A FACTURA DA ENERGIA ELÉCTRICA E SEUS DESACERTOS: A LUZ COM IMPOSTOS COMO SE FORA PRODUTO DE LUXO. . . 1. A EDP COMO O “HOMEM DO FRAQUE” Duas terças partes da factura da energia eléctrica são entregues ao Estado e a outros agentes que dela tiram vantagens desproporcionais… Em jeito de resumo destaque-se: 1.1. Valor da factura para outras entidades – EDP como “agente de cobrança”: 66%... 1.2. Valor da factura para a EDP …………………………………………………………………….. : 34%...” 2. TRANSPARÊNCIA A factura da energia eléctrica é um eterno enigma. A factura, a despeito da proclamada transparência, é de uma obscuridade intransponível. A factura deixa, por isso, perplexos os consumidores que nela não confiam como se de um acto de fé se tratasse… E este aspecto tem sido deixado passar em claro pelas instituições de consumidores e, mormente, pela ERSE – entidade reguladora do sector. O escopo do Regulador, como ora se inscreve na Lei da Regulação Económica, será o de pugnar pelos interesses e direitos dos consumidores, intervindo de molde a impor equilíbrios onde os desníveis se revelarem patentes. E a sua intervenção deveria ser exemplar, algo a que não parece assistir-se… 3. O REGRESSO À TRANSPARÊNCIA PERDIDA… A Lei dos Serviços Públicos Essenciais de 26 de Julho de 1996 (que sofreu já por seis vezes modificações pontuais ou de tomo) dispõe, em distintas normas, que apelam à transparência, de princípios e regras que de modo incisivo cumpriria observar. Refira-se, por exemplo, o princípio geral, aliás, plasmado em outros instrumentos, que perpassa transversalmente, entre outros, o ordenamento jurídico dos consumidores, a saber: Princípio geral “O prestador do serviço deve proceder de boa-fé e em conformidade com os ditames que decorram da natureza pública do serviço, tendo igualmente em conta a importância dos interesses dos [consumidores] que se pretende proteger.” Mas ainda um reforçado dever de informação, que reza como segue: Dever de informação “1 - O prestador do serviço deve informar, de forma clara e conveniente, a outra parte das condições em que o serviço é fornecido e prestar-lhe todos os esclarecimentos que se justifiquem, de acordo com as circunstâncias. 2 - O prestador do serviço informa directamente, de forma atempada e eficaz, os [consumidores] sobre as tarifas aplicáveis pelos serviços prestados, disponibilizando-lhes informação clara e completa sobre essas tarifas. 3 - …” E, no que tange à facturação, há uma norma própria em que convém atentar particularmente. Aí se nos apresenta o que segue: Facturação “1 - O [consumidor] tem direito a uma factura que especifique devidamente os valores que apresenta. 2 - A factura a que se refere o número anterior deve ter uma periodicidade mensal, devendo discriminar os serviços prestados e as correspondentes tarifas. 3 - No caso do serviço de comunicações electrónicas, e a pedido do interessado, a factura deve traduzir com o maior pormenor possível os serviços prestados, sem prejuízo do legalmente estabelecido em matéria de salvaguarda dos direitos à privacidade e ao sigilo das comunicações. 4 - Quanto ao serviço de fornecimento de energia eléctrica, a factura referida no n.º 1 deve discriminar, individualmente, o montante referente aos bens fornecidos ou serviços prestados, bem como cada custo referente a medidas de política energética, de sustentabilidade ou de interesse económico geral (geralmente denominado de custo de interesse económico geral), e outras taxas e contribuições previstas na lei. 5 - O disposto no número anterior não poderá constituir um acréscimo do valor da factura.” 4. TARIFA SOCIAL Claro que há uma franja (ainda assim significativa…) de cidadãos, desvalidos da fortuna, que deveriam ser beneficiários de uma tarifa social, mais branda, a fim de que a exclusão que os atinge se (atenue ou) elimine… de todo! Os jornais de há dias diziam de modo singular: “Um estudo, apresentado recentemente pela Comissão Europeia, mostra que os preços da eletricidade em Portugal aumentaram 35% entre 2008 e 2012, muito por causa do aumento do IVA aplicado, de 6% para 23%. Mas, destaca hoje o jornal i, também o número de beneficiários da tarifa social tem vindo a cair, cerca de 40% desde 2011, apesar de, saliente-se, o Governo ter manifestado a intenção de reforçar o apoio aos mais carenciados” . 5. ENERGIA ELÉCTRICA “TAXADA” AO PREÇO DE JÓIAS DE OURO E DIAMANTES E DE “CHAMPAGNE” DO MAIS CARO… Ademais, Portugal é um país singular em que a energia eléctrica, serviço público essencial, suporte vital dos cidadãos em geral e factor estratégico na formação do preço e na competitividade do tecido empresarial, está sujeita, para além de um ror de taxas indecifráveis aos olhos de um consumidor comum, a um imposto sobre valor acrescentado (o famigerado IVA) (a 23%), aplicável aos produtos de luxo. Nada mais, nada menos. O que é algo de aberrante! Há um contra-senso manifesto: produto essencial (que constitui suporte de uma vida compaginável com os benefícios civilizacionais, sem os quais só as trevas se consentem…) cujo imposto incidente é exactamente os dos produtos de luxo (naturalmente fora e longe do alcance das legiões de pobres que nem sequer se agasalham e morrem à míngua de um mínimo de aquecimento durantes as sucessivas invernias que a natureza nos tem imposto com particular virulência…) Aliás, os números aí estão a impressionar-nos… 6. REFORMULAÇÃO DO IVA DA FACTURA DA ENERGIA ELÉCTRICA A apDC entende que, em momento em que o vice-primeiro ministro anuncia a revisão dos escalões e das tabelas do IRS, o passo primeiro seria o de tornar ao IVA mais baixo por se estar perante serviço público essencial… Ou, no limite, à taxa intermédia de 13%... Nunca, nunca manter-se na taxa de 23%, que é clamorosamente injusta para a generalidade dos consumidores (Bagão Félix fala em 41% dos portugueses a beirar o limiar da pobreza…) E não se diga que o consumo de energia em invernos rigorosos significa “viver acima das possibilidades”…, já que os portugueses não têm sequer o direito de aceder, como dizem os instrumentos em vigor na União Europeia, direito a serviços de interesse geral ( ou económico geral) a preços “acessíveis” (“abordáveis”), moderados, compagináveis com os seus rendimentos em geral… 7. CONTADORES INTELIGENTES De há muito que se fala de contadores inteligentes em Portugal. Era ainda director comercial adjunto da EDP, José Penedos. Depois, todos se fecharam em copas… A Espanha acelera neste “campeonato”, como se vem anunciando. O que espera Portugal, à mercê de leituras fictícias dos consumos com as nefastas consequências daí emergentes? 8. EM SUMA Há aspectos distintos neste “cacharolete” de ideias que cumpre destacar: . os desequilíbrios dos valores ínsitos na factura (34% dos custos de energia; 66% de encargos outros, de impostos travestidos de “taxas” ou com outras denominações “abomináveis”); . a obscuridade dos valores com que os consumidores se confrontam e que constam do documento que lhes é regularmente presente para pagamento, o que lhes não permite nem uma leitura adequada nem a correcção dos montantes que terão forçosamente de satisfazer; . valores desmarcados, que ora se denunciam, de facturas com base em estimativas que não correspondem a consumos reais, antes ficcionais, o que viola o princípio da protecção dos interesses económicos do consumidor, com consagração constitucional, mas a que as autoridades têm feito “ouvidos de mercador”, numa violência que talvez só se consinta em Portugal por amorfismo das gentes e inoperância das instituições de consumidores, acomodadas às exigências dos monopólios de facto e ou oligopólios que operam em cada um dos domínios ; . a hipocrisia das “tarifas sociais” e a não sujeição efectiva a valores reduzidas de quem realmente precisa em razão da sua condição de hipossuficiência e de manifesta vulnerabilidade ou até de hipervulnerabilidade, algo que a “ninguém comove”, persistindo-se neste perene “faz de conta”, tão característico da administração pública portuguesa… .… . Impostos que incidem sobre produtos de luxo extensivos à factura da energia eléctrica. Num patamar absolutamente insustentável! Seria curial que todos os aspectos neste passo consignados se afrontassem e que tanto o Ministério Economia, que é o da tutela da política de protecção dos consumidores, como o do Ambiente e Energia, assumissem consequentes medidas em vista da eliminação de tais escolhos à afirmação de um estatuto de parte inteira que falece aos portugueses e aos que se acolhem sob os nossos sóis (e a invernia que nos assola)…