederico teve dois objetivos distintos a serem alcançados: impedir a chegada dos reforços inimigos à Praga e não permitir que as linhas de abastecimentos de seu exército fossem interrompidas. As tropas austríacas foram as que primeiro chegaram ao local que seria o palco do combate e, ao enviar, e obter êxito, uma pequena tropa para atrasar a chegada do exército prussiano, as tropas austríacas tiveram a oportunidade de escolher a melhor posição para enfrentar o inimigo, o que foi essencial para o resultado da batalha. A forma como o exército prussiano se posicionou para o combate, com uma encosta na sua retaguarda e um rio na sua frente, deixou o exército prussiano com pouca margem para manobras caso viesse a ocorrer esta necessidade. Apesar de que talvez estes fatores não tenham sido determinantes para o resultado da batalha, no desenrolar dos combates ocorreram dois fatos principais: 1 - O efetivo posicionado originalmente no flanco direito sob o comando do General Ziethen, com a missão de dar combate naquela posição e eventualmente apoiar outras guarnições caso a necessidade o exigisse, deslocaram-se de seu local para atacar o inimigo que os provocava em uma vila afastada de seu objetivo previamente determinado. Ao realizar tal incursão estas tropas, além de deixarem desguarnecido o flanco direito em que estavam previamente estabelecidos, foram encurralados pelo inimigo e isso fez com que Frederico tivesse que deslocar tropas para socorrê-los. Neste ínterim os efetivos principais do exército inimigo viram a oportunidade de atacar o centro das linhas prussianas o que o fizeram ferozmente e obtiveram um grande êxito. 2 - O comandante austríaco d'Ayasasa em um ato de bravura no início dos combates, quando a supremacia do embate estava com os prussianos, mesmo após receber ordem de recuar em um momento que demonstrava uma possível retirada dos austríacos, por iniciativa própria avança com suas tropas sobre o exército prussiano e em seu ataque é automaticamente 7 seguido pela totalidade das tropas austríacas o que mudou, naquele momento, a balança do resultado. O resultado final dos combates foi uma grande derrota do exército prussiano que teve perdas de 14 mil homens enquanto os austríacos perderam 8 mil homens e assim Frederico teve até mesmo de recolher as tropas que sitiavam Praga e abandonar posições conquistadas no início da campanha. Em análise estratégica o princípio mais importante que se deve ter em conta é o princípio estratégico do objetivo. Reza este princípio estratégico que todas as ações a serem tomadas devem em primeiro lugar poder levar ao objetivo, o objetivo deve ser atingível, ou seja; não se pode planejar atingir objetivos impossíveis de serem alcançados e o objetivo deve estar muito claro. Na Batalha de Kolin os prussianos tinham dois objetivos simultâneos a atingir: impedir que os reforços austríacos atingissem Praga e não permitir que este mesmo exército cortasse as lihas de abastecimento prussianas: O rei, além disso, encontrava-se diante de uma diversidade de objetivos tão contrários que não era possível conciliá-los simultaneamente, e não podia negligenciar nenhum deles sem colocar em risco toda a empreitada. Tinha que proteger os depósitos [...]. Tinha de garantir o bloqueio de Praga [...] 16. Essa duplicidade de objetivos é prejudicial ao planejamento e execução das ações táticas o que leva ao descumprimento de um segundo principio estratégico: o princípio estratégico da simplicidade. Quando os efetivos do General prussiano Ziethen aceitam a provocação do inimigo e o perseguem em situação desfavorável fica comprovada assim a quebra de dois princípios estratégicos: o princípio da simplicidade e o princípio da unidade de comando. O descumprimento das ordens dadas ao General Ziethen somente foi possível pela falta de simplicidade dos planos estabelecidos por Frederico; pois suas tropas estavam posicionadas de modo que este, no "calor" da batalha, pudesse tomar medidas diante de situações que se apresentassem e que ele avaliasse fosse necessário a urgente intervenção de seus efetivos. Esta lição foi devidamente aprendida e contornada pelo rei na Batalha de Leuthen: "Tal formação impedia que houvesse engajamento sem a expedição de ordens" 17. 16 17 Luvaas, 2001, p. 214. Luvaas, 2001, p. 232. 8 Por outro lado Frederico já tinha tido uma demonstração de debilidade na capacidade de um de seus capitães: "Descobriu que Manstein, que já tinha empregado sua brigada de maneira inoportuna na Batalha de Praga, incorrera no mesmo erro" 18 ; e persistiu em confiar alguma tropa a este comandante; o que fere o princípio estratégico da unidade de comando, pois este já havia demonstrado sua incompetência e por isso deveriam ter sido tomadas todas as medidas para que ele não incorresse em erros semelhantes. Outro princípio estratégico claramente quebrado pelos prussianos na Batalha de Kolin foi o princípio estratégico da concentração de forças o qual reza que se deve concentrar o maior número de tropas no ponto mais importante: “Em vez de manter a sua superioridade numérica, Frederico II dividiu suas tropas em alas, julgando que Daun pudesse ser dominado com apenas 35.000 homens" 19. Ao deixar um contingente maior no cerco às fortificações de Praga e deslocar-se para Kolin para combater efetivos quase o dobro dos seus, Frederico negligenciou seriamente este princípio estratégico. Apesar de ter sofrido uma grande derrota na Batalha de Kolin, esta não representou a perda da guerra mesmo porque ao contrário do que Frederico fez em Leuthen, onde perseguiu vigorosamente seu inimigo, este não o perseguiu e muitas perdas táticas acabam por si tornarem vitórias estratégicas pela falta de perseguição do inimigo; ou melhor dizendo com as palavras de Clausewitz “rematar a batalha vencida”. A Batalha de Leuthen: uma vitória Inicialmente enfraquecido pela derrota de Kolin, depois fortalecido pela vitoria de Rossbach; que teve como efeito prático a recuperação do apoio financeiro e de tropas de seus aliados ingleses: "Na Inglaterra, as notícias da batalha causaram alegria e restauraram a confiança pública na impopular guerra [...], o exército [...] que tinha sido desativado [...] foi ressuscitado, recebeu recursos econômicos bem mais alentados" 20 . Porém, posteriormente, devido às derrotas da fortaleza de Schweidnitz e da cidade de Breslau, Frederico tem seu exército enfraquecido por tais derrotas sofridas, e se depara com o baixo moral de suas tropas. Um elemento essencial a ser avaliado em estratégia é o moral da tropa. Este parâmetro tem duas conotações opostas e decisivas para o resultado de qualquer empreendimento: o 18 Ibid, p. 217. Kittredge, 1989, p. 52-53. 20 Luvaas, 2001, p. 225. 19 9 elevado moral da tropa e o baixo moral da tropa. È também um parâmetro de difícil mensuração: [...] encontram-se as grandezas morais entre os mais importantes elementos da guerra. É o espírito que impregna toda a guerra. Ele impõe-se antecipadamente à vontade que guia e move toda a massa de forças, aderindo de certo modo a ela, sendo essa mesma vontade uma grandeza moral. Está isento infelizmente de qualquer conhecimento livresco, pois não se avalia em número21. Ao se obter uma vitória os ânimos exaltam-se e a euforia toma conta de todos é o elevado moral da tropa. O lado positivo desse estímulo é que ele por si é um impulsionador para outras vitórias. Há nestes momentos, porém, a necessidade de se tomar o cuidado para que este excesso de animação não descambe para a imprudência, o relaxamento da guarda e, conseqüentemente, a derrota. Em contrapartida à vitória, após uma derrota há um desânimo geral, o medo toma conta de todos, é como uma força avassaladora que se espalha no seio das tropas tornando-a uma presa fácil: é o baixo moral da tropa. Para conduzir bem qualquer fração de tropa, e, em situações como esta, quando o moral da tropa está baixo; conforme escreveu Maquiavel em 1521 em sua obra A arte da guerra: “Por palavras, dissipa o temor, inflama a coragem, [...], oferece recompensas, mostra os perigos e os meios de evitá-los, repreende, exorta, ameaça, difunde a esperança, [...] e emprega, enfim, todos os meios que impelem ou detém a paixão humana” 22. E, para reparar esta situação difícil, antes de partir para a batalha de Leuthen, Frederico promove uma série de ações para elevar o moral de suas tropas: são fornecidas rações extras, vinho e efetuadas conversas informais com os soldados. No discurso proferido antes da Batalha de Leuthen, a seu corpo de oficiais, Frederico motiva seus auxiliares mais imediatos de todas as formas: [...] lembrem-se de que os senhores são prussianos e de que suas ações deverão ser absolutamente compatíveis com essa distinção. [...] Depois da batalha, deverei desativar e transformar em tropa de guarnição qualquer regimento de cavalaria que, ao receber ordem, não se lance de imediato e com impetuosidade contra o inimigo. O batalhão de infantaria que, malgrado 21 Clausewitz, 1996, p. 183. 22 Maquiavel, 2006, p. 120. 10 os obstáculos, interromper a progressão perderá o estandarte e as espadas, e eu mesmo arrancarei as insígnias de seus uniformes23. Feitos todos os preparativos e com os ânimos reativados o exército parte para a batalha em uma proporção numérica totalmente desfavorável: 35 mil prussianos contra 65 mil austríacos. Logo no deslocamento o exército de Frederico se depara com um contingente de vanguarda do exército inimigo que é colocado para barrar o avanço das forças prussianas. Este contingente de vanguarda do exército austríaco estava sob o comando do general Notitz e era composto por quatro regimentos de dragões saxões e dois regimentos de hussardos imperiais. As tropas prussianas investem abruptamente contra o inimigo e os dominam por completo. Como troféu de guerra, os vencidos são forçados a marchar junto às colunas prussianas, o que eleva ainda mais o moral dos prussianos e humilha os austríacos. Neste primeiro embate foram cumpridos principalmente o princípio estratégico da ofensiva, da surpresa, da concentração de forças e da simplicidade dos planos. Entre tantos de seus ensinamentos, o ensinamento de Frederico que mais se encaixa com esta batalha é: "O destino dos estados depende de ações decisivas: uma posição bem conquistada, uma elevação defendida com bravura pode sustentar ou derrubar impérios. Um só movimento em falso pode por tudo a perder” 24. Após este primeiro choque os efetivos prussianos são habilmente concentrados para atacar o ponto mais fraco do inimigo: o flanco esquerdo. Foi escolhido este ponto porque o terreno, localizado no centro da vila de Leuthen, e onde estava localizado o flanco esquerdo do inimigo, apresentava uma elevação a qual Frederico queria conquistar se aproveitando do ímpeto inicial de seus soldados para se apoderar daquela posição, pois se tivesse que combater o inimigo naquela posição em um momento posterior, quando seus homens tivessem mais cansados, a empreitada seria muito penosa. Com uma resistência razoável dos austríacos, as tropas prussianas comandadas pelo general Wedel derrotam o flanco esquerdo conquistando aquela posição estratégica. Por fim, após serem dominados no flanco esquerdo, na colina de Leuthen, os austríacos são atacados pela retaguarda pelas mesmas tropas do general Wedel que na debandada inicial dos austríacos não percebem que este audacioso general prussiano os contorna e isso praticamente define a vitória dos prussianos. 23 24 Luvaas, 2001, p. 229. Ibid, p. 264. 11 Após esta derrota o exército austríaco “bate em retirada” de forma desorganizada. Mesmo com a chegada da noite Frederico não perde a oportunidade de perseguir o inimigo: “[...] o rei deu início à perseguição do oponente com os couraceiros de Seydlitz e um batalhão de Jung-Stutterheim, direcionando a marcha entre o arroio de Schweidnitz e as matas de Lissa. [...] fizeram prisioneiros aos bandos” 25 . Esta perseguição rendeu a captura de 10 mil austríacos. Mesmo naquela época quando os exércitos não estavam preparados e nem tinham por norma a perseguição do inimigo vencido: [...] a natureza de seu exército; (assim como os outros da época); e estrutura da tática linear (que desprovia os generais de adequadas reservas para o combate) combinavam-se para tornar inviável uma vigorosa perseguição, depois da batalha vitoriosa26. A perseguição e captura dos derrotados é das mais importantes táticas, ela está vinculada a consolidação da vitória e a conquista do terreno. O maior exemplo histórico foi quando o general cartaginês Aníbal Barca, após vencer magnificamente os romanos na Batalha de Canas, onde morreram 70 mil romanos, não persegue os vencidos e nem ataca Roma. Seus próprios compatriotas o censuram: “Sabes vencer Aníbal, mas não sabes o que fazer com tuas vitórias”. Para Clausewitz: “A vitória não consiste apenas na conquista do campo de batalha, mas sim na destruição das forças físicas e morais, destruição que só se realiza na maioria das vezes rematando a batalha ganha” 27. Não somente Wedel se destacou nesta batalha, mas todos prussianos cumpriram gloriosamente suas tarefas nesta batalha que foi segundo Napoleão Bonaparte: Uma obra de mestre de movimentos, manobras e determinação que por si só seria suficiente para imortalizar Frederico e posicioná-lo entre os maiores generais. Ele ataca um exército de poderio superior ao seu [...] com um exército composto em parte por tropas que, pouco tempo atrás, tinham sido derrotadas e consegue uma vitória completa, [...]. Todas as manobras desta batalha estiveram em harmonia com os princípios da guerra28. 25 Luvaas, 2001, p. 234. Ibid, p. 38. 27 Clausewitz, 1996, p. XCVII. 28 Luvaas, 2001, p. 234. 26 12 Os princípios estratégicos utilizados por Frederico que determinaram o êxito nesta batalha foram os princípios estratégicos da surpresa, da ofensiva, da manobra e da concentração de forças. Frederico não temia seus inimigos, foi, aliás, por intermédio deles que ele testou e comprovou a sua filosofia bélica que futuramente iria ser de grande valia para o enobrecimento do povo alemão. Ele provou que mesmo um pequeno país, no caso à Prússia, podia resistir e vencer poderosos impérios, no caso às potências de sua época: Sacro Império Romano-Germânico, o Império Russo e a França. Conclusão Sete anos após ter sido iniciada a Guerra dos Sete Anos, apesar de ter vencido a maioria das batalhas travadas, a Prússia estava em estado lastimável. A desproporção de forças entre as partes era gritante, afinal lutar sozinho contra a aliança entre o Sacro Império Romano-Germânico, Rússia e França era uma tarefa "faraônica", e a Prússia estava à beira do caos: [...] Berlim foi tomada pelos austríacos e russos. [...] O exército de Frederico II estava muito reduzido e quase não dispunha de provisões. Com os austríacos de um lado, os russos de outro e os franceses prontos para atacar pelo centro, a derrota era inevitável. [...] Todas as cidades e aldeias estavam ocupadas por soldados inimigos. [...] O triunfo das forças inimigas era apenas uma questão de tempo. 29 Finalmente após as muitas batalhas que foram travadas com dezenas de milhares de vidas perdidas, onde Frederico obtém algumas grandes vitórias e também muitas derrotas, sendo que, porém, na maioria delas pode-se afirmar que foi o seu empenho e a sua diligência no trato das coisas de estado que levaram aos resultados até ali alcançados, é então que ocorre uma virada drástica em sua sorte: [...] Frederico II e a Prússia foram salvos pela morte da imperatriz Elizabete da Rússia em cinco de janeiro de 1762. O Czar, conhecido como Pedro III, imediatamente ordenou às tropas russas na Alemanha que trocassem de lado. Além do mais, mandou que todas as terras ocupadas por soldados russos 29 Kittredge, 1989, p. 59. 13 fossem devolvidas a Frederico II. [...] em 15 de fevereiro de 1763 Frederico reconquista a Silésia e a incorpora definitivamente à Prússia. 30 E a partir do apoio Russo as coisas mudam drasticamente em favor da Prússia. São reconquistados os territórios da Silésia, da Saxônia e é sacramentada a hegemonia prussiana sobre os outros estados germânicos. A Prússia obtém o seu status de grande potência européia e Frederico é aclamado tanto por seus conterrâneos quanto por muitos dirigentes e ilustres pensadores do velho e do novo continente. Apesar de muitos afirmarem que a vitória prussiana foi devida à repentina quebra de apoio por parte da Rússia ao Sacro Império Romano-Germânico, e seu apoio aos interesses de Frederico, a sorte nunca teria lhe sorrido se ele não fosse quem foi: Frederico "O Grande". Referências Bibliográficas CLAUSEWITZ, Carl Von. Da Guerra. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996, 935 p. LUVAAS, Jay. Frederico, o grande e a arte da guerra. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2001, 360 p. 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