A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DE UM SER DIANTE DA ANOREXIA NERVOSA – AMPLIANDO LIMITES NA CONSTRUÇÃO DE UMA ALIANÇA TERAPÊUTICA E NO COMPROMISSO COM A MUDANÇA – ESTUDO DE CASO. THE UNSUSTAINABLE SLIGHTNESS OF SOMEONE BEFORE OF THE NERVOUS ANOREXY - EXTENDING LIMITS OF A THERAPEUTICAL ALLIANCE CONSTRUCTION AND IN THE COMMITMENT WITH THE CHANGE - STUDY OF CASE. Mª Solange de S. Pereira. CRP 12\00962 Psicóloga com formação em Terapia Cognitivo Comportamental. Pedagoga e Psicopedagoga. RESUMO O presente relato de caso clínico aborda um tratamento de anorexia nervosa de uma adolescente, através da terapia cognitiva – comportamental. O processo terapêutico foi construído através de uma aliança terapêutica que permitiu a expressão de sentimentos e a reestruturação de comportamentos e pensamentos disfuncionais que desencadearam e mantiveram o sintoma. Através dessa experiência procura-se mostrar os padrões de funcionamento da paciente através do seu histórico de vida, seu quadro clínico em relação à anorexia nervosa, seu diagnóstico e as mudanças em decorrência do tratamento. PALAVRAS CHAVES: Transtorno Alimentar; Anorexia Nervosa; Terapia CognitivoComportamental e Imagem Corporal. ABSTRACT: The present clinical case approaches a female teenage Nervous Anorexy treatment Cognitive Behavioral Therapy. The therapeutical process was constructed through a therapeutical alliance that allowed the expression of feelings and the reorganization of behaviors and dysfunctional thoughts that had unchained and kept the symptom. Through this experience the functioning standard patient was shown considering its life history, clinical state regarding nervous anorexy, the diagnosis and the treatment result changes. KEY WORDS: Eating disorder; Nervous Anorexy; Cognitive Behavioral Therapy e Body Image. INTRODUÇÃO Perseguir a magreza a todo custo, extrapolar os limites do corpo em suportar a falta de comida, combustível para seu funcionamento, pondo em risco a saúde, aliados a disfunção emocional e alteração da imagem corporal pelo medo mórbido de engordar, dão o contorno desse transtorno alimentar. A anorexia nervosa (AN) afeta em sua maior parte pessoas jovens (entre 15 e 25 anos), e do sexo feminino (95% dos casos ocorrem em mulheres). (ABREU & CANGELLI, 2005). 1 Como uma colcha de retalhos que vai tomando suas formas aos poucos, a partir de pedaços, assim, pode ser comparado o instalar da anorexia nervosa. De acordo com NUNES (2002), predisposições genéticas aliadas a um evento estressante vão desenhando por pedaços o aparecimento dos sinais e sintomas que incidem por marcar o corpo e o emocional. O resultado pode ser um corpo percebido pela sua magreza aparente, resultado de comprometimentos biológicos, psicológicos e sociais. Esta foi à primeira impressão da paciente, uma figura marcada pela magreza aparente. “O modelo multifatorial parece ser o modelo etiológico mais aceito atualmente para explicar a gênese e a manutenção dos transtornos alimentares”. (NUNES, 2002, p.57). O seu início pode ser observado pelo ato de restringir a alimentação, geralmente relacionado com a adolescência, suas mudanças corporais, psicológicas e sociais. (ABREU, 2001). O comportamento alimentar caracteriza a forma como se come em uma família, cultura ou condição social. Como tal é aprendido, mas em uma análise mais profunda, representa uma herança filogenética que envolve as sensações de fome e saciedade. (CORDÁS, 2004). A anorexia nervosa é um tipo de Transtorno Alimentar que envolve "severas perturbações no comportamento alimentar" do indivíduo, sendo sua principal característica o medo mórbido de engordar. (APA, 1994). O medo mórbido de engordar assume domínio na forma de pensar da pessoa e não é aliviado pelo emagrecimento. Quanto mais a pessoa emagrece, o medo de engordar aumenta. Tamanha é a distorção de imagem, que mesmo diante de uma aparência cadavérica a pessoa se vê gorda ou com partes gordas, negando suas condições, por incapacidade de formar um julgamento real sobre si mesma. (KAPLAN & SADOCK, 1993). Um corpo que por distorções passa a ser visto e avaliado como gordo, ou com partes gordas, que não se recuperam diante da mais absoluta magreza, pois, é o resultado de um conjunto de distorções que foram registradas desde muito tempo e que encontram o momento certo para se expandir e dar forma ao transtorno em questão. Marcadamente notória é a transformação corporal que em cada etapa da vida vai modificando o corpo, sua forma e emocionalmente, construindo uma imagem que pode ou não corresponder ao desejado. Para Schilder (1994), a imagem corporal é a figura de nosso próprio corpo que formamos em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se nos apresenta. (CORDÁS, 2004). Para NUNES (2002), a etiologia da anorexia nervosa é multifatorial, incluindo fatores biológicos, genéticos, interpessoais, familiares e sócio culturais no desenvolvimento e manutenção do distúrbio. O início da anorexia nervosa é mais comum durante a adolescência, é frequentemente vista como uma interrupção do desenvolvimento biopsicológico. Os pacientes são tipicamente introvertidos, obsessivos e perfeccionistas por natureza. São auto realizadores em excesso, mas sentem-se ineficientes. A baixa auto estima é comum. A patologia familiar é caracterizada por confusões, excesso de proteção, rigidez e não resolução de conflitos. O desenvolvimento do distúrbio pode ser visto como uma tentativa de ganhar controle e autonomia. As conseqüências para o organismo podem ser catastróficas em alguns casos, letais. Porém, todo este quadro parece ser ignorado pela pessoa e comer passa a conter todas as respostas emocionais as diferentes frustrações que por generalização obtém ganhos secundários, que perpetuam e agravam a doença e as relações familiares e sociais. A partir daí, ou mesmo antes, começa-se a observar as comorbidades associadas que podem tornar o quadro irreversível ou difícil de ser contornado. Os pacientes com anorexia nervosa manifestam sintomas de depressão e ansiedade, que podem ocorrer, em parte, por estresse 2 psicológico. (APA, 1994). Em relação às características psicológicas observadas, ABREU e CANGELLI (2005), apontam como as mais freqüentes: a) baixa auto estima; b) sentimento de desesperança; c) desenvolvimento insatisfatório da identidade; d) tendência a buscar aprovação externa; e, finalmente, f) conflito com autonomia versus independência. No que concerne às cognições, ARANDA (2007), descreve três áreas principais: 1) cognições negativas com relação à alimentação e o peso; 2) cognições e valorações negativas com relação à própria imagem e aparência corporal; 3) baixa auto estima com relação a si mesmos. Dos pensamentos irracionais, destacam-se: pensamentos polarizados, supergeneralizações, catastrofismo, filtragem e leitura do pensamento. No presente estudo, esses padrões são observados na dificuldade para comer e em relação ao medo de engordar. O ganho de peso representa um fracasso no balé e em outras áreas da vida. E, são intensificados e mantidos por pensamentos distorcidos em torno do controle de peso e imagem corporal danificada. Quando se estabelece trabalhar de forma terapêutica com a anorexia nervosa, a construção de uma aliança terapêutica entre a pessoa e o terapeuta constitui, nesse estudo de caso a base fecunda para as relações de mudança observadas. O significado de limite para a pessoa, torna-se difícil de ser estabelecido, as negociações para manipular e fazer valer a sua negação, tornam frágil está relação e exigem do terapeuta uma posição clara em que posiciona a pessoa diante da sua realidade e a partir daí começa-se a refazer a colcha de retalhos, retirando-se o que está disfuncional nesse contexto e apontando perspectivas sólidas de mudança viáveis e sua conseqüente manutenção. Objetivando que a pessoa entenda a sua distorção e se empenhe a validar um corpo saudável e entender as fronteiras emocionais que são armadilhas para esta condição. Nesse estudo de caso procurou-se mostrar de forma descritiva, à condução terapêutica embasada na abordagem cognitivo-comportamental de um caso típico de anorexia nervosa. O resultado aponta para mudanças significativas na vida da pessoa e a aliança terapêutica criou as condições favoráveis a esse desfecho. DESENVOLVIMENTO Sendo a anorexia nervosa um quadro complexo dentro dos transtornos alimentares, podemos focar o nosso olhar clínico em várias direções na tentativa de encontrar dentre as condições multifatoriais que a predispõe, um ângulo para estabelecer a leitura clínica de um caso e de onde procuramos extrair um conjunto de sinais e sintomas presentes que explicam a trajetória de nossa paciente em estudo. Na década de 60 a anorexia nervosa foi reconhecida como síndrome psiquiátrica específica, dado o grande número de casos identificados, distinguindo assim de outros transtornos. Já na década de 70 foram introduzidos os primeiros critérios diagnósticos da anorexia nervosa que incluíam a descrição de alterações psicoendócrinas do comportamento alimentar. Desde então os critérios vem sendo periodicamente revisados para contemplar dados atualizados de pesquisas e estudos sobre essa patologia. (NUNES, 2002). O início da anorexia nervosa, via de regra, começa a partir de uma dieta restritiva e persistente [...]. O quadro costuma ter como fator desencadeante algum evento significativo, como perdas, separações, mudanças, doenças orgânicas, ou outro fator estressante para a paciente e\ou sua família [...]. Aos poucos, a pessoa passa a viver exclusivamente em função da dieta, da comida, do peso e da forma corporal. (NUNES, 2002, pág.25) 3 De acordo com Abreu (2001), um olhar mais amplo em mais de cem estudos, somente cerca de 50% das pacientes se "recuperam totalmente" (e isto quer dizer o restabelecimento do peso, a normalização dos comportamentos alimentares e o retorno da menstruação regular). Outros 30% experimentam uma recuperação parcial caracterizada por algum tipo de resíduo ou distúrbio no comportamento alimentar e pela falta de habilidade para manter o peso normal. E, finalmente, nos 20% restantes, a doença assume uma forma crônica, não apresentando qualquer sinal de remissão. 1. DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DO ATENDIMENTO A.M., sexo feminino, 15 anos, aluna do 2º ano do Ensino Médio de uma Escola Técnica, no qual, é aluna destaque pelo desempenho e resultados obtidos até então. Escolheu a escola pelo alto nível de exigência, que acredita, contribuirá no seu desempenho frente ao vestibular, sendo que ainda não sabe o que vai cursar. No contra-turno da escola, A.M. é aluna de Balé e sonha com uma vaga numa escola tradicional de padrão internacional na Cidade. Concentra esforços nos treinamentos para a prova no final de ano na Escola de Balé. Faz aulas de Balé em uma academia tradicional de alto padrão da cidade, com uma professora de alto nível técnico e rigor nos treinamentos. Segundo A. M. quando suas alunas não mostram bom desempenho ou estão com corpo acima do peso para os padrões de Balé, coloca para dançar atrás. Isso se refere a uma interpretação da paciente em questão, representando sua observação das aulas. Quando a referida paciente que sempre dançou na frente, foi colocada pela professora para trás, interpretou a questão como estando acima do peso para as condições de Balé, tomando como uma ordem, as sugestões da professora em relação aos cuidados com o corpo e a alimentação, indispensáveis para um bom desempenho no concurso. A partir daí começa sua restrição alimentar, que evolui de simples cuidados a restrição em comer ou purgação posterior e compulsão por atividade física. 2. HISTÓRIA PREGRESSA Dados da Infância: A.M. é a caçula de 3 filhos, sendo a única mulher. Criada em um ambiente tranqüilo prevalecendo todos os cuidados, que em alguns momentos, foram exagerados, com excelência em apresentar a menina sempre limpa e arrumada. O treino de banheiro, segundo relato da mãe, foi adequado, porém, é possível observar excesso de cuidados em relação às trocas, ao ambiente esterilizado, com cuidados para não se sujar ou permanecer muito tempo suja. A mãe e avó estavam sempre atentas a estes cuidados. A alimentação é outro fator importante. Foi amamentada até aproximadamente 2 anos. A introdução da alimentação foi normal, teve boa aceitação. A mãe relata que A.M. sempre foi de comer pouco, seletiva em relação aos alimentos e resistente em aceitar provar novos alimentos. A mãe tinha sempre a preocupação de oferecer alimentos variados, baseada nessa sua observação de que comia pouco. Porém, observa-se comportamento da mãe (padrão familiar), apreciação por cozinhar, fazendo desse, base para trocas afetivas com os filhos e outras pessoas. Uma mãe ansiosa, excessivamente envolvida em cuidados e atenção para com a filha, com auto exigência de corresponder às expectativas de uma boa mãe. O pai, em função da extensa jornada de trabalho e considerando o fato de residirem em São Paulo (até a idade de 5 anos da paciente quando mudaram-se para Joinville-SC), parece mais ausente na relação familiar. Ficando ao encargo da mãe, o cuidado e a maior atribuição na educação dos filhos. A mãe é professora e trabalha meio período, durante o qual A.M. ficava aos cuidados da avó materna. 4 Em função desses cuidados e da diferença de idade dos irmãos (5 e 7 anos de diferença), foi sempre muito mimada, paparicada por todos, que acabavam fazendo todas as sua vontades. Os médicos colocaram aos 2 anos de idade que tinha sopro inocente no coração, diagnóstico de pouca gravidade que se reverteria ao longo do tempo sem necessidade de tratamento e intervenção. Mas, que estimulou cuidados excessivos por parte da mãe e avó. A mãe preocupava-se como fato de ser pequena em relação aos irmãos e amigos da mesma idade, levando-a ao endocrinologista que fez acompanhamento até 5 anos em São Paulo e a partir daí em Joinville. Realizou exames da glândula tireóide e de idade óssea. Em relação à tireóide, foi identificado um nódulo (adenoma folicular), ao qual foi submetida à extração cirúrgica aos 11 anos. Os exames de idade óssea foram considerados dentro da normalidade. Aos 4 anos iniciou na escola infantil com bom desempenho e adaptação, no Balé e também natação. Aos 5 anos a família mudou-se para Joinville/SC em função de atividade profissional do pai. O período de adaptação de A.M. na nova cidade, com amigos, escola e atividades, foi marcado por dificuldades, segundo a mãe. Relata, a partir daí comportamento mais retraído da filha, com dificuldade para fazer amizades e adaptação à escola. Começa amizade com uma menina da rua que tem comportamento de valorização da estética e que apesar da pouca idade faz regimes, usa maquiagem e roupas de adulto, seguindo as inclinações de sua mãe. A mudança de cidade não interferiu no rendimento escolar, somente na adaptação ao meio e aos colegas. Mesmo apresentando uma inteligência média na faixa regular, alguns estudos sugerem que as anoréxicas possuem níveis mais altos no seu resultado escolar e envolvimento acadêmico, o que sugere que o perfeccionismo nelas presente não se limita a temas relacionados apenas com comida e forma corporal. Na adolescência, a questão de ser mignon passa a incomodar. Enquanto suas colegas desenvolvem um corpo de mulher, A.M. sente-se excluída do meio, não sendo chamada para programas do seu grupo e quando participa, percebe-se deslocada com corpo e altura infantil e desenvolvimento desigual em relação à turma, optando por manter-se a parte dessa participação. Então, coloca no Balé toda a sua expectativa em sobressair-se e ser admirada no meio. Dada a sua dedicação é apontada por professores como um talento promissor e também por apresentar um perfil adequado a essa atividade. Por incentivo da professora e interesse pessoal começa a pleitear a entrada para um grupo seleto de uma escola internacional e tradicional de Balé da cidade, cujo teste de admissão é tecnicamente rigoroso. Na primeira tentativa é reprovada. Coloca que teve um resfriado na semana anterior à seleção, impedindo-a de ensaiar e no dia estava fraca, tonta e debilitada, contribuindo com desempenho insuficiente. Resolve então, no ano seguinte, dedicar mais horas ao treino de Balé, comprometendo suas tardes. A exigência pessoal é intensa, estudando pela manhã em uma escola técnica de nível elevado, as tardes comprometidas com as aulas de Balé e teatro e as noites com aulas de inglês e natação. O tempo todo preenchido, afastando-a do contato social, com dedicação exclusiva, tornando-se refratária ao social. O estado de tensão e a necessidade de manter-se perfeita em tudo são observados na família por mudanças no comportamento de impaciência, impulsividade, insegurança quanto ao desempenho, instabilidade de humor, choro fácil e início da privação alimentar. Começou a perder peso de forma muito rápida e intensa e a endocrinologista que a acompanhava encaminhou-a ao psiquiatra com suspeita de Anorexia Nervosa. Iniciou tratamento com renomado psiquiatra da cidade que concluiu diagnóstico. Foi medicada com 5 Paroxetina e Ziprexa por aproximadamente 2 anos. No quinto mês de tratamento com psiquiatra foi encaminhada a psicologia e a nutricionista. Segundo psiquiatra o encaminhamento a outros profissionais sofreu pela demora pela sua resistência em aceitar o seu diagnóstico e os outros profissionais. Padrão Familiar: A.M. é de família de tradição italiana, que se observa na educação com valores morais e padrão familiar marcado por reuniões regadas a boa mesa. Durante o tratamento de A.M., em visita familiar, foi possível constatar a forte influência da comida na união da família e na recepção social. As refeições são marcadas por uma mesa farta, com muita variedade. A insistência em comer e se fartar é vivida como algo corriqueiro, pois, dada à variedade da mesa, provar cada um dos alimentos expostos já compromete o que seria uma refeição com quantidades adequadas e variadas. Posteriormente, em investigação com a paciente, percebe-se que aquele não é propriamente uma condição especial para uma boa recepção, mas que representa o cotidiano. A mãe tem nessa família um papel centrado na nutris e se esmera em fazer cumprir esse papel. Podemos estabelecer que a história de vida da pessoa, que comporta seu modelo familiar, social e características pessoais, influencia a formação dos padrões cognitivos que desencadeiam a anorexia nervosa e contribuem para a sua manutenção. Para ITO,1998, um ambiente familiar com pouca intimidade e com auto grau de exigência dos pais, é observado na relação das anoréxicas. Pais muito envolvidos, ansiosos, acabam por não confiar nas estratégias de enfrentamento dos filhos e os vêem como frágeis incapazes de lidar com as situações de forma independente. Em relação a paciente do caso em estudo, podemos estabelecer como uma das possíveis hipóteses, um ambiente familiar de alta exigência que valoriza cuidados e resultados. Exigências do meio e características de sua personalidade reforçam padrão de funcionamento auto-exigente, perfeccinista, centrado em resultados quanto ao seu desempenho. Repertório insuficiente para lidar com expectativa de desempenho, perdas e fracassos, onde pensamentos disfuncionais produzem interpretações catastróficas que a tornam vulnerável às demandas do meio. 3. HISTÓRIA ATUAL A.M. buscou tratamento por insistência dos pais. Inicialmente estava resistente e oscilava em admitir seu diagnóstico. Considerava que era capaz de ter controle sobre a alimentação e administrava o peso em função do Balé. As contradições eram observadas quando expunha seu sofrimento diante da dificuldade de comer, o nojo da comida e os pensamentos que invadiam (em alguns momentos pareciam alucinações), sobre o medo de engordar e a raiva de não poder participar do processo seletivo para a tão sonhada escola de Balé (os pais e o médico intervieram impedindo-a de participar da seletiva dado o seu estado de saúde). Seu estado físico dava conta de 30 kg, distribuídos em 1m 43cm correspondendo a um IMC > 14. Nesses 5 meses de tratamento já tinha recuperado 3 kg. Via-se gorda e seu ponto de medida era a barriga. A mãe estava cuidando da alimentação, proposta feita pelo médico para não ser internada. Comia chorando, mas não conseguia mais vomitar. Após alimentar-se por orientação do médico, permanecia sentada por uma hora e foi afastada do Balé e da natação. Apresentava amenorréia por 8 meses, pele descamada com penugem, olheiras e 6 relatava fraqueza. O tratamento psicológico com A.M na abordagem cognitivo-comportamental foi de aproximadamente dois anos. Sendo um ano de sessões semanais com a paciente e quinzenais com os pais, seis meses de acompanhamento quinzenal com a paciente e bimestral com os pais e nos seis meses seguintes, sessões de acompanhamento mensal trimestral e semestral. Mostrou-se resistente nos primeiros contatos, passando a interagir com o tratamento com aproximações lentas e graduais. Com ênfase na aliança terapêutica, somente a partir do terceiro mês começou a demonstrar interesse pela terapia e confiança no tratamento, sendo que a psicoeducação e o diário alimentar foram fundamentais nesse processo inicial. Quando da apresentação dos inventários BAI e BDI (CUNHA, 2001), apresentou resultados leves quanto à ansiedade e moderado para a depressão. No Teste de Atitudes Alimentares - Eating Attitudes Test – EAT (GROSS, 1986), pontuou maior parte dos itens em frequentemente (F), atribuindo valor significativo a sua preocupação com alimentação e peso. Na investigação dos desencadeantes da anorexia nervosa, verificou-se que pensamentos distorcidos em relação ao Balé, estão na base dessa predisposição. A.M. interpretou que durante as aulas de Balé, a professora colocava para dançar atrás ou atribuía menos interesse pelas alunas acima do peso ou com baixo desempenho. A partir do momento que em uma montagem foi escalada atrás, iniciou a derrocada em relação ao seu desempenho no Balé e restrição alimentar. Sentimentos depressivos e de menos valia começaram a figurar nas suas ações interferindo de forma generalizada no seu comportamento a partir de então. Com um ano de tratamento foram reaplicados os inventários BAI e BDI e observou-se que os resultados do BDI melhoraram, obtendo classificação leve da mesma forma que o BAI. Durante o processo a ênfase foi no vínculo terapêutico, tornando o espaço e o tempo da terapia propício a expressão de seus sentimentos e utilizando técnicas de reestruturação cognitiva como forma de atribuir significado diferente a forma de pensar sobre comida, peso e imagem corporal. Experimentação de outras formas de se comportar diante da escola e dos colegas, buscando outros meios de obter gratificação que não somente o resultado das notas e desempenho. Busca por atitudes sociais mais flexíveis com participação em grupos variados, atividades diversas. Sua condição em lidar com frustrações e perdas, entendendo melhor seu traço perfeccionista. Mudança no comportamento de superproteção e padrão alimentar dos pais, para uma postura mais flexível depositando confiança na paciente. Observamos também o retorno da menstruação e a melhora do humor e do ritmo das atividades. Retornou as aulas de Balé, integrando-a na sua vida como prática de lazer, reestruturou o significado do Balé na sua vida, optando por não realizar o teste para a escola de Balé. Desistiu da natação, terminou o módulo de teatro e seguiu com o curso técnico. Verificou-se um maior empenho em construir amizades e praticar atividades típicas da sua turma como: dançar, festinhas, cinema, shopping, entre outros. 4. AVALIAÇÃO MULTIAXIAL – DSM-IV-TR. Um sistema multiaxial oferece um formato conveniente para organizar e comunicar informações clínicas, para captar a complexidade de situações clínicas e para descrever a heterogeneidade dos indivíduos que se apresentam com o mesmo diagnóstico. (DSM-IV-TR, 1995, p. 27). EIXO 1 307.1 Transtorno Alimentar – Anorexia Nervosa 7 296.22 Características de Transtorno depressivo Maior e EIXO 2 300.00 V 71.09 Transtorno de Ansiedade Nenhum diagnóstico – característica Dependente e Perfeccionista. EIXO 3 240- 279 EIXO 4 EIXO 5 AGF 68 Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas e Transtornos da imunidade – Adenoma folicular (nódulo do lado direito da tireóide com características benignas), dados - Ultrassom Nenhum Diagnóstico Início AGF 88 Final do tratamento de Personalidade 8 5. DIAGRAMA DE CONCEITUALIZAÇÃO COGNITIVA Crença Nuclear : Sou vulnerável; Sou frágil; Sou incapaz; Sou dependente; Não consigo controlar a fome; Tenho que ser a melhor. Suposições / Crenças / Regras Condicionais Se sou vulnerável, então tenho que ser cuidada; Se não for a melhor, então serei excluída; Se não consigo controlar a fome, então sou frágil/fraca. Estratégia Compensatória: Resistência – isolamento- perfeccionismo. Situação 1 Situação 2 Situação 3 Na aula de Balé Recusa em comer Relação com a mãe Pensamento Automático Pensamento Automático Pensamento Automático “Quem dança atrás está “A mãe gosta de cozinhar, “Tenho medo de comer e engordar” acima do peso” como para não desapontá-la” Significado do P.A. Significado do P.A. Significado do P.A. Exclusão Vulnerabilidade Fraqueza Emoção Emoção Emoção Tristeza Comportamento Ansiedade Comportamento Descontrole Comportamento Isolamento, desempenho baixo Comer e vomitar Não comer 6. DIFICULDADES QUANTO AO MANEJO Inicialmente, apresentou-se desconfiada e insegura quanto à aceitação do tratamento, que segundo seu psiquiatra resultou na demora para o encaminhamento psicológico. E, quando em terapia, a dificuldade para aceitar seu diagnóstico e tratamento. Dessa forma a anorexia nervosa é um quadro complexo dentre os transtornos psiquiátricos e a resistência do paciente é um desafio ao profissional. A resistência se 9 apresenta na recusa ao tratamento, e quando em tratamento as orientações referentes ao caso. Manter-se magro é um apelo que se veicula na mídia todos os dias, com exposição de bem estar, felicidade, sucesso a quem se mantém magro. Dessa forma, as fronteiras entre o magro saudável e magro doente são tênues e desequilibram emocionalmente as estruturas internas do indivíduo e as recaídas são uma preocupação constante. Poucos são os estudos sobre anorexia e os profissionais relatam a dificuldade de aderência ao tratamento e conseqüentemente as mudanças necessárias. A anorexia nervosa caracteriza-se por um padrão de comportamento alimentar disfuncional em que o controle sobre o peso passa a representar a razão ou o objetivo central da vida. No caso em estudo, verificou-se que a paciente apresentava uma imagem corporal distorcida e auto-estima danificada frente a uma identidade ainda indefinida e fragmentada pelas exigências circunstanciais. A pouca disposição para aceitar e progredir no tratamento, vem da sua negação de se aceitar como doente e do controle onipotente para lidar com a situação. Quando da aceitação de ajuda, essa se anuncia ambivalente e cheia de negociações para driblar as estratégias de enfrentamento da alimentação e conseqüentemente, de peso, temendo engordar. Esse padrão apresentado pela paciente, inicialmente dificultou o processo de recuperação e aumentou sua refratariedade. Em relação ao padrão familiar, a dificuldade de manejo da situação vem da superproteção que intensifica ganhos secundários diante da posição de vitimização. Outro fator importante é a cultura da família quanto ao hábito alimentar de disponibilizar uma mesa farta que intensifica o medo de comer e conseqüentemente de engordar, que foi substituído por um modelo menos aversivo na interpretação da paciente. Á medida que foi estabelecendo um vínculo com a terapia e com a terapeuta foi possível progredir no tratamento. A psicoeducação, através de leitura de textos, filmes, técnicas de desenho de auto-imagem, o diário alimentar e pesquisa de padrão de comportamento alimentar entre outros, possibilitou enfrentar a refratariedade e obter resultados mais expressivos no processo terapêutico. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com ABREU e ROSO (2003), a adolescência, por si só, oferece um campo propício para condutas de risco de qualquer espécie. Sabemos que são próprios da adolescência o pensamento onipotente, a impulsividade, a necessidade de experimentar novas sensações, uma maior vulnerabilidade aos apelos da mídia, preocupações com o corpo e certa deturpação da imagem corporal. Além disso, faz parte do processo normal da adolescência a busca de uma nova identidade. Questões existenciais se colocam na adolescência, na forma de indagações do tipo “quem sou eu?”, “que profissão seguirei?”, “com quem quero me parecer?”. Isso implica um movimento de diferenciação e de separação, gerador de muita angústia e que podem predispor algum transtorno. Em relação a A.M, observou-se ao fim do tratamento uma melhora considerável na capacidade de gerenciamento das suas funções referente ao transtorno alimentar. Em 2008, quando da possibilidade da escrita desse artigo, em contato com a mãe da paciente para comunicá-la, essa colocou que A.M após grande esforço para passar no vestibular de medicina e com resultado negativo voltou a apresentar sintomas de ansiedade e depressão, com dificuldades na alimentação. Houve por parte da paciente e dos familiares entendimento do quadro e a mesma voltou a procurar tratamento psiquiátrico, tomou medicação por mais 5 meses e melhorou. No momento da conversa estava em São Paulo preparando-se para novo vestibular de medicina e relatava estar bem. No estudo de caso em questão, a construção de uma aliança terapêutica sólida, permitiu rebaixar os sentimentos ambivalentes em relação ao tratamento. Um espaço seguro 10 para expressar sentimentos, sobretudo a raiva, aliados ao entendimento de ser compreendida pelo terapeuta e, portanto, não ter sido frustrada por esse inicialmente, permitiu que os pedaços da sua colcha dispostos sob a forma de seu comportamento patológico fosse analisado dando espaço para a construção de outras interpretações e atitudes. O sentimento referente a si mesma, o mundo e aos outros foram expandidos para dar conta de novos desafios e enfrentamentos de situações consideradas problemas ou evitativas. Os fragmentos de comida foram dando espaço para novas experiências em administrar uma alimentação mais adequada as suas necessidades, aprendendo a reestruturar cognitivamente a sua relação com a comida e seus significados. Ousar desafiar os parâmetros de imagem corporal que tinha, deixando o corpo desenvolver e tomar sua forma. Enfrentando o medo que reside na fobia de engordar. Gostar de si representa uma definição para auto estima. Então extrapolar os critérios de avaliar-se e criticar-se por padrões seletivos rígidos e apreciar-se por um todo que reúne o que gostamos ou não em nós, o que podemos ou não mudar e o quanto nos sentimos bem por aceitar quem somos, foram tratados de forma a libertar o corpo e os sentimentos sobre ele. Aumento da capacidade de enfrentamento e exposição a situações temidas e carregadas de tensão, com respostas as pressões ambientais mais adaptativas e funcionais. A mudança de objetivos de vida, pela experimentação de atividades típicas da sua turma, estratégia para interagir com o social e conquistar amigos pela habilidade interpessoal, exercendo assertividade. Postura familiar mais flexível e de respeito as suas necessidades, foram permitindo outras conquistas até então desejadas, mais para as quais faltavam permissão e desenvolvimento de recursos para alcançá-las. Ao final do tratamento, eram visíveis as mudanças no estado de humor e interação social, reforçados pelos comentários de amigos, professores e familiares. O conteúdo da terapia estava voltado para as conquistas e os recursos para chegar lá. Falava de suas emoções reconhecendo e validando seus sentimentos, desafiando expressá-las com a perspectiva de se ver por outros ângulos que não o patológico. Mostrando através dessas reações uma melhora no quadro geral. Salvo as devidas especificidades do caso abordado, esse estudo permite reflexão sobre o tratamento clínico da anorexia nervosa na clínica. Dessa forma, algumas das orientações práticas aqui discutidas podem contribuir e dessa forma serem úteis para reforçar as estratégias quanto à viabilidade de tratamentos para a anorexia nervosa, assim como, reforçar os estudos sobre o tema que é escasso na literatura. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, C. N. Psicoterapia Construtivista: o novo paradigma dos modelos cognitivistas. In: RANGÈ, B. (Org.), Atualizações em Terapia Cognitivo-Comportamental. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. ABREU, C. N.; ROSO, M. (Orgs.). Psicoterapias Cognitiva e Construtivista: novas fronteiras da prática clínica (p. 35-50). Porto Alegre: Artes Médicas, 2003. ABREU, C. N., CANGELLI FILHO, R.. Anorexia nervosa e bulimia nervosa: a abordagem cognitivo-construtivista de psicoterapia. Psicol. teor. prat. [online]. jun. 2005, vol .7, no. 1, p. 153 - 165. Disponível em: WorldWideWeb:<http://pepsic.bvspsi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516- 11 36872005000100012&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1516-3687. 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