Módulos 4, 5, 6 e 7 Andrea Thompson Da Poian Debora Foguel Marílvia Dansa Petretski Olga Lima Tavares Machado Bioquímica II Volume 2ª edição 2 Bioquímica II Volume 2 - Módulos 4, 5, 6 e 7 2a edição Andrea Thompson Da Poian Debora Foguel Marílvia Dansa Petretski Olga Lima Tavares Machado Apoio: Fundação Cecierj / Consórcio Cederj Rua Visconde de Niterói, 1364 – Mangueira – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20943-001 Tel.: (21) 2299-4565 Fax: (21) 2568-0725 Presidente Masako Oya Masuda Coordenação do Curso de Biologia UENF - Ana Beatriz Garcia UFRJ - Masako Oya Masuda UERJ - Cibele Schwanke Material Didático Departamento de Produção ELABORAÇÃO DE CONTEÚDO Andrea Thompson Da Poian Debora Foguel Marílvia Dansa Petretski Olga Lima Tavares Machado EDITORA Tereza Queiroz COORDENAÇÃO EDITORIAL COORDENAÇÃO E REVISÃO Jane Castellani Ana Tereza de andrade REVISÃO TIPOGRÁFICA DESIGN INSTRUCIONAL E REVISÃO Jane Castellani Kátia Ferreira dos Santos Alexandre Rodrigues Alves Carmen Irene Correia de Oliveira José Meyohas COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO COORDENAÇÃO DE ILUSTRAÇÃO Eduardo Bordoni ILUSTRAÇÃO Jefferson Caçador Salmo Dansa Sami Souza CAPA Eduardo Bordoni REVISÃO TÉCNICA Jorge Moura PRODUÇÃO GRÁFICA Marta Abdala PROGRAMAÇÃO VISUAL Andréa Dias Fiães Fábio Rapello Alencar Equipe CEDERJ Copyright © 2004, Fundação Cecierj / Consórcio Cederj Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Fundação. D111b Da Poian, Andrea Thompson. Bioquímica II. v. 2 / Andrea Thompson Da Poian. -- 2.ed. – Rio de Janeiro : Fundação CECIERJ, 2007. 270p.; 19 x 26,5 cm. ISBN: 85-89200-46-9 1. Respiração celular. 2. Ciclo de Krebs. 3. Metabolismo de aminoácidos. 4. Uréia. 5. Metabolismo de carboidratos. 6. Degradação. Sintese de ácidos. 7. Glicose. 8. Biossintese. 9. Insulina. 10. Glicocorticóides. I. Foguel, Debora. II. Petretski, Marílvia Dansa. III. Machado, Olga Tavares. IV. Título. CDD: 572 2007/2 Referências Bibliográficas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT. Governo do Estado do Rio de Janeiro Governador Sérgio Cabral Filho Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação Alexandre Cardoso Universidades Consorciadas UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO Reitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Reitor: Aloísio Teixeira UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Reitor: Nival Nunes de Almeida UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO Reitor: Ricardo Motta Miranda UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Reitor: Roberto de Souza Salles UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Reitora: Malvina Tania Tuttman Bioquímica II SUMÁRIO Volume 2 - Módulos 4, 5, 6 e 7 Módulo 4 Aula 12 - Respiração celular ____________________________________ 7 Aula 13 - Ciclo de Krebs - Parte 1 ______________________________ 17 Aula 14 - Ciclo de Krebs - Parte 2 ______________________________ 29 Aula 15 - Metabolismo de carboidratos I _________________________ 51 Aula 16 - Metabolismo de carboidratos II ________________________ 65 Módulo 5 Aula 17 - A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia _________ 83 Aula 18 - Ciclo da uréia______________________________________ 95 Aula 19 - Metabolismo de aminoácidos ________________________ 103 Módulo 6 Aulas 20 / 21 - Degradação de lipídeos _______________________ 115 Aulas 22 / 23 - Síntese de ácidos graxos _______________________ 135 Módulo 7 Aula 24 - Via das pentoses-fosfato ____________________________ 149 Aula 25 - Degradação do glicogênio ___________________________ 159 Aula 26 - Biossíntese do glicogênio ___________________________ 167 Aula 27 - Regulação do metabolismo do glicogênio _______________ 175 Aula 28 - Introdução à gliconeogênese _________________________ 187 Aula 29 - A via gliconeogênica _______________________________ 199 Aula 30 - Regulação da gliconeogênese ________________________ 211 Aula 31 - Introdução aos hormônios ___________________________ 223 Aula 32 - Glucagon e adrenalina _____________________________ 235 Aula 33 - Insulina e glicocorticóides ___________________________ 249 Gabarito _______________________________________________ 265 AULA Respiração celular 12 BIOQUÍMICA II | Respiração celular DA ANTIGUIDADE AO INÍCIO DA MODERNIDADE A Química da Antiguidade é essencialmente uma técnica: fabricação de cores, de bebidas fermentadas, de preparação de metais etc. Alguns produtos, como a cal e o enxofre, já eram conhecidos. Nessa época, os homens assumiam que a natureza era composta por quatro elementos fundamentais: fogo, ar, terra e água (os quatro elementos de Aristóteles); estes quatro elementos estavam associados a quatro qualidades: calor, frio, secura e umidade. No fim da Antiguidade surge a Alquimia (século IX). O grande Figura 12.1: Símbolo alquímico. Uma cobra devorando a própria cauda. O círculo formado simboliza o infinito. objetivo dos alquimistas era a busca do ouro, a transmutação dos metais. A interpretação das reações químicas acontecia através de um “pensamento mágico”. Apesar do seu misticismo, a Alquimia teve um papel central no progresso da Química. Figura 12.2: Um laboratório alquímico. A vontade de experimentar se acentua em meados do século XVII. A noção de ácido (chamado spiritus salis por Livabius) é um pouco mais bem definida por Robert Boyle. O antagonismo entre ácidos e bases é mais bem estudado. A existência dos gases é revelada (chamado spiritus sylvestris ou espírito indomável por Van Helmont). Torricelli e Pascal demonstram a existência do vácuo. Os “químicos” dessa época começaram a duvidar se as substâncias seriam compostas apenas pelos quatro elementos e tentaram explicar por que quando um corpo queimava suas propriedades físicas e químicas se alteravam. 8 CEDERJ 12 MÓDULO 4 AULA Surgiu, então, em 1760, a Teoria do Flogístico ou Princípio do Fogo, postulada por Georg Ernst Sthal, que unificava o pensamento da época. Esta teoria propunha que todo corpo suscetível à combustão contém um princípio de inflamabilidade (flogístico) que era liberado durante a queima. Assim, o flogístico existia não só na matéria inanimada como também nos seres vivos. Neste caso, o flogístico ou alma da matéria seria liberado durante a respiração no decorrer da vida, levando ao envelhecimento. E E P P TERRA (Pobre em flogístico) P METAL (Rico em flogístico) FOGO (Flogiston) Figura 12.3: Representação resumida da Teoria do Flogístico. A Terra era considerada um elemento pobre em flogístico, enquanto o metal era um elemento rico em flogístico. Outra verdade da época era a concepção de que o ar era único. Contudo, já se faziam referências quanto à qualidade do ar, atribuindo-se características de ar bom (deflogisticado) e ar ruim (flogisticado), encontrados nas montanhas e em ambientes confinados, respectivamente. CEDERJ 9 BIOQUÍMICA II | Respiração celular LAVOISIER Nesse contexto, o francês, economista e servidor público, Antoine Laurent Lavoisier, iniciou, como hobby, seus estudos na área da Chymica. Tido como conservador e metódico, introduziu métodos de trabalho que lançaram as bases para a química moderna. Graças ao seu poder econômico, pôde montar um laboratório, com instrumentos de precisão bastante sofisticados para a época e, até então, nunca utilizados em pesquisa. Lavoisier, interessado em entender os mecanismos da combustão de diferentes substâncias, realizou diversos experimentos, entre os quais um chamou particularmente sua atenção, conforme o enunciado que se segue: “Por volta de oito dias atrás, eu descobri que o enxofre, ao ser queimado, em vez de perder peso, ao contrário, ganha peso; o mesmo acontece com o fósforo; este aumento de peso se deve a uma prodigiosa quantidade de ar que é fixado durante a combustão e se combina com os vapores. Esta descoberta, que eu tenho estabelecido por experimentos que eu considero como decisivos, tem me levado a pensar que o que é observado na combustão do enxofre e fósforo pode acontecer no caso de todas as substâncias que ganham peso por combustão e calcinação; e eu estou convencido de que o aumento no peso de calxes metálicos é devido à mesma causa.” Nota selada depositada na Secretaria da Academia Francesa em 1º de novembro de 1772. Para saber mais, acesse: Teoria do Flogístico - http://www.hcc.hawaii.edu/hccinfo/instruct/ div5/sci/sci122/atomic/skepchem/phloggen.html Lavoisier: Principais contribuições para a Ciência Moderna - http: //www.lucknow.com/horus/guide/ec109.html#ec1092 Alquimia - http://143.107.237.20/~edsonro/index.htm 10 CEDERJ Figura 12.4: Antoine Laurent Lavoisier, cientista francês considerado o pai da química moderna. Lavoisier foi guilhotinado durante a Revolução Francesa. Para saber mais consulte: http://scienceworld. wolfram.com/biography/ lavoisier.html obtidos, pense sobre o que esses resultados indicam em relação à Teoria do Flogístico. Intrigado com a Teoria do Flogístico, Lavoisier resolve estudála mais profundamente. Realiza experimentos com velas acesas e camundongos confinados em campânulas separadas e hermeticamente fechadas. Observa que os camundongos em pouco tempo morriam e que as velas rapidamente se apagavam. Figura 12.5: Experimento inicial de Lavoisier. Campânulas são cubas de vidro que não deixam passar ar do meio externo para o ambiente onde estão a vela e o rato. Pense sobre isso! A que conclusões você acredita que Lavoisier deve ter chegado? Intrigado com a função química do “ar ruim”, Lavoisier é convidado para participar de uma Reunião Anual da Academia de Ciências da França. Durante o encontro com o professor e presbítero inglês Joseph Priestley, ele ficou bastante interessado nos experimentos do colega, que apresentamos a seguir. CEDERJ 11 12 MÓDULO 4 Conhecendo o contexto em que os resultados de Lavoisier foram AULA Pense sobre isso! BIOQUÍMICA II | Respiração celular Experimentos de Priestley 1. Calcinação Hg + metal de O2 2HgO óxido de oxigênio mercúrio mercúrio 2. Decomposição do óxido 2HgO 2Hg óxido de metal de mercúrio mercúrio + O2 oxigênio 3. Redução com adição de carvão (também chamada de redução com phogistoal) 2HgO + C 2Hg óxido de carvão metal de dióxido de carbono mercúrio (carbono) mercúrio ou “ar fixado” Símbolo utilizado para representar aquecimento brando. 12 CEDERJ Símbolo utilizado para representar aquecimento intenso. + CO2 12 MÓDULO 4 O que você faria se fosse Lavoisier? Paralelamente às experiências de caracterização do “ar bom” e do “ar ruim”, Lavoisier observou que a queima de velas de tamanhos iguais originava velas menores e de tamanhos diferentes quando aprisionadas em campânulas de dimensões variadas. Esse resultado despertou no cientista o interesse em relacionar o tamanho da vela com a liberação do flogiston. Assim, percebeu que o critério de pesar a vela poderia ser de grande utilidade. Com balança de alta precisão, pôde realizar diversos experimentos de medidas de peso e obteve a seguinte tabela: Tabela 12.1: Resultados do peso do sistema vela + ar + campânula antes e após a queima da vela. Peso antes da queima Peso depois da queima CONJUNTO X X VELA + AR* Y < Y (perde peso) CAMPÂNULA W > W (ganha peso) * ar antes = deflogisticado; ar depois = flogisticado Pense sobre isso! Que fenômeno deve estar ocorrendo? A partir desse resultado, Lavoisier formula a seguinte reação: matéria orgânica + ar respirável CO2 + água + calor Lavoisier, dessa forma, postula que “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” ou “a energia não pode ser criada nem destruída, a vida se mantém graças à transformação de energia”. Posteriormente, esta idéia é firmada cientificamente como a Teoria da Conservação das Massas. Nessa época, Lavoisier trabalha com seu aplicado aluno La Place. Nos meses que se seguiram, ambos dedicaram-se a comprovar a idéia de que a combustão da vela e a respiração eram na realidade o mesmo fenômeno. Pense sobre isso! Considerando a reação descrita acima, que componente faltava ser verificado para que Lavoisier e La Place resolvessem esse problema? CEDERJ 13 AULA Pense sobre isso! BIOQUÍMICA II | Respiração celular Após diversas tentativas de observar o calor na forma de luz nos órgãos respiratórios de camundongos e moribundos, Lavoisier percebe que o calor liberado pela respiração não poderia ser medido com os aparelhos que possuía, e resolve construir o equipamento abaixo: 1 2 3 a b Figura 12.6: Calorímetro de Lavoisier e La Place. O aparelho apresenta três câmaras: a mais interna (1) é a câmara que abriga a vela ou a cobaia; a do meio (2) é preenchida por gelo e contém uma saída (a) por onde escoa o gelo derretido pelo calor liberado pela queima ou pela respiração; a câmara mais externa (3), também é preenchida por gelo e apresenta uma saída (b) para escoar o gelo derretido. Este é o calorímetro de gelo de Lavoisier e La Place (Figura 12.6); aparelho utilizado para obter medidas quantitativas do calor produzido durante a queima de uma vela e da respiração de uma cobaia (geralmente utilizavam porquinho-da-índia). Após realizar diversos experimentos com tempos de queima e de respiração fixos, os cientistas obtiveram o seguinte resultado (Tabela 12.2): Tabela 12.2: Relação entre produção de CO2 e peso derretido após a queima de matéria orgânica e a respiração de uma cobaia. 14 CEDERJ Produção de CO2 Gelo derretido Gelo/ CO2 Matéria orgânica 112,35g 2998g 26,69g Cobaia 11,87g 330,30g 27,80g em relação à combustão e à respiração? 12 MÓDULO 4 Pense sobre isso! AULA Esses resultados foram capazes de esclarecer a dúvida que restava Descreva sua opinião sobre os dois fenômenos, baseada nos resultados mostrados até aqui. Esta aula foi baseada no material organizado pelo Departamento de Bioquímica Médica, CCS, UFRJ. RESUMO Nesta aula você acompanhou como Lavoisier chegou à equação geral da respiração celular, aceita até hoje (matéria orgânica + ar respirável CO2 + água + calor). INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, nós continuamos a história. Falaremos mais especificamente do ciclo do ácido cítrico e como ele foi sendo elucidado. Com as informações apresentadas na Aula 13, você mesmo construirá o ciclo, antes de ser apresentado a ele, o que ocorrerá na Aula 14. Foi o que Krebs fez e, por isso, o ciclo do ácido cítrico é chamado ciclo de Krebs. Então, vamos lá... CEDERJ 15 AULA Ciclo de Krebs - Parte 1 13 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 1 INTRODUÇÃO Como vimos na aula anterior, o resultado da genialidade de Lavoisier, somada ao trabalho de Laplace e Priestley, resultou na seguinte equação geral da respiração celular: Matéria orgânica + O2 CO2 + H2O + ENERGIA Mas a história não parou por aí. A partir de agora você conhecerá outros personagens da história da Bioquímica. Eles contribuíram para a descoberta dos passos da respiração celular. A HISTÓRIA DO CICLO DO ÁCIDO CÍTRICO Comecemos com O TTO W ARBURG , um eminente bioquímico alemão durante a primeira metade do século XX. Filho de militar da mais alta patente do exército, era possuidor de uma disciplina rígida e personalidade forte. Alguns relatos contam que, para dar continuidade a seus experimentos no período recessivo da Primeira Grande Guerra, dividia boa parte de seus ganhos com a alimentação de suas cobaias. Estava interessado em entender as etapas da equação de Lavoisier, OTTO HEINRICH WARBURG Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1931, por suas descobertas a respeito da natureza e do modo de ação das enzimas respiratórias. em diferentes tecidos. Para esta finalidade, desenvolveu, por volta de 1918, um método manométrico (baseado em medidas de pressão) para medir o consumo de oxigênio e a produção de CO2. Este aparelho foi, mais tarde, batizado de respirômetro de Warburg, em sua homenagem (Figura 13.1). O respirômetro de Warburg teve ampla aplicação na Bioquímica e, ainda hoje, é utilizado na determinação de CO2 produzido por diferentes preparações biológicas. Em 1935, Albert Szent-Györgyi, um pesquisador húngaro, começou a publicar uma série de importantes trabalhos sobre a respiração de suspensões de músculo de peito de pombo. Sendo um músculo muito solicitado no vôo, ele requer muita energia e possui uma capacidade oxidante excepcionalmente alta. Szent-Györgyi estudou, em particular, o comportamento metabólico dos ácidos dicarboxílicos C4 (ácidos com quatro carbonos que possuem dois grupos carboxílicos). Ele também estava interessado em estabelecer a conexão entre fermentação e oxidação, como fica claro na seguinte passagem: 18 CEDERJ 13 MÓDULO 4 AULA OXIDAÇÃO E FERMENTAÇÃO Tomemos como exemplo a fermentação láctica em células musculares. Neste processo, a molécula de hexose é fragmentada em duas moléculas de ácido láctico. Juntas, estas duas moléculas ALBERT SZENTGYÖRGYI Nasceu em Budapeste. Em 1937 recebeu o Prêmio Nobel em Fisiologia e Medicina por suas descobertas na área dos processos de combustão biológica, particularmente com respeito à vitamina C e ao ácido fumárico. Ele não é uma gracinha? É o meu favorito. de ácido láctico contêm menos energia que a molécula de hexose original. Esta pequena diferença de energia é o ganho da célula. Alternativamente a molécula de hexose pode ser submetida à combustão, gerando CO2 e H2O. No último caso, grande quantidade de energia livre é desperdiçada. A fermentação é o mais simples dos dois processos. Ao mesmo tempo ele é pouco econômico, pois a maior parte da energia da molécula de hexose permanece nas moléculas de ácido láctico. Por volta de 30 vezes mais energia é liberada por oxidação. Conseqüentemente, a fermentação pode manter somente as formas de vida mais simples. Nesse ponto, pode existir uma pequena dúvida de que a fermentação não é somente o mais simples, mas também o processo mais antigo, precedendo a oxidação na história da vida. O desenvolvimento de formas de vida mais complexas tornou-se possível somente depois que a oxidação pelo oxigênio molecular foi “inventada” pela natureza. Esta seqüência de eventos se reflete em nossas células, nas quais nós encontramos oxidação e fermentação intimamente misturadas e entrelaçadas em um sistema produtor de energia. A íntima relação entre os dois processos tem ocupado muitos bioquímicos, como Pasteur, a descobrir suas interdependências quantitativas, agora conhecidas como “Reação de Pasteur”. Pasteur descobriu que existe algum tipo de equilíbrio entre oxidação e fermentação. Se a oxidação é suprimida por remoção do oxigênio, a fermentação se inicia. Se nós promovemos outra vez a oxidação, a fermentação cessa. O mecanismo desta relação tem sido um dos mais atraentes quebra-cabeças da Bioquímica desde então. ALBERT VON SZENT-GYÖRGYI, Ph. D., M.D. Professor de Química Orgânica e Biológica, Universidade de Szeged, Hungria. CEDERJ 19 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 1 HANS ADOLF KREBS, um bioquímico alemão, testou os mesmos ácidos orgânicos que Szent-Györgyi (ácidos dicarboxílicos C4) em fatias de córtex de rim e obteve o seguinte resultado (veja a Tabela 13.1): Tabela 13.1: Oxidação e formação de bicarbonato a partir de ácidos orgânicos em lâminas de rins de porquinho-da-índia. Substrato adicionado SIR HANS ADOLF KREBS Nasceu em Hildesheim, Alemanha. Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1953. Consumo de O2 (µmols/g de peso seco) Bicarbonato formado (µmols/g de peso seco) Sem adição 670 0 Acetato 1340 393 Succinato 1520 555 Fumarato 1290 705 Malato 1340 756 Piruvato 1070 318 Note que Krebs usou o respirômetro de Warburg e mediu tanto o consumo de O2, pela diminuição da pressão e conseqüente deslocamento da coluna do respirômetro, quanto a formação de CO2, pela medida da ! O que sugere este experimento? quantidade de bicarbonato formada no poço central do respirômetro. Desta forma, Krebs mostrou que qualquer um dos substratos utilizados aumentava a taxa de respiração em relação ao controle (sem adição do substrato). Como nos músculos de pombo de Szent-Györgyi, Krebs viu que o rim também era capaz de respirar, utilizando como substratos ácidos dicarboxílicos de quatro carbonos (succinato, fumarato e malato), além de acetato (dois carbonos) e piruvato (três carbonos). Enquanto isso, no laboratório de Warburg, após um acidente experimental com um de seus respirômetros, os tecidos de músculo foram carbonizados e, por descuido do seu técnico, o mesmo respirômetro foi utilizado em um outro experimento. Qual não foi a surpresa de Otto Warburg, quando constatou um grande aumento na respiração do tecido. Análises do material contido nas paredes do respirômetro mostraram altos níveis de um composto orgânico associado ao ferro. Warburg prosseguiu seus estudos com a intenção de identificar este fator, que chamou “Atmungsferment” (enzima), pois, uma vez inativado, todo o processo de respiração cessava. 20 CEDERJ 13 MÓDULO 4 Keilin, em 1925, que redescobriu uma substância que ele denominou cytochrome (CITOCROMO). Esta substância, como o Atmungsferment, CITOCROMOS estava intimamente ligada aos processos oxidativos. Segundo Keilin, o Os citocromos foram primeiro descritos como mio-hematina e histo-hematina por MacMunn. Essa história você verá com mais detalhes na Aula 15. citocromo era diretamente oxidado na sua forma divalente para a forma trivalente (férrica). Os dois sistemas, Atmungsferment e Cytochrome, foram denominados sistemas W.K. (sistema Warburg-Keilin). Szent-Györgyi sabia do envolvimento do O2 nos processos oxidativos e ficou intrigado com o fato de que a oxidação do succinato era especialmente bloqueada por um ácido dicarboxílico (C3), o ácido malônico. Resolveu, então, investigar o que aconteceria com a respiração em duas situações: 1) ao bloquear a oxidação do succinato; 2) ao incluir pequenas quantidades de fumarato, normalmente presente no tecido. Assim Szent-Györgyi descreveu seus resultados: “Os resultados foram surpreendentes. Pequenas quantidades de malonato envenenam a respiração quase como o cianeto. Ácido fumárico estimula fortemente a respiração. A respiração rapidamente declinante dos tecidos in vitro pode ser mantida constante por longos períodos pelo ácido fumárico. Como Baumann & Stare têm mostrado no Laboratório de Keilin, igualmente alguns poucos γ de fumarato (γ = uma milionésima parte do grama) foram ativos. Foram consumidos vários anos de trabalho pesado para ajustar as observações contraditórias em uma teoria. A teoria é esta: os ácidos dicarboxílicos C4 são uma ligação na cadeia respiratória entre o alimento e o sistema W.K. Sua função é transferir o hidrogênio do alimento ao citocromo e reduzir por este hidrogênio seu ferro trivalente à forma divalente. Falando mais precisamente, o citocromo oxida dois átomos de hidrogênio da molécula de ácido succínico. Pela perda de dois átomos de hidrogênio, o ácido succínico é convertido a ácido fumárico. Estes dois átomos de H perdidos são recolocados novamente por hidrogênios oriundos do alimento. O alimento, entretanto, não cede seus dois hidrogênios imediatamente ao ácido fumárico. Ele cede seus 2 átomos de hidrogênio para o ácido oxaloacético, que é também um ácido dicarboxílico (C4). Por tomar 2H, o ácido oxaloacético volta a ácido málico. Ácido málico, então, cede seus dois hidrogênios ao ácido fumárico, e, assim, o ácido fumárico é convertido a ácido succínico. Este pode ser outra vez oxidado por citocromo, enquanto o ácido málico, após ceder seus 2Hs, torna-se ácido oxaloacético, que pode tomar hidrogênio do alimento novamente, e assim o jogo recomeça, hidrogênios sendo transmitidos todo o tempo do alimento via oxaloacético – málico – fumárico – succínico ao sistema W.K.” CEDERJ 21 AULA A próxima etapa desse quebra-cabeça foi resolvida por David BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 1 O resumo esquemático da história está a seguir: Fermentação Ácido láctico C O HCOH Esquema 13.1: Esse esquema geral você já conhece. Respiração Esquema 13.2 ! Levando em conta o esquema proposto por Szent-Györgyi, que transformações você verifica em cada etapa desta seqüência de reações? Qual o papel das trioses nos processos fermentativos e oxidativos propostos por Szent-Györgyi? O que ocorreria nesta seqüência de reações na presença e na ausência de O2? 22 CEDERJ 13 MÓDULO 4 AULA Chegamos então ao primeiro esquema que tentava explicar como ocorre a respiração celular (ver Esquema 13.2). O próximo passo foi a observação de que a adição de pequenas quantidades de ácidos orgânicos ativava tremendamente essa via. Este efeito, chamado efeito catalítico, já havia sido observado por Krebs durante a descoberta do ciclo da uréia (que você conhecerá na Aula 18). A respeito da oxidação dos ácidos orgânicos e o efeito catalítico do ácido succínico, Krebs escreveu: Szent-Györgyi reportou experimentos em 1935 e 1936 que sugeriam que o ácido succínico e seus derivados ácido fumárico, ácido málico e ácido oxaloacético cataliticamente promovem oxidação em tecidos musculares. Provas conclusivas deste efeito catalítico foram apresentadas por Stare & Baumann em dezembro de 1936. Estes autores mostraram que pequenas quantidades destas substâncias eram suficientes para provocar um aumento na respiração e que o aumento é um múltiplo da quantidade de oxigênio necessária para a oxidação das substâncias adicionadas. Além disso, a substância adicionada não foi usada, mas pode ser subseqüentemente detectada no meio. Assim, não permanece nenhuma dúvida de que o ácido succínico e substâncias relacionadas podem atuar como catalisadores na respiração. Fonte: KREBS H. A.; CAMBRIDGE, M. A.; HAMBURG M. D. The intermediate metabolism of carbohidrates. ! De acordo com esta passagem, tal efeito catalítico exercido pelos ácidos orgânicos C4 pode ser explicado com a seqüência de reações proposta por Szent-Györgyi? A seqüência de reações de Szent-Györgyi explica convenientemente a equação de Lavoisier? EFEITO CATALÍTICO DO ÁCIDO CÍTRICO O passo seguinte foi a descoberta de que o ácido cítrico também atua como ativador catalítico (Krebs e Johnson, 1937). Adicionado ao músculo em pequenas quantidades, ele acelera a oxidação de carboidratos da mesma maneira que o ácido succínico. A análise experimental deste efeito revelou não somente o mecanismo da ação catalítica do ácido cítrico, mas também do ácido succínico e compostos relacionados. Em adição, isto levou à elucidação dos principais passos na degradação oxidativa de carboidratos. CEDERJ 23 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 1 O DESTINO DO ÁCIDO CÍTRICO O ácido cítrico, por longo tempo, foi conhecido como sendo facilmente oxidável em tecidos vivos, embora os detalhes de seu metabolismo intermediário tenham permanecido obscuros até março de 1937, quando Martius e Knoop descobriram que o ácido α-cetoglutárico é um produto da oxidação do ácido cítrico. O destino do ácido no corpo já era bem conhecido. Esta substância tinha grande interesse fisiológico, já que apareceu como um intermediário na degradação de ácido glutâmico, de prolina e de histidina. Já se sabia que ele forma, na oxidação, ácido succínico e dióxido de carbono. 24 CEDERJ é possível passar do ácido cítrico ao ácido succínico, e esta reação pode ÁCIDO MALÔNICO Ou malonato é um inibidor da respiração celular, no passo de formação do succinato no ciclo do ácido cítrico. ser diretamente demonstrada se ácido malônico é adicionado. ÁCIDO MALÔNICO inibe especificamente a oxidação do ácido succínico, mas não inibe a degradação do ácido cítrico e ácido α-cetoglutárico. ! Qual a relação entre tais reações e a seqüência de reações de Szent-Györgyi? Krebs sabia que a síntese de ácido cítrico, a partir de ácido oxaloacético, era conduzida pela condensação com uma segunda substância, cuja natureza química não era ainda conhecida. Supunha-se que a segunda substância fosse derivada de um carboidrato e apostava-se que seria o ácido pirúvico. A condensação desta segunda substância com o acido oxaloacético para formar ácido cítrico foi formulada da seguinte maneira por Krebs (veja reação a seguir): 3 PS. A nomenclatura das moléculas apresentadas é aquela utilizada nos trabalhos da época. CEDERJ 25 13 MÓDULO 4 AULA Considerando a junção das duas reações imediatamente anteriores, BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 1 “Este esquema, ainda que suportado por evidência experimental, é, em parte, hipotético e, por esta razão, vamos abster-nos da discussão de detalhes; mas deve ser enfatizado que o efeito final, que é a síntese de ácido cítrico na presença de ácido oxaloacético, é um fato experimental. Martius e Knoop ! Baseado nos resultados mostrados acima e nas citações, proponha um esquema de reações que explique o efeito catalítico do ácido cítrico e do α-cetoglutarato, integrando as trioses nesta seqüência. A SUBSEQÜENTE ELABORAÇÃO DO CICLO DOS ÁCIDOS TRICARBOXÍLICOS O esquema básico de 1937 tem resistido ao teste do tempo. Existem evidentemente grandes vazios em relação ao mecanismo da formação do citrato a partir de oxaloacetato e piruvato. Citado em H. Krebs (1970) The history of the tricarboxylic acid cycle. Perspect. Biol. Med. 14: 151-170 A solução deste problema esperou pela descoberta da coenzima A (CoA) por Lipmann, na década de 1940. No mesmo período, Ochoa e Lynem mostraram que a acetil- coenzima A (acetil-CoA) é o intermediário que reage com o oxaloacetato para formar citrato. 26 CEDERJ 13 MÓDULO 4 Além disso, a coenzima A foi também encontrada como AULA participante na formação de succinato a partir de α-cetoglutarato, formando succinil coenzima A (succinil-CoA) como intermediário. ! Com base nessas informações, construa o seu esquema representando o ciclo do ácido cítrico. Se você acompanhou o texto e conseguiu construir seu ciclo com base nas informações apresentadas, parabéns. Isso não é fácil. Se você não conseguiu, consulte os tutores de Bioquímica e discuta suas dificuldades com eles. Ao chegar ao final desta aula, você já conhece o ciclo do ácido cítrico ou grande parte dele. Neste caso, a próxima aula será apenas para detalhar o que você já sabe. Nela você verá cada reação, o nome das enzimas, co-fatores e outros papéis metabólicos que o ciclo apresenta. Não esqueça que os exercícios virão no final do módulo. RESUMO Nesta aula nós vimos a história do ciclo do ácido cítrico, seus principais personagens e as etapas iniciais de elucidação dessa via. A evolução do conceito de Lavoisier até chegar aos principais intermediários e reações do ciclo. CEDERJ 27 objetivos Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • Conhecer a origem da molécula de acetato, na forma de acetil-CoA, a qual inicia o Ciclo de Krebs. • Aprender a importância das vitaminas hidrossolúveis como formadoras de coenzimas, importantes para a atividade de complexos multienzimáticos. • Conhecer as reações do Ciclo de Krebs. • Caracterizar as enzimas envolvidas nessas reações. • Identificar as etapas de conservação da energia gerada durante as reações do Ciclo de Krebs. • Conhecer as vias de reposição de componentes do ciclo. AULA Ciclo de Krebs - Parte 2 14 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2 INTRODUÇÃO Como você viu na Aula 12 o ciclo do ácido cítrico foi descoberto por Hans Krebs e, portanto, é também denominado de Ciclo de Krebs. Você viu nas Aulas 9 e 10 que algumas células obtêm energia por processos fermentativos em que a molécula de glicose é quebrada na ausência de oxigênio. Para a maioria das células eucarióticas e para algumas bactérias, sob condições aeróbicas, seus combustíveis orgânicos são transformados em CO2 mais água, sendo a glicólise o primeiro estágio da degradação completa da glicose. Após esse estágio, você viu que a molécula de piruvato poderia seguir diversos caminhos metabólicos; entre eles, podia ser convertida em etanol e em lactato, se a célula estivesse na ausência de oxigênio. No entanto, a molécula de piruvato pode também ser convertida a acetil-CoA. Na realidade, o grupo acetil, na forma de acetil-CoA, é um intermediário comum ao metabolismo de quase todos os compostos biológicos. Ele pode ser formado a partir de glicídios, lipídeos e proteínas (veja a Figura 14.1). Figura 14.1: Esquema de formação de acetil-CoA. Lembre-se de que o metabolismo pode ser dividido em três estágios. Você verá que o Ciclo de Krebs é um desses estágios. Não se preocupe ainda com os nomes das moléculas que aparecerão no estágio 2 (Figura 14.2), ou seja, no Ciclo de Krebs, pois é sobre isso que falaremos nesta aula. O estágio 3 será estudado nas Aulas 15 e 16. 30 CEDERJ 14 MÓDULO 4 AULA graxos Figura 14.2: Estágios do metabolismo. CEDERJ 31 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2 A oxidação de grupos acetila é um dos principais processos metabólicos, e mais de dois terços dos ATPs utilizados pelas células são produzidos como resultado da transferência de elétrons de grupos acetila para o oxigênio molecular na mitocôndria. Durante o metabolismo, os grupos acetila são ligados como tioéster à coenzima A, um tiol que tem como função transportar grupos acetil dentro da célula. Qualquer que seja a fonte, grande parte da molécula de acetil é convertida em CO2 mais água, mas qualquer excesso pode ser utilizado para a síntese de ácidos graxos, corpos cetônicos e colesterol. A oxidação completa de acetil-CoA para CO2 e água ocorre em uma série de reações conhecidas como ciclo do ácido cítrico, ciclo do ácido tricarboxílico ou Ciclo de Krebs. É sobre essas transformações que falaremos nesta aula, que começa com a conversão da molécula de piruvato em acetil-CoA e pela entrada dos grupos acetil no Ciclo de Krebs. Nós então analisaremos as reações do Ciclo de Krebs e as enzimas que as catalisam. Como alguns desses intermediários podem também ser usados por outras vias, nós falaremos de algumas vias de reposição desses intermediários. PRODUÇÃO DE ACETATO – FORMAÇÃO DA MOLÉCULA DE ACETIL-COA Em organismos aeróbicos, glicose e outros açúcares, ácidos graxos e muitos aminoácidos são oxidados em CO2 e água via ciclo do ácido cítrico e cadeia respiratória. Antes de entrar no Ciclo de Krebs os esqueletos dessas moléculas são degradados aos grupos de acetil da molécula de acetil-CoA, a forma por que o ciclo aceita a maioria do seu combustível. Os aminoácidos podem entrar no Ciclo de Krebs através de outros intermediários do Krebs, como veremos mais adiante. A estrutura da coenzima A e o processo de formação da molécula de acetil-CoA são mostrados na Figura 14.3. Essa coenzima complexa é abreviada como CoA ou CoASH. Ela é composta por βmercaptoetanolamina, pela vitamina ácido pantotênico, pela adenosina difosfato (ADP). A coenzima A existe na forma reduzida (CoASH) e atua como transportadora de grupos acil. 32 CEDERJ 14 MÓDULO 4 AULA β- Mercaptoe tanolamina Coenzima A (CoA ou CoASH) Figura 14.3: Estrutura da coenzima e formação da molécula de acetil-CoA. Nós vamos inicialmente enfocar nossa atenção na molécula de piruvato, derivado de glicose e de outros açúcares. Ela é oxidada em acetilCoA pelo complexo enzimático piruvato desidrogenase. Esse complexo enzimático está localizado exclusivamente na matriz mitocondrial. Está presente em altas concentrações em tecidos como o músculo cardíaco e os rins. Nas condições fisiológicas o ΔGo é muito negativo e portanto a reação é irreversível. A reação catalisada pelo complexo piruvato desidrogenase é esquematizada abaixo. Piruvato + NAD + CoASH piruvato desidrogenase Acetil-CoA + CO2 + NADH + H + (ΔGo= - 8kcal\mol) Esta reação é uma descarboxilação oxidativa, um processo irreversível no qual o grupo carboxila é removido do piruvato como uma molécula de CO2 e os dois carbonos, remanescentes formam o grupo acetil da molécula de acetil-CoA. Como vimos, nessa reação ocorre a formação de uma molécula de NADH. Os elétrons transportados por essa molécula serão transferidos para o oxigênio na cadeia transportadora de elétrons, levando à formação de ATP. Esse assunto você estudará nas Aulas 14 e 15. A desidrogenação combinada com a descarboxilação da molécula de piruvato em acetil-CoA requer a ação seqüencial de três enzimas e cinco coenzimas diferentes ou grupos prostéticos, que são: 1) tiamina pirofosfato (TPP); 2) flavino adenino dinucleotídeo (FAD); 3) coenzima A (CoA); 4) nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD); 5) ácido lipóico. Veja a Figura 14.4. CEDERJ 33 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2 Quatro vitaminas hidrossolúveis diferentes são necessárias na nutrição humana e são componentes vitais neste sistema. Essas vitaminas são: 1) tiamina na TPP; 2) riboflavina no FAD; 3) niacina no NAD; 4) pantotenato na CoA. NAD e FAD são transportadoras de hidrogênios, a tiamina tem um papel importante na clivagem de ligações adjacentes a grupos carbonila. A coenzima A contém pantotenato, que possui um grupamento tiol reativo. Esse grupamento é crítico na formação de um tioéster com grupamentos acila. É através dessa associação que os grupamentos acila são transportados. A energia de hidrólise da ligação tioéster é relativamente alta, permitindo a doação de grupamentos acila para diversos compostos. Assim, podemos dizer que a molécula de coenzima A associada com grupamentos acila atua como uma molécula ativada para transferência desses grupos. O quinto co-fator da piruvato desidrogenase, o lipoato, possui dois grupos tióis (SH) que são importantes na oxidação reversível de uma ponte de enxofre, semelhante àquelas das cisteínas em proteínas. Assim, o complexo piruvato desidrogenase contém três enzimas, a piruvato desidrogenase (E1), a diidrolipoil transacetilase (E2) a diidrolipoil desidrogenase (E3). Cada uma delas está presente em múltiplas cópias. A Figura 14.5 mostra esquematicamente como o complexo piruvato desidrogenase conduz as cinco reações consecutivas na descarboxilação e desidrogenação da molécula de piruvato. Na etapa 1 o piruvato é descarboxilado e, na forma de aldeído, é ligado ao grupamento hidroxila da tiamina. Na etapa 2 o grupamento aldeído é oxidado em acetato. Os dois elétrons removidos nessa oxidação reduzem o grupamento –S–S– de um grupo lipoil na enzima E2 a dois grupamentos tióis (-SH). O acetato produzido nessa reação de óxido-redução é esterificado em um grupo SH do lipoil e então transesterificado em coenzima A para formar o acetilCoA (etapa 3). A energia de oxidação leva à formação de um tioéster de alta energia do acetato. As reações remanescentes catalisadas pelo complexo piruvato desidrogenase (etapas 4 e 5) são de transferências de elétrons necessárias para regenerar a forma oxidada do grupo lipoil da enzima E2 e assim preparar a enzima do complexo para um novo ciclo de oxidação. Os elétrons removidos do grupo hidóxil-etil derivado do piruvato passa através do FAD para o NADH. 34 CEDERJ 14 MÓDULO 4 AULA Acetaldeído ativado Figura 14.4: Co-fatores do complexo piruvato desidrogenase. CEDERJ 35 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2 Figura 14.5: Representação do complexo piruvato desidrogenase e das etapas de descarboxilação da molécula de piruvato. 36 CEDERJ 14 MÓDULO 4 AULA AS REAÇÕES DO CICLO DE KREBS Para começar a primeira volta do ciclo, a molécula de acetilCoA doa seu grupo acetil para um composto de quatro carbonos, o oxaloacetato, para formar a molécula de citrato com seis carbonos. Citrato é então transformado em isocitrato, uma molécula também com seis carbonos. Essa molécula é desidrogenada, com perda de CO2 para produzir um composto com cinco carbonos, o α-cetoglutarato. Essa molécula perde CO2, produzindo um composto com quatro carbonos, chamado succinato. O succinato é então convertido enzimaticamente, em três etapas, regenerando a molécula de oxaloacetato, a qual está pronta para reagir novamente com outra molécula de acetil-CoA. Como você pôde ver, duas moléculas de CO2 foram formadas e serão eliminadas. Uma molécula de oxaloacetato foi utilizada, mas foi regenerada ao final do processo. Assim, em teoria, uma molécula de oxaloacetato poderia ser utilizada infinitamente no ciclo; de fato, oxaloacetato está presente nas células em baixíssimas concentrações. Quatro das oito etapas desse ciclo são oxidações nas quais a energia de oxidação é conservada na forma das coenzimas reduzidas NADH e FADH2. Um resumo dessas etapas é apresentado na Figura 14.6. succinil-CoA Figura 14.6: Etapas do Ciclo de Krebs. CEDERJ 37 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2 Embora o Ciclo de Krebs possua um papel fundamental nas vias metabólicas produtoras de energia, alguns intermediários com quatro e cinco carbonos podem ser utilizados como precursores de outras moléculas. Para repor compostos do ciclo, as células empregam reações anapleróticas (reposição) que serão apresentadas no final desta aula. Agora, nós vamos examinar cada uma das oito etapas do ciclo com maior detalhe, dando ênfase às transformações químicas, observando as etapas de oxidação com formação de CO2 e de coenzimas reduzidas. Etapa 1 – Formação do citrato A primeira etapa ou reação do ciclo é a condensação do acetil-CoA com oxaloacetato para formar citrato, catalisada pela citrato sintase. Nesta reação, o grupamento metil (CH3) do grupo acetil é ligado ao grupo carbonila do oxaloacetato, formando um intermediário instável, o citroil CoA, que permanece ligado ao sítio ativo da enzima. Esse intermediário é rapidamente hidrolisado, liberando a coenzima A e uma molécula de citrato. A hidrólise desse tioéster de alta energia torna a reação altamente exergônica. A grande variação de energia livre nesta reação é essencial para o funcionamento do ciclo, pois, como vimos anteriormente, a concentração de oxaloacetato é muito baixa. A coenzima A liberada nessa etapa é reciclada para participar de outra reação de descarboxilação oxidativa de uma molécula de piruvato. Veja a Figura 14.7: Figura 14.7: Primeira etapa do Ciclo Reação de formação do citrato. Etapa 2 – Formação do isocitrato via cis-aconitato O citrato contém um álcool terciário que é muito difícil de ser oxidado, por isso essa molécula é convertida no seu isômero, isocitrato, pela enzima aconitase. Essa enzima catalisa a transformação reversível do citrato em isocitrato, que é mais fácil de ser oxidado. 38 CEDERJ 14 MÓDULO 4 AULA A reação envolve sucessiva desidratação e hidratação, através da formação de um intermediário, o cis-aconitato, que normalmente não se dissocia do sítio ativo da enzima. Essa reação é impulsionada no sentido de formação do isocitrato, pois essa molécula é constantemente consumida na etapa seguinte do ciclo. Veja Figura 14.8. Figura 14.8: Reação de formação do isocitrato. Etapa 3 – Oxidação do isocitrato a α-cetoglutarato e CO2 Nesta etapa, a isocitrato desidrogenase catalisa a descarboxilação oxidativa do isocitrato para formar α-cetoglutarato. Existem duas diferenças entre a piruvato desidrogenase e a isocitrato desidrogenase: a primeira requer NAD como aceptor de elétrons e a segunda pode utilizar tanto NAD como NADP; a piruvato desidrogenase, dependente de NAD, ocorre somente na matriz mitocondrial, enquanto a isocitrato desidrogenase ocorre na matriz e no citosol. Na matriz ela atende ao Ciclo de Krebs e no citosol ela é importante para regenerar a molécula de NADPH, que é essencial para as reações redutivas anabólicas. Veja a Figura 14.9. Figura 14.9: Reação de formação do α-cetoglutarato. CEDERJ 39 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2 Etapa 4 – Oxidação do α-cetoglutarato a succinil-CoA e CO2 Nesta etapa, ocorre uma outra descarboxilação oxidativa, na qual o α-cetoglutarato é convertido em succnil CoA e CO2, pela ação do complexo α-cetoglutarato desidrogenase. Nessa reação o NAD serve como aceptor de elétrons e a coenzima A como um carreador do grupo succinil. A energia de oxidação do α-cetoglutarato é conservada na formação do tioéster da molécula de succinil-CoA. Essa reação é semelhante à reação catalisada pelo complexo piruvato desidrogenase, tanto na estrutura quanto na função. Ele inclui enzimas e coenzimas homólogas às do complexo piruvato desidrogenase (Figura 14.10). Figura 14.10: Reação de formação do succinil-CoA. Etapa 5 – Conversão do succnil-CoA a succinato – fosforilação em nível de substrato A molécula de succinil-CoA tem uma ligação tioéster semelhante à da molécula de acetil-CoA, ou seja, uma ligação com uma forte energia livre padrão de hidrólise (ΔGo = -36kJ/mol) . A energia liberada na quebra desta ligação é utilizada para a síntese de uma ligação fosfoanidrido de uma molécula de ATP ou de GTP (guanosino trifosfato), liberando ainda 2,9 kJ/mol. O succinato é formado nesse processo. A enzima que catalisa essa reação é a succinil CoA sintetase. A formação de ATP ou de GTP à custa da energia liberada na descarboxilação oxidativa do α-cetoglutarato é uma fosforilação em nível de substrato, semelhante às reações de síntese de ATP que você viu na via glicolítica. O GTP formado nessa reação perde seu grupamento fosforil terminal para uma molécula de ADP, formando uma molécula de ATP. Veja as Figuras 14.11 e 14.12. 40 CEDERJ 14 MÓDULO 4 AULA Figura 14.11: Reação de formação do succinato. Succinato Figura 14.12: Esquema representativo da reação onde ocorre a fosforilação em nível de substrato. CEDERJ 41 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2 Etapa 6 – Oxidação do succinato a fumarato – desidrogenação flavino-dependente O succinato é oxidado em fumarato pela flavoproteína succinato desidrogenase (Figura 14.13). Em eucarióticos, a succinato desidrogenase está fortemente associada à membrana interna mitocondrial. Em procarióticos, está associada à membrana plasmática. Ela é a única enzima do Ciclo de Krebs associada à membrana. Ela possui uma flavino adenino dinucleotídeo (FAD) ligada covalentemente. A estrutura dessa coenzima nos estados reduzido e oxidado é apresentada na Figura 14.14. Os elétrons passam do succinato através do FAD por centros ferroenxofre (Fe – S) antes de entrar na cadeia de transporte de elétrons. Você verá o funcionamento da cadeia de transporte de elétrons e a formação de ATPs decorrentes da fosforilação oxidativa nas próximas aulas. Figura 14.13: Reação de formação do fumarato. Figura 14.14: Estrutura da coenzima FAD reduzida e oxidada. 42 CEDERJ 14 MÓDULO 4 AULA Etapa 7 – Hidratação do fumarato a malato A hidratação do fumarato que resulta em malato é catalisada pela enzima fumarase (Figura 14.15). Figura 14.15: Reação de formação do malato. Etapa 8 – Regeneração do oxaloacetato Na última reação do ciclo, a enzima malato desidrogenase, ligada ao NAD, catalisa a oxidação do malato em oxaloacetato. O equilíbrio dessa reação fica muito longe das condições de equilíbrio termodinâmico, mas como nas células intactas o oxaloacetato é constantemente removido, pela reação seguinte, catalisada pela citrato sintase e altamente exergônica (etapa 1), as concentrações de oxaloacetato permanecem muito baixas, impulsionando a reação catalisada pela malato desidrogenase no sentido de formação do oxaloacetato. Veja a Figura 14.16. L-malato oxaloacetato Figura 14.16: Reação de formação do oxaloacetato. CEDERJ 43 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2 A energia de oxidação do ciclo é conservada de modo muito eficiente A Figura 14.17 apresenta as oito etapas do Ciclo de Krebs ressaltando as estruturas dos compostos formados. Podemos verificar que um grupo com dois carbonos, na forma de acetil-CoA, entra no ciclo por combinação com o oxaloacetato. Os dois carbonos emergem do ciclo, na forma de CO2, na descarboxilação do isocitrato e do α-cetoglutarato. A energia liberada dessas descarboxilações foi conservada na redução de três NAD+ e um FAD e na produção de um ATP ou GTP. No final do ciclo uma molécula de oxaloacetato foi regenerada. Embora somente um ATP tenha sido formado em nível de substrato, as coenzimas reduzidas, três NADH e um FADH, fornecem um grande fluxo de elétrons na cadeia de transporte de elétrons, formando um grande número de moléculas de ATP durante a fosforilação oxidativa. Um processo cíclico, com oito etapas, parece, à primeira vista, ser uma via muito complexa para a oxidação de uma molécula de dois carbonos em CO2. No entanto, o papel do ciclo do ácido cítrico não está confinado à oxidação do acetato. Essa via desempenha um papel central no metabolismo intermediário; seus produtos de quatro e cinco carbonos em determinadas circunstâncias metabólicas servem como combustíveis para outras vias. Podem, por outro lado, ser pontos de entrada de intermediários formados em outras vias de degradação; por exemplo, oxaloacetato e α-cetoglutarato são produzidos a partir do aspartato e do glutamato, respectivamente, quando proteínas são degradadas. O ciclo do ácido cítrico, como outras vias metabólicas, é produto da evolução onde uma boa parte ocorreu antes do advento dos organismos aeróbicos. Ele não representa o caminho mais curto do acetato até CO2, mas é a via que confere maior vantagem seletiva. Alguns seres anaeróbicos usaram algumas das reações dessa via em processos biossintéticos; alguns microorganismos modernos ainda usam o Ciclo de Krebs de modo incompleto não como fonte de energia, mas como precursor biossintético. Tais microorganismos usam as três primeiras reações do ciclo para produzirem α-cetoglutarato, mas não têm a enzima α-cetoglutarato desidrogenase e, portanto, não dão prosseguimento ao ciclo. Eles usam o composto formado para vias biossintéticas. Eles possuem as enzimas que catalisam as etapas reversíveis de conversão de oxaloacetato a succinil-CoA. 44 CEDERJ 14 MÓDULO 4 AULA Condensação acetil succinil-CoA Figura 14.17: Etapas do Ciclo de Krebs e estrutura dos componentes formados. REAÇÕES ANAPLERÓTICAS São reações para a reposição de intermediários do ciclo que são removidos para vias biossintéticas. Em mamíferos, a reação mais importante para reposição de intermediários do Krebs é a reação catalisada pela piruvato carboxilase. Ela ocorre no fígado e nos rins. Em organismos aeróbicos, o ciclo do ácido cítrico é uma via anfibólica, ou seja, serve tanto para processos catabólicos como para processos anfibólicos. Além de seu papel no catabolismo oxidativo de carboidratos, ácidos graxos e aminoácidos, o ciclo fornece precursores para muitas vias biossintéticas. Como podemos observar na Figura 14.19, α-cetoglutarato e oxaloacetato servem como precursores dos aminoácidos glutamato e aspartato. Esses aminoácidos podem ser usados para síntese de outros aminoácidos ou para síntese de bases nitrogenadas, purinas e CEDERJ 45 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2 pirimidinas. Oxaloacetato pode ser convertido a glicose, em processos gliconeogênicos (formação de glicose) quando os níveis de glicose estão abaixo daqueles considerados normais. Esse aspecto será mais bem estudado nas últimas aulas desta disciplina. O succinil-CoA é o intermediário central na síntese do anel porfirínico de grupos heme que atuam como transportadores de oxigênio. Grupos heme fazem parte das moléculas de hemoglobina, da mioglobina e de carreadores de elétrons, como os citocromos. Figura 14.18: Principais papéis biossintéticos do ciclo de Krebs. 46 CEDERJ 14 MÓDULO 4 AULA Regulação do ciclo do ácido cítrico A regulação das enzimas-chave em vias metabólicas, por efetores alostéricos e por modulação covalente, assegura a produção de intermediários e de produtos na velocidade requerida para manter a célula em um estado estável, evitando a superprodução de um intermediário. O fluxo de átomos de carbono do piruvato é finamente regulado em dois níveis: em nível de formação do acetil-CoA e em nível de formação de citrato. O ciclo é também regulado em nível das reações catalisadas pelas enzimas isocitrato desidrogenase e da α-cetoglutarato desidrogenase. Veja a Figura 14.20. O complexo piruvato desidrogenase é modulado por dois tipos de regulação. Primeiro, dois produtos da reação da piruvato desidrogenase, acetil-CoA e NADH, inibem o complexo (Figura 14.21). Segundo, o complexo piruvato desidrogenase existe de duas formas: 1) um ativo, desfosforilado; 2) um inativo, fosforilado (Figura 14.21). A inativação do complexo é feita por uma proteína quinase que está fortemente ligada ao complexo. A reativação é catalisada por uma proteína fosfatase que desfosforila o complexo (Figura 14.21). Resumindo esse processo de regulação, podemos dizer que quando a situação energética da célula é alta, ou seja, quando os níveis de ATP, acetil-CoA e NADH são altos, os produtos de reação catalisados por esse complexo enzimático, o complexo enzimático é inibido. O que também ocorre quando os níveis de ácidos graxos estão aumentados. Essa inibição ocorre porque ácidos graxos podem ser convertidos em acetil-CoA no processo de β-oxidação que você irá estudar na Aula 22 desta disciplina. Por outro lado, quando os níveis energéticos da célula estão baixos, ou seja, quando os níveis de AMP (adenosina monofosfato), NAD+ e CoA estão reduzidos, ocorre uma ativação alostérica do complexo piruvato desidrogenase. CEDERJ 47 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2 Figura 14.19: Principais fatores reguladores do ciclo do ácido cítrico. 48 CEDERJ 14 MÓDULO 4 AULA Figura 14.20: Regulação do complexo piruvato desidrogenase por fosforilação e por desfosforilação. CEDERJ 49 BIOQUÍMICA II | Ciclo de Krebs - Parte 2 Ciclo do glioxalato – uma variante anabólica do ciclo Metabolicamente, células vegetais e microorganismos diferem em muitos aspectos importantes. De interesse neste momento é que as células vegetais e microorganismos não podem sintetizar carboidratos a partir de gorduras. Essa conversão é crucial para o desenvolvimento das sementes, pois estas apresentam reservas de triacilgliceróis. Quando as sementes germinam, triacilgliceróis são quebrados para serem convertidos em açúcares, para servir de fonte de energia para o crescimento da planta. As plantas sintetizam açúcares usando o ciclo do glioxalato, o qual pode ser considerado um variante anabólico do Ciclo de Krebs (Figura 14.21). Figura 14.21: Ciclo do glioxalato. 50 CEDERJ AULA Metabolismo de carboidratos I 15 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I RESPIRAÇÃO CELULAR Agora, que você conhece o ciclo do ácido cítrico, sua história e o conhecimento atual, vamos acompanhar um pouco da descoberta dos citocromos e da cadeia transportadora de elétrons mitocondrial. Esta etapa é fundamental para entender o processo completo da respiração celular, uma forma mais eficiente de extração de energia utilizada pelos organismos aeróbicos. É nesta etapa que os NADHs e os FADH2s reduzidos no ciclo do ácido cítrico se reoxidam gerando energia para a síntese de aproximadamente 30 moléculas de ATP. O conhecimento de como isto acontece, veio aos poucos. Acompanhe nesta aula os passos históricos fundamentais e, na próxima, acompanhe o processo completo, tal como é entendido hoje. Nesta aula, você irá encontrar questões que não tem uma resposta correta, que pode ser mais ou menos elaborada e, por isso, não apresentamos gabarito. A aula não é essencial para entender o tema (respiração celular), mas é importante que você tente entender a história, mergulhando nela. Discuta com seu tutor e seus colegas. Fica muito mais interessante. A DESCOBERTA DOS CITOCROMOS No final do século passado, um pesquisador inglês chamado MacMunn descreveu, sob os nomes mio-hematina e histo-hematina, um tipo de pigmento respiratório, identificado em músculos e outros tecidos de animais das mais diferentes espécies. Ele observou que este ESPECTRO pigmento, no estado reduzido, apresentava um Ver na aula de fotossíntese (Aula 6) o espectro de luz visível. composto por quatro bandas de absorção. No estado oxidado, o ESPECTRO característico mesmo não apresentava as mesmas bandas. Em 1889, Levy reproduziu cuidadosamente os experimentos de MacMunn, obtendo os mesmos resultados. Entretanto, Levy interpretou o pigmento encontrado por MacMunn como uma hemoglobina. Esta interpretação dos resultados de Levy foi apoiada por Hoope Seyler que observou a presença de CO na preparação de derivados de hemoglobina. Apesar de insistentes réplicas e argumentos de MacMunn, a discussão foi encerrada e o pigmento respiratório de MacMunn foi gradualmente esquecido. 52 CEDERJ 15 MÓDULO 4 No lugar de MacMunn, o que você faria para ratificar sua descoberta frente às críticas sobre uma provável contaminação dos tecidos analisados, com derivados da hemoglobina? Espectro de absorção Prisma Lente Lente Objeto Estágio do microscópio Fonte de luz Figura 15.1: As observações de MacMunn se basearam no espectro observado quando um feixe de luz visível atravessa o material biológico e é decomposto por um prisma. Na segunda década do século XX, David Keilin, durante seus estudos sobre a respiração em vermes e insetos parasitas, mostrou que o pigmento mio-hematina ou histo-hematina não só existia, como também possuía distribuição e importância bem maiores que as supostas anteriormente por MacMunn! Após meticuloso estudo de microespectroscopia em células e tecidos de insetos, vermes, aracnídeos, moluscos, levedura e vegetais superiores, Keilin propôs o nome Cytochrome (que significa pigmento celular), para definir o ubíquo composto que representava claramente um característico espectro de absorção composto por quatro bandas, as quais denominou a, b, c e d, correspondentes ao estado reduzido do citocromo. O espectro do pigmento no estado oxidado não apresentava bandas distintas de absorção. A Figura 15.1 mostra, de forma esquemática, o dispositivo experimental de Keilin, usando um microespectroscópio ocular de Zeiss para estudar o espectro nos músculos torácicos de um inseto (abelha). Na Figura 15.2 você vai encontrar o resultado observado por Keilin. CEDERJ 53 AULA ! BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I a b Figura 15.2: Espectro de absorção da luz visível de músculos de abelha (a). As linhas mais escuras são as linhas de absorção que aparecem sobre um espectro de luz visível de fundo característico (b). ! Sabendo-se da propriedade oxirredutora dos citocromos e do possível envolvimento com o fenômeno da respiração, o que você espera que aconteça com o espectro de absorção quando a abelha movimenta as asas e quando esta permanece quieta? Keilin também trabalhou com suspensão de levedura. O que você espera ter acontecido quando Keilin borbulhou ar na cubeta contendo uma suspensão de levedura? Keilin verificou ainda que o aparecimento ou não das bandas era grandemente afetado pela presença de agentes como o monóxido de carbono e o cianeto. Alguns anos mais tarde, Keilin e Hartree, um de seus colaboradores, utilizando estes inibidores observaram que cada conjunto de faixas do espectro de absorção não surgia ou desaparecia ao mesmo tempo. Perceberam que após a adição de cianeto existia uma ordem seqüencial para o aparecimento das bandas que sempre se repetia: d, a, c e b. ! No lugar de Keilin e Hartree, o que você concluiria a partir destas observações? Qual o destino final dos elétrons após o último citocromo? O envolvimento dos citocromos no processo de oxidação dos açúcares e consumo de oxigênio começava a ser desvendado. Os citocromos foram designados posteriormente, na ordem de sua seqüência no processo de transporte de elétrons como: citocromo b, citocromo c, citocromo a e citocromo a3 (ou citocromo oxidase). 54 CEDERJ 15 MÓDULO 4 AULA Pouco tempo depois, o ciclo dos ácidos tricarboxílicos (ciclo do ácido cítrico) foi elucidado por Sir Hans Krebs, mas ainda havia muita discussão sobre os mecanismos que acoplavam as oxidações ao fornecimento de energia para os seres vivos. Neste contexto, dois pesquisadores russos, Belitser e Tsybakova, em 1939, estabeleceram uma possível relação entre a glicólise e as reações de oxidação e redução associadas à fosforilação. Suas descobertas foram assim descritas: O MECANISMO DE FOSFORILAÇÃO ASSOCIADO À RESPIRAÇÃO V. A. Belitser e E. T. Trybakova Laboratório de Química Fisiológica, Universidade de Moscou, U.S.S.R. (Submetido em 10 de junho de 1939) A síntese de adenosinatrifosfato e fosfagen (fosfocreatina) ocorre no músculo à custa da energia derivada da glicólise ou da respiração celular. Entretanto, através de algumas descobertas indiretas, parece que alguns processos oxidativos podem estar ligados com a fosforilação sem ter qualquer conexão direta com a glicólise. Braunshteyn e Severin mostraram que a oxidação do ácido pirúvico, cetobutírico e ácido glutâmico, bem como de alanina, causa uma estabilização da adenosina trifosfato em eritrócitos nucleados. Grimlund encontrou que a oxidação do ácido lático, ácido pirúvico e ácido succínico aumenta a capacidade de trabalho de um músculo no qual a glicólise foi obliterada. Isto também foi encontrado por Meyerhof e seus colaboradores para o caso do ácido lático e também declarou que a oxidação lática causa a estabilização do fosfagen em músculos envenenados por iodoacetato. ! Levando em consideração estes achados em que etapa está ocorrendo o armazenamento de energia na forma de “fosfagen” (ésteres de fosfato)? CEDERJ 55 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I Assim, Belitser e Tsybakova interessados em investigar a síntese de ésteres de fosfato (fosfagen) realizaram o seguinte experimento: incubaram preparações de músculos de pombo na presença ou ausência de ácido pirúvico (o substrato respiratório) e mediram fosfagen sintetizado e taxa respiratória (Figura 15.3). Fosfagen, mgP2O5 6,0 5,0 4,0 3,0 2,0 Respiração, LO2 1,0 100,0 I II III V 200,0 300,0 400,0 IV 500,0 Figura 15.3: Síntese de Fosfagen na presença de ácido pirúvico (músculo de pombo). I: antes da incubação; II: em N2 sem ácido pirúvico; III: o mesmo com ácido pirúvico; IV: in O2 com ácido pirúvico; V: o mesmo sem ácido pirúvico. Nesta e nas ilustrações seguintes, o fosfagen sintetizado é expresso em mg de P2O5 e a taxa respiratória é expressa em µL de O2 por 30 minutos, por grama de tecido. ! O que sugere este resultado? Observe que na presença de ácido pirúvico e O2 (IV) tanto a síntese de fosfagen quanto a taxa de respiração celular são maiores que nas outras situações experimentais e, além disso, são proporcionais. Os mesmos autores também mostraram, no mesmo trabalho, que praticamente todo o ácido pirúvico era oxidado durante a respiração. Além disso, eles investigaram o efeito de outros substratos respiratórios (ácido cítrico, ácido fumárico, α-cetoglutarato e ácido succínico) na síntese de fosfagem e no consumo de oxigênio, como mostrado abaixo (Tabela 15.1). 56 CEDERJ Datas dos Experimentos Tecido Substrato 15 MÓDULO 4 Respiração em µL O2 Aumento de por 1 g de tecido por fosfagem em mg de 30 minutos P3O2 por g de tecido Sem Com Sem Com substrato substrato substrato substrato 1939 1° de abril Coração de coelho Ácido cítrico 19 de abril 263 399 4,00 7,25 Coração de coelho Ácido Fumárico 95 386 0,20 5,62* 05 de maio Coração de coelho α - cetoglutarato 120 540 0,45 3,40* 07 de abril Coração de coelho Ácido Succínico 206 956 2,30 4,26 03 de junho Músculo de pombo Ácido málico 280 420 0 1,84 16 de maio Músculo de pombo Ácido lático 252 387 0 1,56 26 de outubro Músculo de pombo Ácido pirúvico 214 420 0 2,34 10 maio 170 153 0 0 1938 Músculo de pombo Ácido acético * na presença de 0,02 de NaF Que conclusões você tiraria deste experimento? Repare que na presença do substrato há um aumento na síntese de fosfagen e na taxa respiratória. Apenas quando o substrato respiratório era o ácido acético não foi observado um aumento significativo na presença do substrato. Cerca de dois anos mais tarde, 1941, Fritz Lipmann postulava o conceito de “ligação fosfato rica em energia”, como descreveu a seguir. CEDERJ 57 AULA Tabela 15.1: Síntese de fosfagen ligada à oxidação de vários substratos. BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I GERAÇÃO METABÓLICA E UTILIZAÇÃO DA ENERGIA LIGADA AO FOSFATO Fritz Lipmann Laboratório de Pesquisa Bioquímica, Hospital Geral de Massachusetts e Departamento de Química Biológica – Escola Médica de Harvard, Boston, Massachusetts I- Introdução Histórica Por um longo período a descoberta de Harden e Young, a fosforilação de hexose na fermentação alcoólica, foi considerada com significado apenas como uma forma de modelar a molécula de hexose para ajusta-lá à quebra fermentativa. Entretanto, como resultado de um estudo intensivo das reações intermediárias da fermentação e a relação entre ação muscular e metabolismo, tornou-se evidente que a ligação éster fosfato primária da hexose transforma-se metabolicamente em um novo tipo de ligação fosfato de alta energia. (...) Durante vários processos metabólicos o fosfato é introduzido em compostos não meramente, ou no mínimo não somente, para facilitar sua quebra, mas como um provável carreador de energia. Resumir a geração metabólica e a circulação deste peculiar tipo de energia química é a proposta primária deste trabalho. ! Logo foi reconhecido o papel do ATP como um carreador de energia nos processos metabólicos. Mas, qual o sítio de síntese de ATP na célula? O que você faria para responder a esta questão? Em 1949, devido ao desenvolvimento tecnológico propiciado pela Segunda Grande Guerra, E. P. Kennedy e A. L. Lehninger utilizam centrífugas refrigeradas e submetem variando de 1.500 X g (1g = 9,8m/s2, aceleração da gravidade) até 20.000 g. 58 CEDERJ 1.000 X g: Precipita células íntegras e núcleo. 15 MÓDULO 4 FRAÇÃO CELULAR AULA ACELERAÇÃO de 5.000 até 15.000 X g:Precipita grandes vacúolos, cloroplastos e mitocôndrias. de 50.000 até 150.000 X g: Precipita microssomas de retículo endoplasmático. Acima de 500.000 X g: Precipita algumas proteínas solúveis. Desta forma, Kennedy e Lehninger isolam diferentes frações e obtêm o seguinte resultado (Tabela 15.2): Tabela 15.2: Atividade das frações subcelulares de fígado de rato na oxidação de compostos intermediários do ciclo de Krebs. Fração Mitocôndria Substrato Citrato 7,1 α-cetoglutarato 6,3 Piruvato + oxaloacetato 7,1 Nada 0,18 Precipitado Nuclear Citrato Sobrenadante Consumo de oxigênio (µM) 1,9 α-cetoglutarato 1,7 Piruvato + oxaloacetato 0,98 Nada 0,0 Citrato 0,54 α-cetoglutarato 0,0 Piruvato + oxaloacetato 1,4 Nada 0,31 ! Comparando a taxa respiratória (consumo de oxigênio) das três frações obtidas (mitocôndria, precipitado nuclear e sobrenadante), qual das frações celulares está envolvida com a respiração, e como você integraria os resultados obtidos por Keilin e Belitser & Tsybakova? Como você comprovaria o seu esquema? CEDERJ 59 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I Kennedy e Lehninger mediram paralelamente o consumo de oxigênio e o fosfato esterificado, utilizando vários substratos respiratórios. A Tabela 15.3 apresenta estes resultados. Observe que, em comparação com o controle (sem adição de substrato), existe um aumento tanto na taxa respiratória quanto no fosfato esterificado quando são utilizados citrato, alfa-cetoglutarato, piruvato + oxaloacetato ou octanoato como substratos. Tabela 15.3: Esterificação de fosfato acoplado à oxidação na mitocôndria. Consumo de oxigênio Fosfato esterificado 32 Pi esterificado µM y % Nada 0,18 24,2 0,67 Citrato 7,1 106 31,3 α−cetoglutarato 6,3 113 39,3 Piruvato + oxaloacetato 7,1 113 32,6 Nada (0,0001 M malato presente) 0,5 37 3,2 Octanoato 4,5 121 27,8 Experimento 1 2 Substrato Anos mais tarde, no laboratório de A.L. Lehninger, foi verificado que nucleotídeos de diidro-difosfopiridina (DNPH2 na nomenclatura antiga, atualmente conhecido como NADH) aumentavam a incorporação de 32Pi (fosfato inorgânico radioativo) em um composto com a propriedade como a adenosina trifosfato (ATP). Tal incorporação não ÁCIDO LÁBIL ÁCIDO LÁBIL Propriedade “ácido lábil” significa que o composto é sensível a meios ácidos. Usa-se lábil em contraposição a resistente. Temos ainda termolábil em contraposição a termorresistente. ocorria na presença de N2 ou na ausência de íons Mg2+. 60 CEDERJ Consumo de O2 por DPNH2 Utilizando preparação mitocondrial de fígado de rato, Lehninger fez os experimentos mostrados nas Figuras 15.4 e 15.5. No primeiro experimento (Figura 15.4), ele testou o efeito da concentração de citocromo c na velocidade de consumo. (lembre que é NADH). 15 MÓDULO 4 Microátomos de oxigênio consumido 2 – adição de 5 x 10-6 M AULA 1 – sem adição de citocromo 3 – 1,0 x 10–5 M 4 – 5 x 10–5 M 5 – 1,5 x 10-4 M 10 20 30 40 tempo em minutos 50 Figura 15.4: Efeito da concentração de citocromo c na velocidade de oxidação de DPNH2. ! O que sugere o experimento da Figura 15.4? Os resultados mostram que, na ausência de citocromo, o consumo de oxigênio é basal e que a adição de citocromos à preparação de mitocôndria de fígado de rato aumenta a taxa respiratória. No segundo experimento (Figura 15.5), ele testou o efeito da concentração de citocromo c na velocidade de oxidação de DPNH2 (lembre que é NADH). Microátomos de O2 consumido Micromols DPN formado ou DPNH2 desaparecido Consumo de O2 / DNPH2 adicionado 0 5 10 15 20 tempo em minutos 25 30 Figura 15.5: Correlação entre o consumo de oxigênio, o desaparecimento de DNPH2 e o aparecimento de DPN durante a oxidação do DNPH2. CEDERJ 61 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I ! Qual a relação entre o desaparecimento de NADH2 e o consumo de oxigênio na Figura 15.5? A seguir, Lehninger mediu simultaneamente a relação entre DPNH2 e fosfato (orto-fosfato) no ensaio de respiração (Tabela 15.4). Tabela 15.4: Medidas da razão Pi/DPNH2. Experimento número 2 Tipo de enzima Tempo Orto-fosfato DPNH2 P/DPNH2 Citocromo (minutos) c (M) (µM) (µM) 0 4,72 4,94 8 2,81 3,92 1,89 0,003M 15 1,96 3,13 1,52 DPN 0 7,43 17 7,27 H2O 4 X 10-4 Tubos duplicados contendo 0,005M de MgCl2, 0,005M de KCl, 0,002M a 0,004M de ADP, 0,02M de tampão glicil-glicina pH 7,4, citocromo c, ortofosfato, DPNH2, na concentração indicada na tabela e 0,03M de NaF. Cada tubo recebeu 0,30 ml da suspensão da partícula indicada (partículas derivadas de 50 mg de fígado de rato) para um volume total de 2,0 mL. A temperatura nos diferentes experimentos variou de 17 – 24o C. ! Observando as medidas de A.L. Lehninger na Tabela 15.4, sugira o papel do NADH2 durante a oxidação da glicose e relacione com a síntese de ATP. Observe que a concentração de DPNH 2 cai e a de fosfato também, conforme aumenta o tempo de ensaio. Entretanto, a relação fosfato e DPNH2 parece não ser muito alterada, o que sugere que a utilização do fosfato (provavelmente para a síntese de ATP) e a diminuição na concentração de DPNH2 (provavelmente oxidado a DPN) são eventos acoplados. 62 CEDERJ 15 MÓDULO 4 investigando o acoplamento entre o consumo de oxigênio e a fosforilação, com o efeito do 2,4-dinitrofenol (DNP): Figura 15.6: A estrutura do 2,4-dinitrofenol (DNP), um veneno metabólico. Tabela 15.5: Efeito do DNP no consumo de oxigênio e fosfato em homogenatos de rim de coelhos. Adições Consumo de Consumo de fosfato oxigênio Razão Pi: O Nenhuma 8,0 17,5 2,2 8 X 10 -4 MDNP 7,9 1,3 0,2 Todas as amostras contêm 10 ml da preparação de uma enzima similar àquela de Green et al., preparada por centrifugação de homogenato de rim de coelho em tampão KCl-NaHCO3 e lavagem do resíduo 2 vezes com o tampão fresco. A isto foi adicionado 0,1 ml de hexoquinase de levedura e 0,0067M de MgCl2. Clinon foi o primeiro a mostrar que o dinitrofenol em baixas concentrações bloqueia completamente as reações sintéticas sem interferir na oxidação. Outros autores têm mostrado que esta droga inibe a assimilação de nitrogênio, crescimento e diferenciação, a formação de enzimas adaptativas, e Hotchkiss tem reportado dados prelimirares mostrando que o DNP previne consumo de fosfato durante a respiração de células de levedura. Estes resultados parecem indicar que DNP atua no mecanismo básico da célula pelo qual a geração de ligações fosfato está acoplada a reações de oxidação. Loomis & Lipman, 1948 ! Que conclusões você tiraria destes dados? CEDERJ 63 AULA Em 1948, Loomis e Lipmann publicam um trabalho BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos I É interessante que o DNP (Tabela 15.5) não afeta o consumo de oxigênio, mas inibe drasticamente o consumo de fosfato. Isso significa que, embora os dois processos estejam acoplados, eles são independentes (ver hipóteses de acoplamento de energia na próxima aula). ! Durante muitos anos, o DNP foi prescrito para uso em tratamento da obesidade, pois os pacientes que o utilizavam mostravam uma rápida diminuição em seu peso. Como você explicaria este fenômeno do ponto de vista bioquímico? Você acharia adequado tal tratamento? Os resultados mostrados até aqui dão uma idéia do que ocorre na mitocôndria e que resulta em transformação da energia química do alimento em energia química da molécula de ATP. Este processo é vital para os organismos aeróbicos. Na aula seguinte, vamos mostrar como isso acontece. Não esqueça que o que sabemos é resultado desta história e de muitas outras que não caberiam aqui. Muita gente trabalhou e continua trabalhando para entender como este processo ocorre. 64 CEDERJ objetivos Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • Entender os processos de oxirredução dos componentes da cadeia transportadora de elétrons. • Compreender o processo de síntese de ATP. AULA Metabolismo de carboidratos II 16 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II INTRODUÇÃO Da história contada na aula anterior podemos extrair as idéias fundamentais que explicam como a energia contida no alimento pode ser transformada em ATP nas células, na presença de oxigênio. O pigmento respiratório de MacMunn ou os citocromos de Keilin; o processo de transferência de elétrons; a relação entre a oxidação de hexoses e a fosforilação de Belitser e Tsybakova; o conceito de ligações fosfato de alta energia de Lipmann; a esterificação de fosfato acoplado à oxidação na mitocôndria de Kennedy e Lehninger; o papel do NADH de Lehninger: esses são apenas alguns personagens importantes e essas pistas nos dão uma idéia do que acontece nas nossas células. Agora vamos passo a passo mostrar com mais detalhes esse processo conhecido como cadeia transportadora de elétrons. CONCEITOS INICIAIS A cadeia transportadora de elétrons (CTE) é um conjunto de reações que ocorre nas cristas mitocondriais (ver Aula 14) e fornece energia para outro processo, a fosforilação oxidativa. Alimento Cadeia transportadora de elétrons e fosforilação oxidativa são, portanto, eventos relacionados, ou melhor, acoplados. Entretanto, cada um deles pode ocorrer independentemente e tem componentes e produtos diferentes. A cadeia transportadora de elétrons resulta na síntese de água A fosforilação oxidativa resulta na síntese de ATP Energia para o corpo Figura 16.1: O fluxograma mostra que a energia usada pelo corpo em suas diversas atividades é, em última análise, energia química do alimento. Esta energia é primeiro convertida em NADH e FADH 2 e, posteriormente,convertida em ATP. ATP é energia química disponível e acessível para as atividades celulares. A cadeia transportadora de elétrons utiliza os aceptores (NADH e FADH2) reduzidos em outras vias metabólicas tais como glicólise ou ciclo do ácido cítrico. A síntese de ATP por fosforilação oxidativa é dependente da energia gerada durante o transporte de elétrons da cadeia mitocondrial. Antes de começar a explicar como isso acontece, vamos calcular o saldo de NADHs, FADH2 e ATPs que temos no processo de respiração celular após a quebra total de uma molécula de glicose (glicólise e ciclo do ácido cítrico). Tente fazer isso, olhando as aulas anteriores de glicólise (Aulas 10 e 11) e ciclo do ácido cítrico (Aula 14). 66 CEDERJ 16 MÓDULO 4 AULA E agora confira o resultado que você encontrou. Durante a glicólise – saldo de 2 ATPs e 2 NADHs. No ciclo do ácido cítrico – saldo de 2 ATPs (1 para cada volta no ciclo), 6 NADHs (3 para cada volta no ciclo) e 2 FADH2 (1 para cada volta no ciclo). O que foi gerado no ciclo do ácido cítrico encontra-se na matriz mitocondrial, onde ele acontece. O que foi gerado na glicólise está no citoplasma da célula. Portanto, para que o NADH, reduzido durante a glicólise, possa estar disponível para a cadeia transportadora de elétrons, ele precisa atravessar as membranas mitocondriais, particularmente a interna, que é menos permeável. Para isso, existem transportadores específicos na membrana interna mitocondrial. O NADH glicolítico pode entrar na mitocôndria por dois caminhos diferentes, ou seja, existem dois transportadores capazes de carregar esta molécula do citoplasma para a matriz mitocondrial. Estes transportadores são chamados lançadeira malato-aspartato e lançadeira do glicerofosfato. AS LANÇADEIRAS A lançadeira malato-aspartato Este sistema usa as moléculas de malato e aspartato para transportar os hidrogênios que estão associados ao NADH no citoplasma da célula. Envolve também outras moléculas normalmente presentes na matriz mitocondrial e no citoplasma. Um hidrogênio ligado ao NADH é transferido para o oxaloacetato (que você já conhece), formando malato no citoplasma da célula. A membrana interna mitocondrial tem que leva o malato do A N T I P O R TA citoplasma para dentro da mitocôndria e, simultaneamente, transporta Reveja as aulas de transporte através de membranas em Biologia Celular I. um transportador de malato do tipo ANTIPORTA α - cetoglutarato da matriz mitocondrial para o citoplasma. Na matriz mitocondrial, o malato volta a oxaloacetato, transferindo o hidrogênio para o NAD+ mitocondrial, formando novamente NADH. Note que apenas os hidrogênios foram transportados. O NAD+ citoplasmático não é capaz de atravessar a membrana interna mitocondrial. Como resultado da transferência do hidrogênio para formar NADH, o malato volta a ser oxaloacetato na matriz mitocondrial. Este oxaloacetato é convertido em aspartato, que pode então sair da mitocôndria por um transportador (antiporta) que, em troca, transfere glutamato do citoplasma para a matriz mitocondrial (o resumo do mecanismo de transporte pode ser CEDERJ 67 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II visto na Figura 16.2). Assim, todo NADH reduzido na glicólise (dois NADH) pode estar disponível na matriz mitocondrial para participar da cadeia transportadora de elétrons. Figura 16.2: Lançadeira malato-aspartato. A lançadeira do glicerofosfato O segundo caminho para entrada dos elétrons na matriz mitocondrial é a lançadeira do glicerofosfato ou fosfoglicerol. Nesse caso, os hidrogênios associados ao NADH reduzido na glicólise são transferidos para a diidroxiacetona-fosfato (DHAP) formando o 3fosfoglicerol no citoplasma. A enzima que catalisa esta reação é a 3-fosfoglicerol desidrogenase. A enzima flavoproteína desidrogenase catalisa a transferência deste hidrogênio para o FADH2 (o resumo do mecanismo de transporte está na Figura 16.3). Diidroxiacetona fosfato Figura 16.3: Lançadeira do glicerolfosfato. 68 CEDERJ 16 MÓDULO 4 AULA Assim, cada NADH reduzido na glicólise será transformado em FADH2 para participar da CTE na mitocôndria. Neste caso, portanto, temos uma diferença essencial quanto ao saldo de ATPs após a CTE. Lembre que cada NADH gera energia suficiente para a síntese de 3 ATPs, enquanto o FADH2 apenas para 2 ATPs. Agora temos todo NADH na matriz mitocondrial. Além do FADH2, é claro. Estes aceptores são o ponto de partida para a síntese de ATP. Cada NADH que transfere seus hidrogênios para a cadeia transportadora gera energia suficiente para a síntese de 3 moléculas de ATP. Cada FADH2 gera energia para a síntese de apenas 2 moléculas de ATP. Agora faça os cálculos... quando uma molécula de glicose sofre oxidação completa, quantas moléculas de ATP podem ser geradas por fosforilação oxidativa? Quantas moléculas foram geradas por fosforilação no nível do substrato, na glicólise e no ciclo do ácido cítrico? Qual o total de moléculas de ATP sintetizado por molécula de glicose durante o processo completo de respiração celular? Se você chegou a 38 moléculas de ATP, ótimo (veja Tabela 16.1). Tabela 16.1: Balanço energético da respiração celular em cada uma das etapas a partir da oxidação completa de uma molécula de glicose. Etapa da respiração celular Glicólise Piruvato Fosforilação substrato 2 ATP Acetil-CoA Ciclo do ácido cítrico Total = 38 2 ATP 4 Fosforilação oxidativa 2NADHx3= 6 ATP 2NADHx3= 6ATP 6NADHx3 = 18 ATP 2FADH2x2 = 4 ATP 34 Você já sabe que se o NADH gerado durante a glicólise for transportado pela lançadeira do glicerofosfato, uma molécula de ATP terá que ser utilizada para o transporte. Assim, dois ATPs serão gastos para levar as duas moléculas de NADH reduzidas na glicólise para a matriz mitocondrial. Neste caso, do total de 38 moléculas de ATP teremos apenas 36 moléculas de ATP, após a degradação completa de uma molécula de glicose. Você encontrará em alguns livros 36 ATPs e CEDERJ 69 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II em outros 38 ATPs, como produto final da respiração celular. Agora, você já sabe de onde vem esta aparente discrepância. Além disso, após 1991, verificou-se que a relação de 3 ATPs por NADH e 2 ATPs por FADH2 não é exata. Alguns trabalhos mostraram que a relação é de 2,5 moléculas de ATP para cada NADH reoxidado na cadeia transportadora de elétrons e de 1,5 molécula de ATP para cada FADH2. A CADEIA TRANSPORTADORA DE ELÉTRONS (CTE) Agora vamos à cadeia transportadora de elétrons mitocondrial. Sua organização e seu mecanismo de funcionamento se assemelham à cadeia transportadora de elétrons presente no cloroplasto que vimos nas aulas de fotossíntese (Aula 6). Na membrana interna mitocondrial existem partículas organizadas em uma seqüência definida. Esta organização obedece a um padrão baseado no potencial redox de cada um dos componentes. Alguns componentes são complexos protéicos integrais de membrana, outros são componentes móveis. Os componentes da cadeia transportadora de elétrons Como já vimos anteriormente, a membrana interna mitocondrial é rica em proteínas. A maior parte dessas proteínas é componente da cadeia transportadora de elétrons. As proteínas estão organizadas em quatro complexos protéicos responsáveis pelas reações de oxirredução que ocorrem nesta membrana. São eles: Complexo I – também chamado NADH desidrogenase ou NADH: CoQ oxidorredutase. Complexo II – também chamado succinato desidrogenase ou succinato: CoQ oxidorredutase. Complexo III – também chamado citocromo bc1. Complexo IV – também chamado citocromo oxidase. Além desses complexos protéicos, existem dois componentes móveis da cadeia: a ubiquinona (também chamada coenzima Q e representada como UQ ou CoQ) e o citocromo c. 70 CEDERJ 16 MÓDULO 4 AULA A seqüência de transporte de elétrons Vejamos agora mais detalhadamente cada um dos complexos protéicos e o papel que eles desempenham na cadeia transportadora de elétrons. O complexo I - NADH desidrogenase ou NADH: CoQ oxidorredutase O complexo I tem atividade NADH desidrogenase, ou seja, usa NADH como substrato para uma reação de desidrogenação. Este complexo apresenta, como co-fator, flavina mononucleotídeo (FMN), além de centros ferro-enxofre. Sua estrutura protéica é composta por mais de 30 subunidades totalizando uma massa molecular de aproximadamente 850 kDa. No complexo o percurso dos elétrons é: NADH FMN Fe-S UQ FeS UQ O alvo final dos elétrons é a ubiquinona (UQ). O complexo transporta dois elétrons para a ubiquinona e quatro prótons da matriz mitocondrial para o espaço intermembranar. Figura 16.4: O complexo I da cadeia transportadora de elétrons. Os elétrons são transferidos do NADH para o FMN, formando FMNH2. Dois elétrons percorrem ainda os centros ferroenxofre até atingirem a ubiquinona. Quatro prótons são bombeados da matriz mitocondrial para o espaço entre as membranas interna e externa. Fonte: Garret & Grisham. Biochemistry. 2ª ed. fig. 21.6. Saunders College Publishing. Disponível online em: http://www.people.virignia.edu/~cmg/slides_download.html CEDERJ 71 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II O complexo II - succinato desidrogenase ou succinato: CoQ oxidorredutase O complexo II é um complexo independente, que aceita elétrons apenas do FADH2 e os transfere também para a ubiquinona. O complexo está presente na membrana interna mitocondrial e também participa do ciclo de Krebs através de sua atividade succinato desidrogenase. Na sua estrutura estão presentes quatro cadeias polipeptídicas, incluindo duas proteínas ferro-enxofre e flavoproteínas 2 (FP2) onde o FAD (flavina dinucleotídeo) encontra-se covalentemente ligado. Você já sabe, das aulas de fotossíntese, que existem diferentes tipos de centros ferro-enxofre ligados a proteínas. Estes podem ser do tipo 4Fe-4S, 3Fe-4S ou 2Fe-2S (ver ferredoxina, na Aula 6 do módulo fotossíntese), dependendo do número de átomos de ferro e de enxofre presentes nos complexos. A reação que ocorre no complexo é a seguinte: Succinato + UQ Fumarato + UQH2 O percurso dos elétrons é o seguinte: Succinato FADH2 2Fe2+ UQH2 Figura 16.5: O complexo II da CTE. Este complexo recebe os elétrons do FADH2 reduzido no ciclo do ácido cítrico e os transfere para a ubiquinona através de seu centro ferro-enxofre. Fonte: Garret & Grisham. Biochemistry. 2ª ed. fig. 21.6. Saunders College Publishing. Disponível online em: http://www.people.virginia.edu/ cmg/slides_download.html Entretanto, a ubiquinona (UQ) pode ser parcialmente reduzida e formar um radical semiquinona (UQH*). A redução deste radical leva à formação de ubiquinol (UQH2). Em condições fisiológicas, a quantidade de semiquinona formada é muito pequena, pois toda semiquinona é rapidamente convertida a ubiquinol (veja Figura 16.6). 72 CEDERJ 16 MÓDULO 4 AULA Em situações especiais pode haver um acúmulo de semiquinona, que é considerado um radical livre e, portanto, é capaz de reagir fortemente com várias biomoléculas, causando danos à sua estrutura. A cadeia transportadora de elétrons é, em potencial, um dos caminhos pelos quais os radicais livres são gerados. Figura 16.6: Ubiquinona é parcialmente reduzida formando um radical semiquinona que é novamente reduzido, formando ubiquinol. O complexo III - citocromo bc1 O principal componente do complexo III é uma proteína transmembrana chamada citocromo b. Você conheceu a história dos citocromos na aula anterior. Este citocromo se caracteriza por apresentar como grupo prostético um grupamento heme bL e outro ! Se você não se lembra do conceito de grupo prostético, volte às aulas de proteínas, em Bioquímica I. grupamento heme bh. Estas moléculas são apresentadas na Figura 16.7 e distinguem-se pelos diferentes tipos de citocromo apenas nas cadeias laterais (ver Figura 16.7). A B C Figura 16.7: O grupamento heme ou ferro-protoporfirina IX é o grupo prostético dos citocromos. A) molécula encontrada no citocromo b; B) a molécula encontrada no citocromo c; C) a molécula encontrada no citocromo. CEDERJ 73 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II O ciclo Q A coenzima Q (CoQ) ou ubiquinona (Q ou UQ) passa seus elétrons para o citocromo c (e bombeia prótons) num ciclo redox único ! Para relembrar o conceito de unidades isoprenóides, veja aula de outros lipídeos em Bioquímica I. chamado ciclo Q. A coenzima Q é uma benzoquinona ligada a várias unidades isoprenóides (normalmente 10 em células de mamíferos e 6 em bactérias). A cauda isoprenóide dá à molécula seu caráter apolar, que permite à CoQ difundir-se rapidamente pela membrana interna mitocondrial. A CoQ tem a habilidade de aceitar um par de elétrons (aceptor dieletrônico) e passá-los, um de cada vez, através de um intermediário semiquinona até o complexo III. Isso ocorre em duas etapas: a primeira etapa é a migração do ubiquinol (UQ2) para o sítio Qp da citocromo c redutase. Dois elétrons e dois prótons são liberados, resultando em uma oxidação a um intermediário semiquinona (UQH*) e, finalmente, à ubiquinona (UQ), que pode deixar o sítio e entrar no pool da membrana. Um elétron é passado a uma proteína ferro-enxofre através do citocromo c1 e, finalmente, ao citocromo c móvel no espaço intermembranas. O outro elétron passa através dos citocromos bL e bH, reduzindo a ubiquinona a semiquinona no sítio Qn da enzima. A primeira etapa do ciclo Q pode ser resumida através da seguinte equação: UQH2 + CITOCROMO C (oxidado) UQH* + 2H + CITOCROMO C (reduzido) Na segunda etapa do ciclo, outro ubiquinol (UQ2) entra no sítio Qp e é oxidado a ubiquinona, doando um novo par de elétrons para o citocromo c. Entretanto, desta vez o segundo elétron é usado para reduzir o intermediário semiquinona a ubiquinol, bombeando dois prótons da matriz para o espaço intermembranas e retornando ubiquinol para o pool da membrana. O resultado final dessas reações é o bombeamento de quatro prótons para cada molécula de ubiquinol que é oxidada. A razão para a complexidade deste processo é que a cadeia precisa transferir dois elétrons do ubiquinol para duas moléculas carreadoras de um elétron (aceptor monoeletrônico), o citocromo c. A segunda etapa do ciclo Q pode ser resumida na equação a seguir: UQH2 + UQH*+ 2H+ + CITOCROMO (oxidado) 74 CEDERJ UQH2 + 2H+ + UQ + CITOCROMO (reduzido) UQH2 + CITOCROMO C (ox.) 16 MÓDULO 4 AULA O resumo do ciclo está no Esquema 16.1, a seguir: UQH* + 2H+fora + CITOCROMO C (reduz.) UQH2 + UQH* + 2H+dentro+ CITOCROMO C (ox.) UQH2 + 2H+dentro+ 2 CITOCROMO C (ox.) 2e- UQH2 + 2H+fora + UQ + CITOCROMO C (reduz.) 4 H+fora + 2 CITOCROMO C (reduz.) + UQ Na Figura 16.8, apresentamos um esquema do ciclo Q. B A Figura 16.8: O ciclo Q. Em A, a primeira etapa do ciclo com a transferência de dois elétrons do ubiquinol para o citocromo c e a formação do intermediário semiquinona. Em B, a segunda etapa do ciclo com a transferência de elétrons de outro ubiquinol, formando ubiquinona. Quatro prótons são bombeados da matriz para o espaço intermembranas. Cyt c = citocromo c. O complexo IV - citocromo oxidase Na seqüência da cadeia transportadora temos até agora dois citocromos reduzidos. Eles são componentes móveis da cadeia que, em seguida, sofrerão oxidação, enquanto passam seus elétrons para o próximo componente, o complexo IV, também chamado citocromo oxidase. Essa enzima é composta de dez subunidades, mas grande parte da sua estrutura ainda hoje é desconhecida. Sabe-se que a citocromo oxidase utiliza dois hemes (a e a3) e dois sítios de cobre. O papel da citocromo oxidase é aceitar elétrons do citocromo c e usá-los para reduzir o oxigênio, formando duas moléculas de água. O complexo é responsável também pelo último ponto de bombeamento de prótons da cadeia. 4 CITOCROMO C (red.) + 4H+ + O2 4CITOCROMO (ox.) + 2H2O CEDERJ 75 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II Figura 16.9.a: A organização molecular do heme e átomos de cobre no complexo IV. Figura 16.9.b: O complexo IV ou citocromo oxidase ou citocromo a, a 3. A redução de uma molécula de oxigênio para formar duas moléculas de água requer quatro elétrons. Entretanto, o citocromo c, como vimos anteriormente, transporta apenas um elétron de cada vez. A redução incompleta do oxigênio pode gerar peróxidos ou radicais livres de oxigênio, espécies altamente reativas. O funcionamento eficiente da citocromo oxidase impede a formação desses radicais pela incompleta redução do oxigênio. Figura 16.10: A função do citocromo oxidase. Em resumo: O oxigênio é o aceptor final dos elétrons na cadeia transportadora. A redução do oxigênio resulta na síntese de água. 76 CEDERJ 16 MÓDULO 4 AULA A FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA O COMPLEXO V - ATP SINTASE O complexo V - ATP sintase A ATP sintase é uma enzima que catalisa a síntese de ATP. Você já viu uma enzima parecida na fotossíntese (veja fase clara, Aula 6). No processo de respiração celular, esta enzima é responsável pela etapa chamada FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA. Nesta etapa, a energia do fluxo de elétrons é convertida em ATP. Até o complexo IV, o resultado da cadeia transportadora de elétrons é a síntese de duas moléculas de água e um aumento da concentração de prótons no espaço intermembranas. Lembre que esses prótons foram bombeados pelos complexos I, III e IV. O bombeamento de prótons estabelece um gradiente de prótons através da membrana mitocondrial interna (veja na Figura 16.11). Figura 16.11: Os pontos de bombeamento de prótons da matriz para o espaço intermembranas durante a cadeia transportadora de elétrons. Este gradiente protônico é também um gradiente eletroquímico, pois ocorre uma diferença de potencial (ddp) entre um lado e outro da membrana mitocondrial interna (Figura 16.12). Em outras palavras, a P ETER D. M ITCHELL concentração de prótons em um lado da membrana determina que este Prêmio Nobel de Química de 1978, por sua contribuição ao entendimento dos processos de transferência de energia em sistemas biológicos através da formulação da Teoria Quimiosmótica. http://www.nobel.se/ chemistry/laureates/ 1978/mitchellbio.html lado seja mais positivo que o outro. Figura 16.12: O gradiente dos prótons formado durante a cadeia transportadora de elétrons. CEDERJ 77 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II A membrana mitocondrial interna não é permeável a prótons e, portanto, qualquer movimento deles requer um transportador específico. O complexo ATP sintase tem uma estrutura complexa: parte da enzima funciona como um canal de prótons e é por ali que estes retornarão à matriz mitocondrial, desfazendo o gradiente. Segundo Peter Mitchell, a ATP sintase usa a energia do gradiente de prótons para sintetizar ATP, a partir de ADP e Pi. Esta teoria é chamada Teoria Quimiosmótica, e é a mais aceita nos dias de hoje. Você lembra de quando dissemos, no início da aula, que a cadeia transportadora de elétrons e a fosforilação oxidativa eram eventos acoplados? Pois bem, veja um esquema completo, representando tal acoplamento na Figura 16.13. Figura 16.13: Acoplamento entre a cadeia transportadora de elétrons e a fosforilação oxidativa. A ATP sintase é uma enzima constituída por duas partes com atividades distintas, chamadas F1 e F0. Por este motivo ela também é chamada F1- F0 – ATPase. A estrutura tridimensional da proteína pode ser vista na Figura 16.14. a b Figura 16.14: Estrutura tridimensional da ATP sintase. Em (a) uma vista lateral e em (b) uma visão frontal da estrutura da proteína. Note o arranjo das subunidades. Fonte: Biochemistry. 2a ed. Garrett e Grisham, Saunders College Publishing. Disponível online em: http://www.people.virginia.edu/~cmg/slides_download.html 78 CEDERJ 16 MÓDULO 4 AULA A SEQÜÊNCIA DA CADEIA DE TRANSPORTE DE ELÉTRONS REFLETE OS POTENCIAIS REDOX DE SEUS COMPONENTES Os componentes da cadeia transportadora de elétrons estão organizados segundo seu potencial de oxirredução (Figura 16.15). O potencial de redução padrão dos diferentes componentes da membrana interna mitocondrial permite a progressiva passagem dos elétrons do NADH e do FADH2 do menor ao maior potencial de redução padrão. Conforme os elétrons atravessam sucessivamente os complexos I, II e IV, é gerada energia livre suficiente para a síntese de uma molécula de ATP. No caso do FADH2, o complexo II não é capaz de bombear prótons. Assim, a energia livre gerada na reoxidação desta molécula é menor, e portanto menos ATP é gerado por molécula de FADH2. Figura 16.15: O potencial de redução padrão dos componentes móveis e dos complexos é indicado pela escala à esquerda. Também estão indicados os pontos onde a energia liberada é suficiente para sintetizar ATP e os sítios dos vários inibidores respiratórios (rotenona, amital, antimiciana A e cianeto). Os complexos I, II e IV não sintetizam diretamente ATP, mas capturam a energia livre necessária para a síntese de ATP pelo bombeamento de prótons que gera o gradiente utilizado como força eletromotriz pela ATP sintase. CEDERJ 79 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II A REGULAÇÃO DA CADEIA TRANSPORTADORA DE ELÉTRONS E FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA A cadeia transportadora de elétrons é regulada pela disponibilidade dos substratos, NADH, FADH2, ADP, Pi e oxigênio. Assim, ela e a fosforilação oxidativa estarão inibidas nas seguintes situações: a) NADH/NAD+ – baixa – nesta situação o poder redutor é baixo e existe uma baixa concentração de doadores de elétrons para a CTE. ATP/ADP – alta – nesta situação a carga energética da célula é alta, e, portanto, a síntese de ATP não precisa ser estimulada. O2 – baixo – o oxigênio é o aceptor final dos elétrons e, na ausência dele, os transportadores ficam saturados e não são mais capazes de aceitar novos elétrons, paralisando a cadeia transportadora. É por isso que precisamos respirar oxigênio. DESACOPLAMENTO Você já sabe que a CTE e a fosforilação oxidativa são eventos acoplados, interdependentes. Para que a mitocôndria sintetize ATP, é necessário que os elétrons passem através dos componentes da cadeia e que os prótons sejam bombeados. Entretanto, em alguns casos é possível desacoplar os dois processos. Isso pode ocorrer com a utilização de substâncias químicas chamadas desacopladores, como o 2,4-dinitrofenol (DNP) ou o carbonilcianeto-p-trif luorometoxifenilhidrazona (FCCP) (ver Figura 16.16). Estas moléculas, por serem capazes de atravessar facilmente a membrana interna mitocondrial por difusão, podem levar os prótons do espaço intermembranas de volta para a matriz, desfazendo o gradiente eletroquímico. Na presença dessas substâncias, então, a cadeia transportadora de elétrons funciona sem que haja síntese de ATP. Figura 16.16: Mecanismo de ação dos desacopladores DNP e FCCP. 80 CEDERJ 16 MÓDULO 4 AULA O DNA foi utilizado, por algum tempo, no tratamento da obesidade. Você pode imaginar por quê? Você acha que este tipo de tratamento não é eficiente para o que ele se propõe? Por quê? Por outro lado, existem situações fisiológicas especiais em que o desacoplamento ocorre. Esse é o caso do tecido adiposo marrom de recém-nascidos e organismos hibernadores, nos quais o desacoplamento é um importante mecanismo para manter o corpo aquecido. Nesses tecidos, a membrana interna mitocondrial apresenta uma proteína desacopladora conhecida como termogenina. Esta proteína é um canal de prótons que, como os desacopladores químicos, deixa passar os prótons de volta para a matriz mitocondrial, desfazendo o gradiente eletroquímico. A energia, neste caso, é dissipada em forma de calor. Figura 16.17: A termogenina, proteína desacopladora presente na membrana interna mitocondrial do tecido adiposo marrom. CEDERJ 81 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de carboidratos II RESUMO A respiração celular é o processo pelo qual uma molécula de glicose é quebrada totalmente em CO2 e H2O na presença de O2. Este processo resulta na conversão da energia contida nas moléculas de glicose em ATP. A síntese de ATP ocorre nas mitocôndrias por fosforilação oxidativa e é um evento dirigido pela energia do gradiente de prótons formado na cadeia transportadora de elétrons mitocondrial. A cadeia transportadora de elétrons (CTE) tem como substrato NADH e FADH2, gerados no ciclo de Krebs e na glicólise. Os elétrons passam através dos componentes da CTE, que estão organizados segundo seu potencial de oxirredução. O aceptor final desses elétrons é o oxigênio, formando água. Os complexos I, III e IV da CTE são também bombas de prótons. Estes complexos retiram os prótons da matriz mitocondrial e jogam para o espaço intermembranas, gerando um gradiente eletroquímico. A ATP sintase, presente na membrana interna mitocondrial, é capaz de utilizar a energia deste gradiente eletroquímico e convertê-la em ATP. O processo é regulado pela disponibilidade do substrato (ADP, Pi, NADH e FADH2). EXERCÍCIOS 1. Descreva a rota seguida pelos elétrons da glicose até o O2. 2. Explique como se dá o acoplamento entre cadeia transportadora de elétrons e fosforilação oxidativa. 3. Como os dois processos podem ser desacoplados? 4. Explique o caminho percorrido pelo NADH reduzido na glicólise até a cadeia transportadora de elétrons. 5. Quais as vantagens e desvantagens do metabolismo baseado no oxigênio? 6. Faça um paralelo entre o metabolismo oxidativo de carboidratos (glicólise, ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons e fosforilação oxidativa) e a fotossíntese, destacando diferenças e semelhanças. A que conclusões você chegou a respeito dos princípios básicos que norteiam os mecanismos utilizados pelos organismos para obtenção de energia? 7. Explique por que a mitocôndria de uma célula hepática contém menos cristas do que a mitocôndria da célula do músculo cardíaco. 82 CEDERJ objetivos AULA A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia 17 Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • Identificar as situações metabólicas nas quais ocorre o catabolismo dos aminoácidos. • Conhecer o destino do grupamento amino (NH3) presente nos aminoácidos. • Conhecer o destino do esqueleto de carbonos dos aminoácidos. • Conhecer as principais vias de modificação do grupamento amino, formado em tecidos extrahepáticos, e de seu transporte para o fígado. Pré-requisitos Conhecimento da estrutura e da simbologia dos aminoácidos obtido em Bioquímica I (Módulo 2, Aulas 8 a 10). Conhecimento do ciclo de Krebs obtido nas Aulas 13 e 14 desta disciplina. BIOQUÍMICA II | A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia INTRODUÇÃO Agora, nós voltaremos nossa atenção para o processo de obtenção de energia a partir da oxidação dos aminoácidos. A fração de energia metabólica que pode ser obtida dos aminoácidos provenientes das proteínas da dieta ou das proteínas musculares varia consideravelmente com o tipo do organismo e com as condições metabólicas do mesmo. Carnívoros, logo após a alimentação, podem obter até 90% dos seus requerimentos energéticos da oxidação dos aminoácidos, enquanto os herbívoros podem obter pouca energia dessa rota metabólica. Microorganismos podem obter aminoácidos do meio e aproveitá-los, já as plantas raramente oxidam aminoácidos para obter energia; a maior parte da sua energia metabólica é obtida da degradação de carboidratos. A concentração dos aminoácidos nas plantas é ajustada para atender à síntese de proteínas, de ácidos nucléicos e de outras moléculas necessárias ao seu crescimento. Em animais, os aminoácidos sofrem o processo oxidativo em três diferentes circunstâncias metabólicas: 1. Durante a síntese e degradação normal das proteínas, que recebe o nome de turnover de proteínas, alguns aminoácidos obtidos pela degradação são utilizados para a síntese de novas proteínas. 2. Quando a dieta é rica em proteínas, e a ingestão excede as necessidades do corpo para a síntese de suas próprias proteínas (após um churrasco, por exemplo), tal excesso é degradado, visto que os aminoácidos não podem ser estocados. 3. Durante o jejum ou em doenças como a diabetes melito, quando os carboidratos já não estão mais disponíveis ou não podem ser utilizados, as proteínas celulares são utilizadas como combustível. Em todas essas condições metabólicas, os aminoácidos perdem seus grupamentos amino para formar alfa-cetoácidos (moléculas como aquelas que você aprendeu ao estudar o ciclo de Krebs, Aula 14). Os “esqueletos de carbonos”, ou seja, a cadeia carbônica dos aminoácidos, formam os α-cetoácidos. Como você aprendeu (Aula 14), os alfa-cetoácidos podem ser degradados a CO2 e H2O ou, com maior freqüência, podem fornecer esqueletos com três ou quatro unidades de carbono que serão convertidos em moléculas de glicose, combustível necessário ao cérebro, músculo e outros tecidos. Esse processo é feito através de uma rota metabólica, denominada gliconeogênese, que você aprenderá na Aula 30. As vias de degradação dos aminoácidos são muito parecidas em diversos organismos; o foco desta aula será o catabolismo que ocorre em vertebrados. De um modo geral, as vias de degradação convergem para vias metabólicas centrais. 84 CEDERJ 17 MÓDULO 5 AULA Você pôde observar, nas Aulas de 9 a 11, que a degradação dos carboidratos forneceu piruvato, que, por sua vez, foi convertido a acetil-CoA; a degradação de ácidos graxos também gerou moléculas de acetil-CoA que foi oxidada no ciclo de Krebs. Um ponto importante para distinguir o metabolismo dos aminoácidos do processo de degradação dos ácidos graxos e dos carboidratos é que todos os aminoácidos contêm grupamento amino; logo, seu processo de degradação inclui uma etapa chave, na qual o grupamento amino é separado do esqueleto de carbonos e desviado para vias específicas de utilização de aminoácidos. Veja um resumo esquemático da transformação dos aminoácidos na Figura 17.1. Nela, podemos observar que os aminoácidos podem vir tanto da dieta quanto de outras proteínas intracelulares. A cadeia de carbonos é utilizada em rotas metabólicas que você já conhece, enquanto a parte nitrogenada dos aminoácidos, na forma de amônia, é processada em uma via denominada “ciclo da uréia”, que será abordada em detalhes na Aula 18. Figura 17.1: Visão geral do catabolismo dos aminoácidos em mamíferos. CEDERJ 85 BIOQUÍMICA II | A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia DESTINO METABÓLICO DOS GRUPAMENTOS AMINO AMINOÁCIDOS ESSENCIAIS São aqueles que devem ser ingeridos na dieta. As células não possuem enzimas para sintetizar seu esqueleto carbônico. Em mamíferos são: isoleucina, leucina, valina, lisina, treonina, triptofano, fenilalanina, metionina e histidina. DESTINO DO O nitrogênio molecular existe na natureza, em bastante quantidade; no entanto, antes de ser utilizado pelos animais, ele deve ser “fixado”, isto é, reduzido da forma de N2 para NH3 por microorganismos e plantas. A amônia é então incorporada, por esses organismos, em aminoácidos e proteínas. Você aprendeu em Bioquímica 1 que alguns AMINOÁCIDOS considerados ESSENCIAIS, pois não podem ser sintetizados pelo organismo, e, portanto, devem ser ingeridos na dieta. Os não-essenciais podem ser produzidos no nosso organismo a partir dos essenciais. Humanos não podem sintetizar 11 dos 20 aminoácidos necessários à síntese de proteínas endógenas. Os carbonos dos aminoácidos entram no metabolismo ESQUELETO DE intermediário em um dos pontos apresentados a seguir: CARBONOS DOS denominados AMINOÁCIDOS Os aminoácidos, quando desaminados, produzem αcetoácidos que, diretamente ou através de reações adicionais, rendem componentes do ciclo de Krebs. Os aminoácidos podem ser agrupados em duas classes: glicogênicos e cetogênicos. Figura 17.2: Pontos de entrada dos aminoácidos no ciclo de Krebs. Nas caixas estão registrados os pontos de entrada dos aminoácidos glicogênicos. Aminoácidos cetogênicos produzem acetil-CoA ou aceto-acetil-CoA. Em negrito estão destacados os aminoácidos essenciais. 86 CEDERJ são GLICOGÊNICOS AMINOÁCIDOS (poderão formar glicose) são metabolizados em piruvato, 3-fosfoglicerato, α-cetoglutarato, oxaloacetato, fumarato ou succinil-CoA; AMINOÁCIDOS CETOGÊNICOS (que podem formar corpos cetônicos) produzem acetil-CoA ou acetoacetato. O metabolismo de alguns aminoácidos resulta em mais de um dos pontos apresentados e, assim, alguns aminoácidos podem ser tanto glicogênicos como cetogênicos. Veja, na Figura 17.2, os pontos de entrada dos aminoácidos glicogênicos e cetogênicos nas rotas metabólicas. serem utilizados como fonte de energia, perdem seus grupamentos amino e são convertidos em intermediários do ciclo de Krebs e que a amônia pode ser convertida em uréia para ser eliminada. Na realidade, a amônia pode ser eliminada como amônia nos animais aquáticos, como ácido úrico em aves e répteis e como uréia em muitos vertebrados terrestres. Assim, daremos prosseguimento à nossa aula, apresentando inicialmente as formas de transferência do grupamento amônia (NH3) e em seguida o processo de formação da uréia, que será aprofundado na Aula 18. Os aminoácidos da dieta são a principal fonte de grupos amino; a maioria é metabolizada no fígado. Alguma amônia gerada nesse processo é reciclada e usada em diversas vias biossintéticas. O excesso é eliminado como uréia, amônia ou ácido úrico. O excesso de amônia gerado em outros tecidos também é transportado para o fígado para ser convertido em sua forma de excreção. Para entendermos o mecanismo de oxidação dos aminoácidos, devemos considerar alguns aspectos importantes que serão abordados de forma integrada; no entanto, você deverá ler com atenção os tópicos destacados nas caixas laterais, para fixá-los separadamente. Abordaremos os seguintes pontos: 1. A importância das transaminases e a formação do glutamato. 2. O papel da glutamina no processo de desintoxicação. 3. A importância da alanina para o transporte de grupamentos amino gerados pelo catabolismo dos aminoácidos em tecidos extra-hepáticos, como os músculos. Glutamato e glutamina têm um papel crítico no metabolismo do nitrogênio. A maioria dos grupamentos NH3 dos aminoácidos é GLICOGÊNICOS Os esqueletos carbônicos dos aminoácidos glicogênicos são degradados em piruvato ou intermediários, de 4 e 5 carbonos, do ciclo de Krebs. Os aminoácidos glicogênicos são as principais fontes de carbono da gliconeogênese quando os níveis de glicose caem. Eles podem ser degradados para produzir energia ou ser convertidos em glicogênio ou ácidos graxos para estocar energia. AMINOÁCIDOS CETOGÊNICOS Os esqueletos de carbonos dos aminoácidos cetogênicos são degradados em acetilCoA e acetoacetato. O esqueleto carbônico dos aminoácidos cetogênicos pode ser catabolizado para a produção de energia ou ser convertido a corpos cetônicos ou ácidos graxos. transferida para o alfa-cetoglutarato, formando o íon glutamato. O íon glutamato é então transportado para a mitocôndria, onde o grupamento amino é removido para formar o íon amônio (NH4+). O excesso de amônia gerado em outros tecidos é convertido em grupamento amida da glutamina, a qual passa para o citosol dos hepatócitos e desse para a mitocôndria do hepatócito. Na maioria dos tecidos, glutamina ou glutamato ou ambos estão presentes em concentrações maiores do que qualquer outro aminoácido. No músculo, o excesso de grupamentos amino gerado é transferido para o piruvato, formando alanina, uma outra molécula importante para o transporte de grupamentos amino para o fígado. A transferência de grupamentos amino é catalisada por enzimas denominadas aminotransferases ou transaminases. Observe um exemplo genérico dessas reações na Figura 17.3. As transaminases apresentam outros papéis, que são destacados na caixa lateral. CEDERJ 87 17 MÓDULO 5 AMINOÁCIDOS AULA Até este ponto da aula você aprendeu que os aminoácidos, para BIOQUÍMICA II | A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia DESAMINAÇÃO DE AMINOÁCIDOS Além de equilibrar os grupamentos amino entre α-cetoácidos, as transaminases recolhem o grupamento amino do excesso de aminoácidos da dieta e transferem para aqueles aminoácidos que podem ser desaminados, como por exemplo o glutamato. O esqueleto de carbonos dos aminoácidos, que podem ser desaminados, pode ser catabolizado para obter energia ou ser usado para a síntese de glicose ou ácidos graxos para estocar energia. Somente alguns aminoácidos podem ser desaminados diretamente. Figura 17.3: Reação catalisada por uma transaminase ou aminotransferase – enzimas que catalisam a transferência reversível de um grupo amino entre dois α-cetoácidos. Transaminases são enzimas que transferem grupamentos amino de aminoácidos para α-cetoácidos. Essas enzimas equilibram os grupamentos amino entre os α-cetoácidos. Elas permitem a síntese de aminoácidos não-essenciais a partir de outros aminoácidos. Assim, o balanço entre diferentes aminoácidos é mantido, e várias proteínas podem ser sintetizadas. A Figura 17.4 mostra como os amino grupos da alanina e do ácido aspártico são transferidos para o α-cetoglutarato para formar glutamato. Nessa reação, o piruvato produzido fornece carbonos para formar glicose (gliconeogênese, você verá na Aula 30) ou pode ser descarboxilado a acetil-CoA (Aula 14) para entrar no ciclo de A Krebs e gerar energia. A transaminação é a reação mais comum envolvendo aminoácidos; somente dois aminoácidos, lisina e treonina, não participam de reações de transaminação. Observe novamente a Figura 17.4 e note que o par α-cetoglutarato e glutamato está sempre presente; o que muda é o aminoácido a ser transformado e, conseqüentemente, o novo α- B cetoácido formado. Figura 17.4: A) Reação catalisada pela alanina aminotransferase; B) Reação catalisada pela aspartato aminotransferase. Observe em A que a alanina doa seu grupamento amino sendo convertida no α-cetoácido, o piruvato; em B o aspartato doa seu grupamento amino sendo convertido no α-cetoácido, o oxaloacetato; em ambas as reações o α-cetoglutarato recebe o grupamento amino, tornando-se o aminoácido glutamato. 88 CEDERJ 17 MÓDULO 5 AULA Assim, por exemplo, no caso da alanina o produto formado é o piruvato; se o aminoácido for o ácido aspártico, na forma de aspartato, o produto gerado será o oxaloacetato. As transaminases são enzimas que apresentam como co-fator o grupamento piridoxal fosfato, a forma funcional da vitamina B6. O sítio ativo das transaminases contém piridoxal fosfato associado, por uma ligação covalente, ao grupo ε-amino do aminoácido lisina, denominado base de Schiff. É esse grupamento que se encarrega de transportar o grupamento NH3 dos aminoácidos. A Figura 17.5 (letras “A”a“D”) apresenta o esquema de formação da base de Schiff e do mecanismo de reação catalisado por transaminases, o primeiro passo para o catabolismo da maioria dos aminoácidos. B A Figura 17.5: A) Estrutura do piridoxal fosfato – O grupo prostético das transaminases é o piridoxal fosfato (PLP), um derivado da vitamina B6. C Figura 17.5: B) Enzima (Lys) – PLP – No estado de repouso, o grupamento aldeído do piridoxalfosfato está ligado ao grupamento ε-amino do resíduo de lisina da transaminase. D Figura 17. 5: Aminoácido – PLP na forma de uma base de Schiff – C) O α-amino grupo do substrato aminoácido desloca lisina da enzima, para formar uma base de Schiff com o PLP. D) Esse tipo de ligação promove a posterior hidrólise, liberando o α-cetoácido derivado do aminoácido, o piridoxal fosfato é convertido em uma piridoxaminafosfato. CEDERJ 89 BIOQUÍMICA II | A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia FUNÇÃO Como vimos até aqui, o glutamato atua como o transportador da DA ENZIMA amônia de muitos aminoácidos para o fígado. Como os amino grupos L - G L U TA M AT O do glutamato são removidos para serem excretados? DESIDROGENASE Retirar do aminoácido glutamato o íon amônio (NH3), proveniente de diversos aminoácidos, para que amônia tóxica seja utilizada na formação da uréia. Nos hepatócitos, o glutamato é transportado do citosol para as mitocôndrias, onde sofre uma desaminação oxidativa (retirada do grupamento amônia com perda de hidrogênios), catalisada pela ENZIMA L-GLUTAMATO + DESIDROGENASE. Em mamíferos, essa enzima pode utilizar + tanto NAD como NADP como aceptor de equivalentes redutores. A reação catalisada pela L-glutamato desidrogenase é apresentada na Figura 17.6. MECANISMOS POSTULADOS PA R A A TOXICIDADE DA AMÔNIA 1 - Altas concentrações de amônia deslocam o equilíbrio da reação catalisada pela glutamina sintetase no sentido de formação de glutamina. Isso leva a um consumo aumentado do glutamato, um neurotransmissor e precursor para a síntese de um outro neurotransmissor, o ácido gama-amino butírico (GABA). 2 - O consumo de glutamato e altas concentrações de amônia poderiam deslocar o equilíbrio da reação catalisada pela glutamato desidrogenase no sentido reverso, ou seja, no sentido de consumir αcetoglutarato, um intermediário essencial para o ciclo de Krebs. Isso limita o metabolismo energético do cérebro. 90 CEDERJ Figura 17.6: Reação catalisada pela glutamato desidrogenase. A glutamato desidrogenase remove os grupamentos N do pool de aminoácidos. Ela é uma das poucas enzimas que podem utilizar tanto NAD+ como NADP+ como aceptor de elétrons. A amônia é muito tóxica para o tecido animal. Em muitos animais ela é convertida em componentes não-tóxicos antes de ser exportada dos tecidos extra-hepáticos para o sangue, para ser levada para os rins ou fígado. Novamente o glutamato é crítico nessa etapa. Ele recebe mais um grupamento amino, sendo convertido em glutamina, a qual exerce essa função de transporte. Observe que, nesse caso, houve a formação de uma amida. Vale ressaltar que a amônia, gerada em muitos tecidos, como o cérebro, por exemplo, pode ser produzida pelo metabolismo de outras moléculas, como os nucleotídeos. A enzima que combina a amônia livre com o glutamato para formar a glutamina é a glutamina sintetase. Essa reação requer ATP (já que é uma reação de síntese, onde ligações químicas são formadas) e ocorre em duas etapas. Veja a Figura 17.7. 17 MÓDULO 5 AULA glutamato Figura 17.7: Reação catalisada pelas enzimas glutamina sintetase e glutaminase. As duas primeiras etapas são catalisadas pela enzima glutamina sintetase. Observe que há consumo de ATP na primeira. A terceira etapa é catalisada pela enzima glutaminase. CEDERJ 91 BIOQUÍMICA II | A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia FUNÇÃO DA A glutamina não só transporta a amônia para ser eliminada como ENZIMA também pode ser usada como fonte de amônia para reações biossintéticas. G L U TA M I N A O nitrogênio na forma de amida é liberado como amônia por uma enzima S I N T E TA S E Introduzir um grupamento NH3 no aminoácido glutamato para sintetizar o aminoácido glutamina. Esta reação ocorre para reduzir a concentração da amônia livre. FUNÇÃO DA ENZIMA G L U TA M I N A S E Retirar a amônia que estava sendo transportada pela glutamina. Essa reação ocorre para alimentar vias biossintéticas e para alimentar o ciclo da uréia. denominada glutaminase (Figura 17.7), que está presente somente no fígado e no rim. No fígado, essa enzima fornecerá o íon amônio (NH4+) para alimentar o ciclo da uréia. O íon amônio liberado nos rins pela ação da glutaminase não é transportado pelo sangue nem é convertido em uréia, ele é eliminado diretamente na urina. Devemos ressaltar ainda a importância do aminoácido alanina no transporte de grupamentos NH3. O músculo, ao degradar uma de suas reservas energéticas, o glicogênio, produz glicose. Esta por sua vez é degradada a piruvato para produzir energia. Esse assunto foi abordado nas Aulas de 9 a 11. O piruvato é uma molécula que pode ser utilizada para regenerar glicose. Esse processo ocorre no fígado. Por outro lado, o músculo degrada também proteínas, gerando aminoácidos. Uma solução econômica, para transportar tanto o piruvato quanto a amônia dos aminoácidos gerados nos músculos para o fígado, é sintetizar o aminoácido alanina a partir desses componentes. Veja um resumo dessas informações no ciclo glicose-alanina, apresentado na Figura 17.8. 92 CEDERJ 17 MÓDULO 5 AULA Figura 17.8: Ciclo glicose-alanina. A alanina atua como um carreador de amônia e de esqueletos de carbonos do piruvato dos músculos para o fígado. A amônia é excretada e o piruvato é reutilizado para formar glicose, a qual retorna ao músculo. RESUMO • A amônia é extremamente tóxica para o organismo e, portanto, deve ser eliminada. • A amônia, apesar de solúvel em meio aquoso, por ser tóxica para o organismo, não pode ser transportada livremente pelo sangue. • Para ter sua toxicidade reduzida, o grupamento NH3 dos aminoácidos é transportado associado ao α-cetoglutarato, formando o glutamato. Essa etapa é catalisada por enzimas denominadas transaminases. • O excesso de íons amônio é associado ao íon glutamato, formando o aminoácido glutamina pela ação da enzima glutamino sintetase. CEDERJ 93 BIOQUÍMICA II | A oxidação dos aminoácidos e a produção de uréia • Os grupamentos NH3 provenientes do catabolismo dos aminoácidos das proteínas musculares podem ser transferidos para o piruvato, composto gerado pela degradação de glicose, formando o aminoácido alanina. A alanina é então transportada para o fígado e lá pode liberar o íon amônio, que será convertido em uréia e eliminado na urina, enquanto o esqueleto de carbonos poderá ser reutilizado para formar glicose. EXERCÍCIOS 1. Faça uma distinção entre aminoácidos essenciais e aminoácidos não-essenciais. Indique os principais pontos de entrada desses aminoácidos no ciclo de Krebs. 2. O que são aminoácidos glicogênicos e cetogênicos? Dê exemplos. 3. Represente reações catalisadas por transaminases, glutamato desidrogenase, glutamina sintetase. Escreva sobre a importância de cada uma dessas enzimas. 4. Pesquise, em outras fontes, razões que expliquem a toxicidade dos íons amônia. 5. Pense no tipo de alimento e no ambiente em que vivem os peixes, aves e mamíferos e procure responder: por que esses animais eliminam a amônia de diversas maneiras, ou seja, peixes como amônia; aves como ácido úrico; mamíferos como uréia? INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, nós detalharemos o processo de desintoxicação da amônia que ocorre em mamíferos e em muitos outros animais vertebrados; nós estudaremos a formação da uréia que ocorre em um processo cíclico e, portanto, denominado “ciclo da uréia”. 94 CEDERJ objetivo AULA Ciclo da uréia 18 Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • Entender as etapas de formação da uréia. Pré-requisito Conhecimentos adquiridos na Aula 17. BIOQUÍMICA II | Ciclo da uréia INTRODUÇÃO Na Aula 17, você aprendeu que a amônia é um composto tóxico e que precisa ser eliminada pelo organismo. Vimos que em vários animais o produto de excreção é a uréia. Na aula anterior, foram apresentadas algumas reações para a canalização de íons amônio, de diversos aminoácidos, até o fígado, local onde o processo de desintoxicação ocorre. Falamos da importância das reações de transaminação, desaminação oxidativa e do transporte da amônia na forma de alanina e glutamina. Nesta aula, discutiremos sobre as reações de formação da uréia, o principal produto final do catabolismo do nitrogênio, no homem. Um indivíduo humano consome em torno de 300g de carboidratos, 100g de gordura e 100g de proteínas, diariamente; excreta cerca de 16,5g de nitrogênio, sendo 95% na urina e 5% nas fezes. A uréia pode constituir cerca de 90% do nitrogênio excretado. O ciclo da uréia e o ciclo dos ácidos tricarboxílicos (TCA) foram descobertos por Hans Krebs e colaboradores. De fato, o ciclo da uréia foi descrito antes do ciclo TCA. Em mamíferos, o ciclo da Figura 18.1: Estrutura da uréia. uréia é o mecanismo de escolha para a excreção de amônia. Veja a estrutura da uréia na Figura 18.1. VISÃO GERAL DO PROCESSO DE SÍNTESE DA URÉIA A síntese de 1 mol de uréia requer 4 moles de ATP. Os dois nitrogênios de uma molécula de uréia (Figura 18.1) são derivados de duas fontes: amônia livre e amino grupo do aspartato. Cinco enzimas catalisam o processo de formação da uréia. Seis aminoácidos são intermediários do ciclo. Alguns deles você já conhece: arginina e aspartato. Citrulina, ornitina e argino-succinato não são aminoácidos protéicos; existem somente como aminoácidos livres no organismo. N-acetil glutamato funciona somente como um ativador enzimático. Os outros funcionam como carreadores dos átomos que finalmente formam a uréia. A amônia, primeira fonte de nitrogênio, entra no ciclo após a condensação com o bicarbonato para formar carbamoil-fosfato, o qual reage com a ornitina para formar citrulina. O aspartato, segundo doador de nitrogênio para formar uréia, reage com a citrulina para formar arginosuccinato, o qual é clivado para formar arginina e fumarato. A arginina é hidrolisada para formar uréia e regenerar a ornitina. Como veremos, a biossíntese da uréia é um processo cíclico, ou seja, um dos compostos (a ornitina) é consumido em uma reação e é regenerado em outra (reações 2 e 5, respectivamente, conforme apresentaremos mais adiante, nesta aula). 96 CEDERJ 18 MÓDULO 5 AULA Não há perda ou ganho efetivo de ornitina, de citrulina, argino-succinato e arginina. Todavia, íon amônio, CO2, aspartato e ATP são consumidos. Algumas reações da síntese da uréia ocorrem na mitocôndria, enquanto outras ocorrem no citosol. A uréia é então transportada para o rim e eliminada na urina. REAÇÕES DO CICLO DA URÉIA 1a reação: síntese do carbamoil-fosfato A biossíntese da uréia começa com a condensação do dióxido de carbono, com a amônia, utilizando ATP para formar carbamoil-fosfato. Tal reação é catalisada pela carbamoil-fosfato sintase I (Figura 18.2). A formação de carbamoil-fosfato requer dois moles de ATP. Um ATP ativa o bicarbonato e o outro doa o grupo fosfato para formar o carbamoil-fosfato. A carbamoil-fosfato sintase I ocorre na matriz mitocondrial, usa amônia como doador de nitrogênio e é absolutamente dependente de N-acetil glutamato para a sua atividade. A ação conjugada da glutamato desidrogenase e da carbamoil- ! Se você tiver dúvidas sobre composto rico em energia, releia as Aulas 1 e 2. fosfato sintase I forma um intermediário com alto potencial de transferência de grupo, ou seja, um composto rico em energia. A síntese do carbamoil-fosfato, aparentemente complexa, ocorre em etapas, como descrito a seguir. Na primeira etapa, ocorre a reação do bicarbonato com o ATP formando o carbonil-fosfato e ADP. Na segunda etapa, a amônia desloca o ADP, formando carbamato e ortofosfato. Finalmente, ocorre a fosforilação do carbamato pelo segundo ATP, formando o carbamoilfosfato. A carbamoil-fosfato sintase I é a enzima do ciclo da uréia, limitante da velocidade, ou marcapasso. Essa enzima regulatória é ativa somente na presença do ativador alostérico N-acetil-glutamato, cuja ligação induz uma mudança conformacional, que aumenta a afinidade da enzima pelo ATP. Veja a Figura 18.2. Figura 18.2: Reação catalisada pela carbamoil-fosfato sintase tipo I. A enzima catalisa a reação em três etapas. CEDERJ 97 BIOQUÍMICA II | Ciclo da uréia 2a reação: carbamoil-fosfato mais ornitina formam a citrulina A síntese da citrulina ocorre na mitocôndria e é catalisada pela L-ornitina transcarbamoilase. Esta enzima catalisa a transferência do grupo carbamoil-fosfato para a ornitina, e com isso forma a citrulina. Nesta reação, ocorre a liberação de fosfato inorgânico (Pi). Observe a etapa 2 da Figura 18.3. A citrulina é transportada da mitocôndria para o citosol, onde ocorrem as outras reações do ciclo. A citrulina, o composto utilizado nesta reação, foi formada no citosol e de lá foi transportada para a mitocôndria. Tanto a entrada da ornitina para a mitocôndria quanto a saída da citrulina da mesma mitocôndria, portanto, envolvem sistemas de transporte pela membrana interna mitocondrial (Figura 18.4). Figura 18.3: Ciclo da uréia. A reação 1, catalisada pela carbamoil-fosfato sintase I, foi apresentada na figura anterior. As outras reações encontram-se enumeradas de 2 a 5; a reação 2 ocorre na mitocôndria e é catalisada pela ornitina transcarbamilase; as reações de 3 a 5 ocorrem no citosol e são catalisadas pelas enzimas do citosol: respectivamente arginino-succinato sintase; arginino succinase; arginase. 98 CEDERJ 3a reação: citrulina mais aspartato formam argino-succinato A 3a reação é catalisada pela argino-succinato sintase, que liga o aspartato à citrulina, via aminogrupo do aspartato (Figura 18.3), e fornece o segundo nitrogênio. Tal reação requer ATP e envolve a formação intermediária de citrulil-AMP. O deslocamento subseqüente do AMP pelo aspartato, então, forma o argino-succinato. Esta é uma reação de condensação, onde a argino-succinato sintase requer a hidrólise de um ATP, o qual é hidrolisado em adenosina monofosfato (AMP) mais pirofosfato inorgânico (Ppi). 4a reação: a clivagem do argino-succinato forma arginina e fumarato A clivagem do argino-succinato, catalisada pela argino-succinase, retém nitrogênio no produto arginina e libera o esqueleto aspartato como fumarato (Figura 18.3). A adição de água ao fumarato forma o L-malato, e a oxidação subseqüente do malato, uma reação NAD+ dependente, forma o oxaloacetato. Essas duas reações, embora análogas às do ciclo de Krebs (Aula 14), são catalisadas pela fumarase e pela malato desidrogenase citosólicas. A transaminação do oxaloacetato pelo glutamato, então, forma novamente o aspartato. O esqueleto carbônico, tanto de aspartato como de fumarato, atua como um carreador no transporte de nitrogênio do glutamato para um precursor da uréia. CEDERJ 99 18 MÓDULO 5 AULA Figura 18.4: Transporte de citrulina e de ornitina. Em cada ciclo, a citrulina deixa a mitocôndria e a ornitina entra na matriz mitocondrial. Proteínas carreadoras presentes na membrana interna mitocondrial facilitam o fluxo transmembrana de citrulina e de ornitina. BIOQUÍMICA II | Ciclo da uréia 5a reação: a clivagem da arginina libera uréia e regenera ornitina A reação final do ciclo da uréia, a clivagem hidrolítica do grupo guanidino da arginina, catalisada pela arginase hepática, libera uréia. O outro produto, a ornitina, torna a penetrar na mitocôndria hepática, para participar das etapas adicionais do ciclo da uréia. Veja a etapa 5 da Figura 18.3. Quantidades menores de arginase também ocorrem no tecido renal, no cérebro, nas glândulas mamárias e na pele. Regulação da síntese de uréia A carbamoil-fosfato sintetase requer N-acetil glutamato como ativador alostérico. Este composto é sintetizado a partir do glutamato e do acetil-CoA, pela enzima N-acetil glutamato sintetase, a qual, por sua vez, é ativada por arginina. Acetil-CoA, glutamato e arginina são necessários para fornecer intermediários ou energia para o ciclo da uréia, e a presença de N-acetil-glutamato indica que todos eles estão disponíveis. A indução das enzimas do ciclo da uréia ocorre (10 a 20 vezes) quando a liberação de amônia ou de aminoácidos para o fígado aumenta. A concentração dos intermediários também tem um papel importante nessa regulação. Um alto teor de proteínas na dieta (excesso de fornecimento de aminoácidos), bem como situações de jejum (aumento da degradação de proteínas endógenas) resultam na indução de enzimas do ciclo da uréia. 100 CEDERJ 18 MÓDULO 5 AULA RESUMO • A maioria dos animais terrestres converte o excesso de nitrogênio em uréia antes de excretá-lo. • A uréia é menos tóxica do que a amônia. • O ciclo da uréia ocorre principalmente no fígado. • Os dois átomos de nitrogênio entram no ciclo da uréia como NH3, produzido principalmente pela glutamato desidrogenase e como N do aspartato. • A amônia (NH3) e o bicarbonato (HCO3-) que irão formar a uréia são incorporados inicialmente ao carbamoil-fosfato. • O ciclo da uréia é composto por cinco reações. • A biossíntese da uréia é um processo cíclico, ou seja, um dos compostos (a ornitina) é consumido no início do processo e é regenerado na última reação. Não há perda ou ganhos efetivos de ornitina, de citrulina, argino-succinato e arginina. • O íon amônio, o CO2, o aspartato e ATPs são consumidos. • Algumas reações da síntese da uréia ocorrem na mitocôndria, enquanto outras ocorrem no citosol. • A uréia é formada no fígado, transportada para o rim e eliminada na urina. EXERCÍCIOS 1. Que composto formado no ciclo da uréia pode ser utilizado no ciclo de Krebs? 2. Explique a razão pela qual são consumidas moléculas de ATP no processo de formação da uréia. 3. Pesquise algumas explicações para que os animais tenham escolhido diferentes compostos para eliminar o “nitrogênio tóxico”: amônia em animais aquáticos; uréia em vertebrados e na maioria dos animais terrestres; ácido úrico em aves. 4. Faça um resumo das reações do ciclo da uréia. CEDERJ 101 objetivos Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • Conhecer alguns erros do metabolismo geral dos aminoácidos e suas conseqüências. • Conhecer experiências que permitam demonstrar que a uréia é sintetizada no fígado, que os aminoácidos fornecem nitrogênio para a molécula de uréia, que a partir dos aminoácidos se forma a amônia e a partir da amônia é sintetizada a uréia. • Analisar criticamente os resultados obtidos em experiências realizadas ao longo do século passado sobre o ciclo da uréia, relacionando-os. • Explicar mudanças na atividade das transaminases no soro, relacionando-as com possíveis lesões celulares hepáticas, cardíacas e erros metabólicos. AULA Metabolismo de aminoácidos 19 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de aminoácidos INTRODUÇÃO Na última aula, vimos os principais caminhos pelos quais o esqueleto carbonado de aminoácidos pode ser obtido e como o nitrogênio é excretado em mamíferos. Agora, conheceremos alguns defeitos metabólicos relacionados ao ciclo da uréia e suas conseqüências. Ao final, apresentaremos uma série de temas para discussão. Estes temas são importantes, pois reproduzem vários experimentos científicos a partir dos quais você entenderá como o ciclo da uréia foi descoberto e por que o metabolismo de aminoácidos é tão importante. Como em aulas anteriores, o conteúdo das discussões não é Figura 19.1: Você sabe o que é o teste do pezinho e o que ele tem a ver com o metabolismo de aminoácidos? Veja em: http: //www.yourgenesyourh ealth.org/ygyh/mason/ gyh.html.syndrome=pku essencial para se entender o ciclo da uréia ou os erros inatos do metabolismo. É apenas uma oportunidade de refletir e pensar sobre o universo científico, sua lógica e suas histórias. ERROS INATOS DO METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS E SUAS CONSEQÜÊNCIAS Desordens do ciclo da uréia A ausência completa de qualquer uma das enzimas do ciclo da uréia resulta na morte do indivíduo pouco tempo após o seu nascimento. Entretanto, em indivíduos vivos, têm sido identificados quadros clínicos Figura 19.2: Recém-nascidos são vítimas preferenciais das desordens do ciclo da uréia, que podem acarretar danos cerebrais ou mesmo levar à morte. que resultam da deficiência dessas enzimas, quer seja por uma redução no nível de expressão, quer seja por uma alteração na atividade. Essas deficiências são chamadas desordens do ciclo da uréia ou simplesmente DCUs, erros inatos do metabolismo. Em geral esses erros são doenças raras, mas representam causa substancial de danos cerebrais e morte entre recém-nascidos e crianças. A estimativa exata da incidência de DCUs é desconhecida e, provavelmente, subestimada, pois ainda hoje existe grande dificuldade em diagnosticar tais desordens, e muitas crianças morrem antes de um diagnóstico definitivo. 104 CEDERJ 19 MÓDULO 5 AULA Os sintomas aparecem nas primeiras 24 horas de vida. O recémnascido mostra-se inicialmente irritado e, a seguir, aparecem vômitos e um aumento da letargia. Logo depois, observa-se hipotonia (tônus muscular deficiente) e angústia respiratória que podem levar ao coma. Em alguns casos, os sintomas podem aparecer tardiamente durante a infância ou mesmo durante a vida adulta. Existem sete principais DCUs. Cada uma delas recebe uma denominação relacionada às iniciais da enzima deficiente. Assim: • CPS- deficiência na carbamoil-fosfato sintetase. • NAGS- deficiência na N-acetilglutamato sintetase. • OTC- deficiência na ornitina transcarbamilase. • AS- deficiência na ácido arginino-succínico sintetase (citrulinemia). • AL/ASA- deficiência na arginino-succinato liase (arginino-succínico aciduria). • AG- deficiência na arginase. • AO- deficiência na ornitina aminotransferase. As deficiências são, quase todas, conhecidas como hiperamonemias, porque o diagnóstico detecta um alto nível de amônia no sangue. Isso não ocorre apenas no caso da deficiência de ornitina aminotransferase. Na página http://www3.ncbi.nlm.nih.gov/Omim/searchomim.html você pode entrar com o nome da doença genética (em inglês) e ver sintomas, características metabólicas e diagnóstico laboratorial. Esse é um banco de dados do National Center for Biotechnology Information. Neste centro de informações, você pode acessar o Online Mendelian Inheritance in Man da Johns Hopkins University. Dê uma olhada quando puder. CEDERJ 105 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de aminoácidos Veja na Tabela 19.1, um resumo de algumas dessas desordens. Tabela 19.1: Principais DCUs. DCU Enzima Deficiência Sintomas/Comentários Hiperamonemia do tipo I - CPS Carbamoil-fosfato sintetase I 24h - 72h após o nascimento o recém-nascido torna-se letárgico, necessitando de estímulo para comer, apresentando vômito, aumento da letargia, hipotermia e hiperventilação; o recémnascido irá morrer caso não ocorra o diagnóstico por medidas do nível de amônia sérica e intervenção apropriada: tratamento com arginina que ativa N-acetilglutamato sintetase. Deficiência de Nacetilglutamato sintetase - NAGS N-acetilglutamato sintetase Hiperamonemia severa; hiperamonemia suave associada com coma profundo, acidose, diarréia recorrente, ataxia, hipoglicemia, hiperornitinemia. Tratamento inclui administração de carbamoil-glutamato para ativar a CPS. Hiperamonemia do Tipo 2 - CPS Ornitina transcarbamilase A DCU mais comum é ligada ao cromossomo X. Níveis de amônia e aminoácidos elevados no soro; aumento do ácido orótico no soro devido ao carbamoil-fosfato mitocondrial ser liberado no citoplasma e incorporado em nucleotídeos do tipo pirimidina, o que leva a um excesso de produção de produtos catabólicos. Tratamento com dieta rica em carboidratos e pobre em proteínas; detoxificação de amônia com fenilacetato de sódio ou benzoato de sódio. Citrulinemia clássica - AS Arginino-succinato sintetase Hiperamonemia episódica, vômito, letargia, ataxia, convulsão, coma eventual. Tratamento com administração de arginina para aumentar a excreção de citrulina e também com benzoato de sódio para detoxificação de amônia. Arginino-succínico acidúria - AL/ASA Arginino-succinato liase (argininosuccinase) Sintomas episódicos similares à citrulinemia clássica; níveis de argino-succinato elevados no plasma e fluido espinhal cerebral. Tratamento com arginina e benzoato de sódio. HiperargininemiaAG Arginase DCU rara, quadriplegia progressiva e retardo mental; alto nível de amônia e arginina no fluido espinhal e no soro; altos níveis de arginina, lisina e ornitina na urina. Tratamento inclui dieta de aminoácidos essenciais, excluindo arginina e dieta pobre em proteínas. Neurotoxicidade associada à amônia Os efeitos do aumento dos níveis de amônia circulante são vários. A alteração do pH do sangue é apenas um deles. Mas, o mais importante é que a amônia pode atravessar a barreira hematoencefálica (BHE). No cérebro, ela pode ser convertida em glutamato, por ação da enzima Figura 19.3: A barreira hematoencefálica (BHE). glutamato desidrogenase. Entretanto, essa ação “depleta”, ou seja, faz com que o cérebro perca substâncias importantes como α-cetoglutamato, o substrato da enzima. Como conseqüência deste fato, há uma diminuição dos níveis de oxaloacetato e uma queda drástica na atividade do ciclo do ácido cítrico. Você pode imaginar o que isso significa para o cérebro?... A queda da atividade respiratória causa sérios e irreparáveis danos aos tecidos neurais, levando-os à morte. Além disso, o excesso de glutamato 106 CEDERJ 19 MÓDULO 5 AULA posteriormente ativa a formação de glutamina. Isso resulta numa queda da concentração dos estoques de glutamato. O glutamato é, no tecido neural, um neurotransmissor e também um substrato para a síntese de outro neurotransmissor, o γ-aminobutirato. Fenilcetonúria (PKU) Além dos erros inatos ligados diretamente às enzimas do ciclo da uréia, algumas outras doenças genéticas são conseqüências de outras Figura 19.4: Fenilcetonúria é a incapacidade de converter fenilalanina em tirosina. alterações no metabolismo de aminoácidos. A fenilcetonúria (PKU) é uma delas, que se caracteriza por uma inabilidade do corpo de utilizar o aminoácido essencial, fenilalanina. A PKU ocorre quando a criança herda dois genes mutantes para a enzima fenilalanina hidroxilase (PAH). Essa enzima, normalmente, converte moléculas de fenilalanina em tirosina. Tal reação usa O2 como substrato e requer o co-fator tetrahidrobiopterina (THB) como agente redutor. Fenilalanina é hidroxilada produzindo tirosina, enquanto o THB transfere átomos de hidrogênio Figura 19.5: A estrutura da fenilalanina hidroxilase (PAH). para reduzir um segundo átomo de hidrogênio em água. No processo, o THB é oxidado a diidrobiopterina (DHB). ! Sem esta enzima, a fenilalanina e os produtos de sua Uma das causas do autismo é a PKU não tratada! Para saber mais sobre autismo, ver h t t p : / / w w w. a u t i s m society.org quebra por outra rota enzimática se acumulam no sangue e nos tecidos do corpo. Um aumento na concentração de fenilalanina no sangue leva à sua transaminação em fenilpiruvato ou descarboxilação a feniltilamina. Figura 19.6: Estrutura da biopterina, co-fator da PAH. CEDERJ 107 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de aminoácidos Uma deficiência da fenilalanina hidroxilase causa acúmulo de fenilalanina, de ácido fenilpirúvico, de fenilacetato e outros derivados. Um excesso de fenilalanina bloqueia o seqüestro de outros aminoácidos no cérebro. O ácido fenilpirúvico inibe a piruvato descarboxilase no cérebro e interfere na formação de mielina. A inabilidade de remover o excesso de fenilalanina do sangue, e o conseqüente acúmulo daqueles produtos durante a infância, produz uma variedade de problemas, incluindo o retardo mental. Felizmente, um teste simples (o teste do pezinho) feito logo após o nascimento pode identificar esse defeito genético e, com muita atenção à quantidade de fenilalanina em sua dieta, a criança pode desenvolver-se normalmente. Fenilalanina Figura 19.7: Produtos catabólicos da fenilalanina que são acumulados na fenilcetonúria. 108 CEDERJ A seguir apresentaremos alguns temas para você pensar em casa e discutir com seus colegas ou com seu tutor no pólo. Vários dos experimentos que serão apresentados são parte da história que nos levou ao conhecimento mostrado, nas aulas anteriores, sobre o metabolismo de aminoácidos. A idéia dessas discussões, como você já sabe, é desenvolver a lógica e o pensamento científico. Encare como um quebra-cabeça e então, divirta-se... Figura 19.8: Cães foram e são até hoje utilizados para experimentos como este apresentado na questão. Tema 1. Suponha uma população de animais que requerem fenilalanina na dieta, mas não requerem tirosina para o seu crescimento normal. Antes do início da experiência, eles foram mantidos com uma dieta carente em tirosina e fenilalanina. 1.1. Desenhe as curvas que você esperaria encontrar, mostrando a evolução do peso médio da população de animais, nos seguintes casos: a) Administração de uma dieta de tirosina e uma semana após uma dieta de fenilalanina. Para lembrar Bioquímica I... Sabendo-se que o ácido glutâmico é um aminoácido e o ácido pirúvico não, identifique quem é quem nas duas figuras abaixo. b) Administração de uma dieta de fenilalanina e uma semana após, supressão dessa dieta e administração de uma dieta de tirosina. c) Administração dos dois aminoácidos juntos e supressão de ambos após uma semana. d) Administração dos dois aminoácidos juntos e supressão de fenilalanina após uma semana. e) Administração dos dois aminoácidos juntos e supressão de tirosina após uma semana. 1.2. Discuta os conceitos de aminoácidos essenciais e não-essenciais, lembrando as aulas de Bioquímica I e com base nas informações dadas no início da questão. CEDERJ 109 19 MÓDULO 5 Pense sobre isso! AULA Temas para reflexão e discussão e um pouco da história BIOQUÍMICA II | Metabolismo de aminoácidos Tema 2. Incubando-se homogeneizados de diferentes tecidos com os ácidos glutâmico e pirúvico, observa-se que: a) O ácido glutâmico desaparece em parte, e aparece o aminoácido alanina. b) O ácido pirúvico também desaparece em parte, e aparece o ácido α-cetoglutarato. A velocidade desta reação é aumentada após a adição de fosfato de piridoxal (vitamina B6), que não é consumido durante a reação. 2.1. Monte o esquema de reação que os dados sugerem e analise o provável papel da vitamina B6. 2.2. A constante de equilíbrio desta reação é próxima de 1. Qual seria a conseqüência deste fato? Tema 3. A enzima L-glutamato desidrogenase apresenta um comportamento alostérico, existindo em duas formas (monomérica – menos ativa, e polimérica – mais ativa) e sendo regulada por ATP, GTP, ADP e GDP. Dois desses moduladores são ativadores e induzem a polimerização da enzima. 3.1. Diga quais e por quê. 3.2. Faça um gráfico de velocidade enzimática, em função da concentração de ácido glutâmico na presença e na ausência de ativador. Discutir o papel dessa enzima na economia metabólica. Tema 4. Qual o significado da elevação do nível de transaminases no Figura 19.9: Estrutura tridimensional da aspartato aminotransferase. http://cwx.prenhall.com/ horton/medialib/media_ portfolio/17.html soro? Faça um gráfico mostrando a evolução do nível de GTP no soro de um paciente com hepatite, que primeiro vai melhorando e após um mês sofre uma recaída. Discuta o papel das transaminases no metabolismo geral dos aminoácidos. Tema 5. Quando o fígado de um cachorro é extirpado, ele pode viver alguns dias, desde que alimentado com uma dieta sem proteínas. No entanto, morre rapidamente se a carne é incorporada à dieta. Na hora da morte, ele apresenta elevadas concentrações de NH4+ no sangue e na urina e, praticamente, nada de uréia nos mesmos líquidos biológicos. O que sugerem estes dados? Que experiências você proporia para testar sua hipótese? 110 CEDERJ 19 MÓDULO 5 AULA Tema 6. Observe a seqüência de resultados abaixo: a) Entre 1894-1897, CHARLES RICHET verificou que o fígado que foi macerado e deixado para apodrecer formava uréia, cuja quantidade aumentava à medida que o tempo transcorria, com simultânea e notável liberação de arginina. b) Em 1904, Kossel e Darkin mostraram a existência de um fermento obtido a partir de conteúdo intestinal, capaz de catalisar a reação a seguir: c) Na mesma época, Antônio Clementi mostrou que esse fermento (enzima) estava presente no fígado de mamíferos (nos quais a uréia é a principal forma de excreção de nitrogênio) e ausente em pássaros e répteis (que eliminam nitrogênio sob forma de ácido úrico). d) Em 1917, Wilhelm Loffler mostrou que a produção de uréia estava associada ao consumo de oxigênio no fígado. e) Em 1931, Kase não teve êxito quando tentou produzir uréia numa preparação acelular de fígado. 6.1. Que conclusões você tiraria dessas experiências? Na época, embora o papel e a relevância da arginase na formação de uréia fossem evidentes, não era quantitativamente possível acreditar que a grande formação de uréia no fígado se processasse somente através da hidrólise da arginina presente nas proteínas. Por outro lado, existiam dados que indicavam que outros aminoácidos eram a fonte de uréia e que esta podia ser sintetizada a partir de amônia. CHARLES RICHET Nasceu em Paris em 1850. Tornou-se doutor em Medicina em 1869, doutor em Ciências em 1878 e professor de Fisiologia da Faculdade de Medicina em 1887. Ganhou o prêmio Nobel de Medicina em 1913. http://www.nobel.se/ medicine/laureates/ 1913/richet-bio.html 6.2. Discuta esses dados e sugira uma hipótese. Figura 19.10: A estrutura do ácido úrico, principal forma de excreção de nitrogênio em pássaros e répteis. CEDERJ 111 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de aminoácidos Tema 7. Em 1932, Hans Krebs e Kurt Henseleit fizeram um conjunto de experiências memoráveis para testar essa hipótese. Eles incubaram fatias de fígado num aparelho de Warburg, na presença de lactato e de tampão bicarbonato a pH 7,4 e adicionaram quantidades conhecidas de diferentes aminoácidos. Observaram que a produção de uréia ocorria, como esperado, de acordo com o conteúdo de N da molécula dos diferentes aminoácidos. No caso da arginina, no entanto, a produção ESTEQUIOMETRIA A palavra estequiometria deriva do grego stoicheon, que significa “a medida dos elementos químicos”, ou seja, as quantidades envolvidas de cada substância em uma reação química. Veja a discussão da página http://www.cdcc.sc. usp.br/quimica/ experimentos/ estequi.html de uréia era superior àquela observada pela ESTEQUIOMETRIA da reação. O que sugerem esses dados? Que experiência você faria? Pense bem antes de passar ao ponto seguinte. Tema 8. Numa outra experiência, o resultado foi mais surpreendente ainda. Incubando fatias de fígado na presença de lactato, e adicionando 12mg/ml de amônia, eles encontraram uma produção de uréia de 1,94mm3 de uréia-CO2 por mg de tecido seco por hora (determinada manometricamente após hidrólise com urease que libera CO2 e NH3). Quando adicionaram ornitina (2mg/ml) a produção de uréia subiu para 9,32mm3. 8.1. Por que este resultado era inesperado? O que você postularia então? 8.2. Olhe agora para as moléculas de arginina e ornitina, cujas estruturas estão na atividade 6b. Como encaixar esses resultados com os já discutidos até agora? 8.3. Torne a olhar as moléculas de arginina e ornitina. O que você procuraria agora? Por quê? 112 CEDERJ 19 MÓDULO 5 AULA Tema 9. Em 1930, Mitsouri Tada chegou à fórmula de um composto chamado citrulina, que já havia sido isolado do suco da melancia em 1924. 9.1. O que, nesta estrutura, chama a atenção? 9.2. O que você faria com esta informação, ou seja, com aquilo que lhe chamou a atenção? 9.3. Proponha uma experiência predizendo seu resultado. 9.4. Compare agora as fórmulas da citrulina e da arginina e tire uma nova conclusão. 9.5. Descreva o processo de formação de uréia no fígado, empregando apenas os conhecimentos obtidos até aqui. Tema 10. Continuando a história... Em 1954, Sarah Rathner mostrou que, na conversão de citrulina em arginina, o nitrogênio adicionado não era proveniente diretamente do NH4, mas de uma transferência catalisada enzimaticamente. O grupo amino do ácido aspártico era exclusivamente responsável por um dos nitrogênios da molécula, numa reação que requeria ATP. Nesta reação, forma-se um composto intermediário não fosforilado, AMP e pirofosfato (PPi), que é rapidamente hidrolisado por uma pirofosfatase. Em 1955, Mary Ellen Jones, Leonard Spector e FRITZ LIPMANN mostraram que a ornitina não reagia diretamente com NH3 e CO2 para dar citrulina, mas com o carbamil-fosfato, um intermediário fosforilado formado a partir de NH3,CO2 e ATP. Utilize o conhecimento adquirido até agora, para descrever todo o processo. FRITZ ALBERT LIPMANN Nasceu na Alemanha em 1899. Cientista e médico ganhador do prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1953. http://www.nobel.se/ medicine/laureates/ 1953/lipmannbio.html CEDERJ 113 BIOQUÍMICA II | Metabolismo de aminoácidos RESUMO Você viu nesta aula alguns dos erros inatos do metabolismo de aminoácidos que levam a doenças que, em muitos casos, acarretam a morte de recém-nascidos, crianças e adultos. A maior parte dos danos provocados por estas desordens do ciclo da uréia é conseqüência da toxicidade dos altos níveis de amônia (hiperamonemias), principalmente no cérebro. Nesta aula, pudemos também discutir aspectos experimentais do ciclo da uréia, mostrando os principais pontos da história da elucidação desta via metabólica. Nesta aula não apresentaremos exercícios: você já usou neurônios suficientes por ora. 114 CEDERJ objetivo AULAS Degradação de lipídeos 20/21 Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • Conhecer os mecanismos e as reações envolvidas na degradação dos ácidos graxos, em especial do palmitato. BIOQUÍMICA II | Degradação de lipídeos INTRODUÇÃO Vimos em Bioquímica I como é extenso o grupo dos lipídeos. Existem vitaminas de natureza lipídica, como as vitaminas A, D; existem o colesterol e outros fosfolipídeos que formam as membranas das células; existe a testosterona, as ceras, os sais biliares, enfim, uma enorme variedade de lipídeos. Nesta aula, vamos conhecer como os lipídeos são degradados quando nosso organismo precisa de energia. Entretanto, ao contrário do que era de se esperar, não são todos os lipídeos que são metabolizados com o intuito de fornecer energia para o nosso organismo, mas sim um grupo particular de lipídeos denominado ácidos graxos. Os ácidos graxos (AG) ficam acumulados no tecido adiposo. Lá estão aquelas gordurinhas ou “pneuzinhos” que tanto incomodam a gente! Quando fazemos regime e, portanto, comemos menos calorias do que precisamos, nosso organismo vai buscar energia nas suas reservas, isto é, nas gorduras do tecido adiposo. Estas gorduras são “quebradas” e utilizadas como fonte de energia. Nesse caso, a gente até emagrece! Funciona igualzinho a uma caderneta de poupança. Quando nosso salário é menor do que nossas contas a pagar, precisamos usar nossas reservas de dinheiro para saldar nossas dívidas. O organismo faz o mesmo: se comemos menos do que o necessário para nos mantermos funcionando, não tenha dúvida! Utilizamos nossas reservas de energia e é aí que entram os lipídeos, mais especificamente os ácidos graxos! Agora vamos mergulhar nas nossas células e ver como a coisa acontece! 116 CEDERJ MÓDULO 6 20/21 OS ÁCIDOS GRAXOS SÃO ESTOCADOS NOS ADIPÓCITOS AULAS O tecido adiposo é formado por células que se chamam adipócitos. Estas células são curiosas, ao microscópio eletrônico, pois possuem uma enorme vesícula cheia de gordura dentro do seu citoplasma. Veja a figura abaixo: Figura 20.1: Adipócito. Nestas gotas fica armazenado o triacil glicerol (TAG). Você já estudou esta molécula em Bioquímica I, na Aula 27. Se estiver esquecido, dê uma olhada rápida nessa aula. O TAG nada mais é do que três moléculas de ácido graxo unidas a uma molécula de glicerol. O próprio nome já diz isso para a gente: triacil glicerol! Veja na figura abaixo o TAG. Figura 20.2: Triacil glicerol. CEDERJ 117 BIOQUÍMICA II | Degradação de lipídeos Quando precisamos de energia, nosso organismo libera um hormônio chamado glucagon. Este hormônio age como uma espécie de maestro sinalizando para o organismo que é a hora de utilizar suas reservas. Nesta situação, o glicogênio e os lipídeos devem passar a ser utilizados como combustível. Poderíamos dizer, então, que o glucagon é o hormônio da fome, isto é, ele é liberado quando nosso organismo está com fome. Mas não se preocupe com isto agora, pois, mais à frente, você estudará melhor este hormônio e o que ele faz no nosso organismo quando é liberado pelo pâncreas e cai na corrente sangüínea. No momento, precisamos saber que esse hormônio é liberado tão logo a glicemia (taxa de açúcar no sangue) cai. O glucagon circulante no sangue, então, se liga a um receptor (proteína) presente na membrana do adipócito e dispara uma série de reações que levam à ativação de uma enzima chamada lipase, que está dentro do adipócito. Também veremos em aulas mais à frente que reações são essas disparadas pelo glucagon. Aguarde! Mas o que então acontece quando esta lipase é ativada pelo glucagon? A lipase é uma enzima que degrada os TAG. Em outras palavras, poderíamos dizer que a lipase é uma espécie de tesoura que corta o TAG em pedaços. Veja: triacil glicerol lipase 3 ácidos graxos + 1 glicerol Conforme vimos na aula de lipídeos em Bioquímica I (Aula 26), os AG também são um grupo muito grande de moléculas, podendo ter 4, 5, 6, 7, 8,... 22, 23, 24... átomos de carbono. Além disto, eles podem possuir apenas ligações simples (AG saturados) ou podem possuir dupla ligação (AG insaturados). No caso da espécie humana, o AG majoritário estocado como reserva é o palmitato. O palmitato é um AG que possui 16 átomos de carbono e nenhuma dupla ligação. Passaremos a utilizar o palmitato como exemplo a partir daqui, pois é ele que é degradado na espécie humana quando precisamos de energia. 118 CEDERJ MÓDULO 6 20/21 AULAS Veja a Figura 20.3, que resume o até então descrito: Figura 20.3: O glucagon se liga a um receptor de membrana e ativa a lipase. Veja a molécula do palmitato. Agora, o palmitato livre sai dos adipócitos e cai na corrente sangüínea. Como os AG de um modo geral são insolúveis em solução aquosa (e o sangue é uma solução aquosa), eles não podem “viajar” livremente pela corrente sangüínea. Existe uma proteína chamada albumina que possui uma espécie de bolso que aloja o palmitato, de modo que eles se escondem da água e viajam tranqüilamente pelo sangue. Poderíamos dizer que a albumina funciona como uma espécie de ônibus para o palmitato. O palmitato é, então, distribuído por todos os tecidos do corpo. Vamos agora tomar como exemplos o fígado e o músculo para estudar o destino do palmitato que lá chega. CEDERJ 119 BIOQUÍMICA II | Degradação de lipídeos Os AG chegam aos hepatócitos e aos miócitos Depois de passar pela membrana dos hepatócitos (célula hepática) e dos miócitos (célula muscular), o palmitato é levado para a mitocôndria, que é o local da célula onde ele será degradado. Nas mitocôndrias, estão as enzimas responsáveis pelo processo de quebra ou degradação dos AG. Entretanto, a entrada do palmitato para dentro das mitocôndrias ocorre de maneira curiosa. Vejamos: ainda fora da mitocôndria, o palmitato sofre ativação recebendo uma molécula de coenzima A. Quem “pendura” esta molécula de coenzima A (CoA) no palmitato é uma proteína chamada acil-CoA sintase. Entretanto, esta reação ocorre com o consumo simultâneo de uma molécula de ATP, ou seja, pendurar a coenzima A no palmitato não é de graça, não! A célula precisa pagar um preço para isso e, nesse caso, utiliza um ATP. O palmitato com a coenzima A pendurada passa a se chamar palmitoil-CoA. Veja como é a reação: Acil-CoA sintase palmitato + CoA + ATP palmitoil-CoA + AMP + PPi Observe que o ATP é quebrado em AMP e PPi (pirofosfato), o que indica que duas ligações de alta energia são consumidas para pendurar a CoA no palmitato. (O ATP tem três ligações de alta energia. Se uma for utilizada, forma-se ADP + Pi. Se duas forem utilizadas, forma-se AMP + PPi). Embora o palmitato já esteja ativado, ou seja, na forma de palmitoil-CoA, ele ainda necessita passar por outras reações antes de entrar, de fato, na matriz mitocondrial. Existe uma outra enzima que fica próxima à membrana interna da mitocôndria que se chama carnitina-acil transferase I (CAT I). Essa enzima reconhece o palmitoil-CoA e troca a CoA, que está pendurada no palmitoil, por carnitina. Forma-se, então, palmitato-carnitina e a CoA é liberada no citoplasma da célula, podendo ser usada outra vez pela acil-CoA sintase. Veja. CAT I palmitoil-CoA + carnitina palmitato-carnitina + CoA Agora, temos o palmitato ligado à carnitina. A carnitina é uma pequena molécula conforme mostrado ao lado. Este complexo (palmitatocarnitina) é reconhecido por um translocador, que está presente na membrana interna da mitocôndria. 120 CEDERJ MÓDULO 6 20/21 Esse translocador, como o próprio nome diz, transloca o palmitato- AULAS carnitina para dentro da mitocôndria, colocando, ao mesmo tempo, carnitina livre para fora da mitocôndria. Ufa!!! Após esta seqüência de reações, o palmitato-carnitina finalmente chega dentro da mitocôndria. Vale a pena lembrar que isto ocorre porque a mitocôndria possui duas membranas e, portanto, o palmitato precisa cruzar essas duas membranas antes de chegar à matriz mitocondrial e se encontrar com as enzimas responsáveis pela sua degradação. Dentro da mitocôndria, o palmitato-carnitina que chega precisa ser reconvertido em palmitoil-CoA de novo e, para isso, precisa perder a carnitina e ganhar novamente uma coenzima A (CoA). Dentro da mitocôndria existe uma enzima chamada carnitina acil transferase II (CAT II) que faz essa reação. Veja: CAT II palmitato-carnitina + coenzima A palmitoil-CoA + carnitina Veja a figura abaixo que traduz o até então descrito. Figura 20.4: Entrada do palmitato para dentro da mitocôndria. Para tentar compreender melhor a entrada do palmitato na mitocôndria, poderíamos imaginar que, para fazer isso, a molécula precise “comprar um passaporte”, da mesma forma que nós precisamos desse documento para viajar para o exterior. Assim, primeiro o palmitato é ativado, e para isso a célula gasta energia na forma de ATP. Em seguida, o palmitato recebe o “passaporte”, ou seja, a carnitina, que permite sua entrada na mitocôndria, já que a Polícia Federal (no caso o translocador) só permite que moléculas entrem na mitocôndria se possuírem passaporte. CEDERJ 121 BIOQUÍMICA II | Degradação de lipídeos Obviamente, a pergunta que não quer calar é: por que o palmitato não entra na mitocôndria ligado à CoA, já que lá dentro ele vai se ligar novamente a essa coenzima? Se olharmos a molécula de coenzima A, veremos como ela é enorme! Seu tamanho faz com que ela não atravesse as membranas biológicas. Logo, o palmitoil-CoA que se forma fora da mitocôndria não poderia jamais entrar nessa organela devido ao tamanho da coenzima A. Além disso, veremos, com o passar das aulas, a importância da coenzima A nas reações metabólicas da célula. Existe uma população de coenzima A no citoplasma e outra dentro da mitôcondria. A célula não mistura essas duas populações para não prejudicar as reações que lá ocorrem. Se o palmitoil-CoA entrasse na mitocôndria na forma de palmitoil-CoA, levaria consigo a CoA do citoplasma para dentro da mitocôndria, misturando as populações de CoA. Sendo assim, a CoA é pendurada na molécula do palmitato apenas para que a CAT I possa trocá-la por carnitina, despejando de volta a CoA do citoplasma no citoplasma. Agora temos palmitoil-CoA dentro da mitocôndria pronto para seguir seu destino. Vejamos. 122 CEDERJ MÓDULO 6 20/21 AULAS O destino do palmitoil-CoA dentro da mitocôndria: a β-oxidação Uma vez na matriz mitocondrial, o palmitoil-CoA passará por uma seqüência de quatro reações, conhecida como β-oxidação, conforme Figura 20.5: Figura 20.5: A β-oxidação. Em cada reação, preste atenção na caixa em torno do pedaço da molécula que sofre transformação. CEDERJ 123 BIOQUÍMICA II | Degradação de lipídeos Na primeira reação, uma enzima chamada acil-CoA desidrogenase retira dois H da molécula do palmitoil-CoA e os entrega para o FAD (flavina adenina dinucleotídeo), formando FADH2. Dizemos que a molécula que perde os H sofre oxidação, ao passo que a molécula que recebe esses H sofre redução. Assim, o palmitoil-CoA se oxida enquanto o FAD se reduz. Como produto desta primeira reação, forma-se o trans-Δ2-enoil-CoA. Este Δ indica que se forma uma dupla ligação entre os carbonos 2 e 3 da molécula do palmitoil-CoA. Na segunda reação, a enzima enoil-CoA hidratase, conforme seu próprio nome sugere, hidrata o enoil-CoA formando o L-3-hidroxiacil-CoA. Observe que nesta hidratação, a molécula de água é inserida de modo que a hidroxila (OH) fica pendurada no carbono 3 e o H no carbono 2. Assim, a dupla ligação se desfaz. Veja com atenção a Figura 21.5. Na terceira reação da β-oxidação, a enzima L-3-hidroxiacil-CoA desidrogenase oxida mais uma vez a molécula, mas, neste caso, utiliza NAD+, que, ao receber os H da molécula do hidroxiacil-CoA, passa a NADH + H+. Observe que se forma uma nova dupla ligação na molécula, agora entre o carbono 3 e o oxigênio. Este composto se chama 3-cetoacil-CoA. Até agora, após estas três reações, o palmitoil-CoA continua com seus 16 carbonos, não tendo sofrido nenhuma quebra em sua molécula. É justamente na quarta e última reação da β-oxidação que se dá a quebra da molécula propriamente dita. Esta reação é catalisada pela β-ceto tiolase ou tiolase. Como produtos desta reação temos o miristoil-CoA (ácido graxo com 14 átomos de carbono) e o acetil-CoA, que tem dois átomos de carbono. Observe que a tiolase, ao introduzir uma nova coenzima A na molécula, é capaz de quebrar a molécula do 3-cetoacil CoA, que tem 16 átomos de carbono. Esta enzima recebe esse nome porque ela é capaz de fazer uma lise (quebra) através da inserção de um grupamento tiol (no caso, a CoA). Lembre-se que uma hidrolase é, por analogia, uma enzima capaz de fazer uma lise pela entrada de uma molécula de água, assim como uma fosforilase é uma enzima capaz de fazer uma lise pela entrada de um grupamento fosforil. Poderíamos resumir as quatro reações da β-oxidação da seguinte maneira: 1o – oxidação mediada pelo FAD 2o – hidratação 3o – oxidação mediada pelo NAD+ 4o – tiólise 124 CEDERJ MÓDULO 6 20/21 E agora? O que fazemos com o novo ácido graxo formado, que AULAS tem 14 átomos de carbono (miristoil-CoA)? Ele passa por uma nova seqüência de quatro reações, idênticas às que acabamos de descrever, e, no final, forma-se uma nova molécula de acetil-CoA (que possui dois carbonos) e um ácido graxo com 12 átomos de carbono. E agora? A mesma coisa! Esse ácido graxo com 12 carbonos passa por uma nova rodada de β-oxidação, gerando uma nova acetil-CoA e um outro ácido graxo com 10 carbonos e assim sucessivamente até que todo o palmitoil-CoA vire uma “sopa” de acetil-CoA. Uma vez que o palmitoil-CoA apresenta 16 carbonos, podemos dizer que a sua completa oxidação através da β-oxidação gera 8 moléculas de acetil-CoA (8 x 2 =16); 7 moléculas de FADH2 e 7 moléculas de NADH + H+. Em suma temos: Palmitoil-CoA + 7 FAD + 7 NAD+ + 7 CoA + 7 H2O 8 acetil-CoA + 7 FADH2 + 7 NADH + 7 H+ DESTINOS DOS PRODUTOS DA β-OXIDAÇÃO Podemos dizer que os produtos da β-oxidação são todos os compostos que estão escritos no lado direito da equação acima. Vejamos agora o destino de cada uma dessas moléculas: • Acetil-CoA: conforme você já viu na aula sobre metabolismo de açúcares, o acetil-CoA é uma molécula central no metabolismo celular. O acetil-CoA é a porta de entrada do ciclo de Krebs, juntando-se ao oxalacetato (que tem 4 carbonos) para formar o citrato (que tem 6 carbonos). Esta é a primeira reação deste ciclo. Desta forma, o acetil-CoA formado a partir da β-oxidação pode entrar no ciclo de Krebs, mas para que isto ocorra é necessário que haja oxalacetato disponível. Esta informação é muito importante, conforme veremos a seguir. Vamos agora investigar o que acontece com o acetil- CoA que se forma no músculo e no fígado a partir da β-oxidação. Lembre-se que estes tecidos são capazes de degradar ácidos graxos no jejum ou em intenso exercício, quando a demanda de energia é muito grande, como no caso do músculo. CEDERJ 125 BIOQUÍMICA II | Degradação de lipídeos Nesse caso, todo o acetil-CoA formado a partir do palmitoil-CoA é jogado no ciclo de Krebs, uma vez que a concentração de oxalacetato lá presente permite que isto ocorra. A entrada do acetil-CoA no ciclo de Krebs vai gerar NADH+ + H+ e FADH2, que vão para a cadeia de transporte de elétrons transferir seus elétrons gerando ATP, conforme já vimos em aulas anteriores. No fígado, acontece uma situação muito particular, já que este órgão, no momento de jejum, utiliza o oxalacetato para produzir glicose, conforme veremos na aula sobre gliconeogênese mais à frente. Desta forma, o acetil-CoA que vem da oxidação do palmitato no fígado não pode ser jogado no ciclo de Krebs, já que, conforme vimos, para que isso ocorra é necessário que haja oxalacetato disponível. O que fazer, então, com este acetil-CoA formado? O acetil-CoA é transformado em corpos cetônicos, conforme veremos logo a seguir. • FADH2 e NADH: antes de vermos como se formam os corpos cetônicos no fígado, vamos analisar o destino dos 7 FADH2 e 7 NADH formados durante a β-oxidação. Você teria alguma sugestão para esta questão? Ou seja, qual será o destino destas duas coenzimas, o FADH2 e o NADH? A resposta é simples. Essas coenzimas, na forma reduzida, são direcionadas para a cadeia de transporte de elétrons, onde entregarão seus elétrons para formar ATP, ou seja energia para a célula. 126 CEDERJ MÓDULO 6 20/21 FORMAÇÃO DOS CORPOS CETÔNICOS AULAS Uma vez que no fígado a concentração de oxalacetato é muito baixa, já que esta molécula é utilizada na produção de glicose, o acetil-CoA vindo da β-oxidação tem outro destino: a formação de corpos cetônicos. Corpos cetônicos (CC) são compostos solúveis em água e consistem basicamente de acetoacetato e β-hidroxibutirato. Veja essas duas moléculas na figura abaixo. Figura 20.6: Acetoacetato e β-hidroxibutirato. A formação dos CC também ocorre dentro da mitocôndria e se dá da seguinte forma. Primeiro, duas moléculas de acetil-CoA se condensam (juntam) e formam acetoacil-CoA (contém 4 carbonos). A enzima que catalisa esta reação é a β-cetotiolase. O acetoacil-CoA se condensa com uma nova molécula de acetil-CoA, formando β-hidroxi-β-metilglutaril-CoA (HMG-CoA) através da enzima HMG-CoA sintase. Este composto sofre clivagem pela enzima HMG-CoA liase formando acetil-CoA e acetoacetato. O acetoacetato sofre redução gerando β-hidroxibutirato através da enzima β-hidroxibutirato desidrogenase. Parte do acetoacetato sofre descarboxilação espontânea, gerando acetona. A Figura 20.7 resume o que foi descrito. CEDERJ 127 BIOQUÍMICA II | Degradação de lipídeos Figura 20.7: Formação de corpos cetônicos. Tanto o acetoacetato quanto o β-hidroxibutirato são lançados na corrente sangüínea, viajando livremente pelo sangue, já que são altamente solúveis. Os “tecidos famintos”, incluindo músculo cardíaco e esquelético, pulmão e tecido nervoso, captam esses compostos e os transformam de volta em acetil-CoA, que é, então, lançado no ciclo de Krebs, gerando energia para esses “tecidos famintos”. 128 CEDERJ MÓDULO 6 20/21 Estamos aqui chamando os tecidos de “famintos” pois estamos numa AULAS situação de fome, ou seja, baixa de energia nas células e no organismo como um todo. Veja as reações de transformação do acetoacetato em acetil-CoA na Figura 20.8. Figura 20.8: Transformação do acetoacetato em acetil-CoA nos “tecidos famintos”. CEDERJ 129 BIOQUÍMICA II | Degradação de lipídeos DEGRADAÇÃO DOS DEMAIS ÁCIDOS GRAXOS Até agora estudamos como o palmitato, que é um ácido graxo com 16 átomos de carbono, é degradado. Entretanto, existem outros ácidos graxos maiores e menores que o palmitato, ou que possuem dupla ligação e que também precisam ser degradados. O que acontece nesses casos? A maioria dos ácidos graxos insaturados de origem biológica contém apenas ligações duplas nas posições entre os carbonos 9 e 10. Um exemplo de ácidos graxos insaturados é o ácido oléico. Veja este ácido na Figura 20.9. Figura 20.9: Ácido oléico. Esses ácidos também são oxidados através da β-oxidação. Entretanto, para que isto ocorra, a dupla ligação precisa ser removida. Para tal, existem enzimas, como a enoil-CoA-isomerase, que modificam estas duplas ligações transformando as moléculas em substratos naturais para as enzimas da β-oxidação que vimos anteriormente. Além dos ácidos graxos com dupla ligação (ácidos insaturados), ainda temos os ácidos graxos com número ímpar de átomos de carbono. Esses ácidos são freqüentes em plantas e organismos marinhos, por exemplo. E neste caso? Será que esses ácidos também podem ser quebrados através da β-oxidação? A resposta é positiva. Todos os ácidos graxos são oxidados nas células pela β-oxidação. 130 CEDERJ MÓDULO 6 20/21 Entretanto, o que vai diferir neste caso é o produto da última volta da AULAS β-oxidação. Vejamos. Tomemos como exemplo um ácido graxo com 15 átomos de carbonos. Depois da primeira rodada de β-oxidação (que envolve as quatro reações mencionadas anteriormente), o ácido graxo passa a ter 13 átomos de carbono (pois haverá perdido uma molécula de acetil-CoA). Esse ácido com 13 átomos de carbono vai passar por uma nova rodada de β-oxidação, gerando um ácido graxo com 11 átomos de carbono e assim por diante, até que se formará um ácido com 5 átomos de carbono. Agora é que temos a diferença. Esse composto com 5 átomos de carbono é quebrado em acetil-CoA (2 carbonos) e propionil-CoA (3 átomos de carbono). O propionil-CoA, no entanto, não pode mais passar por uma nova rodada de β-oxidação. O propionil-CoA é convertido a succinil-CoA (4 carbonos), conforme reações mostradas na Figura 20.10. Figura 20.10: Conversão de propionil-CoA em succinil-Col-A. Observe que há gasto de ATP na primeira reação catalisada pela propionil-CoA-carboxilase. CEDERJ 131 BIOQUÍMICA II | Degradação de lipídeos Se nos recordarmos da aula sobre ciclo de Krebs, veremos que o succinil-CoA é um intermediário deste ciclo. Logo, quando se forma o succinil-CoA a partir do propionil-CoA, temos um aumento da concentração dos intermediários do ciclo de Krebs e, por conseguinte, de oxalacetato. Agora temos a seguinte situação: um ácido graxo de número ímpar sendo quebrado pela β-oxidação que gera acetil-CoA. Além disso, a quebra desse ácido graxo gera propionil-CoA, que se transforma em succinil-CoA, que se transforma em oxalacetato. Em suma, temos a formação de acetil-CoA e a formação em última instância de oxalacetato. O que ocorre, então, com a produção de corpos cetônicos? Vimos que os corpos cetônicos são produzidos quando falta oxalacetato. Se há um excesso de oxalacetato, há um grande decréscimo na produção de corpos cetônicos quando um ácido graxo de número ímpar é metabolizado. Veja a Figura 20.11 que resume o que acabamos de descrever. Figura 20.11: O acetil-CoA tem duas “portas de entrada”: o ciclo de Krebs (porta 1) e a formação de corpos cetônicos (porta 2). A porta 1 ficará fechada se falta oxalacetato. Neste caso, o acetil-CoA entrará pela porta 2 formando corpos cetônicos. Se houver grande disponibilidade de oxalacetato, a porta preferencial será a 1 e, com isso, a produção de corpos cetônicos diminui. Isso ocorre, por exemplo, quando o fígado oxida ácidos graxos com número ímpar de átomos de carbono. 132 CEDERJ MÓDULO 6 20/21 Na aula de hoje vimos as reações envolvidas na oxidação do palmitato. Lembre-se que oxidar um composto significa “quebrá-lo” em compostos menores. No caso do palmitato, vimos que este composto é quebrado em 8 moléculas de acetil-CoA gerando, durante esta quebra, 7 moléculas de FADH2 e 7 moléculas de NADH. Essas coenzimas reduzidas vão para a cadeia de transporte de elétrons entregar seus elétrons para formar ATP. O acetil-CoA (2 carbonos), ao se juntar ao oxalacetato (4 carbonos) forma o citrato (6 carbonos), que roda no ciclo de Krebs, gerando mais FADH2 e NADH, que também vão formar mais ATP na cadeia de transporte de elétrons. Entretanto, no fígado, devido à ausência de oxalacetato (irá formar glicose na gliconeogênense), o acetil-CoA formado na β-oxidação é transformado em corpos cetônicos (acetoacetato e β-hidroxibutirato). Esses compostos, por serem altamente solúveis, “viajam” pelo sangue, sendo captados pelos demais tecidos. Lá, eles são reconvertidos em acetil-CoA, que roda, então, no ciclo de Krebs, gerando energia. Quando ácidos graxos de número ímpar de átomos de carbono são quebrados no fígado, há uma menor produção de corpos cetônicos, já que temos a formação de oxalacetato que acaba por consumir o acetil-CoA que seria utilizado na formação dos corpos cetônicos. EXERCÍCIOS Reflita e responda: 1. Vimos que, no fígado, o acetil-CoA formado pela β-oxidação do palmitato forma corpos cetônicos e não entra no ciclo de Krebs, conforme o esperado para o acetil-CoA. Se o ciclo de Krebs não está funcionando no fígado, neste momento, como o fígado consegue energia para “se manter vivo” no momento do jejum? 2. Por que o fígado não manda para os “tecidos famintos” o acetil-CoA formado na β-oxidação, mas sim acetoacetato e β-hidroxibutirato? 3. Explique com suas palavras por que os ácidos graxos com número ímpar geram menos corpos cetônicos que os ácidos graxos de número par? 4. Na sua opinião, qual é a importância, do ponto de vista energético, da última volta da β-oxidação, ou seja, da tiólise? Compare a reação catalisada pela tiolase com a reação catalisada pela acil-CoA sintase, que é a enzima que pendura CoA no palmitato quando este precisa entrar na mitocôndria. CEDERJ 133 AULAS RESUMO objetivo AULAS Síntese de ácidos graxos 22/23 Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • Conhecer as principais reações envolvidas na síntese de ácidos graxos, em especial, do palmitato. BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos ASPECTOS HISTÓRICOS A síntese de ácidos graxos foi desvendada depois que as principais reações da β-oxidação haviam sido descritas. Só para lembrar, é através da β-oxidação que o palmitato é quebrado em acetil-CoA. A β – oxidação é composta por quatro reações: desidrogenação dependente de FAD; hidratação; desidrogenação dependente de NAD+ e tiólise. Você se lembra? Os pesquisadores interessados em conhecer a síntese de ácidos graxos acreditavam que esta via era o reverso da β-oxidação, ou seja, eles acreditavam que havia um único conjunto de enzimas que era capaz de quebrar o palmitato em determinadas situações, ou fazer o palmitato em outras. Essa crença baseava-se no fato de que as quatro enzimas envolvidas na degradação do palmitato mostraram-se reversíveis quando purificadas. Logo, parecia simples: se as enzimas da β-oxidação podem catalisar reações reversíveis (substrato produto), então, elas também deveriam ser capazes de sintetizar o palmitato. Entretanto, embora se tenha tentado sintetizar palmitato incubando-se o acetato (composto com 2 carbonos) com as mitocôndrias (lembre-se que é na mitocôndria que ocorre a β-oxidação), nunca se observou o aparecimento deste ácido graxo. Logo, havia algo de errado com aquela crença inicial. O impasse foi resolvido quando Stadman & Barker e Brady & Gurin, na década de 1950, observaram a síntese de palmitato em uma fração solúvel da célula, ou seja, no citoplasma das células. Pôde-se, então, concluir que a síntese de palmitato ocorria no citoplasma, ao passo que a degradação do palmitato (β-oxidação) ocorria nas mitocôndrias. O que demonstrava que a síntese e a degradação eram vias totalmente distintas! Agora que já vimos um pouco o aspecto histórico da descoberta da síntese, vamos responder à seguinte pergunta: em que situação o nosso organismo vai sintetizar ácido graxo (palmitato)? Se pararmos para pensar, os ácidos graxos são as reservas do nosso organismo, junto com o glicogênio. Se fizermos uma analogia com a caderneta de poupança, concluiremos que nosso organismo vai sintetizar suas reservas quando houver excesso de nutriente. Nós também só guardamos dinheiro na caderneta de poupança depois que pagamos todas as nossas contas do mês. Ninguém deposita dinheiro na poupança se estiver devendo alguma coisa. O organismo é assim também. Vai produzir suas reservas depois que a demanda de energia das células já estiver suprida. E é por isso que a gente engorda! 136 CEDERJ MÓDULO 6 22/23 Quando comemos mais do que o necessário, o excesso é convertido em AULAS ácidos graxos (palmitato) que se acumulam no tecido adiposo, formando aqueles “pneuzinhos” na barriga que a gente tanto detesta... Vamos estudar agora como ocorre a síntese do palmitato (e a formação dos tais pneuzinhos...). Então, mãos à obra! SÍNTESE DO PALMITATO O citrato A síntese do palmitato ocorre a partir do acetil-CoA (2 átomos de carbono). Entretanto, o acetil-CoA é uma molécula mitocondrial e, conforme acabamos de ver, a síntese do palmitato ocorre no citoplasma das células. Logo, o acetil-CoA precisa chegar ao citoplasma para que haja a síntese do palmitato. Conforme discutimos na aula passada, a coenzima A é muito grande para atravessar as membranas biológicas e, por isso, o acetilCoA não pode cruzar as membranas da mitocôndria para chegar ao citoplasma. Como, então, o acetil-CoA chega ao citoplasma para dar início à síntese do palmitato? Vejamos. Quando comemos muito açúcar, a taxa de glicose do nosso sangue fica elevada. A glicose (6 átomos de carbono) entra nas células e é degradada pela glicólise, dando origem a duas moléculas de piruvato (3 átomos de carbono). Se você não se recorda bem de como ocorre a glicólise, reveja a aula sobre esse assunto. O piruvato formado no citoplasma entra na mitocôndria através de um translocador localizado na membrana interna mitocondrial. Na mitocôndria, o piruvato é convertido em acetil-CoA através da piruvato desidrogenase. O acetil-CoA (2 átomos de carbono) se junta ao oxalacetato (4 átomos de carbono) para formar o citrato (6 átomos de carbono) que segue pelo ciclo de Krebs. Quando há excesso de glicose, todas essas reações aqui descritas ocorrem em grande abundância, já que há excesso e fartura de glicose. Nesta situação, há uma grande formação de citrato, que se acumula dentro da mitocôndria. A concentração de citrato aumenta tanto que o citrato acaba vazando da mitocôndria, caindo no citoplasma. CEDERJ 137 BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos A saída do citrato da mitocôndria se dá através de um translocador de citrato localizado na membrana mitocondrial interna. No citoplasma, o citrato é quebrado em acetil-CoA e oxalacetato pela ação da citrato liase. Veja: citrato + ATP + CoA acetil-CoA + oxalacetato + ADP + Pi Agora sim! Temos acetil-CoA no citoplasma para ser utilizado na síntese do palmitato. Podemos, então, concluir que o acetil-CoA sai da mitocôndria “disfarçado” de citrato. O citrato, quando chega no citoplasma, é quebrado formando o acetil-CoA e o oxalacetato (lembre que o citrato é formado pelo união do acetil-CoA com o oxalacetato. Logo, a quebra do citrato gera acetil-CoA e oxalacetato). O destino do acetil-CoA Agora, temos o acetil-CoA no citoplasma! Entretanto, a síntese do palmitato utiliza o malonil-CoA (composto com 3 átomos de carbono). Desta forma, o acetil-CoA será convertido em malonil-CoA pela ação da enzima acetil-CoA carboxilase. Essa é a primeira enzima envolvida na síntese do palmitato. Como o próprio nome diz, a acetil-CoA carboxilase “pendura” um CO2 no acetil-CoA, isto é, ela “carboxila” o acetil-CoA, que passa a formar malonil-CoA, um composto com 3 átomos de carbono. Veja: acetil-CoA + CO2 + ATP malonil-CoA + ADP + Pi A acetil-CoA carboxilase é uma enzima dependente de biotina. A biotina (veja ao lado) está presente em todas as carboxilases, pois é o grupo que se especializou na carboxilação de determinadas moléculas. A Figura 22.1 mostra a saída do citrato da mitocôndria e a formação de acetil-CoA e oxalacetato. Alguns detalhes desta figura serão descritos mais à frente. 138 CEDERJ MÓDULO 6 22/23 AULAS Citosol oxalacetato oxalacetato Figura 22.1: Saída do citrato na mitocôndria e formação de acetil-CoA no citoplasma. O complexo do ácido graxo sintase A segunda enzima que participa da síntese de lipídeos é o complexo do ácido graxo sintase (AGS). Esta enzima é bastante grande, sendo capaz de desempenhar diversas funções, conforme veremos a seguir. A AGS possui dois grupamentos funcionais: uma fosfopantoteína e uma cisteína. A fosfopantoteína fica ligada à proteína carreadora de acilas (PCA). Veja a Figura 22.2. Figura 22.2: Complexo do ácido graxo sintase e a fosfopantoteína. CEDERJ 139 BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos A fosfopantoteína e a cisteína possuem grupamentos SH que servem para ligar os diversos substratos dessa enzima. O funcionamento dessa enzima é sensacional! Vejamos. Primeiro, um acetil-CoA se liga à cisteína. Em seguida, o malonil-CoA se liga à fosfopantoteína. Vale ressaltar que, no momento da ligação, tanto o acetil-CoA quanto o malonil-CoA perdem a CoA antes de se ligar à AGS e se ligam como acetato e malonato. Nesse momento, a enzima está carregada com seus dois substratos principais: o acetato (ligado à cisteína) e o malonato (ligado à fosfopantoteína). Em seguida, o acetato “pula” para cima do malonato com a ajuda de um componente do complexo chamado enzima de condensação. O produto desta condensação seria um composto com 5 átomos de carbono, já que o acetato possui 2 átomos de carbono e o malonato possui 3 átomos de carbono. Entretanto, ao mesmo tempo que ocorre essa condensação, ocorre uma descarboxilação e, com isso, o produto formado possui 4 átomos de carbono (2 + 3 = 5 – 1 = 4). Vale ressaltar que este produto se forma sobre a fosfopantoteína e, por isso, se chama acetoacetil-PCA. Em seguida, o acetoacetil-PCA sofre uma redução dependente de NADPH (veja o NADPH ao lado). Quem catalisa essa reação é uma redutase presente no complexo da AGS. O NADPH cede seus H para o acetoacetil formando NADP+. E o produto formado se chama hidroxibutiril-PCA (já que ainda está ligado à fosfopantoteína da PCA). Agora, o hidroxibutiril sofre uma desidratação também catalisada por uma desidratase presente no complexo da AGS. O produto desta reação é o butenenoil-PCA. A quarta reação é uma nova redução catalisada por uma outra redutase presente no complexo. Esta redutase também utiliza NADPH, formando NADP+ e butiril-PCA. Todas essas quatro reações ocorrem com o composto de quatro carbonos ligado à fosfopantoteína. Entretanto, até agora, o composto tem apenas 4 átomos de carbono e, conforme sabemos, o palmitato tem 16 átomos de carbono. Falta, portanto, que o butiril cresça até formar o palmitato. Desta forma, o butiril-PCA é transferido para a cisteína, deixando a fosfopantoteína livre para a entrada de uma nova molécula de malonato. 140 CEDERJ MÓDULO 6 22/23 Na segunda rodada do complexo, a situação é a seguinte: o butiril AULAS (composto com 4 átomos de carbono) se encontra ligado à cisteína e o malonil-CoA perde seu CoA e se liga como malonato à fosfopantoteína. Em seguida, o butiril “pula” para cima do malonato com a ajuda da enzima de condensação. Ocorre uma nova descarboxilação do malonato dando origem a um composto com 6 átomos de carbono (4 + 3 = 7 – 1 = 6). Da mesma forma que descrito anteriormente, esse composto vai sofrer uma redução dependente de NADPH, uma desidratação e uma nova redução dependente de NADPH. Tudo isso ocorre sobre a fosfopantoteína. Agora, esse composto com 6 átomos de carbono é transferido de volta para cisteína deixando a fosfopantoteína livre para a entrada de um novo malonil-CoA. Esse processo se repete 7 vezes, até que o palmitato se forma dentro do complexo da AGS. Como o palmitato é uma molécula muito grande (16 átomos de carbono), a afinidade do complexo AGS por ele é muito pequena e, com isso, o complexo libera o palmitato. Esse palmitato pode ser transportado para o tecido adiposo onde permanecerá até que seja necessária a sua utilização como reserva energética. CEDERJ 141 BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos Veja a Figura 22.3 que resume o que foi descrito. Figura 22.3: A síntese do palmitato no complexo do ácido graxo sintase. Conforme vimos, a primeira reação catalisada pelo complexo da AGS é a união de um acetil-CoA com um malonil-CoA. A partir daí, em cada rodada do complexo, uma nova molécula de malonil-CoA é consumida, fazendo o composto crescer até ficar com 16 átomos de carbono. Podemos concluir, então, que para haver síntese de palmitato é necessário que haja muito malonil-CoA disponível. É aí que entra a acetilCoA carboxilase. Conforme vimos anteriormente, a acetil-CoA carboxilase é “uma fábrica” de malonil-CoA. Esse malonil-CoA é utilizado pelo complexo da AGS. Se faltar malonil-CoA, não há síntese de palmitato! 142 CEDERJ MÓDULO 6 22/23 Desta forma, o produto da acetil-CoA carboxilase (malonil-CoA) Acetil-CoA carboxilase AULAS é substrato da AGS. Veja. complexo AGS Acetil-CoA malonil-CoA substrato produto substrato palmitato produto Não podemos deixar de mencionar, mais uma vez, que o complexo da AGS utiliza acetil-CoA apenas na primeira reação. Logo, o acetil-CoA que vem da quebra do citrato serve tanto como substrato da acetil-CoA carboxilase quanto como substrato do complexo da AGS. Em resumo, a síntese do palmitato, a partir do acetil-CoA e do malonil-CoA, envolve as seguintes reações: 1- condensação 2- redução dependente de NADPH 3- desidratação 4- redução dependente de NADPH Regulação da síntese de palmitato Conforme mencionado anteriormente, a síntese de palmitato ocorre quando há fartura de nutrientes. Vimos acima que a glicose excedente é convertida em piruvato, que se transforma em citrato, que, por sua vez, é convertido em acetil-CoA, que serve de matéria-prima para a síntese de palmitato. Fica claro, então, por que quando comemos muito açúcar engordamos. O açúcar excedente se transforma em gordura (palmitato) que se acumula no tecido adiposo. Conforme podemos prever, a síntese de palmitato precisa ocorrer na hora correta. Obviamente, só podemos sintetizar palmitato quando existem nutrientes em excesso, e por isso, a célula precisa controlar precisamente as enzimas envolvidas com a síntese. A acetil-CoA carboxilase é altamente controlada, já que é ela que vai gerar o malonil-CoA, que é o principal substrato para a síntese de palmitato. CEDERJ 143 BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos A acetil-CoA carboxilase sofre dois controles. O primeiro é exercido pelo próprio citrato, que atua como um modulador da atividade desta enzima. A acetil-CoA carboxilase possui um sítio de ligação ao citrato (sítio alostérico). Quando o citrato ocupa este sítio, a acetilCoA carboxilase sofre uma mudança conformacional que resulta na sua polimerização. Na verdade, a acetil-CoA carboxilase existe na forma de monômeros isolados, quando não há citrato no citoplasma da célula. Mediante ligação ao citrato, esses monômeros “dão as mãos”, formando um filamento longo, conforme visto na Figura 22.4. A polimerização funciona exatamente como se fosse um colar de pérolas: as pérolas isoladas seriam os monômeros de acetil-CoA carboxilase e o colar de pérola inteiro seria o filamento. Figura 22.4: Microscopia eletrônica dos filamentos da acetilCoA carboxilase obtidos na presença de citrato. Entretanto, curiosamente, a acetil-CoA carboxilase, na forma filamentosa, apresenta uma atividade bem maior do que a acetil-CoA carboxilase na forma de monômeros. Dessa forma, podemos concluir, que o citrato é capaz de ativar a acetil-CoA carboxilase ao induzir sua polimerização. Quando, então, o citrato chega ao citoplasma, uma pequena parte dele se liga à acetilCoA carboxilase, ocasionando a polimerização da enzima com a sua concomitante ativação. citrato monômeros da acetil-CoA filamento carboxilase (muito ativo) (pouco ativos) 144 CEDERJ MÓDULO 6 22/23 O segundo controle da acetil-CoA carboxilase é a fosforilação AULAS induzida pelo hormônio glucagon. Conforme você verá nas aulas de regulação hormonal, o glucagon, um hormônio que é liberado no momento do jejum, ativa uma proteína cinase que fosforila (pendura um grupamento fosfato) diversas enzimas, dentre as quais a acetil-CoA carboxilase. Quando fosforilada, a acetil-CoA carboxilase passa a ficar inibida. Desta forma, quando estamos em jejum sob a ação do glucagon, a acetil-CoA carboxilase está completamente inibida, já que se encontra fosforilada. enzima defosforilada -P enzima fosforilada ativa inibida Em resumo, podemos dizer que a acetil-CoA carboxilase possui dois controles: o citrato, que ativa a enzima, e a fosforilação induzida por glucagon, que leva à sua inativação. NADPH Antes de terminarmos, falta compreender de onde vem tanto NADPH que é necessário para manter a síntese do palmitato. Lembre-se de que em cada rodada do complexo da AGS há consumo de duas moléculas de NADPH. Vimos anteriormente que, quando a concentração de citrato está muito aumentada na mitocôndria, o citrato vaza, alcançando o citoplasma. Esse citrato é convertido em acetil-CoA e oxalacetato pela ação da citrato liase. O acetil-CoA ou será convertido em malonil-CoA pela acetil-CoA carboxilase ou será utilizado na primeira rodada do complexo da AGS para formar palmitato. E o oxalacetato (OA)? Qual o destino desta molécula? O OA pode ser convertido em malato pela malato desidrogenase, que utiliza NADH. O malato formado pode ser convertido em piruvato por uma enzima chamada enzima málica. Na conversão de OA em piruvato, há formação de NADPH. Veja: OA + NADP+ piruvato + CO2 + NADPH CEDERJ 145 BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos Este NADPH formado a partir da enzima málica pode ser utilizado na síntese do palmitato. Entretanto, esse NADPH não é suficiente para manter a síntese, havendo necessidade de mais NADPH. Conforme veremos em aulas mais à frente, existe uma via chamada via das pentoses fosfato, que ocorre junto com a síntese de palmitato, e que forma NADPH para manter a síntese do palmitato. Desta forma, parte do NADPH necessário para a síntese do palmitato vem da enzima málica, e outra parte, da via das pentoses fosfato. Tanto o piruvato quanto o malato podem voltar para a mitocôndria através de transportadores específicos, sendo reconvertidos em OA. Veja a Figura 22.5. Citosol oxalacetato oxalacetato Figura 22.5: O transporte de citrato para fora da mitocôndria gera OA, que, ao retornar para a mitocôndria na forma de piruvato, gera poder redutor (NADPH) para a síntese do palmitato. 146 CEDERJ MÓDULO 6 22/23 Síntese de palmitato x degradação do palmitato AULAS Antes de terminarmos, vale a pena comparar a síntese de palmitato com a sua degradação (β-oxidação). Tabela 22.1: Comparação da síntese do palmitato e sua degradação. β-oxidação Síntese do palmitato 1. oxidação dependente de FAD 1. condensação 2. hidratação 2. redução dependente de NADPH 3. oxidação dependente de NAD+ 3. desidratação 4. tiólise (quebra) 4. redução dependente de NADPH Se pararmos para pensar, podemos concluir que a síntese do palmitato envolve reações químicas que são o contrário das reações da β-oxidação. Não estamos dizendo que a síntese é o reverso da β-oxidação, mas apenas que essas duas vias são quimicamente o reverso uma da outra. Não poderia ser diferente, pois, quando sintetizamos o palmitato, que é uma molécula com vários grupos CH2, utilizamos o malonato, que é uma molécula que possui carbono ligado ao oxigênio. Esse oxigênio precisa sair da molécula para a entrada de H e formação do CH2. É por isso que ocorrem reduções com o uso de NADPH, que cede seus H gerando NADP+. Na β-oxidação a situação é o contrário. Temos o palmitato, rico em grupos CH2, e queremos formar o acetil-CoA, uma molécula que possui oxigênio ligado ao carbono. Logo, neste caso, precisamos inserir oxigênio na molécula, ou seja, precisamos oxidar a molécula. É por isso que precisamos de FAD e NAD+, que recebem os H vindos do palmitato formando FADH2 e NADH. Além disto, na síntese do palmitato há uma reação de desidratação que remove o oxigênio da molécula, ao passo que na β-oxidação há uma etapa de hidratação que insere oxigênio na molécula. Por fim, enquanto na β-oxidação temos a tiólise, ou seja, a quebra do palmitato em unidades de dois carbonos (acetil-CoA), na síntese do palmitato temos a condensação de moléculas pequenas, como o malonil-CoA, visando formar uma molécula grande como o palmitato. CEDERJ 147 BIOQUÍMICA II | Síntese de ácidos graxos RESUMO Nesta aula, vimos como o palmitato é sintetizado a partir de precursores pequenos como o acetil-CoA e o malonil-CoA. Existem duas enzimas-chave que participam do processo de síntese do palmitato: a acetil-CoA carboxilase e o complexo da ácido graxo sintase (AGS). A acetil-CoA carboxilase sintetiza malonil-CoA com gasto de ATP. O complexo da AGS possui dois grupamentos muito importantes, que são a fosfopantoteína e uma cisteína. O acetil-CoA se liga como acetato à cisteína, ao passo que o malonil-CoA se liga como malonato à fosfopantoteína. Há uma reação de condensação que é acompanhada de uma descarboxilação, o que resulta na formação de um composto com quatro átomos de carbono. Esse composto sofre redução dependente de NADPH, desidratação, e uma nova redução dependente de NADPH. Em seguida o composto, já reduzido na forma de butiril, passa para a cisteína, deixando livre a fosfopantoteína para a entrada de um novo malonil-CoA. Esse ciclo se repete até que o palmitato se forme dentro do complexo da AGS, sendo, em seguida, liberado para o meio. EXERCÍCIOS 1. Descreva com suas próprias palavras o processo de síntese de palmitato a partir do acetil-CoA. 2. Como o acetil-CoA chega ao citoplasma, local onde ocorre a síntese de lipídeos? 3. Quais são os controles da síntese de lipídeos? 148 CEDERJ objetivos AULA Via das pentoses-fosfato 24 Nesta aula, você vai conhecer a via das pentoses-fosfato, um desvio da via glicolítica necessário às células que realizam reações de biossíntese redutoras. Você vai ser apresentado a todas as reações que fazem parte desta via, mas o mais importante é que você aprenda como o poder redutor é garantido nos momentos de biossíntese, como é sintetizado o NADPH e como pentoses são fornecidas para a formação de nucleotídeos. Pré-requisitos Seria interessante que você relesse as aulas sobre glicólise, ciclo de Krebs e síntese de ácidos graxos antes de começar. Vamos retomar alguns pontos dessas vias metabólicas nesta aula. BIOQUÍMICA II | Via das pentoses-fosfato INTRODUÇÃO O ATP é considerado a “moeda energética” da célula. A incorporação do fosfato à molécula de ADP, formando o ATP, se dá às custas da energia liberada na oxidação dos nutrientes, enquanto a síntese das biomoléculas muitas vezes depende da hidrólise do ATP. Entretanto, como vimos quando estudamos a síntese de ácidos graxos, nem sempre apenas o ATP é suficiente para as reações de biossíntese. Uma outra “moeda” também é necessária: o poder redutor. Muitas reações celulares, como a síntese de ácidos graxos e de colesterol, requerem NADPH além do ATP. Atenção! Você não deve confundir NADH com NADPH. Estas duas coenzimas diferem apenas pela presença de um grupamento fosfato a mais na molécula de NADPH. Entretanto, elas desempenham papéis bastante diferentes na célula. O NADH participa indiretamente da síntese do ATP, transferindo os elétrons liberados nas reações de oxidação dos nutrientes para a cadeia transportadora de elétrons. O NADPH está envolvido na utilização da energia livre das reações de oxidação para as reações de biossíntese redutivas. Esta diferenciação é possível graças à especificidade das enzimas por suas coenzimas. Para relembrar como são as reações catalisadas pelas desidrogenases, você pode retornar às aulas que trataram das reações da glicólise e do ciclo de Krebs, e observar as reações catalisadas pelas enzimas gliceraldeído-3fosfato desidrogenase, isocitrato desidrogenase, α-cetoglutarato desidrogenase, ou malato desidrogenase. Bem, voltando às reações de biossíntese, estávamos dizendo que elas requerem, além da energia armazenada na molécula de ATP, o poder redutor do NADPH. Na aula de hoje, você vai aprender como o NADPH é formado nas células. Você já aprendeu que o NAD+ é reduzido a NADH em uma série de reações de oxidação catalisadas por enzimas chamadas desidrogenases. O NADPH também é reduzido em reações de oxidação catalisadas por desidrogenases; neste caso, outras desidrogenases que usam como coenzima o NADP+ e não o NAD+. Vamos, agora, conhecer estas reações, que fazem parte da via metabólica que chamamos via das pentoses-fosfato. Para simplificar, vamos substituir a palavra fosfato pela letra P nas nomenclaturas usadas a partir de agora. Assim, glicose6-fosfato passa a ser denominada glicose-6P, frutose-6-fosfato passa a ser frutose-6P, ribose5-fosfato passa a ser ribose-5P e assim por diante. A via das pentoses-fosfato pode ser dividida em duas etapas, o ramo oxidativo e o ramo não-oxidativo. O ramo oxidativo começa com a glicose6-fosfato (glicose-6P), que é desviada da via glicolítica, sendo convertida a uma pentose-fosfato. Como o nome diz, pentoses são açúcares contendo 5 carbonos. Você já sabe que a glicose-6P possui 6 carbonos. Então, tente responder: que tipo de reação deve ocorrer no ramo oxidativo da via das pentoses de forma a gerar um açúcar de 5 carbonos? A glicose-6P deve perder 1 carbono, o que ocorre através de uma reação de descarboxilação. 150 CEDERJ 24 MÓDULO 7 AULA O RAMO OXIDATIVO DA VIA DAS PENTOSES-FOSFATO Observe, em seguida, as reações que compõem o ramo oxidativo da via das pentoses-fosfato na Figura 24.1: Como você pode observar, no ramo oxidativo ocorrem duas reações de oxidação, cujas enzimas usam o NADP+ como coenzima, sendo a última uma reação de descarboxilação também. 6-fosfogluconato Figura 24.1: Reações do ramo oxidativo da via das pentoses-fosfato. A primeira reação é catalisada pela enzima glicose-6P desidrogenase, que converte a glicose-6P em 6-fosfoglucono-δ-lactona. Esta enzima é específica para NADP+ e esta reação é a etapa mais regulada da via, como veremos mais à frente. Em seguida, na segunda reação do ramo oxidativo, a 6-fosfoglucono-δ-lactona é hidrolisada, formando 6-fosfogluconato. Esta reação é catalisada pela enzima 6-fosfogluconolactanase. A última reação do ramo oxidativo é uma descarboxilação oxidativa catalisada pela enzima fosfogluconato desidrogenase, levando à redução de NADP+, à liberação de CO2 e à formação da pentose ribulose-5P. Esta reação é irreversível em condições fisiológicas (no ambiente intracelular, a conversão de ribulose-5P de volta a 6-fosfogluconato não ocorre). Assim, o ramo oxidativo da via das pentoses gera duas moléculas A descarboxilação oxidativa catalisada pela enzima fosfogluconato desidrogenase é semelhante à reação catalisada pela isocitrato desidrogenase, enzima do ciclo de Krebs. de NADPH para cada molécula de glicose-6P. CEDERJ 151 BIOQUÍMICA II | Via das pentoses-fosfato O RAMO NÃO-OXIDATIVO DA VIA DAS PENTOSESFOSFATO O ramo não-oxidativo é composto por uma série de reações, todas elas reversíveis. Ele começa com a conversão de moléculas de ribulose-5P em duas outras pentoses: a ribose-5P ou a xilulose-5P, como mostrado na Figura 24.2: isomerase Figura 24.2: Conversão de ribulose-5P em ribose-5P e xilulose-5P. A ribose-5P é um componente dos nucleotídeos, podendo ser usada na formação destes compostos. Entretanto, nem sempre o requerimento de poder redutor para as reações de biossíntese coincide com a necessidade de ribose-5P. Assim, as reações do ramo não-oxidativo são responsáveis pela conversão das pentoses formadas em intermediários comuns do metabolismo, que podem ser usados em outras vias metabólicas. Mas como isso ocorre? As pentoses-fosfato são convertidas em intermediários da via glicolítica através de uma série de reações de rearranjo. Essas reações consistem na clivagem e na formação de ligações C – C, como veremos a seguir. Em última análise, duas moléculas de xilulose-5P e uma molécula de ribose-5P são convertidas em duas moléculas de frutose-6P e uma molécula de gliceraldeído-3P, ambos intermediários da glicólise. 152 CEDERJ 24 MÓDULO 7 AULA Assim, os 15 carbonos presentes nas três pentoses são rearranjados como duas moléculas de 6 carbonos (2 frutose-6P) e uma molécula de 3 carbonos (o gliceraldeído-3P), somando 15 carbonos. Estas reações são catalisadas por dois tipos de enzimas, as transaldolases e as transcetolases. As transaldolases transferem fragmentos de 3 carbonos e as transcetolases transferem fragmentos de 2 carbonos. Acompanhe a série de reações mostradas na Figura 24.3: gluconolactona ribulose P isomerase sedoheptulose gliceraldeído 3P Figura 24.3: Reações do ramo não-oxidativo da via das pentoses-fosfato. 4P CEDERJ 153 BIOQUÍMICA II | Via das pentoses-fosfato À primeira vista, este conjunto de reações assusta, pois parece muito complicado. Mas se você prestar atenção, o que ocorre nada mais é do que a troca de pedaços entre uma molécula e outra. Primeiro, um fragmento de 2 carbonos é transferido da xilulose-5P para a ribose-5P. Esta transferência resulta em uma molécula de 7 carbonos, a sedoheptulose-7P, e uma molécula de 3 carbonos, o gliceraldeído-3P. Então, um fragmento de 3 carbonos é transferido da sedoheptulose-7P para o gliceraldeído-3P, formando uma molécula de 4 carbonos, a eritrose-4P, e uma molécula de 6 carbonos, a frutose-6P. Finalmente, o fragmento de 2 carbonos é transferido de outra molécula de xilulose-5P para a eritrose-4P, formada na reação anterior, gerando mais uma molécula de gliceraldeído-3P e mais uma molécula de frutose-6P. O resultado final, como já mencionamos, é a conversão de 3 pentoses-fosfato em duas moléculas de frutose-6P e uma molécula de gliceraldeído-3P, que podem seguir pela via glicolítica. Veja, agora, o esquema geral de como isso ocorre dentro da célula na Figura 24.4. Figura 24.4: Visão esquemática da via das pentoses-fosfato na célula. 154 CEDERJ 24 MÓDULO 7 AULA REGULAÇÃO DA VIA DAS PENTOSES-FOSFATO O fluxo através da via das pentoses-fosfato e, conseqüentemente, a taxa de redução de NADP+ a NADPH são regulados essencialmente pela atividade da glicose-6P desidrogenase. Esta enzima é regulada pelos níveis de NADP+, um de seus substratos. Quando a célula consome NADPH, quando começa a sintetizar lipídeos, por exemplo, a concentração de NADP+ aumenta, favorecendo a atividade da glicose-6P desidrogenase, regenerando o NADPH. Um outro aspecto importante da regulação desta via requer uma visão mais integrada do metabolismo. Vamos relembrar o que ocorre durante a síntese de ácidos graxos. O citrato, em excesso na mitocôndria, é transportado para o citoplasma, onde irá fornecer acetil-CoA para o início da síntese de ácidos graxos. Ao mesmo tempo, o citrato funciona também como um regulador da atividade de duas enzimas citoplasmáticas: Se você tiver dificuldade de acompanhar esta parte, volte à aula que trata da síntese de ácidos graxos e relembre os principais pontos abordados. a acetil-CoA carboxilase, que se polimeriza na presença de citrato, se tornando ativa; e a fosfofrutocinase (PFK), enzima da glicólise, que é inibida por citrato. A inibição da PFK permite o acúmulo de glicose-6P, que pode, então, seguir pela via das pentoses-fosfato. Para compreender e integrar melhor todas estas informações, observe com cuidado o esquema mostrado na Figura 24.5. Figura 24.5: Integração da via das pentoses-fosfato à glicólise e à síntese de ácidos graxos. CEDERJ 155 BIOQUÍMICA II | Via das pentoses-fosfato A VIA DAS PENTOSES EM DIFERENTES TECIDOS E DIFERENTES SITUAÇÕES FISIOLÓGICAS Os principais produtos da via das pentoses-fosfato são NADPH e ribose-5P. As reações das enzimas transaldolases e transcetolases servem para converter o excesso de ribose-5P em intermediários da glicólise, quando há mais requerimento de NADPH do que de ribose-5P. A frutose-6P e o gliceraldeído-3P podem seguir a via glicolítica, sendo completamente oxidados. Isto ocorre quando há predominância da síntese de ácidos graxos na célula em relação ao requerimento de nucleotídeos, nos principais tecidos que realizam a síntese de ácidos graxos, como o fígado, as glândulas mamárias em lactação e tecido adiposo, ou em tecidos que sintetizam hormônios esteróides (que são lipídeos), como os testículos ou o córtex da glândula adrenal. Por outro lado, o músculo, por exemplo, não realiza síntese de lipídeos, e não necessita, portanto de NADPH. Neste tecido, a ribose-5P necessária para a síntese de nucleotídeos é formada a partir de frutose-6P e gliceraldeído-3P, através das reações do ramo não-oxidativo da via das pentoses-fosfato, que ocorrem no sentido inverso. Um outro tipo celular precisa muito da via das pentoses-fosfato: as hemácias. Estas células apresentam altos níveis de glutationa, um antioxidante fundamental para a proteção dos fosfolipídios de sua membrana frente a danos oxidativos. A síntese de glutationa depende de NADPH, fornecido pela vias das pentoses. Por isso, a via das pentoses é muito ativa nas hemácias, garantindo a integridade destas células. DEFICIÊNCIA NA GLICOSE-6P DESIDROGENASE Quando algumas drogas aparentemente não perigosas, como drogas antimalária, antipiréticos ou antibióticos de sulfa, são administradas em alguns pacientes, uma anemia hemolítica aguda pode ocorrer após 48 a 96 horas. Isso pode acontecer devido a uma deficiência genética na enzima glicose-6P desidrogenase. Estas drogas atacam a membrana das hemácias, cuja integridade depende da manutenção da glutationa reduzida, que, por sua vez, depende do NADPH produzido na via das pentoses, como comentamos anteriormente. Assim, as hemácias de indivíduos com deficiência na glicose-6P desidrogenase não são capazes de se proteger da hemólise causada pelas drogas em questão. 156 CEDERJ 24 MÓDULO 7 AULA RESUMO As células usam NAD+ nas reações oxidativas e NADPH nas biossínteses redutivas. O NADPH é sintetizado através de um caminho alternativo de oxidação da glicose, a via das pentoses-fosfato. Esta via pode ser dividida em duas fases: o ramo oxidativo e o ramo não-oxidativo. O ramo oxidativo tem como função a redução de NADPH para as reações de biossíntese, assim como a formação de pentoses-fosfato para a síntese de nucleotídeos, através da oxidação da glicose6P. A velocidade desta via é determinada pela atividade da enzima glicose-6P desidrogenase, controlada basicamente pelos níveis de NADP+. A capacidade das enzimas de distinguirem NADH (que é essencialmente utilizado no metabolismo energético) de NADPH (utilizado essencialmente como poder redutor das reações biossintéticas) permite que as reações de síntese e de degradação sejam reguladas independentemente. O ramo não-oxidativo permite a conversão das pentoses formadas em intermediários da via glicolítica, possibilitando sua utilização em outras vias do metabolismo da célula. EXERCÍCIOS 1. Em que tecidos a via das pentoses-fosfato pode ocorrer? 2. Imagine um hepatócito sintetizando ácidos graxos ativamente. De que maneira a via das pentoses-fosfato contribui para este processo e quais os produtos por ela gerados nesta situação? 3. As células musculares não realizam a síntese de ácidos graxos, mas podem precisar de nucleotídeos. A ribose-5P, um dos produtos da via das pentoses, é um dos componentes dos nucleotídeos. Explique como a ribose-5P é formada no músculo sem que haja produção concomitante de NADPH. 4. Qual é a importância da via das pentoses-fosfato nas hemácias? CEDERJ 157 objetivo AULA Degradação do glicogênio 25 Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • Compreender as vias de degradação do glicogênio. Pré-requisitos Ter compreendido a estrutura da célula vegetal (Aula 5) e ter pleno conhecimento da organização dos meristemas primários e secundários (Aula 6), bem como dos sistemas fundamental (Aula 8) e vascular – xilema (Aula 9). BIOQUÍMICA II | Degradação do glicogênio INTRODUÇÃO A degradação do glicogênio em glicose ou glicose-1P denomina-se glicogenólise e a glicogênese refere-se à síntese do glicogênio. Esses processos são de extrema importância em quase todos os tecidos, mas especialmente no fígado e nos músculos. O fígado é o principal órgão para estocar o glicogênio. Em humanos bem alimentados, o conteúdo de glicogênio do fígado pode contribuir para cerca de 6% a 10% do peso seco deste órgão. Os músculos estocam uma quantidade menor, em torno de 1 a 2% do seu peso seco. Entretanto, como a massa muscular é maior do que a massa hepática, na maioria das pessoas o teor de glicogênio muscular pode corresponder a cerca de duas a quatro vezes o teor de glicogênio hepático. Veja a Tabela 25.1. Tabela 25.1: Armazenamento de carboidratos em homens adultos normais (70 kg) (MURRAY, Robert K. et al. Haper : Bioquímica. 8. ed. São Paulo: Atheneu, 1998.) Glicogênio hepático 4,0 % 72g1 Glicogênio muscular 0,7 % 245g2 Glicogênio extracelular 0,1% 10g3 1 Peso do fígado = 1800g Massa muscular = 35 kg 3 Volume total = 10l 2 Os estoques de glicogênio hepático e muscular apresentam papéis diferentes. No músculo, o glicogênio serve como combustível para a síntese de ATP, enquanto o glicogênio do fígado funciona como uma reserva de glicose para a manutenção dos níveis sangüíneos desta substância. Os níveis de glicogênio hepático variam com a ingestão de alimento, acumulando altos níveis logo após a alimentação. Após 12 a 18 horas de jejum, o fígado torna-se quase totalmente desprovido de glicogênio (veja a Figura 25.1), já o glicogênio do músculo só diminui após exercício vigoroso prolongado. As reservas de glicogênio hepático são, portanto, úteis para o intervalo entre as refeições. Elas mantêm-se um pouco mais elevadas para atender o jejum noturno. 160 CEDERJ 25 MÓDULO 7 AULA O glicogênio do músculo é uma fonte de ATP para aumentar a atividade muscular. A maioria da glicose do glicogênio muscular é consumida dentro das células musculares sem a formação de glicose livre como intermediário. O glicogênio do fígado é convertido em glicose para que esta alcance a corrente sangüínea no momento de jejum. A conversão de glicose em glicogênio no músculo é mais importante do que a glicogênese hepática para diminuir os níveis de glicose sangüínea após as refeições. Os grânulos de glicogênio são abundantes no fígado de animais bem alimentados, mas são bem reduzidos no fígado de animais após 24 horas de jejum. Veja a Figura 25.1. Exercícios intensos causam a mesma perda de glicogênio muscular. Os grânulos de glicogênio correspondem a agregados de moléculas de glicogênio e possuem massa molecular em torno de 2x107 Da. Figura 25.1: Micrografia eletrônica mostrando grânulos de glicogênio (pontos pretos) no fígado de um rato bem alimentado (a) e a ausência relativa de tais grânulos no fígado de um rato em jejum por 24 horas (b). (DEVLIN, Thomas M. Textbook of Biochemistry : with clinical correlations. 4.ed. New York: Wiley-Liss, 1997.) A figura foi originalmente fornecida pelo Dr. Robert R. Cardell do Department of Anatomy at the University of Cincinnati. CEDERJ 161 BIOQUÍMICA II | Degradação do glicogênio GLICOGENÓLISE A glicogênio fosforilase catalisa a primeira etapa da degradação do glicogênio A glicogênio fosforilase catalisa a fosforólise (clivagem pela entrada de um fosfato) do glicogênio, uma reação na qual um Pi é usado na clivagem de uma ligação α-1,4-glicosídica para render glicose 1-fosfato (Figura 25.2). Essa clivagem sempre ocorre no terminal não-redutor da molécula de glicogênio. não-redutor Glicogênio fosforilase Figura 25.2: Reação catalisada pela glicogênio fosforilase. A próxima etapa da degradação do glicogênio é catalisada pela enzima fosfoglicomutase, uma enzima que transfere o fosfato da posição 1 da molécula de glicose1-P para a posição 6, formando uma molécula de glicose 6-P. Essa reação permanece próxima ao equilíbrio em condições celulares, permitindo que ela ocorra tanto no sentido de formação de glicose 1-P (quando a síntese de glicogênio é necessária) ou no sentido de formação de glicose 6-P quando há necessidade glicose na corrente sangüínea ou quando a glicólise para a produção de energia é necessária (Figura 25.3). 162 CEDERJ 25 MÓDULO 7 AULA Figura 25.3: Reação catalisada pela enzima fosfo-glicomutase. A próxima enzima envolvida na glicogenólise depende do tecido em consideração, veja a Figura 25.4. No fígado, a glicose-6-fosfato é hidrolisada em glicose e Pi. Desse modo a glicose liberada pode ser transportada da célula hepática para a corrente sangüínea e ser conduzida para diversos tecidos extra-hepáticos. O músculo não possui a enzima glicose-6-fosfatase; por isso a glicose-6-P formada é utilizada pela própria célula muscular. A Figura 25.4 mostra um esquema da glicogenólise, destacando o destino dos produtos de degradação do glicogênio no fígado e nos tecidos periféricos. Note que o piruvato formado pode ser degradado em CO2 + H2O (o que ocorre nos músculos que operam em aerobiose como o coração, por exemplo) ou em lactato, o que ocorre nos músculos que recebem menos oxigênio. Como você deve se lembrar, pois foi visto em Bioquímica I, o glicogênio é uma molécula ramificada. A primeira enzima envolvida na de gra dação do glicogênio, a glicogênio fosforilase, é específica para ligações glicosídicas α-1,4. Entretanto ela deixa de atuar quando se aproxima (4 resíduos antes) dos pontos de ramificação (ligações glicosídicas α-1,6). A molécula residual da hidrólise do glicogênio pela enzima glicogênio fosforilase é denominada dextrina limite. Figura 25.4: Glicogenólise no fígado e em tecidos periféricos. CEDERJ 163 BIOQUÍMICA II | Degradação do glicogênio Para que a clivagem dessa dextrina limite ocorra, faz-se necessária a ação de uma enzima desramificadora. A enzima desramificadora é uma enzima bifuncional, que catalisa duas reações necessárias para desramificar o glicogênio. A primeira ação é uma atividade 4-α-D-glicanotransferase na qual uma fita com três resíduos glicosil é removida do quarto resíduo a partir da ramificação da molécula de glicogênio (Figura 25.5). A fita permanece covalentemente ligada à enzima até que ela seja transferida para o grupo 4-hidroxil de um resíduo glicosil do terminal da mesma molécula de glicogênio ou de uma molécula adjacente. O resultado é a formação de uma cadeia maior de amilose com somente um resíduo glicosil permanecendo em uma ligação α-1,4. Essa ligação é clivada pela segunda ação da enzima desramificadora, que é uma atividade amilo-α-1,6 glicosidase. A ação cooperativa entre a glicogênio fosforilase e a enzima desramificadora resulta em completa fosforólise e hidrólise do glicogênio. As doenças de estoque de glicogênio ocorrem quando uma dessas enzimas é deficiente. Figura 25.5: Ação da enzima desramificadora. 164 CEDERJ 25 MÓDULO 7 AULA RESUMO A degradação dos estoques de glicogênio (glicogenólise) ocorre através da ação da glicogênio fosforilase. A ação desta enzima é remover fosforoliticamente um resíduo de glicose a partir da quebra de uma ligação α1,4 da molécula de glicogênio. O produto desta reação é a glicose-1-fosfato. A glicose-1-fosfato produzida pela ação da fosforilase é convertida em glicose-6fosfato pela fosfoglicomutase. A conversão de glicose-6-fosfato em glicose, que ocorre no fígado, rim e intestinos, pela ação da glicose 6-fosfatase, não acontece no músculo esquelético devido à falta desta enzima. No fígado, a ação desta enzima conduz a glicogenólise para geração de glicose livre e a manutenção da concentração desta no sangue. A fosforilase não remove resíduos de glicose a partir das ligações α1,6 do glicogênio. A atividade da fosforilase cessa a quatro resíduos de glicose do ponto de ramificação. Para a remoção de glicose destes pontos é necessária a ação da enzima desramificadora (também conhecida por glucan transferase), que contém duas atividades: glicotransferase e glicosidase. A atividade de transferase remove um bloco de três grupamentos glicosil de uma ramificação para outra. A glicose em uma ligação α1,6 da ramificação é removida pela ação da glicosidase. Teoricamente, a glicogenólise ocorre no músculo esquelético e pode gerar alguma glicose livre para entrar na corrente sangüínea. No entanto, a glicose livre é imediatamente fosforilada e entra na via glicolítica para produzir ATP quando a demanda energética é baixa. Os exercícios referentes às Aulas 25, 26 e 27 serão propostos após a Aula 27. CEDERJ 165 objetivo AULA Biossíntese do glicogênio 26 Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • Compreender as vias de biossíntese do glicogênio. Pré-requisito É fundamental rever os assuntos ligados à estrutura e função dos carboidratos, abordados nas Aulas 32, 33 e 34 de Bioquímica I. BIOQUÍMICA II | Biossíntese do glicogênio INTRODUÇÃO Em diversos organismos, o excesso de glicose é convertido em formas poliméricas para fins de estoque e em dissacarídeos para fins de transporte. Como você aprendeu em Bioquímica I, a principal forma de estoque de glicose em vertebrados e em microorganismos é o glicogênio, enquanto em plantas é o amido. Em vertebrados, a própria glicose é transportada no sangue; em plantas, a forma de transporte é a sacarose; e em insetos é a trealose. Muitas das reações nas quais as hexoses são transformadas ou polimerizadas envolvem nucleotídeos ligados a açúcares, compostos nos quais o carbono anomérico do açúcar é ativado pela ligação do nucleotídeo, através de uma ligação fosfo-diéster. Assim, os açúcares-nucleotídeo são os substratos para a polimerização dos monossacarídeos em dissacarídeos e polissacarídeos. 168 CEDERJ 26 MÓDULO 7 AULA A BIOSSÍNTESE DO GLICOGÊNIO ENVOLVE UM NUCLEOTÍDEO ESPECIAL DA GLICOSE A glicose é fosforilada a glicose 6-fosfato (=glicose 6-P), uma reação que é comum à primeira reação da via glicolítica. Esta reação é catalisada pela hexoquinase no músculo e pela glicoquinase no fígado. Então a glicose 6-P é convertida em glicose-1-P na reação catalisada pela fosfoglicomutase. Esta enzima, a fosfoglimutase, é fosforilada e o grupo fosfato participa na reação reversível em que a glicose-1,6-bifosfato é um intermediário da reação. Veja a reação abaixo: P ENZ-P + Glicose-6-P ENZ + Glicose-1,6-biP Enz-P + glicose-1-P A seguir, a glicose 1-P reage com a uridinatrifosfato (UTP) para formar o nucleotídeo ativo, a uridina-difosfato-glicose (UDPGlicose, ou UDPGlc). Essa reação é catalisada pela enzima UDP-Glc-pirofosforilase. Veja a estrutura da UDPGlicose na Figura 26.1. Observe a reação: UTP + Glicose-1P UDP Glicose + PPi Figura 26.1: Estrutura da UDP glicose (Uridina difosfato – glicose). CEDERJ 169 BIOQUÍMICA II | Biossíntese do glicogênio A hidrólise subseqüente do pirofosfato inorgânico (PPi) pela pirofosfatase inorgânica desloca o equilíbrio da reação para a direita da equação. Pela enzima glicogênio sintase, o carbono 1 da glicose ativada, UDPGlc, forma uma ligação glicosídica com o carbono 4 da glicose terminal do glicogênio que está sendo formado, liberando uma uridina difosfato (UDP). Um resumo da via de síntese do glicogênio é apresentado na Figura 26.2. Uma molécula de glicogênio preexistente, ou primer de glicogênio, deve estar presente para iniciar a reação. Figura 26.2: Via de síntese do glicogênio. 170 CEDERJ 26 MÓDULO 7 AULA Até recentemente, a fonte da primeira molécula de glicogênio que podia atuar como um primer na sua síntese era desconhecida. Recentemente, foi descoberto que uma proteína conhecida como glicogenina e que está localizada no centro da molécula de glicogênio, pode ajudar nesta questão. A glicogenina tem uma propriedade incomum: a de catalisar a sua própria glicosilação, fixando o carbono-1 da UDP glicose a um resíduo de tirosina na enzima. A glicose fixada pode servir como um primer requerido pela glicose sintase. UDPGlicose + (C6)n UDP (primer do glicogênio) + (C6)n+1 (glicogênio) CRESCIMENTO DA RAMIFICAÇÃO DA CADEIA DE GLICOGÊNIO A adição de um resíduo de glicose em uma cadeia de glicogênio preexistente, ou primer, ocorre na extremidade não redutora da molécula, de modo que as ramificações da árvore de glicogênio tornam-se alongadas pela formação de ligações de glicose α1 4 sucessivas (veja Figura 26.3). Quando a cadeia for alongada em 11 resíduos de glicose, uma outra enzima, a enzima de ramificação, isto é, a (amido [1 transglicosidase) transfere parte da cadeia 1 4 1 6] 4 (mínimo de seis resíduos de glicose) para uma cadeia adjacente, para formar uma ligação 1 6, estabelecendo assim um ponto de ramificação na molécula. As ramificações crescem por novas adições de unidades de glicose 1 4 e formam-se novas ramificações. Como aumenta o número de resíduos terminais não redutores, também aumenta o numero total de sítios reativos da molécula, acelerando tanto a glicogênese como a glicogenólise. A glicogenólise e a glicogênese ocorrem no citosol das células hepáticas e musculares. Assim, como o intermediário glicose-1P é gerado na glicogenólise e este mesmo intermediário pode ser usado para a glicogênese, há necessidade de um mecanismo de regulação muito ajustado para que sítios fúteis (degradação e biossíntese de glicogênio simultaneamente) não ocorram em uma mesma célula. É sobre esse processo de regulação que falaremos na Aula 27. CEDERJ 171 BIOQUÍMICA II | Biossíntese do glicogênio (7) UDP glicose Figura 26.3: Ação da enzima ramificadora. 172 CEDERJ 26 MÓDULO 7 AULA RESUMO • A síntese do glicogênio a partir da glicose é executada pela glicogênio sintase. Esta enzima utiliza como substratos: a UDP glicose e o estado final não reduzido do glicogênio com outro substrato. • A ativação de glicose, para ser usada pela síntese de glicogênio, é executada pela UDP glicose-pirofosforilase. Esta enzima troca o fosfato do carbono-1 da glicose-1-fosfato por UDP. A energia da ligação fosfoglicosil da UDP glicose é utilizada pela glicogênio-sintase para catalisar a incorporação de glicose em uma molécula preexistente do glicogênio. A molécula de UDP é subseqüentemente liberada da enzima. As ramificações α-(1,6) na glicose são formadas pela ação da amilo-(1,4-1,6)-transglicosilase, também designada por enzima de ramificação. Esta transfere um fragmento terminal dos resíduos 6-7 da glicose (de um polímero de no mínimo 11 resíduos de glicose) para um resíduo interno na posição hidroxil C-6. • A glicogenina, uma proteína de 37 kDa, atua como um primer para a síntese do glicogênio. Detalhes sobre as Aulas 25 e 26 podem ser obtidos no site: http://www.icb.ufmg.br/~lbcd/prodabi3/grupos/grupo5/grupo5.html CEDERJ 173 objetivos AULA Regulação do metabolismo do glicogênio 27 Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • Aprender sobre as vias de regulação do metabolismo de glicogênio. • Reforçar os conceitos adquiridos sobre regulação alostérica, regulação por modulação covalente e regulação hormonal. Pré-requisito Conhecimentos adquiridos nas Aulas 2, 3, 25 e 26 de Bioquímica II. BIOQUÍMICA II | Regulação do metabolismo do glicogênio INTRODUÇÃO Na Aula 25 você viu uma figura (25.1) que comparava os grânulos de glicogênio, presentes no citosol de um hepatócito de rato bem alimentado, com os grânulos existentes em um hepatócito de um rato em jejum. Você aprendeu, nas Aulas 25 e 26, que a degradação do glicogênio e a sua síntese ocorrem próximo a estes grânulos, e, portanto, no citosol. Assim, podemos deduzir que as duas enzimas chaves do metabolismo do glicogênio, a glicogênio fosforilase e a glicogênio sintase, estejam distribuídas no citosol. Agora pensemos juntos... Durante a degradação do glicogênio liberamos glicose-1-fosfato pela ação da glicogênio fosforilase; esta molécula é usada na síntese do glicogênio, pela ação da glicogênio sintase. Uma célula precisa, portanto, de sistemas de regulação muito aprimorados para impedir a realização de ciclos fúteis, ou seja, reações que aparentemente não conduziriam a lugar algum. Neste caso, a glicose 1-P gerada na degradação do glicogênio para atender a necessidade de aumento dos níveis de glicose sangüínea ou para alimentar a via glicolítica poderia ser imediatamente utilizada para repor as reservas de glicogênio. Para impedir tal ciclo fútil, nosso organismo desenvolveu mecanismos de controle simultâneos para cada uma destas duas enzimas. São estes mecanismos que serão abordados nesta aula. 176 CEDERJ 27 MÓDULO 7 AULA REGULAÇÃO DA GLICOGÊNIO FOSFORILASE Como você deve ter aprendido na Aula 25, a glicogênio fosforilase degrada glicogênio para gerar glicose quando os níveis desta, na corrente sangüínea, estão baixos. Assim, utilizamos glicogênio durante o jejum (como, por exemplo, no intervalo entre as refeições) ou ainda quando necessitamos de energia. Um indicativo para a célula de que a demanda energética está baixa pode ser visualizado por aumentos nos níveis de AMP ou por decréscimo na concentração de ATP. Em função destas observações, é fácil compreendermos que a glicogênio fosforilase esteja sujeita à ativação alostérica por AMP cíclico e à inibição por glicose e ATP. Além da regulação alostérica, a glicogênio fosforilase está sujeita também a uma regulação por modulação covalente. A glicogênio fosforilase existe em uma forma “a”, ativa, e em uma forma “b” que é inativa. Estas formas são interconvertidas pela ação das enzimas glicogênio fosforilase quinase e fosfo proteína fosfatase. A primeira enzima catalisa a adição de um fosfato na enzima glicogênio fosforilase (lembre-se de que toda enzima classificada como quinase catalisa reações de fosforilação), enquanto a fosfo-proteína fosfatase retira este fosfato adicionado. Você pode então observar que a glicogênio fosforilase quinase ativa a glicogênio fosforilase, e a fosfo-proteína fosfatase inibe a glicogênio fosforilase. Essas reações de fosforilação ou de desfosforilação (um tipo particular de modulação covalente) promovem mudanças conformacionais na glicogênio fosforilase, que têm como conseqüências a transformação da enzima para um estágio catalítico mais ativo, quando fosforilada, ou um estágio ! Se você teve dúvida sobre o que é regulação alostérica e regulação por modulação covalente, leia novamente a Aula 3. catalítico menos ativo, quando desfosforilada. Observe um resumo destas informações na Figura 27.1. CEDERJ 177 BIOQUÍMICA II | Regulação do metabolismo do glicogênio Figura 27.1: Regulação da glicogênio fosforilase e da glicogênio fosforilase quinase por modulação covalente. A fosforilação converte as enzimas glicogênio fosforilase e glicogênio fosforilase quinase em suas formas ativas: glicogênio fosforilase (a) e glicogênio fosforilase quinase (a). A enzima glicogênio fosforilase quinase catalisa a reação de adição de um fosfato, doado pelo ATP, à enzima glicogênio fosforilase, sendo, portanto, responsável pela ativação desta ultima enzima. Entretanto, a glicogênio fosforilase quinase está também sujeita à regulação por uma proteína quinase A. Olhe novamente para a Figura 27.1 e observe estas afirmações. Você pôde reparar que a glicogênio fosforilase quinase também existe nas formas (a) e (b). A mudança da forma (b) para a forma (a) ocorreu após a fosforilação catalisada pela proteína quinase. Novamente o fosfato inorgânico (Pi) adicionado veio de uma molécula de ATP. Agora pense comigo: “Se a proteína quinase A estivesse sempre ativa na célula, provavelmente ela ativaria a glicogênio fosforilase quinase, que por sua vez ativaria a glicogênio fosforilase. Com a glicogênio fosforilase ativa seria praticamente impossível estocar glicogênio.” Logo, com certeza, deve haver um mecanismo para regular a proteína quinase A, a enzima responsável por disparar o processo de regulação das duas outras enzimas; é este o mecanismo que estudaremos agora. 178 CEDERJ 27 MÓDULO 7 AULA REGULAÇÃO DA PROTEÍNA QUINASE A A proteína quinase A é formada por quatro cadeias polipeptídicas, ou seja, é um tetrâmero com duas subunidades reguladoras e duas subunidades catalíticas que se encontram associadas, quando a enzima está na forma inativa. Quatro moléculas de AMP cíclico (adenosina mono-fosfato cíclica – cAMP) se ligam às subunidades reguladoras, sendo duas por subunidade. Após a associação das moléculas de AMP cíclico às subunidades reguladoras, as duas subunidades catalíticas são liberadas, expondo seus sítios ativos. Neste caso dizemos que a proteína quinase foi então ativada. Veja a Figura 27.2. Figura 27. 2: Ativação da proteína quinase. Todo o processo de ativação estaria resolvido se você soubesse quem é a molécula AMP cíclico e como ela é formada. Vamos então conhecer o processo de formação do AMP cíclico, uma molécula conhecida como um segundo mensageiro celular. CEDERJ 179 BIOQUÍMICA II | Regulação do metabolismo do glicogênio FORMAÇÃO DO AMP CÍCLICO Antes de falarmos exatamente sobre a formação do AMP cíclico é importante que você relembre as situações metabólicas nas quais um organismo necessita utilizar suas reservas de glicogênio. Duas são as principais situações: a primeira é no intervalo entre as refeições, onde o glicogênio hepático é consumido para manter os níveis da glicose sangüínea em valores normais; a segunda ocorre nos momentos em que o organismo precisa de energia para movimentos, como por exemplo durante o exercício, ou em uma situação de alerta. No primeiro caso, normalmente o sinal endógeno é queda nos níveis de glicose sangüínea, situação à qual o organismo responde liberando o hormônio glucagon; no segundo caso o hormônio adrenalina é liberado. Os hormônios glucagon e adrenalina são, portanto, os primeiros mensageiros. Estes hormônios são liberados na circulação, se dirigem aos órgãos- alvos, mas não podem atravessar a membrana celular. Assim, glucagon e adrenalina se ligam aos receptores presentes no fígado, no caso do glucagon, e no músculo, no caso da adrenalina. Os receptores de membrana estão associados a uma proteína que pode se ligar ao nucleotídeo guanosina trifosfato (proteína G). Após esta ligação, a proteína G se desloca através da membrana e ativa uma enzima, a adenilato ciclase, que se encontra associada a esta membrana. A adenilato ciclase converte ATP em AMP cíclico no citosol das células hepáticas e musculares. Veja a estrutura do AMP cíclico na Figura 27.3 e o seu processo de formação na Figura 27.4. Figura 27.3: Estrutura da adenosina monofosfato (AMP Cíclico). 180 CEDERJ 27 MÓDULO 7 AULA Figura 27.4: Processo de formação do AMP cíclico. CEDERJ 181 BIOQUÍMICA II | Regulação do metabolismo do glicogênio Para dar prosseguimento às reações catalisadas pela proteína quinase A, uma molécula de ATP se associa ao sítio catalítico que foi exposto em cada uma das duas subunidades, permitindo que a proteína a ser fosforilada receba um fosfato desta molécula de ATP. A proteína quinase fosforilada se dissocia da subunidade catalítica e está pronta para ativar outras proteínas no interior da célula. No caso em análise, a proteína a ser fosforilada para ser ativada é a glicogênio fosforilase quinase. Esta enzima catalisa a ativação da glicogênio fosforilase que atua diretamente sobre o glicogênio. Observe esta cascata de ativações na Figura 27.5. Figura 27.5: Cascata de ativação da glicogênio fosforilase. 182 CEDERJ 27 MÓDULO 7 AULA REGULAÇÃO DA GLICOGÊNIO SINTASE Bem, você já sabe que a glicogênio sintase catalisa a síntese da molécula de glicogênio e que usa os componentes que são gerados na degradação. Assim, a glicogênio sintase deve ser ativada no mesmo momento em que a glicogênio fosforilase for inativada para que ciclos de reação fúteis não ocorram na célula. Veja a forma eficiente que a célula adotou para solucionar esta situação: a mesma proteína quinase que fosforila a glicogênio fosforilase quinase, ativando-a, fosforila a glicogênio sintase, tornando-a inativa. Podemos concluir então que os hormônios que dispararam o processo de ativação das enzimas envolvidas nas etapas de degradação do glicogênio, no caso o glucagon e a adrenalina, são capazes de inibir a enzima-chave do processo de biossíntese. Se você observar cuidadosamente a parte inferior das Figuras 27.1 e 27.6, notará que o hormônio insulina ativa a fosfoproteína fosfatase, uma enzima que catalisa a hidrólise da ligação éster-fosfato de proteínas que foram fosforiladas, tanto glicogênio sintase quanto glicogênio fosforilase. Assim, a insulina é um hormônio que possui uma ação sobre o metabolismo do glicogênio, antagônica ao glucagon e à adrenalina. Ou seja, ela estimula os processos que levem à síntese do glicogênio. Este hormônio é liberado pelo nosso organismo logo após as refeições para que os estoques de glicogênio sejam repostos. Este assunto será também abordado nas Aulas 30, 31 e 32. Figura 27.6: Regulação da glicogênio sintase por modulação covalente. A fosforilação converte glicogênio sintase a (ativa) em glicogênio sintase b (inativa). CEDERJ 183 BIOQUÍMICA II | Regulação do metabolismo do glicogênio RESUMO • A degradação do glicogênio muscular ocorre quando a situação energética da célula é baixa, ou seja, quando os níveis de ATP estão baixos e os níveis de AMP estão elevados. • O glicogênio hepático é utilizado no intervalo entre as refeições. • A enzima chave do processo de glicogenólise é a glicogênio fosforilase. Esta enzima é regulada por efetores alostéricos, por modulação covalente do tipo fosforilação e por regulação hormonal. • O AMP é um efetor positivo (ativador) da glicogênio fosforilase; já a glicose e o ATP são efetores negativos. • A glicogênio fosforilase existe em duas conformações: uma inativa, desfosforilada, a forma b; uma forma ativa, fosforilada, a forma a. A enzima responsável por esta fosforilação é a glicogênio fosforilase quinase. • A enzima glicogênio fosforilase quinase é ativada por uma cascata de reações disparada pelo aumento dos níveis de AMP cíclico dentro da célula. • Os hormônios glucagon e adrenalina apresentam um mecanismo de ação mediado por AMP cíclico. São hormônios cuja ação final é acelerar o processo de glicogenólise. • A insulina é um hormônio que ativa a fosfo-proteína fosfatase, a enzima que catalisa a reação de retirada de um fosfato da enzima glicogênio fosforilase, inativando-a. A insulina é, portanto, um hormônio que interrompe o processo de glicogenólise e ativa o processo de glicogênese. A enzima chave do processo de glicogênese é a glicogênio sintase, a qual é regulada também por fosforilação. No entanto, de maneira oposta à glicogênio fosforilase, a glicogênio sintase é inibida por fosforilação. Ambas as enzimas estão presentes no citosol e necessitam da proteína quinase A para serem fosforiladas. Assim, o fato de a glicogênio fosforilase ser ativada por um mesmo processo que inativa a glicogênio sintase permitiu à célula coordenar processos de degradação e biossíntese do glicogênio, passando por intermediários comuns, dentro do mesmo compartimento celular. 184 CEDERJ 27 MÓDULO 7 1. Explique como as seguintes observações identificam o ponto de regulação da síntese de glicogênio no músculo esquelético. a) A medida da atividade da glicogênio sintase no músculo em repouso, expressa em micromoles de UDP glicose usada por grama por minuto, é menor do que a atividade da fosfo glicomutase medida também como micromoles de substrato transformada por grama por minuto. b) O estímulo da síntese de glicogênio leva a um decréscimo na concentração de glicose 6-fosfato, a um grande decréscimo na concentração de UDP glicose e a um substancial aumento de UDP. Relacione as seguintes enzimas às situações apresentadas nas questões 2 a 5 (justifique cada resposta). A- Glicogênio fosforilase B- Enzima desramificadora C- Proteína quinase D- Adenilato ciclase E- Glicose 6-fosfatase 2. Quando os níveis de glucagon sangüíneo aumentam, quais enzimas aumentam? 3. Qual enzima é bifuncional? 4. Qual enzima não está presente nos músculos mas está presente no fígado? CEDERJ 185 AULA EXERCÍCIOS REFERENTES ÀS AULAS 25, 26 E 27 BIOQUÍMICA II | Regulação do metabolismo do glicogênio 5. Qual enzima catalisa a retirada de uma molécula de glicose1-P do glicogênio? 6. Quando os níveis de glicose são diminuídos há uma ativação da glicogênio fosforilase. Faça um esquema desse processo. 7. Discuta sobre o processo que permite a síntese do glicogênio. 8. A fosforilação ativa quais das seguintes enzimas? (justifique cada resposta) A- Glicogênio fosforilase. B- Proteína quinase. C- Fosforilase quinase. D- Glicogênio sintase. 186 CEDERJ objetivo AULA Introdução à gliconeogênese 28 Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • Conhecer uma importante via metabólica que tem como função a manutenção dos níveis sangüíneos de glicose. Entretanto, o objetivo mais importante desta aula não será estudarmos em detalhe as reações que fazem parte desta via, mas sim começarmos a entender o metabolismo de nosso organismo de forma mais integrada. Pré-requisito Você deve ter acompanhado bem a matéria até agora, pois vai ser necessário retornar a vários pontos explorados anteriormente. BIOQUÍMICA II | Introdução à gliconeogênese INTRODUÇÃO Até agora, você conheceu diversos caminhos metabólicos responsáveis tanto pela degradação dos nutrientes com conseqüente síntese de ATP, como também pela síntese de macromoléculas fundamentais para o funcionamento das células e do organismo. Para terminarmos nosso curso, ainda precisamos estudar mais uma via metabólica, chamada gliconeogênese, que é o tema de nossas próximas aulas. Entretanto, faremos isso de uma forma um pouco diferente, pois usaremos o estudo desta via para começarmos a integrar todo o conhecimento adquirido até agora, de forma que você consiga construir uma visão de como funciona nosso corpo. Por isso, talvez, muitas vezes seja necessário voltar às aulas anteriores para consultas, o que você deve fazer sempre que sentir necessidade. Assim, esta parte da matéria também permitirá que você revise e sedimente vários pontos anteriormente estudados. Vamos começar com uma atividade que servirá para você relembrar os principais aspectos relacionados à utilização de nutrientes pelo organismo e também para introduzir o tema da aula. ESTUDOS SOBRE O JEJUM PROLONGADO Na década de 1960, uma corrente da Medicina pregava que a melhor forma de tratar a obesidade era submeter os pacientes obesos a um jejum prolongado assistido. Com isso, muitos indivíduos se internaram por cerca de seis semanas, as quais passaram sem se alimentar. Além de promover de fato o emagrecimento dos pacientes, esse tipo de tratamento permitiu a obtenção de uma série de dados a respeito do comportamento do organismo em decorrência da falta de alimentação. Desta forma, o estudo do metabolismo durante o jejum possibilitou a compreensão de uma série de regulações e adaptações metabólicas essenciais para o entendimento do funcionamento do nosso corpo, mesmo em outras situações bem mais freqüentes. 188 CEDERJ 28 MÓDULO 7 AULA Vamos, agora, observar a Tabela 28.1. Ela mostra algumas medidas obtidas a partir do acompanhamento dos pacientes obesos em tratamento. Tabela 28.1: Variações das concentrações plasmáticas de glicose e ácidos graxos e do conteúdo de glicogênio hepático de um paciente em jejum prolongado. 0 5,5 glicose] (mM) 0,3 [ácidos graxos] (mM) Glicogênio hepático (g) 97 2h 4h 5,4 0,35 84 5,0 0,4 70 1 dia 3 dias 7 dias 8 dias 10 dias 28 dias 4,4 0,5 14 3,8 1,18 3 3,6 1,15 -- 3,5 1,58 -- 3,8 1,36 -- 3,6 1,44 -- Tente construir, a partir dos dados apresentados na tabela, um gráfico que relacione o tempo em jejum com a concentração sangüínea de Conteúdo de glicogênio hepático (g) hepático (g) glicose e de ácidos graxos e com a quantidade de glicogênio no fígado. CEDERJ 189 BIOQUÍMICA II | Introdução à gliconeogênese Confira se o gráfico construído por você ficou igual ao gráfico Conteúdo de glicogênio hepático (g) mostrado na Figura 28.1. Figura 28.1: Variações das concentrações plasmáticas de glicose e ácidos graxos e do conteúdo de glicogênio hepático de um paciente em jejum prolongado. VARIAÇÕES NA CONCENTRAÇÃO SANGÜÍNEA DE ÁCIDOS GRAXOS DURANTE O JEJUM Vamos começar analisando o que ocorre com a concentração de ácidos graxos circulantes. Observando o gráfico, vemos que ocorre um aumento da concentração sangüínea dessas moléculas logo no início do jejum. Isso se dá, como já vimos na aula que trata da degradação dos ácidos graxos, devido à ativação da lipólise no tecido adiposo, resultando na hidrólise dos triacilgliceróis armazenados e na liberação, para a corrente sangüínea, de glicerol e ácidos graxos. Estes últimos passam a ser utilizados como fonte energética exclusiva pela maioria dos órgãos e tecidos, incluindo o fígado, os músculos e os rins. O aumento da lipólise ocorre pela ativação da enzima lipase sensível a hormônio (LHS) no tecido adiposo. Até o momento ficou claro o motivo do aumento da concentração de ácidos graxos circulantes no início do jejum. 190 CEDERJ 28 MÓDULO 7 AULA Mas, e após alguns dias? Vemos no gráfico que os níveis dessas moléculas se estabilizam, permanecendo constantes ao longo de todo o jejum. Como você explicaria essa observação? Será que o organismo de repente pára de usar os ácidos graxos? Não. O motivo da estabilização é que, ao mesmo tempo em que está ocorrendo a hidrólise dos triacilgliceróis e a liberação de ácidos graxos do tecido adiposo, vários órgãos e tecidos estão consumindo esses nutrientes como fonte de energia. É o caso do fígado, dos músculos, do próprio tecido adiposo, dos rins etc. Por isso, ao longo de todo o jejum, os triacilgliceróis vão sendo consumidos, de forma que o tecido adiposo vai diminuindo e o indivíduo vai emagrecendo. Observe na Tabela 28.2 a perda de peso de vários indivíduos submetidos ao jejum como forma de tratamento da obesidade na década de 1960. Tabela 28.2: Caracterização dos indivíduos submetidos ao jejum prolongado. Indivíduo Idade (anos) 1 2 3 4 5 19 21 28 16 20 Sexo M M M F F Peso (kg) Inicial Final Diferença 125,2 160,6 178,6 104,1 108,9 101,8 138,2 159,6 88,4 93,0 23,4 22,4 15,7 15,7 15,9 Lembre-se de que as reações da β-oxidação dos ácidos graxos levam à produção de 1 NADH e 1 FADH2 por cada dois carbonos retirados da cadeia do ácido graxo. Essas coenzimas reduzidas levam elétrons para a cadeia respiratória, contribuindo para a síntese de ATP. Além disso, as várias moléculas de acetil-CoA formadas também podem ser completamente oxidadas no ciclo de Krebs, gerando mais ATPs. Agora que você entendeu bem a utilização dos ácidos graxos ao longo do jejum, podemos levantar uma outra questão. Será que todas as nossas células estão usando os ácidos graxos como fonte de energia nessa situação? CEDERJ 191 BIOQUÍMICA II | Introdução à gliconeogênese Para responder a essa pergunta, você precisa primeiro relembrar mais alguns aspectos relacionados à β-oxidação dos ácidos graxos. As enzimas que catalisam as reações dessa via se localizam na matriz mitocondrial, onde se encontra todo o aparato oxidativo da célula. Entretanto, nem todas as nossas células possuem mitocôndrias. O exemplo mais conhecido é o das hemácias, que perdem todas as suas organelas ao longo de seu amadurecimento. Podemos citar também algumas células do olho, que, por estarem envolvidas com a captação de luz, não podem conter muitas moléculas que absorvem luz na faixa do visível, como os citocromos, uma vez que estes poderiam interferir no processo da visão. Assim, estas células possuem pouquíssimas mitocôndrias. Logo, essas células, por não possuírem mitocôndrias, não podem Para tirar qualquer duvida sobre fermentação consulte as Aulas 10 e 11. realizar a β-oxidação nem o metabolismo oxidativo, e sintetizam suas moléculas de ATP através do processo de fermentação láctica, cujo substrato é a glicose. Mas não são apenas as células sem Como você aprendeu em Bioquímica I, os mitocôndrias que realizam o metabolismo lipídeos, por serem moléculas apolares, e, anaeróbico, que são incapazes de utilizar portanto, não solúveis em meio aquoso, circulam os ácidos graxos como fonte de energia. As no sangue associados a proteínas, formando células do tecido nervoso se encontram isoladas as lipoproteínas plasmáticas. Diferentes lipoproteínas são responsáveis pelo transporte por um tecido especializado, chamado barreira dos lipídeos, dependendo da origem do lipídeo. hemato-encefálica, que filtra o sangue antes que Os lipídeos obtidos da alimentação circulam este atinja o cérebro. Os ácidos graxos, que associados aos quilomícrons; os lipídeos sintetizados no fígado circulam associados às circulam associados à albumina, não conseguem LDL ou VLDL (lipoproteína de densidade baixa atravessar essa barreira, e, por isso, não chegam ou muito baixa, respectivamente); os ácidos ao cérebro. Assim, o nutriente disponível para o metabolismo cerebral é a glicose. 192 CEDERJ graxos liberados do tecido adiposo circulam associados à albumina. 28 MÓDULO 7 AULA VARIAÇÕES NA CONCENTRAÇÃO SANGÜÍNEA DE GLICOSE DURANTE O JEJUM Vamos voltar ao nosso gráfico. Agora que você já sabe que existem alguns tipos celulares que, por serem incapazes de usar os ácidos graxos, requerem a glicose como fonte de energia, tente explicar a curva de variação da concentração de glicose no sangue dos indivíduos em jejum. Observe que, no início, a GLICEMIA cai um pouco. Entretanto, logo GLICEMIA após esse período inicial de jejum, a concentração sangüínea de glicose Concentração de glicose no sangue. se mantém estável. De fato, a concentração sangüínea de glicose é sempre mantida dentro de limites bastante estreitos, independentemente de qual seja o consumo deste nutriente pelo organismo. Essa homeostase de glicose se dá devido a uma série de mecanismos reguladores, que vamos estudar em aulas mais à frente. Estes mecanismos são extremamente importantes, já que disfunções na capacidade de manter a glicemia levam a graves conseqüências: a diminuição acentuada dos níveis de glicose no sangue, mesmo que por períodos curtos, pode causar graves distúrbios no cérebro, e, se for prolongada, pode levar até à morte. E não é só durante o jejum que a glicemia é mantida constante. A hiperglicemia por longos períodos também provoca vários problemas metabólicos, como aqueles observados em quadros de diabetes. Estudaremos também este aspecto da homeostase de glicose em aulas mais à frente. Mas como a glicemia é mantida? Você já aprendeu que possuímos uma reserva de glicose armazenada no fígado: o GLICOGÊNIO , um polímero de glicose. A degradação do glicogênio hepático leva à liberação de glicose na corrente sangüínea. Poderíamos pensar, então, que a degradação Para tirar qualquer dúvida consulte a aula sobre a degradação de GLICOGÊNIO. do glicogênio hepático seria o mecanismo responsável pela manutenção da glicemia durante o jejum. Será que isso é verdade? CEDERJ 193 BIOQUÍMICA II | Introdução à gliconeogênese VARIAÇÕES NA QUANTIDADE DE GLICOGÊNIO HEPÁTICO AO LONGO DO JEJUM Observe outra vez o gráfico que você construiu. O que ocorre com o glicogênio hepático do paciente em jejum? Como você pode observar, a quantidade de glicogênio no fígado Não confunda as palavras GLICONEOGÊNESE, que quer dizer síntese (gênese) da nova (neo) glicose, com glicogenólise, que significa quebra ou degradação (lise) do glicogênio. diminui rapidamente, se esgotando no primeiro dia do jejum. Assim, embora o glicogênio contribua para a manutenção da glicemia logo nos primeiros momentos, uma outra via é necessária após períodos maiores nos quais carboidratos não são ingeridos. Esta via é chamada GLICONEOGÊNESE, que significa “síntese da nova glicose”, e, nos mamíferos, ocorre no fígado e no córtex renal. A VIA GLICONEOGÊNICA Na década de 1930, um casal de pesquisadores chamados Carl e Gerti Cori, conhecidos como o casal Cori, começou a estudar a síntese de glicose por células hepáticas. Eles prepararam um homogeneizado de fígado, ou seja, bateram um fígado em uma espécie de liquidificador, de forma que todas as células eram rompidas, obtendo-se uma suspensão contendo todo o meio intracelular: organelas, enzimas, metabólitos etc. Colocaram esse homogeneizado em um tubo de ensaio e adicionaram lactato marcado radioativamente. Após um tempo, identificaram os compostos radioativos presentes no tubo de ensaio com o objetivo de determinar qual era o destino metabólico do lactato nas células hepáticas. Observaram que a radioatividade estava presente principalmente em moléculas de glicose. A conclusão desta experiência foi que o lactato podia ser transformado em glicose no fígado. 194 CEDERJ Já se sabia, na época, que o lactato podia ser convertido em piruvato através de reação reversível catalisada pela enzima lactato desidrogenase, presente em vários tipos celulares, inclusive no fígado. Veja a reação na Figura 28.2: Figura 28.2: Reação catalisada pela enzima lactato desidrogenase. Logo, o que estava de fato ocorrendo no homogeneizado preparado pelo casal Cori era a transformação de piruvato em glicose. Esses achados levantavam a hipótese de que a via de formação de glicose, ou seja, a gliconeogênese, seria a inversão da via glicolítica, que, como (levando a diferentes afinidades) para seus substratos. Por exemplo, a isoforma presente no músculo esquelético possui mais afinidade pelo piruvato do que pelo lactato. Por isso, quando o músculo entra em alta atividade, logo após um pequeno acúmulo de piruvato, que não pode ser completamente oxidado devido a um aporte insuficiente de oxigênio, o lactato é produzido. Por outro lado, a isoforma hepática tem maior afinidade pelo lactato, transformando este em piruvato quando sua disponibilidade aumenta. você já sabe, converte a glicose em duas moléculas de piruvato. Entretanto, se observamos atentamente as reações da glicólise, podemos encontrar algumas que são irreversíveis nas condições fisiológicas. Veja a Figura 28.3, que contém as variações de energia livre de Gibbs (ΔG) envolvidas em cada reação da glicólise. Lembre-se de que quanto mais negativo forem os valores de ΔG, mais energia é liberada na reação, e, conseqüentemente, mais difícil será a sua inversão nas condições da medida. CEDERJ 195 28 MÓDULO 7 A lactato desidrogenase apresenta isoformas expressas nos diferentes tecidos. Estas isoformas se diferenciam com relação ao seu KM AULA E como isso ocorria? BIOQUÍMICA II | Introdução à gliconeogênese Piruvato Figura 28.3: Resumo esquemático da via glicolítica mostrando os valores de ΔG (Kcal/mol) para cada uma das reações. Analisando a Figura 28.3, podemos concluir que três reações da glicólise não podem ser revertidas nas condições fisiológicas: a conversão de glicose em glicose-6P, catalisada pela enzima hexocinase; a conversão de frutose em frutose-6P, catalisada pela enzima fosfofrutocinase-1 (PFK-1); e a conversão de fosfoenolpiruvato (PEP) em piruvato, catalisada pela enzima piruvato cinase. Portanto, essas etapas devem ser contornadas por outras reações para que a gliconeogênese possa ocorrer. E é exatamente isso que ocorre! A glicose é sintetizada através das mesmas reações da glicólise, exceto pelas reações irreversíveis, que são contornadas por outras reações, como veremos na próxima aula. 196 CEDERJ 28 MÓDULO 7 AULA RESUMO Embora muitos órgãos e tecidos possam manter seus níveis de ATP essencialmente através da oxidação de ácidos graxos, alguns tipos celulares dependem exclusivamente ou preferencialmente da glicose como nutriente. Este é o caso do cérebro, das hemácias e de algumas outras células em menor número no organismo. Para a sobrevivência dessas células em situações nas quais a ingestão de carboidratos é baixa ou nula, é necessária a síntese de glicose a partir de precursores não-glicídicos, através de uma via metabólica chamada gliconeogênese. A gliconeogênese pode ser considerada uma reversão parcial da via glicolítica, uma vez que várias reações da glicólise são usadas na síntese de glicose. As reações irreversíveis da glicólise, catalisadas pelas enzimas hexocinase, PFK-1 e piruvato cinase, são substituídas por reações diferentes, catalisadas por outras enzimas, na gliconeogênese. EXERCÍCIOS 1. A homeostase de glicose é extremamente importante para nosso organismo. Um dos motivos é a existência de alguns tipos celulares que requerem exclusivamente ou preferencialmente a glicose como nutriente. Dê exemplos de células que se comportam assim e justifique a dependência que elas têm da glicose. 2. Justifique o emagrecimento de um indivíduo mantido em jejum. 3. Por que a gliconeogênese não pode ser uma simples reversão da glicose? CEDERJ 197 objetivo AULA A via gliconeogênica 29 • Na aula passada, você aprendeu que a manutenção da glicemia é extremamente importante para a nossa sobrevivência. Você aprendeu, também, que isso é possível graças à gliconeogênese, uma via metabólica responsável pela síntese de glicose a partir de precursores não glicídios. Essa via é uma reversão parcial da via glicolítica, já que as reações reversíveis da glicólise são usadas no sentido inverso para a síntese de glicose. Entretanto, reações adicionais são necessárias para que as reações irreversíveis da glicólise sejam contornadas. Hoje aprenderemos que reações são essas. Pré-requisito Para seguir bem esta aula, você deve estar com uma boa visão geral das seguintes vias metabólicas: glicólise, ciclo de Krebs, degradação de aminoácidos, síntese e degradação de ácidos graxos. BIOQUÍMICA II | A via gliconeogênica A CONVERSÃO DE PIRUVATO A FOSFOENOLPIRUVATO (PEP) A primeira reação da glicólise que deve ser contornada é a conversão de fosfoenolpiruvato (PEP) a piruvato, catalisada pela enzima piruvato cinase. A formação de PEP a partir de piruvato envolve uma grande barreira energética, que para que seja superada necessita de duas etapas. Na primeira, o piruvato é convertido em oxalacetato, através da sua carboxilação, catalisada pela enzima piruvato carboxilase. Na segunda, o oxalacetato é convertido a PEP, através de reação catalisada pela enzima PEP carboxicinase (PEPCK). Veja um esquema dessas duas reações na Figura 29.1: Figura 29.1: Conversão de piruvato em oxalacetato e, então, em PEP. Assim como ocorre com a acetil-CoA carboxilase, a piruvato carboxilase contém biotina como grupo prostético. A biotina funciona como um carreador de CO2 nessas reações. Repare que o CO2 usado na formação de oxalacetato é, em seguida, eliminado na formação de PEP. Isso parece um desperdício à primeira vista, mas, na verdade, é uma forma de “ativação” do piruvato para que seja possível sua conversão em um composto de mais alta energia, o PEP. Essa ativação se dá à custa da hidrólise de um ATP, como mostrado na Figura 29.1. A reação da piruvato carboxilase é bastante semelhante a uma outra reação de carboxilação já estudada por você: a reação da A conversão de piruvato em PEP na gliconeogênese custa para a célula duas moléculas de ATP, enquanto a conversão de PEP em piruvato durante a glicólise gera apenas uma molécula de ATP. 200 CEDERJ acetil-CoA carboxilase, na síntese de ácidos graxos. A conversão de oxalacetato em PEP requer a hidrólise de um GTP, com incorporação do fosfato à molécula do PEP. A hidrólise de um GTP equivale à hidrólise de um ATP, uma vez que essas moléculas se interconvertem. Dessa forma, para que seja contornada a reação da piruvato cinase são gastas duas moléculas de ATP. 29 MÓDULO 7 AULA A LOCALIZAÇÃO INTRACELULAR DAS DUAS PRIMEIRAS ETAPAS DA GLICONEOGÊNESE A piruvato carboxilase é uma enzima de localização essencialmente mitocondrial, de modo que a formação de oxalacetato a partir de piruvato ocorre dentro da mitocôndria. A localização da PEPCK varia entre as diferentes espécies. No fígado de camundongos e ratos, ela se localiza exclusivamente no citosol, enquanto em fígado de coelhos e pombos essa enzima é mitocondrial. Já em humanos, a PEPCK é igualmente distribuída no citosol e na mitocôndria das células hepáticas. Quando a PEPCK usada é a isoforma mitocondrial, o oxalacetato pode ser diretamente convertido a PEP dentro da mitocôndria, sendo este transportado para o citosol através de uma proteína transportadora presente na membrana mitocondrial. O PEP, então, segue pelas reações reversíveis da via glicolítica, cujas enzimas se localizam no citosol, até formar frutose-1,6-bisfosfato (frutose-1,6-BP). Quando a PEPCK usada é a isoforma citoplasmática, o oxalacetato, primeiramente, deve ser transportado para o citosol. Entretanto, não existe transportador de oxalacetato na membrana mitocondrial. Assim, neste caso, o que acontece é um pouco mais complicado. O oxalacetato deve ser convertido em outra molécula, antes de ser transportado para o lado de fora da mitocôndria. Isso pode ocorrer de duas maneiras, como mostrado na Figura 29.2. CEDERJ 201 BIOQUÍMICA II | A via gliconeogênica Figura 29.2: Transporte do oxalacetato da mitocôndria para o citosol. O oxalacetato pode ser transportado através de sua conversão em aspartato (1) ou em malato (2). O caso 2 envolve oxidação de NADH mitocondrial com concomitante redução de NAD+ citoplasmático, levando ao transporte simultâneo de equivalente de NADH da mitocôndria para o citosol. Você já aprendeu esta reação na aula que tratou do metabolismo dos aminoácidos. As transaminases são enzimas amplamente distribuídas nos diversos tipos celulares, ocorrendo tanto no citoplasma como na mitocôndria. Assim, se torna possível o transporte indireto do oxalacetato da mitocôndria para o citosol. Uma possibilidade é a conversão do oxalacetato em aminoácido aspartato pela ação da enzima aspartato aminotransferase. O aspartato é, então, transportado para o citosol, onde é reconvertido em oxalacetato pela mesma enzima, podendo finalmente ser convertido a PEP. A outra forma de o oxalacetato ser transportado para o citosol requer sua conversão em malato, através da ação da enzima malato desidrogenase. Essa reação envolve a oxidação de um NADH mitocondrial, formando NAD+, além de malato. O malato pode ser transportado para o citosol, onde é reconvertido a oxalacetato. Nesse momento, ocorre redução de NAD+ citoplasmático. Analise atentamente a Figura 29.2 para compreender bem todas essas etapas. A reação da malato desidrogenase é uma das reações do ciclo de Krebs, já estudada por você. Nesse caso, entretanto, ela ocorre no sentido inverso. Isso é possível graças ao aumento da concentração de oxalacetato em decorrência da ativação da reação piruvato carboxilase. 202 CEDERJ 29 MÓDULO 7 AULA OS PRECURSORES PARA A GLICONEOGÊNESE Vamos montar um esquema com o que já sabemos até agora para que fique mais fácil a visualização da gliconeogênese, tornando possível a identificação dos precursores não glicídios usados na síntese de glicose. Observe a Figura 29.3. Com base nos conhecimentos que você já adquiriu nas aulas anteriores desta disciplina, tente sugerir possíveis precursores que poderiam entrar na via gliconeogênica. Pense um pouco e tente responder sozinho antes de prosseguir a leitura. Fosfoenolpiruvato Oxalacetato Oxalacetato Figura 29.3: Esquema das etapas da gliconeogênese estudadas até o momento. Se você se lembrou da experiência realizada pelo casal Cori (descrita na aula passada), você foi capaz de identificar o lactato como um dos precursores. A enzima lactato desidrogenase, presente no citosol das células hepáticas, converte o lactato em piruvato (veja a reação na Aula 28), e este pode seguir o caminho metabólico discutido ao longo desta aula. Mas, de onde vem esse lactato? CEDERJ 203 BIOQUÍMICA II | A via gliconeogênica O lactato é produzido no metabolismo anaeróbico da glicose. Na ausência de oxigênio, o piruvato não pode ser completamente oxidado. Além disso, o NADH produzido na reação catalisada pela gliceraldeído-3P desidrogenase, na glicólise, precisa ser reoxidado para que esta via não pare por falta de NAD+. Assim, a reação da lactato desidrogenase promove a reoxidação dos NADHs e produz lactato, que é secretado pela célula (Figura 29.4). Este tipo de metabolização da glicose ocorre nas células que não possuem mitocôndrias, como as hemácias, ou quando o aporte de oxigênio não é suficiente para sustentar o metabolismo aeróbico, como nos músculos em intensa atividade. Figura 29.4: Esquema resumido da fermentação láctica. Olhando para nosso esquema, podemos perceber que a formação de oxalacetato é uma etapa crucial da gliconeogênese. Então, moléculas que possam gerar oxalacetato no seu metabolismo seriam inevitavelmente precursoras para a síntese de glicose. 204 CEDERJ 29 MÓDULO 7 AULA Você já aprendeu que a maioria dos aminoácidos gera intermediários do ciclo de Krebs quando transaminados. Esses intermediários podem ser convertidos em oxalacetato se seguirem pelas reações do ciclo de Krebs. Assim, todos os aminoácidos que gerem intermediários do ciclo de Krebs, ou piruvato, após sua transaminação, são precursores para a síntese de glicose. As únicas exceções são a leucina e a lisina, cujo metabolismo gera acetil-CoA. Veja um esquema mostrando os produtos da transaminação dos aminoácidos na Figura 29.5. Os aminoácidos usados na síntese de glicose podem ser provenientes da alimentação, ou mobilizados a partir da degradação das proteínas musculares. Figura 29.5: Transaminação dos aminoácidos. CEDERJ 205 BIOQUÍMICA II | A via gliconeogênica Quando o ácido graxo é oxidado, os carbonos são retirados de dois em dois, gerando várias moléculas de acetilCoA. Se o ácido graxo possui número ímpar de carbonos, uma molécula de três carbonos, o propionilCoA, sobra ao final. Além dos aminoácidos, uma outra molécula também pode ser convertida em um intermediário do ciclo de Krebs, e conseqüentemente formar oxalacetato: o propionil-CoA proveniente da β-oxidação de ácidos graxos de cadeia ímpar. O propionil-CoA é convertido a succinilCoA dentro da mitocôndria, entrando no ciclo de Krebs. Por último, temos o glicerol. Essa molécula é liberada do tecido adiposo durante a hidrólise dos triacilgliceróis e segue para o fígado, onde é transformada em di-hidroxiacetona-P (DHAP), um intermediário da glicólise, que pode seguir a via gliconeogênica. Antes de prosseguir a leitura, copie, em uma folha à parte, o esquema metabólico apresentado na Figura 29.3, e tente acrescentar a ele as reações de entrada dos precursores na via gliconeogênica recém-discutidas. Agora, compare o seu esquema com o mostrado na Figura 29.6. Figura 29.6: Esquema da entrada dos precursores na via gliconeogênica. 206 CEDERJ 29 MÓDULO 7 AULA VOLTANDO AO TRANSPORTE DO OXALACETATO PARA O CITOSOL Agora que você já descobriu quais são as moléculas que podem ser usadas como precursoras para a síntese de glicose, vamos voltar ao ponto onde estávamos quando discutíamos a Figura 29.2. É bem provável que naquele momento você tenha pensado: “Isso tudo parece muito complicado! Por que haveria necessidade de termos duas maneiras diferentes de transportar o oxalacetato para o citosol?” Vamos, agora, tentar responder a essa questão. Observe novamente a Figura 29.6. Se você prestar atenção, verá que para que a reação catalisada pela enzima gliceraldeído-3P desidrogenase seja revertida, é necessário que haja tanto 1,3-bisfosfoglicerato como também NADH. Porém, lembre-se de que a maioria das reações de oxidação, que levam à redução de NAD+ formando NADH, ocorre na mitocôndria. A principal reação que reduz NAD+ no citoplasma é justamente a reação catalisada pela gliceraldeído-3P desidrogenase durante a glicólise. Para ser possível reverter esta reação, é necessário, então, que exista uma outra fonte de NADH no citoplasma. NADH pode ser formado no citoplasma durante a reação de conversão do lactato em piruvato. Então, quando o lactato é o precursor para a síntese de glicose, o problema está resolvido. Entretanto, quando outros precursores são usados, não haveria maneira de se obter NADH no citoplasma. Esse problema é resolvido justamente através do transporte do oxalacetato para o citosol. Preste atenção na Figura 29.2 e veja que, quando o oxalacetato é transportado via formação de malato, um NAD+ é reduzido no citosol. CEDERJ 207 BIOQUÍMICA II | A via gliconeogênica Concluindo: quando o precursor para a gliconeogênese é o lactato, o PEP pode ser formado pela PEPCK mitocondrial e ser transportado diretamente para o citosol, ou o oxalacetato pode ser transportado via formação de aspartato. Por outro lado, quando os precursores são os aminoácidos, o propionil-CoA ou o glicerol, o oxalacetato deve ser transportado por intermédio da formação de malato, garantindo a redução de NAD+ no citosol. Veja o esquema na Figura 29.7. Figura 29.7: O transporte do oxalacetato e o balanço dos NADs. 208 CEDERJ 29 MÓDULO 7 AULA AS OUTRAS REAÇÕES CONTORNADAS: AS CONVERSÕES DE FRUTOSE-1,6-BP EM FRUTOSE-6P E DE GLICOSE-6P EM GLICOSE Agora que você entendeu a via gliconeogênica até este ponto, ficou faltando aprender como outras reações irreversíveis da glicólise, catalisadas pela PFK e pela hexocinase, são contornadas. Em vez de estas duas reações serem revertidas gerando ATP, o que seria energeticamente desfavorável, ocorre apenas a hidrólise dos grupos fosfato, como mostrado na Figura 29.8. As enzimas que catalisam essas reações são chamadas frutose1,6-bisfosfatase (FBPase) e glicose-6-fosfatase (G6Pase), respectivamente. Veja um esquema da via gliconeogênica completa na Figura 29.8. contornada Figura 29.8: A via gliconeogênica. CEDERJ 209 BIOQUÍMICA II | A via gliconeogênica RESUMO Alguns precursores, como lactato, glicerol e aminoácidos glicogênicos, podem ser usados para sintetizar glicose através da via gliconeogênica, que ocorre, nos mamíferos, no fígado e no rim. Esses precursores são convertidos em oxalacetato, que então é convertido em fosfoenolpiruvato (PEP). A formação de glicose a partir de PEP se dá através de uma série de reações, muitas delas consistindo na reversão das reações da via glicolítica. Apenas as reações da glicólise, que são irreversíveis em condições fisiológicas, aquelas catalisadas pela PFK e pela hexocinase, são substituídas por reações de hidrólise, catalisadas pela frutose-1,6-bisfosfatase (FBPase) e pela glicose-6-fosfatase (G6Pase), respectivamente. EXERCÍCIO 1. O consumo de álcool, especialmente por um indivíduo mal alimentado, pode causar hipoglicemia. O álcool ingerido é convertido em acetaldeído no citoplasma do hepatócito, em reação catalisada pela álcool desidrogenase: NAD+ NADH CH3−CH2−OH CH3−COH Utilizando seus conhecimentos sobre a gliconeogênese, tente justificar a hipoglicemia causada pela ingestão de álcool. 210 CEDERJ objetivo AULA Regulação da gliconeogênese 30 • Nesta aula, você vai compreender como é regulada a síntese de glicose no organismo, que funciona para garantir a produção de glicose em situações nas quais seus níveis, no sangue, estejam diminuídos. Pré-requisitos Para seguir esta aula, você deve ter compreendido bem as aulas sobre glicólise e as aulas sobre gliconeogênese. Tenha-as em mãos para eventuais consultas ao longo da leitura. BIOQUÍMICA II | Regulação da gliconeogênese A REGULAÇÃO DA GLICONEOGÊNESE É NECESSÁRIA? Imagine se a glicólise e a gliconeogênese ocorressem de uma forma incontrolada. Uma das conseqüências seria um gasto desnecessário As enzimas hexoquinase e fosfofrutoquinase catalisam duas etapas da glicólise. de ATP. Os ATPs utilizados nas reações catalisadas pelas enzimas hexoquinase (a conversão de glicose em glicose-6P) e fosfofrutoquinase (a conversão de frutose-6P em frutose-1,6BP) não seriam ressintetizados durante a gliconeogênese. Isto porque as reações que revertem estas etapas Em todo este trecho, estamos comparando as reações da glicólise com as da gliconeogênese, principalmente com relação ao requerimento energético de cada etapa. Tenha as duas vias em mãos para compreender o que está sendo discutido. (as duas conversões), e que são catalisadas pela G6Pase (conversão de glicose-6P em glicose) e pela FBPase (conversão de frutose-1,6BP em frutose-6P), não levam à síntese de ATP. O ATP sintetizado durante a reação da fosfoglicerato quinase na glicólise seria gasto quando esta reação fosse revertida na gliconeogênese. A síntese de PEP a partir de piruvato gasta um ATP e um GTP, enquanto a reação da piruvato quinase na glicólise leva à síntese de apenas um ATP. Assim, a ausência de um controle sobre a glicólise e a gliconeogênese poderia levar a grandes desperdícios de energia. De fato, isso não ocorre. Ao contrário: a glicólise e a gliconeogênese são reguladas reciprocamente, de acordo com as necessidades do organismo. Logo após a alimentação, os níveis de glicose no sangue se encontram elevados, e nossas células metabolizam esse nutriente através da glicólise, garantindo os níveis adequados de ATP e armazenando o excesso de energia a partir da síntese de nossas reservas. No fígado, o glicogênio é sintetizado, a glicólise é ativada, e o excesso de acetil-CoA produzido segue, através da formação de citrato, para a síntese de ácidos graxos. Por outro lado, quando não ingerimos carboidratos, o fígado mantém os níveis sangüíneos de glicose, tanto através da degradação do glicogênio como pela produção de glicose, graças à inibição da glicólise e à ativação da gliconeogênese. 212 CEDERJ 30 MÓDULO 7 AULA PRINCIPAIS PONTOS DE REGULAÇÃO DA GLICONEOGÊNESE Regulação da piruvato carboxilase É importante assinalar: o controle da gliconeogênese começa com a definição do destino do piruvato dentro da mitocôndria. Você já aprendeu que a completa oxidação do piruvato começa com sua conversão em acetil-CoA, catalisada pela PIRUVATO DESIDROGENASE. Por outro lado, o direcionamento do piruvato para a formação de glicose pela via gliconeogênica depende, inicialmente, de sua conversão em Se você se esqueceu da reação catalisada pela PIRUVATO DESIDROGENASE, consulte a aula de ciclo de Krebs. oxalacetato, catalisada pela piruvato carboxilase, como vimos na aula passada. Veja o esquema mostrado na Figura 30.1. Oxalacetato Figura 30.1: Destinos do piruvato no interior da mitocôndria. As duas enzimas, a piruvato desidrogenase e a piruvato carboxilase, são reguladas pelo mesmo modulador: acetil-CoA. De forma a construir um esquema metabólico coerente, procure determinar qual das enzimas deve ser ativada e qual deve ser inibida por essa molécula. Reflita um pouco antes de prosseguir a leitura. A piruvato desidrogenase é inibida por acetil-CoA e a piruvato carboxilase depende inteiramente da presença deste modulador para funcionar. Vamos ver se isso faz sentido. CEDERJ 213 BIOQUÍMICA II | Regulação da gliconeogênese Quando a glicose está disponível e entra em uma célula capaz de realizar o metabolismo oxidativo, ela segue pela via glicolítica até ser convertida em piruvato. Este entra na mitocôndria, onde se transforma em acetil-CoA, que entra no ciclo de Krebs, sendo condensado com o oxalacetato, formando citrato, e assim por diante, como você já estudou. Enquanto o ciclo de Krebs funcionar, os níveis mitocondriais de acetilCoA estarão baixos, e, conseqüentemente, a piruvato desidrogenase continuará ativa e a piruvato carboxilase estará inibida (Figura 30.2). Figura 30.2: Esquema da regulação do destino do piruvato durante o metabolismo oxidativo da glicose. Quando os níveis de glicose no sangue começam a diminuir, uma das primeiras respostas do organismo é o início da mobilização dos ácidos graxos, que estão armazenados no tecido adiposo. Os ácidos graxos entram nas diversas células e são transportados para o interior da mitocôndria, onde são β-oxidados, formando acetil-CoA. No fígado, o oxalacetato está sendo desviado, nessa situação, para a via gliconeogênica, de forma que o acetil-CoA proveniente da β-oxidação não pode seguir pelo ciclo de Krebs e, então, acumula-se no interior da mitocôndria. 214 CEDERJ 30 MÓDULO 7 AULA Assim, a piruvato desidrogenase fica inibida e a piruvato carboxilase fica ativa, possibilitando a síntese de mais oxalacetato para a gliconeogênese (Figura 30.3). Oxalacetato Oxalacetato Figura 30.3: Esquema da regulação do destino do piruvato durante situações de baixa glicemia. Destino do acetil-CoA no fígado: formação dos corpos cetônicos Como acabamos de discutir, o desvio do oxalacetato para a síntese de glicose leva a um acúmulo de acetil-CoA na mitocôndria dos hepatócitos. O excesso de acetil-CoA é, então, convertido nos chamados corpos cetônicos – acetoacetato, β-hidroxibutirato e acetona, que são secretados pelo fígado, caindo na circulação. Veja, na Figura 30.4, como os níveis sangüíneos de corpos cetônicos aumentam em um indivíduo mantido em jejum. Você estudou as reações de formação dos corpos cetônicos na aula de oxidação dos ácidos graxos. Figura 30.4: Variação da concentração plasmática de corpos cetônicos em um paciente em jejum prolongado. CEDERJ 215 BIOQUÍMICA II | Regulação da gliconeogênese Os corpos cetônicos são compostos ácidos, de forma que, caso eles atinjam concentrações acima da capacidade tamponante do sangue, podem levar a uma diminuição do pH sangüíneo, levando ao que chamamos acidose metabólica. A acidose metabólica pode se tornar bastante grave, levando a sérias conseqüências, especialmente em casos de diabetes, nos quais o quadro pode evoluir para o óbito do paciente. Regulação da PFK e da FBPase O principal ponto de controle da glicólise e da gliconeogênese se dá sobre as enzimas PFK e FBPase. Vamos ver como isso foi descoberto. Em 1980, um pesquisador chamado van Schaftingen e seus colaboradores descobriram uma substância capaz de modificar a atividade da PFK isolada de fígado, como mostra a Figura 30.5. Mais à frente você vai saber que substância é esta. Por enquanto, preste atenção apenas em seus efeitos. Figura 30.5: Efeito do modulador isolado por van Schaftingen e colaboradores sobre a atividade da PFK. Veja que, em concentrações baixas de frutose-6P, que é o substrato da PFK, a presença da substância descoberta alterava dramaticamente a velocidade da reação catalisada pela PFK, levando a uma grande ativação desta enzima. 216 CEDERJ 30 MÓDULO 7 AULA Eles descobriram que essa substância é formada no fígado e pode atingir concentrações bem altas em animais bem alimentados. Por outro lado, ela é destruída após dietas pobres em carboidratos. Observou-se ainda que esta mesma substância era capaz de inibir a FBPase, quando em concentrações semelhantes àquelas necessárias para levar à ativação da PFK. Assim, esta substância é capaz de regular antagonicamente a glicólise e a gliconeogênese, ou seja, enquanto uma via está ativada, a outra está inibida e vice-versa. Depois de muito tempo tentando identificar esta molécula ativadora da PFK, o grupo de van Schaftingen conseguiu mostrar que era frutose-2,6-bisfosfato, que a partir de agora vamos designar por F2,6BP. Cuidado, agora, para não fazer confusão! Esta molécula é diferente do intermediário frutose-1,6-bisfosfato e não participa diretamente nem da glicólise nem da gliconeogênese. A diferença entre estas duas moléculas está apenas no carbono ao qual está associado o grupamento fosfato. Analise esses dados e procure integrá-los a um esquema metabólico mais geral. Depois de refletir um pouco sozinho, observe o esquema mostrado na Figura 30.6. Figura 30.6: Papel da frutose-2,6-bisfosfato na regulação recíproca da glicólise e da gliconeogênese. CEDERJ 217 BIOQUÍMICA II | Regulação da gliconeogênese Agora que você entendeu o papel da F2,6BP no controle das enzimas PFK e FBPase, você deve estar se perguntando: como essa substância é sintetizada ou degradada? Os mesmos pesquisadores descobriram, em 1981, uma enzima capaz de sintetizar F2,6BP a partir de frutose-6P à custa de ATP, à semelhança do que ocorria na reação catalisada pela PFK anteriormente conhecida. Para evitar confusão, as enzimas foram denominadas a partir daí fosfofrutoquinase-1 (PFK-1), a clássica, e fosfofrutoquinase-2 (PFK-2), a que sintetiza F2,6BP. Além disso, o mesmo grupo de trabalho, em 1982, purificou, de fígado de rato, uma enzima capaz de transformar F2,6BP em frutose-6P e denominaram-na enzima frutose-2,6-bisfosfatase (F2,6B Pase). Assim, ficou claro que a ação coordenada das enzimas PFK-2 e F2,6BPase determinava o nível de F2,6BP na célula e, conseqüentemente, direcionava o fluxo metabólico no sentido da glicólise ou da gliconeogênese. Por muitos anos tentou-se isolar as duas enzimas, mas, finalmente, descobriu-se que se tratava de uma única cadeia polipeptídica que A atividade das enzimas pode ser regulada por moduladores alostéricos ou por modificação covalente reversível. Os moduladores alostéricos se associam a regiões da enzima diferentes do sítio ativo, provocando uma mudança em sua estrutura que resulta na modificação da sua atividade. A regulação por modificação covalente reversível se dá pela ligação covalente de determinados grupamentos às cadeias laterais de alguns aminoácidos, resultando também na mudança conformacional da enzima e na modificação de sua atividade. Dentre as modificações covalentes mais comuns está a fosforilação e defosforilação de enzimas. continha dois sítios ativos diferentes, um com atividade PFK-2 e outro com atividade F2,6B Pase. Esta enzima bifuncional era capaz de catalisar uma ou outra reação. Surge, então, a pergunta: o que vai determinar se esta enzima vai apresentar atividade PFK-2 ou F2,6BPase em um determinado momento? Para compreender a aula a partir daqui, você vai ter que relembrar o mecanismo de controle do metabolismo do glicogênio. Vamos fazer uma pequena recapitulação do que vai ser importante agora. Você aprendeu que as enzimas do metabolismo do glicogênio são reguladas através de um mecanismo conhecido como modificação covalente. Da mesma forma que ocorre com as enzimas do metabolismo do glicogênio, a ligação covalente de um grupamento fosfato na enzima bifuncional leva a uma modificação de sua atividade: a enzima fosforilada apresenta atividade F2,6BPase, uma vez que a fosforilação provoca uma mudança estrutural na enzima, expondo seu sítio fosfatásico e escondendo seu sítio quinásico. Já a defosforilação da enzima bifuncional expõe o sítio quinásico e esconde seu sítio fosfatásico. Assim, a atividade da PFK2/F2,6BPase depende do seu estado de fosforilação. 218 CEDERJ 30 MÓDULO 7 AULA A fosforilação da enzima bifuncional PFK-2/F2,6BPase é catalisada por uma importante proteína quinase, a proteína quinase dependente de AMPc (PKA). Como seu nome diz, esta proteína quinase é regulada por AMPc. Os níveis de AMPc aumentam dentro da célula em função de um estímulo hormonal. Esse modulador, então, se liga às subunidades regulatórias da PKA, liberando as subunidades catalíticas que fosforilam uma série de proteínas, dentre as quais a PFK2/F2,6BPase. Dentre os hormônios que regulam os níveis de AMPc dentro da célula, podemos citar o GLUCAGON. Este hormônio é liberado pelo pâncreas em decorrência da diminuição da concentração sangüínea de glicose. Você vai aprender mais sobre o GLUCAGON na Aula 31. Com esses novos dados, procure analisar o quadro metabólico quando a gliconeogênese se encontra ativada ou inibida, levando em consideração todas as informações fornecidas. Faça um resumo e mostre ao tutor. Essa é uma boa maneira de estudar! Na próxima aula, quando estivermos falando de glucagon, voltaremos a esse ponto. Regulação da piruvato quinase A piruvato quinase, enzima que catalisa a conversão de PEP em piruvato na glicólise, também é regulada por fosforilação pela PKA. Tente atribuir, antes de prosseguir a leitura, um papel ativador ou inibitório à fosforilação. Depois de refletir um pouco, continue. Observe a Figura 30.7 para relembrar como o piruvato é convertido em PEP na gliconeogênese. Figura 30.7: Conversão de piruvato em PEP na gliconeogênese. CEDERJ 219 BIOQUÍMICA II | Regulação da gliconeogênese Como você viu na Aula 29, para que a reversão da reação da piruvato quinase ocorra, são necessárias duas reações e são gastos dois equivalentes de ATPs. O PEP formado no citoplasma poderia ser reconvertido em piruvato pela ação da piruvato quinase se esta enzima não estivesse inibida nesse momento. Assim, a inibição da piruvato quinase através da sua fosforilação garante que todo o PEP formado seja realmente convertido em glicose. RESUMO Nesta aula, você aprendeu como a glicólise e a gliconeogênese são reguladas, garantindo que não haja desperdícios energéticos nas células capazes de realizar essas duas vias metabólicas. Os principais pontos de regulação são as reações catalisadas pelas enzimas piruvato carboxilase, PFK e FBPase, e piruvato quinase. A piruvato carboxilase é ativada alostericamente por acetil-CoA. PFK e FBPase são reciprocamente reguladas por frutose-2,6BP, que ativa a primeira e inibe a segunda. Frutose-2,6BP é sintetizada e degradada por uma enzima bifuncional, a PFK-2/F2,6B Pase, cujas atividades são reguladas por fosforilação desencadeada pela ação de hormônios. A atividade da piruvato quinase também está sob controle hormonal, sendo inibida por fosforilação. 220 CEDERJ 30 MÓDULO 7 1. Indique ao lado do nome de cada enzima listada seu regulador alostérico e o efeito promovido por ele na atividade enzimática (inibição ou ativação): • piruvato carboxilase • piruvato desidrogenase • PFK • FBPase 2. Correlacione a presença do composto frutose-2,6BP à regulação das vias glicolítica e gliconeogênica. Agora explique como essa substância é formada e degradada. 3. A figura abaixo foi retirada de um artigo científico publicado por Hue e colaboradores, em 1981. Eles estudaram os efeitos do hormônio glucagon no metabolismo de glicídeos em células isoladas de fígado de rato. Verificaram alterações dose-dependentes nos níveis de frutose-2,6BP e na atividade da enzima que catalisa a degradação do glicogênio, a fosforilase a. Interprete a figura, ressaltando os efeitos metabólicos no fígado em função dos resultados observados. CEDERJ 221 AULA EXERCÍCIOS objetivo AULA Introdução aos hormônios 31 • Na última parte de nosso curso, vamos conhecer melhor os hormônios, importantes substâncias responsáveis pela comunicação entre os diferentes tipos celulares de um organismo. Pré-requisitos As Aulas 13 e 14 de Biologia Celular I tratam de temas complementares aos que vamos abordar aqui. Seria interessante que você relesse essas aulas antes de começar. BIOQUÍMICA II | Introdução aos hormônios INTRODUÇÃO Vamos começar esta aula com uma apresentação dos hormônios e de suas características. Nas próximas duas aulas, vamos falar especificamente dos quatro hormônios que são os principais reguladores do metabolismo energético: o glucagon, a adrenalina, a insulina e os glicocorticóides. Uma característica essencial dos organismos multicelulares é a diferenciação celular, que resulta na divisão de atividades entre seus órgãos e tecidos, que desta forma desempenham funções especializadas. Para entendermos o papel das diferentes vias metabólicas e de sua regulação, é preciso considerá-las durante o funcionamento do organismo como um todo. A capacidade de os tecidos especializados funcionarem de uma maneira integrada foi possível, em grande parte, pelo aparecimento do sistema endócrino, que, juntamente com o sistema nervoso, promove a coordenação das atividades metabólicas dos organismos complexos, otimizando a distribuição de nutrientes e de precursores para os diferentes órgãos e tecidos. Essa integração é mediada H ORMÔNIOS Esta terminologia foi utilizada inicialmente para definir apenas as substâncias sintetizadas pelas glândulas endócrinas e secretadas na circulação, levando a respostas específicas de um ou mais tecidosalvo. Atualmente, o termo se refere a qualquer molécula sinalizadora, capaz de gerar uma resposta em determinada célula. Assim, podemos classificar os hormônios como: (a) endócrinos – aqueles que circulam pelo corpo até atingirem o órgão-alvo; (b) parácrinos – aqueles que interagem com células vizinhas; e (c) autócrinos – aqueles que atuam sobre a própria célula secretora. Ou seja, os hormônios são classificados de acordo com seu raio de ação. por uma importante classe de mensageiros químicos, os HORMÔNIOS. NATUREZA QUÍMICA DOS HORMÔNIOS Os hormônios podem ser peptídeos, lipídeos ou derivados de aminoácidos. Os hormônios peptídicos são assim denominados por apresentarem de 3 até 2.000 resíduos de aminoácidos. Variam com relação a tamanho, composição, número de cadeias e grupos modificados. Podemos citar como exemplo o glucagon, que apresenta uma única cadeia polipeptídica, e a insulina, formada por duas cadeias polipeptídicas derivadas do processamento proteolítico de um único produto gênico (pró-insulina) (Figura 31.1). Insulina Glucagon Figura 31.1: Exemplos de hormônios peptídicos: glucagon e insulina. 224 CEDERJ 31 MÓDULO 7 AULA Os hormônios esteróides e as prostaglandinas são derivados dos lipídeos colesterol e ácido aracdônico, respectivamente. Veja na Figura 31.2 alguns exemplos de esteróides derivados do colesterol. CH3 CH3 Colestanos: 27 carbonos ex: colesterol CH3 CH3 Ácidos cólicos: 24 carbonos COOH CH3 Pregnanos: 21 carbonos ex: progesterona CH3 CH3 Andranos: 19 carbonos ex: testosterona CH3 CH3 Estranos: 18 carbonos ex: estradiol CH3 Figura 31.2: Exemplos de hormônios esteróides. Os derivados de aminoácidos incluem a adrenalina, a noradrenalina, a dopamina e os hormônios da tireóide, todos formados a partir da tirosina (Figura 31.3). Adrenalina Noradrenalina OH OH OH OH CH CH OH OH CH2 CH2 NH NH2 CH3 Hormônios da tireóide I HO B I I 5 3 O 5 A I H2N I CO2H O HO 3 Tiroxina (T4) H2N CO2H I I Triiodotironina (T3) Figura 31.3: Exemplos de hormônios derivados de aminoácidos. CEDERJ 225 BIOQUÍMICA II | Introdução aos hormônios SÍNTESE, LIBERAÇÃO E DEGRADAÇÃO DOS HORMÔNIOS A liberação dos hormônios na circulação depende, muitas vezes, apenas da sua produção. Esse é o caso dos esteróides, cuja liberação ocorre imediatamente após sua síntese. Por outro lado, algumas glândulas possuem a capacidade de armazenar quantidades consideráveis de hormônios, servindo como reservatórios dessas moléculas. As células β do pâncreas, por exemplo, podem armazenar insulina por vários dias. ! Os hormônios da tireóide (T3 e T4), que não serão estudados no nosso curso, também são armazenados. Eles são produzidos a partir da clivagem de uma proteína, a tireoglobulina. Essa proteína possui vários resíduos de tirosina que são modificados pela adição de iodo, formando T3 e T4. Grandes quantidades de tireoglobulina podem ser armazenadas na tireóide, garantindo a produção de T4 mesmo em longos períodos de falta de iodo. Os hormônios liberados podem circular livres ou associados a proteínas transportadoras. Hormônios solúveis em água, em princípio, podem circular sem necessitar de um sistema transportador específico, já que o sangue é um meio aquoso. Os insolúveis em água circulam associados a proteínas plasmáticas, que garantem o acesso dessas P ROTEÍNAS moléculas a todas as células. Algumas TRANSPORTADORAS específicas para determinados hormônios, enquanto outros hormônios DE HORMÔNIOS Específicas: • globulina ligadora de tiroxina (TBG) • globulina ligadora de corticosteróides (CBG) Não-específicas: • albumina • transtirretina PROTEÍNAS TRANSPORTADORAS são se ligam a sistemas gerais de transporte. A fração ligada dos hormônios está sempre em equilíbrio dinâmico com pequenas quantidades de hormônio livre, que, na maior parte dos casos, é a fração biologicamente ativa. Dessa forma, as proteínas transportadoras podem muitas vezes ser encaradas como reservatórios circulantes de hormônios. A degradação dos hormônios liberados na circulação é crítica para a regulação de seus níveis em resposta às várias necessidades. A meia-vida dos hormônios pode variar de poucos minutos (como nos casos da insulina, do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e da adrenalina), a horas (como ocorre com os hormônios esteróides), ou a dias (como a tiroxina). 226 CEDERJ Para atuar, os hormônios devem interagir com sítios específicos, altamente seletivos, presentes nas células-alvo: os receptores. Estes devem desempenhar pelo menos duas funções: ter a capacidade de ligar os hormônios com alta afinidade e especificidade, distinguindo essas moléculas entre as outras substâncias presentes; e também transmitir a informação, levando ao desencadeamento da resposta celular. Entretanto, a resposta a um determinado hormônio não depende apenas da presença do receptor, mas também da presença dos sistemas de TRANSDUÇÃO DO SINAL hormonal na célula-alvo. A ação hormonal em tecidos específicos pode ser direcionada ou amplificada por vários mecanismos. A distribuição dos receptores pode variar consideravelmente: enquanto o receptor da insulina está presente em todos os tipos celulares, os receptores para mineralocorticóides são DE SINAL Para que uma célula responda a um determinado hormônio, é necessário que a ligação do hormônio a seu receptor desencadeie uma série de reações intracelulares que levem à modificação do metabolismo da célula. Os eritrócitos, por exemplo, possuem receptores para insulina, mas, pela falta de moléculas necessárias à sua ação, não exibem respostas típicas a esse hormônio. encontrados apenas em células renais. A liberação de hormônios dentro de um sistema de circulação restrita consiste em um outro mecanismo de direcionamento hormonal. O fígado recebe mais insulina que os demais tecidos, uma vez que a quantidade desse hormônio que chega ao tecido hepático pelo SISTEMA PORTA é bem maior do que a que atinge os tecidos extra-hepáticos pela circulação sistêmica. Receptores hormonais podem ser subdivididos em dois grupos principais: aqueles que se encontram na superfície celular, que vão mediar respostas citoplasmáticas, e aqueles de localização intracelular, que vão atuar geralmente no núcleo da célula-alvo (Figura 31.4). Hormônios esteróides Hormônios tireoideanos Vitamina D Receptor de membrana AMPc Receptor citoplasmático Receptor nuclear Transmissores Hormônios peptídeos O sangue proveniente do trato gastrointestinal chega ao fígado pela veia porta-hepática, cujas ramificações banham os lóbulos hepáticos. Assim, os nutrientes provenientes da alimentação são “filtrados” pelo fígado antes de atingirem a circulação sistêmica. O mesmo ocorre com o hormônio insulina, que também é liberado do pâncreas na veia portahepática. Ca2+ Fosforilação RNAm Síntese de proteína SISTEMA P O R TA - H E P Á T I C O Regulação enzimática Figura 31.4: Mecanismos de ativação de uma célulaalvo pelos hormônios. Receptores de membrana para hormônios hidrossolúveis transmitem o sinal hormonal através de mensageiros intracelulares, como o AMPc ou o cálcio. Isso resulta na ativação de proteínas quinases que catalisam a fosforilação de diversas enzimas do metabolismo, regulando sua atividade. Hormônios lipossolúveis ativam receptores intracelulares que se ligam ao DNA, regulando a expressão gênica. CEDERJ 227 31 MÓDULO 7 TRANSDUÇÃO AULA MECANISMOS DE AÇÃO DOS HORMÔNIOS BIOQUÍMICA II | Introdução aos hormônios Os hormônios peptídicos, as catecolaminas e as prostaglandinas se ligam a receptores na superfície da célula-alvo, e a transmissão dessa informação se dá através de mediadores intracelulares. Já os hormônios da tireóide e os esteróides, devido à sua natureza hidrofóbica, são capazes de atravessar a membrana plasmática, encontrando seus receptores no interior da célula-alvo, onde o complexo hormônio-receptor interage com elementos específicos do DNA, induzindo mudanças na expressão de determinados genes. Hormônios que interagem com a superfície celular Os experimentos de E. Sutherland foram importantíssimos para ! Earl W. Sutherland Jr. (19151974) e sua equipe isolaram o AMPc em 1958, e assim o chamaram porque os átomos do único grupo fosfato da molécula de AMPc estão arranjados sob a forma de um anel. Sutherland Jr. foi agraciado com o Prêmio Nobel em Fisiologia e Medicina em 1971. a compreensão do mecanismo de ação de hormônios que atuam na superfície celular. Esse pesquisador, ao descobrir o AMPc e seu papel mediador da resposta dos hormônios glucagon e adrenalina, desenvolveu o conceito de segundo mensageiro. O segundo mensageiro funciona como um mediador intracelular do sinal extracelular, transmitindo o sinal hormonal para a maquinaria enzimática celular. Inicialmente, acreditava-se que o segundo mensageiro era sempre uma pequena molécula orgânica, como AMPc, GMPc ou inositol fosfato, mas atualmente sabe-se que pode ser um íon, como cálcio ou hidrogênio, ou mesmo uma enzima que catalisa a fosforilação de proteínas, ou seja, uma proteína cinase. Muitas estruturas de receptores hormonais de membrana já foram elucidadas, revelando quatro tipos básicos de receptores: (a) receptores acoplados à proteína G; (b) receptores que funcionam como canais iônicos; (c) receptores com atividade enzimática intrínseca; (d) receptores que interagem diretamente com enzimas intra-celulares. Veja o esquema mostrado na Figura 31.5. Em todos os casos, a ação do hormônio depende de segundos mensageiros. 228 CEDERJ Ligantes Receptores associados a cinases Receptores acoplados à proteína G Receptores associados a canais iônicos Insulina, fatores de crescimento Hormônio do crescimento, prolactina, citocinas Insulina, fatores de crescimento Neurotransmissores, aminoácidos Estrutura Proteína tirosina ou serina cinase Tirosina cinase associada ao receptor Segundo mensageiro (AMPC IP3 íon) Íon Proteínas cinases citoplasmáticas Efeitos mediados por fosforilação Efeitos não-mediados por fosforilação Figura 31.5: Principais classes de receptores de membrana para hormônios e neurotransmissores. A insulina e muitos fatores de crescimento se ligam a receptores de membrana que atuam como tirosinas cinases, catalisando a fosforilação de proteínas em seus resíduos de tirosina; o hormônio do crescimento, a prolactina e muitas citocinas se ligam a receptores que se associam a tirosinas cinases citoplasmáticas; uma terceira classe de agonistas se liga a receptores (R) que se acoplam a um efetor (geralmente enzimas que produzirão segundos mensageiros) (E) através de proteínas G (G); a quarta classe de receptores inclui aqueles associados a canais iônicos. Como a concentração dos hormônios peptídicos na circulação está em torno de 10-12 a 10-9 M, as células-alvo devem não só reconhecer o hormônio com alta afinidade e especificidade como também devem ser capazes de amplificar o sinal hormonal, já que os processos metabólicos operam na faixa de concentração milimolar (10-3 M). As cascatas de mediadores intracelulares possibilitam essa enorme amplificação do sinal extracelular, como exemplificado na Figura 31.6. CEDERJ 229 31 MÓDULO 7 Receptor com atividade cinásica AULA Classe BIOQUÍMICA II | Introdução aos hormônios 1 molécula do sinalizador Cada receptor ativa muitas proteínas G, que podem ativar muitas adenilato ciclases GTP Receptor Amplificação Adenilato ciclase ativada GTP Cada adenilato ciclase forma muitas moléculas de AMPC Proteína G ATP GTP Amplificação AMPC Cada AMPC ativa uma proteína cinase Proteínacinase Cada cinase fosforila muitas cópias de uma enzima Amplificação Enzima X Cada enzima fosforilada catalisa a formação de muitas moléculas do produto Amplificação Produtos da enzima X Figura 31.6: Amplificação do sinal após o estímulo de um receptor associado à proteína G. A Figura 31.6 mostra o mecanismo de ação de um ligante cujo receptor promove indiretamente o aumento dos níveis intracelulares de AMPc, como, por exemplo, o glucagon ou a adrenalina. As proteínas intermediárias que acoplam esses receptores a seus sistemas efetores são chamadas proteínas G, por dependerem de GTP para sua ação regulatória. As proteínas G são heterotrímeros compostos por subunidades α, β e γ. A ligação da molécula sinalizadora promove uma mudança conformacional no receptor que, por sua vez, induz a ligação de GTP à subunidade α da proteína G, que se dissocia das outras subunidades. A subunidade α, então, migra através da membrana e interage com uma enzima, a adenilato ciclase, ativando-a. A adenilato ciclase catalisa a conversão de ATP em AMPc. Dessa forma, moléculas como o glucagon ou a adrenalina promovem um grande aumento na concentração de AMPc no interior de células que apresentem seus respectivos receptores. 230 CEDERJ 31 MÓDULO 7 AULA A subunidade α apresenta atividade GTPásica, convertendo o GTP em GDP, tornando-se inativa e dissociando-se da adenilato ciclase. Cada receptor pode interagir e ativar muitas ATP moléculas de proteína G, cada qual podendo ativar uma molécula de adenilato ciclase. Como cada molécula de proteína G permanece na forma ativa por alguns segundos antes de Adenilato ciclase hidrolisar o GTP e voltar à forma inativa, a adenilato ciclase também permanece ativa por alguns segundos, o que permite a produção de um grande número de moléculas de AMPc. AMPC O AMPc se liga às subunidades regulatórias de uma importante proteína quinase, a proteína quinase AMPc dependente (PKA). Esta enzima é um tetrâmero formado por duas subunidades Fosfodiesterase catalíticas e duas regulatórias que, quando ligadas ao AMPc, se dissociam das subunidades catalíticas, ativando-as. A PKA catalisa a fosforilação de um grande número de enzimas, AMP estando, dessa forma, envolvida no controle de diversas vias metabólicas. Assim, uma única molécula sinalizadora extracelular pode causar a alteração da atividade de milhares de enzimas nas células-alvo. Quando o estímulo cessa, os níveis de AMPc diminuem em função da atividade da enzima fosfodiesterase, que catalisa a hidrólise do AMPc, convertendo-o em 5’-AMP. ! Você já viu exemplos de enzimas reguladas através de fosforilação catalisada pela PKA em aulas anteriores. Hormônios que afetam a expressão gênica Os hormônios de natureza química apolar ou hidrofóbica como, por exemplo, os hormônios esteróides, hormônios da tireóide, a vitamina D e o ácido retinóico, atuam de forma bastante diferente da daqueles descritos até agora. Eles funcionam como fatores de regulação da expressão gênica (Figura 31.7). CEDERJ 231 BIOQUÍMICA II | Introdução aos hormônios R PT R R R R R RNAm R Proteína hsp Efeitos fisiológicos Figura 31.7: Mecanismo de ação de hormônios esteróides. O esteróide (▲) chega à célula-alvo associado a uma proteína transportadora (PT). Os receptores (R) são proteínas intracelulares presentes no núcleo ou no citoplasma associados a proteínas de choque térmico (heat shock proteins, hsp), quando não ligados ao hormônio. O complexo hormônio-receptor se liga ao DNA em regiões específicas, modulando a expressão gênica. Esses hormônios atravessam a membrana plasmática da maioria das células por difusão, embora mecanismos ativos de captação possam ocorrer em alguns sistemas. Nas células-alvo, ou seja, células sensíveis a esses hormônios, eles se ligam a receptores específicos intracelulares, localizados no citoplasma ou no núcleo. A ligação do hormônio promove mudanças conformacionais no receptor, resultando na formação de um complexo ativado, com alta afinidade por determinados sítios do DNA. Geralmente, a ligação do complexo hormônio-receptor a esses elementos regulatórios afeta a expressão gênica, induzindo ou reprimindo a iniciação da transcrição de genes específicos. Os produtos da tradução dos RNA mensageiros de síntese regulada por esses hormônios promoverão efeitos metabólicos nas células-alvo como, por exemplo, o aumento dos níveis de determinadas enzimas, como ocorre com a expressão dos genes de algumas enzimas gliconeogênicas em células tratadas com glicocorticóides, levando, neste caso, a um aumento da produção de glicose por essas células. 232 CEDERJ 31 MÓDULO 7 AULA RESUMO Nesta aula, você aprendeu que a comunicação entre as diferentes células de um organismo, para que ele funcione de forma integrada, se dá graças aos hormônios. Estas moléculas podem ser peptídeos, como é o caso da insulina e do glucagon; lipídeos, como os hormônios esteróides; ou derivados de aminoácidos, como, por exemplo, a adrenalina e os hormônios da tireóide. Você viu, também, que os mecanismos de síntese, secreção e degradação dos hormônios podem ser muito variados. Para fins didáticos, os hormônios podem ser agrupados em duas grandes classes, de acordo com seu mecanismo de ação: aqueles cuja ação se dá a partir de sua ligação à superfície celular e aqueles que se ligam a receptores intracelulares e atuam sobre a expressão gênica. EXERCÍCIOS Os exercícios referentes às Aulas 31, 32 e 33 serão apresentados em conjunto ao final da Aula 33. CEDERJ 233 objetivos AULA Glucagon e adrenalina 32 Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: • Apresentar dois hormônios: glucagon e adrenalina. • Conhecer o mecanismo de ação desses hormônios. • Estudar seus efeitos nos diferentes tecidos. Pré-requisitos Esta aula e a próxima vão explorar a integração hormonal do metabolismo. Por isso, será importante que você tenha uma visão geral bem clara do metabolismo e das várias vias que o compõem. Aproveite para adiantar o estudo de toda a matéria antes de começar a ler estas aulas. Assim, elas servirão para reforçar seus conhecimentos e poderão fornecer uma visão mais ampla do funcionamento do nosso organismo. BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina INTRODUÇÃO Nesta aula, vamos falar especificamente de dois hormônios: o glucagon e a adrenalina. Agrupamos estes dois hormônios na mesma aula, porque ambos compartilham o mesmo mecanismo de ação. Entretanto, você vai ver que estes hormônios vão atuar em resposta a situações diferentes, algumas vezes em tecidos distintos. GLUCAGON Natureza química, síntese e secreção do glucagon O glucagon é um hormônio peptídico secretado pelo PÂNCREAS PÂNCREAS, Para fins didáticos, o pâncreas pode ser estudado em duas porções: glândula de fundamental importância para a digestão dos alimentos e Pâncreas exógeno: sintetiza e secreta enzimas responsáveis pela digestão de proteínas (tripsina, quimotripsina e carboxipeptidase), carboidratos (amilase) e lipídeos (lipase) provenientes da dieta, além de secretar bicarbonato de sódio. de Langerhans. Nas Ilhotas de Langerhans, existem três subpopulações para a regulação do metabolismo de macronutrientes. O pâncreas contém um grupo de células especializadas, as Ilhotas de células distintas, as células α, as células β e as células γ, que são responsáveis pela síntese e secreção dos hormônios glucagon, insulina e somatostatina, respectivamente. Uma vez sintetizado, o glucagon pode ser secretado diretamente ou ficar estocado dentro de vesículas secretórias no interior das células α. Os principais controladores fisiológicos da liberação de glucagon são a hipoglicemia, a hiperaminoacidemia (aumento dos níveis de aminoácidos no sangue; neste Pâncreas endógeno: sintetiza e secreta os hormônios glucagon, insulina e somatostatina. caso, principalmente aumento de arginina), baixos níveis circulantes de ácidos graxos e estímulo do sistema adrenal (estresse ou exercício). O receptor de glucagon O glucagon, assim como os demais hormônios peptídicos, exerce seus efeitos através da ligação a um receptor localizado na membrana plasmática das células-alvo. O receptor de glucagon pertence à superfamília dos receptores acoplados à proteína G (Figura 32.1). ! Você aprendeu sobre receptores acoplados à proteína G na Aula 31 de Bioquímica II e na Aula 14 de Biologia Celular I. 236 CEDERJ 32 MÓDULO 7 AULA Figura 32.1: Representação esquemática do receptor de glucagon. As sete hélices transmembrana são exemplificadas na figura. A região superior corresponde às regiões extracelulares do receptor, enquanto a região inferior representa a porção intracelular. Associadas ao receptor estão esquematizadas as três subunidades da proteína G. Ainda não temos uma definição exata de que tecidos apresentam receptores de glucagon. Diversos trabalhos científicos vêm mostrando que os maiores níveis de expressão do receptor de glucagon são encontrados no fígado, nos rins e nas ilhotas pancreáticas. Níveis intermediários de expressão podem ser detectados no coração, tecido adiposo, duodeno e estômago. Mecanismo de ação do glucagon Os principais efeitos conhecidos do glucagon são mediados por um aumento dos níveis intracelulares de AMPc. Isso ocorre porque o receptor de glucagon encontra-se associado a uma família muito particular de proteínas, conhecida como família das proteínas G, como já comentamos anteriormente. ! Para relembrar o que são as proteínas G e como os níveis intracelulares de AMPc são controlados por elas, releia o final da Aula 31 de Bioquímica II e a Aula 14 de Biologia Celular I. A Figura 32.2 mostra a seqüência de eventos desencadeados pela ligação do glucagon a seu receptor presente na superfície celular. CEDERJ 237 BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina Adenilato ciclase ATP Proteína G AMPc PKA Figura 32.2: Eventos desencadeados pela ligação do glucagon a seu receptor presente na superfície celular. Mas como o aumento da concentração intracelular de AMPc vai promover a alteração do metabolismo celular? O AMPc se liga a uma importante proteína cinase, a proteína cinase dependente de AMPc (PKA). Esta proteína é composta por quatro subunidades: duas regulatórias, onde estão os sítios de ligação do AMPc, e duas catalíticas, que podem fosforilar várias enzimas do metabolismo. Quando a PKA está R R na sua forma tetramérica, as subunidades PKA inativa C regulatórias impedem a atividade das subunidades catalíticas. Quando o AMPc se C liga, as subunidades regulatórias se dissociam 4 AMPC 4 AMPC das subunidades catalíticas, levando à ativação dessa enzima. Veja o esquema na Figura 32.3. Uma vez ativada, a PKA poderá catalisar R a fosforilação de diversas proteínas no interior R da célula, levando assim à ativação/inativação de enzimas. C C PKA ativa Figura 32.3: Esquema da regulação da PKA pelo AMPc. 238 CEDERJ 32 MÓDULO 7 AULA Agora você deve estar se perguntando: afinal, que enzimas são essas e quais são os efeitos do glucagon no metabolismo energético? Vamos responder a essa pergunta a seguir. Ação do glucagon sobre o fígado Sem dúvida, o principal órgão a sofrer os efeitos da liberação de glucagon é o fígado. Em resposta a elevações bastante sutis nas concentrações sanguíneas de glucagon, esse órgão modifica seu metabolismo drasticamente. Graças a isso, o organismo é capaz de adaptarse a diferentes situações metabólicas, principalmente à hipoglicemia. As principais vias metabólicas afetadas pelo glucagon no fígado são: O metabolismo de glicogênio Após uma refeição balanceada, cerca de 25% da glicose ingerida é convertida em glicogênio no fígado. Os níveis de glicogênio no interior de um hepatócito podem variar entre 1 e 100mg/g de tecido hepático durante um ciclo normal de jejum/alimentação. ! Antes de ser batizado com seu nome atual, o glucagon era conhecido como “fator hiperglicemiante glicogenolítico”. Isso se deveu a algumas experiências realizadas entre 1921 e 1938, que mostraram que extratos pancreáticos injetados em animais sem pâncreas provocavam rapidamente hiperglicemia, em decorrência da mobilização do glicogênio hepático. De fato, o primeiro efeito conhecido do glucagon foi o estímulo da degradação do glicogênio. Como vimos anteriormente, a SÍNTESE E DEGRADAÇÃO DE GLICOGÊNIO devem ser conjuntamente reguladas, de modo a evitar desperdícios de energia decorrentes da realização de ciclos fúteis. Através da ativação da PKA, um dos primeiros efeitos do glucagon sobre a síntese de glicogênio é a inativação da enzima glicogênio sintase. Aparentemente, tanto a própria PKA quanto as cinases ativadas por ela, principalmente a glicogênio sintase cinase 3 (GSK-3), são capazes de SÍNTESE E DEGRADAÇÃO DE GLICOGÊNIO Se precisar, reveja as vias de síntese e de degradação do glicogênio, assim como sua regulação, nas Aulas 25, 26 e 27. fosforilar esta enzima. Essa fosforilação faz com que a glicogênio sintase passe de sua forma a (ativa) para a forma b (inativa). A fosforilase cinase também é fosforilada pela PKA, tornando-se ativa. Essa enzima catalisa a fosforilação da glicogênio fosforilase, a enzima-chave da degradação do glicogênio. Quando fosforilada, a glicogênio fosforilase sofre uma mudança conformacional, passando da forma b (inativa) para a forma a (ativa). Veja um esquema da regulação da síntese e da degradação do glicogênio na Figura 32.4. CEDERJ 239 BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina Glicogênio sintase a (ativa) Glicogênio fosforilase b (inativa) Proteína cinase Fosfoproteína fosfatase P Glicogênio fosforilase b (inativa) P P Glicogênio fosforilase a (ativa) P Figura 32.4: Esquema da regulação das enzimas-chave da síntese (glicogênio sintase) e da degradação (glicogênio fosforilase) em resposta à ação do glucagon. Assim, quando os níveis sanguíneos de glucagon aumentam, a síntese de glicogênio é drasticamente diminuída e sua degradação muito aumentada. A degradação do glicogênio gera glicose-1-fosfato que, pela ação da enzima fosfoglucomutase, é convertida em glicose-6-fosfato, que por sua vez é substrato para a glicose-6-fosfatase presente no retículo endoplasmático dos hepatócitos, formando, assim, glicose livre que pode ser enviada para a corrente sangüínea. Alteração da relação glicólise/gliconeogênese Você já aprendeu que o fígado é o principal órgão dos mamíferos a ! Reveja as reações e a regulação da via gliconeogênica nas Aulas 29 e 30. realizar a gliconeogênese. Por isso, é importante a existência, nesse órgão, de um controle integrado da relação glicólise/gliconeogênese, de forma a minimizar a ocorrência de ciclos fúteis e a perda de energia. O glucagon desempenha um papel extremamente importante nessa regulação. 240 CEDERJ 32 MÓDULO 7 AULA O principal efeito do glucagon sobre a glicólise/gliconeogênese acontece sobre a enzima bifuncional fosfofrutocinase-2/frutose-2,6-bisfosfatase. Como você já aprendeu na Aula 30, essa enzima catalisa duas reações distintas: a conversão de frutose-6-fosfato (frutose-6P) em frutose-2,6-bisfosfato (F2,6BP) e a reação reversa, a conversão de F2,6BP em frutose-6P. A fosforilação da enzima bifuncional pela PKA leva a uma modificação de sua atividade. A enzima fosforilada apresenta atividade F2,6BPase, enquanto sua defosforilação inibe essa atividade fosfatásica e ativa a porção PFK2 da enzima. Mas o que faz F2,6BP? Tente lembrar e confira se sua resposta estava correta lendo o texto a seguir. F2,6BP é um potente ativador da fosfofrutocinase-1 (PFK-1), enzima-chave da glicólise. Ao mesmo tempo, essa substância também inibe a frutose-1,6-bisfosfatase, enzima da gliconeogênese. Assim, quando a PKA é ativada devido à ação do glucagon, os níveis intracelulares de F2,6BP diminuem, levando à inibição da PFK-1 e, conseqüentemente, da glicólise, e à ativação da frutose-1,6-bisfosfatase e, conseqüentemente, da gliconeogênese. Outro efeito importante do glucagon sobre a glicólise é a regulação da enzima piruvato cinase (PK). Essa enzima catalisa a última reação da glicólise, a conversão de fosfoenolpiruvato (PEP) em piruvato com concomitante síntese de uma molécula de ATP. A fosforilação da PK hepática é catalisada pela PKA e leva a uma drástica redução de sua atividade. Com isso, a glicólise fica inibida. Essa regulação também é importante para garantir que o PEP, formado na primeira etapa da gliconeogênese, não seja reconvertido em piruvato (você já viu isso em mais detalhes na Aula 30; se achar necessário, volte até lá). O metabolismo dos ácidos graxos Os ácidos graxos derivados dos triacilglicerídeos e estocados nos adipócitos são a fonte de energia mais importante para os mamíferos. O glucagon exerce um importante papel na regulação do metabolismo de ácidos graxos, como veremos a seguir. A primeira etapa da SÍNTESE DE ÁCIDOS GRAXOS é o transporte das unidades de acetil-CoA, derivadas da oxidação da glicose ou dos aminoácidos, da mitocôndria para o citoplasma. Estas unidades de acetil-CoA saem da mitocôndria na forma de citrato, que no citoplasma SÍNTESE DE ÁCIDOS GRAXOS Reveja a síntese de ácidos graxos em detalhes nas Aulas 22 e 23. é convertido a oxaloacetato e acetil-CoA novamente. CEDERJ 241 BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina Uma vez no citoplasma, a etapa seguinte da síntese de ácidos graxos seria a conversão de acetil-CoA em malonil-CoA, catalisada pela acetil-CoA carboxilase. Esta enzima-chave da biossíntese de ácidos graxos é inibida por glucagon através de um mecanismo também dependente de PKA, que catalisa a fosforilação dessa enzima, mantendo-a na sua forma protomérica inativa. Ação do glucagon sobre o adipócito A mobilização das reservas de triacilgliceróis estocadas nos adipócitos se dá através da ativação da lipase sensível a hormônio. Esta enzima catalisa a hidrólise das ligações éster dos triacilgliceróis, gerando glicerol e ácidos graxos, que seguirão pela corrente sangüínea associados à albumina até o fígado ou outros tecidos capazes de realizar a β-oxidação. A lipase sensível a hormônio é ativada por fosforilação catalisada pela PKA. Embora ainda exista certa controvérsia na literatura científica a respeito da presença ou não de receptores de glucagon no tecido adiposo, uma série de dados vêm sustentando que, quando os níveis sanguíneos de glucagon aumentam, a cascata de sinalização desencadeada por esse hormônio promove a hidrólise dos triacilgliceróis, com conseqüente liberação de glicerol e ácidos graxos por estas células. Desta forma, podemos concluir que a liberação do glucagon na corrente sanguínea promove a mobilização dos ácidos graxos, que passam a servir como fonte de energia para a maioria dos tecidos. Por outro lado, o glucagon também vai promover a liberação hepática de glicose, seja proveniente da degradação do glicogênio, seja produzida pela via gliconeogênica. Veja, na Figura 32.5, um esquema da integração do metabolismo dos vários tecidos do nosso corpo durante uma situação de hipoglicemia. 242 CEDERJ 32 MÓDULO 7 AULA Pâncreas (células α) Glucagon Proteína Intestino Fígado Aminoácido Glicerol Veia porta Glicose Enterócitos Lactato Alanina Uréia Corpos cetônicos Alanina Cérebro Glicerol CO2 + H2O Alanina Ácidos graxos Lactato Lipídeos Hemácias Glutamina Tecido adiposo Aminoácido CO2 + H2O Proteína Tecido muscular Figura 32.5: Esquema do metabolismo em resposta à liberação de glucagon durante a hipoglicemia. ADRENALINA Natureza química e secreção da adrenalina A adrenalina faz parte de um grupo de substâncias denominadas catecolaminas, por suas estruturas derivarem do catecol (Figura 32.6). CEDERJ 243 BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina Dopamina Catecol Norepinefrina Epinefrina Figura 32.6: Estrutura do catecol e das catecolaminas. A adrenalina é secretada pela glândula ADRENAL (de onde vem seu ADRENAL A adrenal pode ser dividida em duas partes: o córtex, que secreta glicocorticóides e mineralocorticóides (falaremos desses hormônios na Aula 33); e a medula, cujo principal produto de secreção é a adrenalina. nome), que se localiza acima dos rins e, por isso, é também conhecida como glândula supra-renal. Em resposta a situações de estresse agudo (estresse psicológico, cansaço físico, jejum prolongado ou hipoglicemia, perda sangüínea e diversas condições patológicas), ocorre ativação do sistema nervoso simpático, que é parte integrante do sistema nervoso autônomo. Como parte dessa resposta adaptativa, há aumento da liberação de catecolaminas pela adrenal. A liberação dessas substâncias no sangue e sua atuação em órgãos periféricos, principalmente no caso da adrenalina, promovem as conhecidas reações de “fuga ou luta”. Essas reações são caracterizadas por dilatação pupilar, taquicardia, sudorese, tremores, aumento da glicemia. ! As ações dos produtos secretados pela adrenal têm grande correlação com as funções do sistema nervoso simpático. Dessa forma, freqüentemente usamos o termo sistema simpático-adrenal para ressaltar as inter-relações existentes entre o sistema nervoso autônomo e o sistema endócrino representado pela adrenal. 244 CEDERJ 32 MÓDULO 7 AULA Receptores adrenérgicos A adrenalina é uma molécula polar e solúvel em meio aquoso e, portanto, incapaz de atravessar a membrana plasmática das células. Assim, uma vez liberada na circulação, a adrenalina exerce seus efeitos intracelulares por intermédio da ação de receptores de membrana, os chamados receptores α e β-adrenérgicos. Os receptores adrenérgicos, assim como os receptores de glucagon, se encontram associados à proteína G. Como você já deve estar suspeitando, a seqüência de eventos que ocorrem a partir da ligação da adrenalina a seu receptor é semelhante àquela descrita para a ação do glucagon. É isso mesmo! Entretanto, a distribuição dos receptores adrenérgicos entre os tecidos é diferente da distribuição dos receptores de glucagon, de forma que os efeitos gerais sobre o metabolismo também vão ser diferentes frente a um estímulo de adrenalina ou de glucagon. Efeitos da adrenalina sobre o metabolismo hepático Os principais efeitos da adrenalina no fígado são o resultado de β-ADRENÉRGICOS, com conseqüente aumento das RECEPTORES concentrações intracelulares de AMPc e a regulação de processos como ADRENÉRGICOS sua ligação a RECEPTORES o metabolismo de glicogênio e o fluxo glicólise/gliconeogênese. Os efeitos da adrenalina sobre a síntese e a degradação do glicogênio no fígado são muito semelhantes aos já descritos para a ação do glucagon. Na verdade, o papel de ambos os hormônios foi elucidado na mesma série de trabalhos, desenvolvidos ao longo da década de 1950 por Sutherland e diversos colaboradores. Nesses trabalhos, os pesquisadores, utilizando fatias de fígado de coelho, demonstraram que tanto o chamado “fator hiperglicemiante” (glucagon) quanto a adrenalina eram capazes de causar um aumento na atividade glicogenolítica hepática, in vivo e in vitro. Os efeitos sobre a glicólise e a gliconeogênese, assim como sobre a síntese de lipídeos, também são semelhantes àqueles desencadeados pelo glucagon. São divididos em vários subtipos. Primeiramente, são divididos em dois grandes grupos: os receptores α e β-adrenérgicos. Os receptores β se dividem nos subtipos β1, β2, β3, este último exclusivo do tecido adiposo. Os receptores α são divididos em α1 ou α2. Os receptores α1 podem ainda ser subdivididos em vários outros subtipos: α1A, α1B etc. Assim, podemos concluir que, no fígado, adrenalina e glucagon causam os mesmos efeitos metabólicos. CEDERJ 245 BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina Efeitos da adrenalina sobre o músculo esquelético Efeitos sobre o metabolismo do glicogênio Nas células do músculo esquelético, assim como no tecido muscular cardíaco, a adrenalina também exerce seus efeitos sobre o metabolismo do glicogênio. Como já vimos no caso do fígado, a adrenalina promove a ativação da glicogênio fosforilase muscular através da sua fosforilação. A principal diferença entre os dois tecidos reside no destino da glicose-1fosfato produzida na fosforólise do glicogênio. As células musculares não apresentam a enzima glicose-6-fosfatase, resultando no aprisionamento da glicose-6-fosfato produzida pela reação da fosfoglicomutase. Esta é uma importante adaptação funcional, uma vez que o coração e os músculos, ao contrário do fígado, necessitam da glicose para a produção de ATP para contração, em resposta a situações de estresse ou risco iminente (que disparam o estímulo adrenérgico), e não têm papel na manutenção da glicose plasmática. Assim, a glicose-6-fostato resultante da degradação do glicogênio no músculo segue a via glicolítica, como veremos a seguir. Ação sobre o fluxo glicolítico Uma diferença fundamental ocorre entre o tecido muscular e o tecido hepático, com relação ao papel da adrenalina sobre a glicólise. No músculo, a enzima bifuncional PFK-2/F2,6BPase responde de maneira totalmente inversa à fosforilação promovida pela PKA; ou seja, no Lipídeos músculo, a PFK-2 estará ativa quando Tecido adiposo Glicogênio Fígado a enzima estiver fosforilada, enquanto a atividade da F2,6BPase fica inibida. Ácidos graxos Isso resulta em efeitos inversos da adrenalina sobre as vias glicolíticas Corpos cetônicos Glicose Glicose muscular e hepática (Figura 32.7). CO2 CO2 Lactato Tecido muscular Glicogênio 246 CEDERJ Figura 32.7: Ação da adrenalina sobre o metabolismo do glicogênio e sobre o fluxo glicolítico muscular e hepático. 32 MÓDULO 7 AULA Efeitos da adrenalina sobre o músculo cardíaco A adrenalina exerce efeitos bem característicos no músculo cardíaco. Como já comentamos, situações de estresse muitas vezes tornam necessário o aumento da freqüência cardíaca, o aumento da força de contração e, por conseguinte, maior efetividade no bombeamento de sangue, com oxigênio e nutrientes para todo o organismo. Isso só é possível se ocorrer um aumento na taxa de metabolismo basal do cardiomiócito, ou seja, aumento no consumo de oxigênio e aumento na produção de ATP. Torna-se óbvio então que, nessa situação, ao contrário do que ocorre em nível hepático, é necessário que a adrenalina promova um aumento da glicólise cardíaca, a fim de maximizar a produção de energia para a contração muscular. No cardiomiócito, a adrenalina também age via receptor β-adrenérgico, com ativação da adenilato ciclase e de todos os outros efeitos atrelados ao aumento nos níveis de AMPc, resultando na ativação da PFK-1 pela F2,6BP, como ocorre no músculo esquelético. Estudos recentes mostraram que, no tecido muscular cardíaco sob influência de adrenalina, o glicogênio é utilizado preferencialmente, seguido pela glicose exógena e, finalmente, pela oxidação de ácidos graxos, que ocorre em níveis muito inferiores. Entretanto, a oxidação de ácidos graxos continua sendo muito importante no suprimento energético de outros tecidos, principalmente durante o jejum. Efeitos da adrenalina sobre o tecido adiposo No tecido adiposo, a adrenalina apresenta um importante papel no processo de degradação dos triacilgliceróis armazenados. Como comentamos anteriormente, a enzima lipase sensível a hormônio pode ser substrato da fosforilação catalisada pela PKA. Essa fosforilação promove a ativação da enzima. O resultado final da sinalização da adrenalina é a liberação de glicerol e de ácidos graxos dos adipócitos para o plasma. Esses ácidos graxos serão transportados para utilização em diversos tecidos, como importante fonte energética. Outra enzima encontrada em adipócitos, que responde aos efeitos da adrenalina, é a acetil-CoA carboxilase. Essa enzima catalisa o primeiro passo comprometido da biossíntese de ácidos graxos, sendo regulada tanto por efetores alostéricos (citrato), como pela inativação induzida por fosforilação. CEDERJ 247 BIOQUÍMICA II | Glucagon e adrenalina Assim, podemos concluir que a adrenalina estimula a lipólise no tecido adiposo, a glicogenólise e a glicólise muscular, além de aumentar as concentrações plasmáticas de glicose, ao estimular a glicogenólise e a gliconeogênese no fígado. RESUMO Nesta aula, abordamos os principais aspectos relacionados aos hormônios glucagon e adrenalina. Embora sejam secretados por glândulas diferentes, em resposta a estímulos distintos, esses dois hormônios compartilham o mesmo mecanismo de ação. Ambos se ligam a receptores associados à proteína G, ativando a produção intracelular de AMPc, que, por sua vez, ativa a PKA. Essa proteína cinase vai catalisar a fosforilação de uma série de enzimas, levando à modificação de sua atividade. O glucagon é secretado pelas células α das Ilhotas de Langerhans do pâncreas, em resposta à diminuição da glicemia. Ele age principalmente sobre o fígado e também sobre o tecido adiposo. No fígado, os principais efeitos metabólicos são: a ativação da degradação do glicogênio e da gliconeogênese, resultando na produção de glicose, que é liberada na circulação sangüínea. No tecido adiposo, a fosforilação da lipase leva à hidrólise dos triacilgliceróis, liberando ácidos graxos e glicerol na circulação. A adrenalina é secretada pela medula da glândula adrenal, em resposta a estímulos do sistema nervoso. Os principais tecidos-alvo são o fígado, o músculo e o tecido adiposo. No fígado e no tecido adiposo, os efeitos são semelhantes aos do glucagon. No músculo, que não responde ao glucagon devido à ausência de receptores, a adrenalina provoca a degradação do glicogênio e ativa a glicólise, permitindo que as células musculares sintetizem ATP em anaerobiose. EXERCÍCIOS Os exercícios referentes às Aulas 31, 32 e 33 serão apresentados em conjunto ao final da Aula 33. 248 CEDERJ objetivo AULA Insulina e glicocorticóides 33 • Chegamos ao final do nosso curso. Nesta aula, vamos terminar o estudo do metabolismo, falando especificamente de outros dois hormônios importantes na regulação do metabolismo energético: a insulina e os glicocorticóides. Com isso, acreditamos que você terá uma visão bem ampla do funcionamento do nosso organismo. Pré-requisito Esta aula também vai explorar a integração hormonal do metabolismo. Por isso, será importante, novamente, adiantar o estudo de toda a matéria antes de começar a ler a aula, de forma que você tenha uma boa visão geral do metabolismo e das várias vias que o compõem. BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides INSULINA Características químicas da insulina A insulina é uma pequena proteína com 51 resíduos de aminoácidos, secretada pelas células β das Ilhotas de Langerhans do pâncreas. Ela é sintetizada como uma forma inativa, chamada pré-pró-insulina. Essa ! proteína apresenta uma única cadeia polipeptídica, tendo em sua porção Na Aula 32, falamos sobre as células que compõem as Ilhotas de Langerhans do pâncreas. N-terminal uma seqüência de sinalização (Figura 33.1). Quando essa seqüência é clivada devido à ação de proteases, há formação de três pontes dissulfeto, dando origem à pró-insulina. Essa, então, é direcionada para o Complexo de Golgi, onde será armazenada em vesículas. Quando há estímulo para a secreção de insulina, enzimas específicas, denominadas pró-hormônios convertases 1, 2 e 3 (PC 1, 2 e 3), promovem a hidrólise de duas ligações peptídicas na cadeia da pró-insulina, dando origem à insulina madura e ao peptídeo C (Figura 33.1). A forma ativa do hormônio, agora, apresenta duas cadeias peptídicas unidas por pontes dissulfeto, e é transportada pelas vesículas secretórias através do Complexo de Golgi, que é extremamente desenvolvido nas Ilhotas de Langerhans, até a membrana plasmática onde será exocitada. Pró-insulina Pré-pró-insulina Insulina madura + NH3 + NH3 Seqüência de sinalização S C B B SS + H3N + NH3 S Cadeia A S S S SS COO- Cadeia B S S S COO- COO- - OOC Seqüência de sinalização Peptídeo C Figura 33.1: Processo de formação da insulina. A insulina madura é formada a partir de seu precursor pré-pró-insulina através de sucessivas reações de proteólise. A remoção de 23 aminoácidos (seqüência de sinalização) na região animo-terminal da pré-pró-insulina e a formação de três pontes dissulfeto produzem a pró-insulina. Posteriormente, nova proteólise remove o peptídeo C, formando a insulina madura, composta por duas cadeias – A e B. 250 CEDERJ 33 MÓDULO 7 AULA Secreção de insulina pelas células β As células β do pâncreas secretam quantidades precisas de insulina em resposta a sutis aumentos na concentração basal de glicose plasmática. O principal estímulo fisiológico para a secreção de insulina é, portanto, a glicose. Quando nos alimentamos, a absorção dos nutrientes é um processo gradual e contínuo, que se inicia aproximadamente 20 minutos após o início da refeição. Os níveis plasmáticos de glicose após uma refeição podem chegar a mais de 10mM, ou seja, o dobro dos níveis basais. ! Existem algumas drogas, utilizadas no tratamento do diabetes, denominadas hipoglicemiantes orais, que também estimulam a secreção de insulina (estímulo clínico). Portanto, é de suma importância que a secreção de insulina seja um processo também gradual, acompanhando as oscilações dos níveis plasmáticos de glicose. Receptor e mecanismos de ação O receptor de insulina faz parte da grande família dos receptores tirosina cinase. É uma glicoproteína composta de duas subunidades α, que contêm sítios de ligação para a insulina, e duas subunidades β, que atravessam a membrana plasmática da célula e apresentam atividade tirosina cinase em seus domínios citosólicos (Figura 33.2). Insulina ligada α α β β ATP Tyr Tyr P P Proteína-alvo Domínio Tyr tirosina cinase Sítio de autofosforilação ADP Tyr Efeitos intracelulares Figura 33.2: Diagrama esquemático do receptor da insulina. Os sítios de ligação da insulina estão mostrados na subunidade α e os sítios de fosforilação na subunidade β. CEDERJ 251 BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides As subunidades α e β encontram-se unidas através de pontes dissulfeto. Após a ligação da insulina no sítio das subunidades α, uma rápida mudança conformacional se segue, provocando a autofosforilação de vários resíduos de tirosina na porção citosólica das subunidades β. A autofosforilação resulta no aumento da atividade tirosina cinásica do receptor de insulina, iniciando a propagação de sinal através de interações proteína-proteína. Atualmente, a insulina é um dos hormônios mais bem estudados. Entretanto, seu mecanismo de ação ainda está longe de ser completamente esclarecido. Sabe-se que a cascata de sinalização da insulina é muito complexa e cada vez mais novas proteínas são descritas. ! Os estudos referentes ao mecanismo de ação da insulina têm grande importância face à alta prevalência de diabetes mellitus em todo o mundo. O diabetes é a terceira maior enfermidade, que acomete pelo menos 3% da população européia e norte-americana e 100 milhões de pessoas em todo o mundo. Uma classe de proteínas, conhecidas como IRS (Insulin Receptor Substrate, ou Substrato para o Receptor de Insulina), é diretamente ! Você aprendeu as características e a importância dos fosfolipídeos na disciplina Bioquímica I. fosforilada pelo receptor em seus resíduos de tirosina. Quando essas proteínas são fosforiladas, elas se associam a uma série de outras proteínas presentes na célula, modificando sua atividade. Uma das principais enzimas cuja atividade é modificada pela ligação ao IRS-1 é a fosfatidilinositol-3cinase (PI3K). Essa enzima introduz um grupamento fosfato na posição 3 do anel inositol dos fosfoinositídeos, que são fosfolipídeos localizados nas membranas plasmáticas ou de organelas. A PI3K apresenta uma subunidade Insulina regulatória (mais bem descrita) de 85kDa (p85α), e uma subunidade catalítica de 110kDa (p110). Membrana plasmática Receptor de insulina A subunidade p85α associa-se ao IRS-1 e também à p110. A subunidade catalítica p110 é estimulada pela ligação à p85 α e, ainda mais, ATP quando esta última está associada ao IRS-1 Fosforilação nos resíduos de tirosina p110 p85α Fosfoditil inositol-3-cinase Citoplasma 252 CEDERJ IRS-1 (Figura 33.3). Figura 33.3: Esquema da transdução de sinal da insulina. O receptor da insulina ativo se liga temporariamente à IRS-1, fosforilando-a, e esta última se liga à subunidade regulatória p85α da PI3K. O complexo IRS-1/PI3K transloca-se para membranas, promovendo a fosforilação do fosfatidilinositol. 33 MÓDULO 7 AULA Efeitos da insulina sobre a captação de glicose Um dos principais efeitos promovidos pela PI3K é o aumento da captação de glicose por determinadas células, principalmente células musculares e células do tecido adiposo. Isso evita um aumento indesejável da concentração plasmática desse açúcar. Mas como isso ocorre? A entrada de glicose nas células se dá através de proteínas transportadoras de glicose, que são chamadas GLUT (Glucose Transporter, ou seja, transportador de glicose). Os diferentes tecidos expressam diferentes tipos de GLUT (Tabela 33.1). Tabela 33.1: Características dos transportadores de glicose Transportador KM aproximado para glicose (mM) Distribuição Características SGLT-1 0,2-0,5 Intestino e rim Transporte dependente de Na+; concentra glicose através da membrana epitelial apical GLUT-1 10 Ampla distribuição, alta concentração nos eritrócitos e no endotélio Transportador constitutivo de glicose GLUT-2 20-42 Fígado, células β do pâncreas, rim e intestino delgado Transportador de baixa afinidade e alta capacidade de transporte; funciona como um sensor de glicose GLUT-3 1-5 Neurônios, placenta Transportador de alta afinidade GLUT-4 2-10 Músculo esquelético e cardíaco, tecido adiposo Transportador dependente de insulina GLUT-5 --- Intestino delgado, esperma, rim, cérebro, adipócitos e músculo Transportador de frutose; afinidade muito baixa para glicose GLUT-7 --- Hepatócitos Transporta glicose através da membrana do retículo endoplasmático durante a gliconeogênese Dentre os transportadores de glicose conhecidos, os GLUTs 4, que são expressos nas células do tecido adiposo e do músculo esquelético, são dependentes de insulina para captarem glicose. Isso se dá da seguinte forma: em células não estimuladas com insulina, esses transportadores encontram-se confinados em vesículas, localizadas no citosol. CEDERJ 253 BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides A estimulação celular pela insulina promove a exocitose e translocação das vesículas contendo GLUT4 para a membrana plasmática, resultando em um aumento de até 30 vezes na captação de glicose por essas células. Ainda não está muito bem esclarecido como esse mecanismo ocorre. Alguns estudos mostraram que a associação da p110 da PI3K às vesículas é uma possível resposta (Figura 33.4). Como os tecidos adiposo e muscular correspondem, juntos, a aproximadamente 60% da massa corporal, o controle exercido pela insulina sobre a captação e utilização de glicose pelas células desses tecidos é fundamental para a normalização da glicemia no período absortivo. Estimulação do tranporte de glicose Exercício GLUT-4 Membrana plasmática Insulina Receptor de insulina ATP Cinase ativada por AMP ? ? Proteínas cinase B (Akt) Fosforilação nos resíduos de tirosina Cinases dependentes de fosfatidil inositol Translocação para membrana plasmática ? Proteínas cinase C atípica p110 p85 Fosfoditil inositol-3-cinase IRS-1 Domínios SH2 Citoplasma Vesículas contendo GLUT-4 (responsivos ao exercício) Vesículas contendo GLUT-4 (responsivos à insulina) Figura 33.4: Efeito da insulina sobre os GLUT4. A ligação da insulina a seu receptor induz um aumento da atividade tirosina cinásica deste último. Um dos principais substratos desse receptor é a proteína IRS-1 que, fosforilada, vai ativar a PI3K. A fosforilação do fosfatidilinositol na posição 3, catalisada por essa enzima, levará à migração das vesículas contendo GLUT4 para a superfície das células adiposas e musculares. Quando a insulina se desliga dos receptores, os transportadores de glicose GLUT4 são internalizados por endocitose e armazenados em vesículas citoplasmáticas. Outros efeitos da insulina no metabolismo Além de estimular a captação de glicose pelo músculo e pelo tecido adiposo, a insulina provoca uma série de outros efeitos sobre o metabolismo de diversos tipos celulares. Os mecanismos envolvidos nesses efeitos não estão todos completamente elucidados. Optamos, então, por listar apenas os efeitos finais, sem descrever as etapas enzimáticas diretamente envolvidas na regulação pela insulina. Cabe ressaltar que grande parte desses efeitos resulta da ativação de fosfatases que defosforilam as enzimas que são fosforiladas pela PKA. Segue a lista com os principais efeitos da insulina em diferentes tecidos: 254 CEDERJ 33 MÓDULO 7 AULA Fígado: – Ativação da glicólise e inibição da gliconeogênese; – Ativação da síntese de glicogênio e inibição da sua degradação; – Ativação da síntese de ácidos graxos; – Ativação da via das pentoses. Músculo: – Aumento da captação de glicose; – Ativação da síntese de glicogênio e inibição da sua degradação. Tecido adiposo: – Aumento da captação de glicose; – Ativação da síntese de ácidos graxos; – Ativação da via das pentoses. Repare que todos os resultados da ação da insulina sobre as vias metabólicas resultam em uma maior utilização da glicose, permitindo uma rápida redução da glicemia e a produção de reservas energéticas com o excedente de glicose. CÓRTEX GLICOCORTICÓIDES Os corticóides são hormônios esteróides sintetizados exclusivamente no CÓRTEX das glândulas supra-renais (adrenais). Esses hormônios podem ser divididos em duas classes principais, os mineralocorticóides, assim denominados por estarem envolvidos com a regulação do equilíbrio de íons, principalmente sódio e potássio, dos quais não falaremos nesta aula, e os glicocorticóides, assim denominados devido ao seu papel central na regulação do metabolismo de carboidratos, mas que também estão envolvidos na regulação de diversas outras vias metabólicas, como a via de síntese e degradação de ácidos graxos, além de desempenharem papel central na mediação da resposta imunológica. Natureza química dos glicocorticóides Os glicocorticóides são sintetizados a partir do colesterol por uma série de reações químicas complexas que não serão exploradas nesta aula. Os glicocorticóides naturais mais importantes são o cortisol e a corticosterona (Figura 33.5). Um homem adulto produz diariamente de 10 a 30mg de cortisol e de 2 a 4mg de corticosterona. Em um indivíduo adulto, o córtex compreende 90% do tamanho total da glândula supra-renal, sendo os outros 10% constituídos pela medula. Do ponto de vista histológico, o córtex supra-renal pode ser dividido em três zonas: (a) a zona mais externa, chamada zona glomerular, responsável pela síntese dos mineralocorticóides; (b) a zona média, chamada zona fasciculada, que é a maior das três zonas, constituindo cerca de 75% do córtex suprarenal; e (c) a zona mais interna, denominada zona reticular. As duas últimas são responsáveis pela síntese dos glicocorticóides, dos androgênios e dos estrogênios supra-renais. CEDERJ 255 BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides CH2OH CH3 HO C O OH CH3 O Figura 33.5: Estrutura química do cortisol. Secreção de glicocorticóides A produção de glicocorticóides é regulada pelo hormônio GLÂNDULA PITUITÁRIA A glândula pituitária, também conhecida como hipófise, às vezes recebe também o nome de glândula “mestra” do sistema endócrino, por controlar as funções das outras glândulas endócrinas. A glândula pituitária está localizada na base do cérebro, unida ao hipotálamo (uma parte do cérebro que influi na glândula pituitária) por meio de fibras nervosas. Vários hormônios são produzidos pela hipófise, como o hormônio do crescimento, a prolactina, o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), o hormônio estimulante da tireóide (TSH), o hormônio folículo-estimulante (FSH), o hormônio luteinizante (LH), o hormônio estimulante dos melanócitos, o hormônio antidiurético (ADH) e a oxitocina. 256 CEDERJ adrenocorticotrófico (ACTH), um hormônio peptídico produzido pela GLÂNDULA PITUITÁRIA. O controle da secreção de glicocorticóides se dá principalmente em dois níveis. O primeiro nível pode ser considerado constitutivo, e determina o ritmo circadiano de secreção dos glicocorticóides. Todos os mamíferos apresentam um pico de secreção de ACTH (e posteriormente de glicocorticóides) algumas horas antes do despertar. O horário dessa secreção pode ser reajustado em poucos dias, adaptando-se a mudanças nos hábitos noturno e diurno do indivíduo. Um segundo nível de controle de secreção de glicocorticóides se relaciona à resposta ao estresse. Sabe-se que estresses de qualquer natureza, como alimentar, hídrico, choques e traumas, dentre outros, disparam a secreção de glicocorticóides. A liberação de ACTH pela glândula pituitária, por sua vez, pode ser regulada por um outro hormônio peptídico, o hormônio liberador de corticotrofina (CRH) (corticotrophin releasing hormone). Esse hormônio é produzido no hipotálamo e levado à adeno-hipófise por um sistema de vasos do tipo porta. Assim, diz-se que a produção e a secreção dos glicocorticóides se encontram sob o controle do eixo hipotálamopituitária-adrenal. 33 MÓDULO 7 AULA Mecanismo de ação dos glicocorticóides Ao contrário dos hormônios peptídicos, os glicocorticóides não necessitam ligar-se a receptores na membrana celular para desempenhar seus principais papéis. Por serem lipídeos, esses hormônios apresentam natureza hidrofóbica, podendo assim atravessar a membrana e encontrar receptores específicos intracelulares, localizados no citoplasma ou no núcleo das células-alvo. A ligação do hormônio promove mudanças conformacionais no receptor, resultando na formação de um complexo ativado, com alta afinidade por determinados sítios do DNA, chamados elementos regulatórios. Geralmente, a ligação do complexo hormônioreceptor a esses elementos regulatórios afeta a expressão gênica, induzindo ou reprimindo a iniciação da transcrição de genes específicos. Os produtos da tradução dos RNA mensageiros de síntese regulada por esses hormônios promoverão efeitos metabólicos nas células-alvo. ! Lembre-se! Você já aprendeu na Aula 31 que receptores hormonais podem ser subdivididos em dois grupos principais: aqueles que se encontram na superfície celular e vão mediar respostas citoplasmáticas e aqueles de localização intracelular e que vão atuar geralmente no núcleo da célula-alvo. Efeitos dos glicocorticóides no metabolismo Um dos principais efeitos dos glicocorticóides se dá sobre a via gliconeogênica. Analise os resultados experimentais descritos a seguir e tire suas conclusões sobre os efeitos dos glicocorticóides sobre essa via metabólica. Nesta experiência, Viru e colaboradores mediram a concentração de glicose sangüínea em ratos-controle e ratos adrenalectomizados (cuja adrenal foi retirada), antes e após um exercício intenso, obtendo os resultados mostrados na Tabela 33.2. Tabela 33.2: Efeito do exercício na glicemia de ratos-controle e adrenalectomizados. Concentração de glicose sanguínea (mM) Condição controle adrenalectomizado Repouso 6,12 ± 0,22 4,88 ± 0,38 Pós-exercício 5,63 ± 0,29 2,95 ± 0,41 CEDERJ 257 BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides Esses resultados demonstram, de forma bastante clara, que a glicemia é significativamente menor nos ratos adrenalectomizados, sugerindo um papel importante dos glicocorticóides na ativação da via gliconeogênica. Mas quais seriam os mecanismos responsáveis por esse aumento da atividade gliconeogênica induzida por glicocorticóides? Vamos analisar outros resultados experimentais. Em 1960, Weber e colaboradores estudaram os efeitos dos corticóides na atividade de G L I C O S E -6- duas enzimas-chave das gliconeogênicas: F O S F ATA S E E 1,6 F R U T O S E -1,6 BIFOSFATASE. GLICOSE-6-FOSFATASE E FRUTOSE- Após administração de um glicocorticóide (dia sim, dia não), eles sacrificavam animais de três lotes (controle, tratados B I F O S F ATA S E Caso você tenha esquecido a importância das enzimas glicose-6fosfatase e frutose1,6 bifosfatase na gliconeogênese, volte às Aulas 29 e 30. com glicocorticóide e tratados com glicocorticóide + actinomicina D, um inibidor de transcrição). Extraíam o fígado e faziam os ensaios da atividade enzimática no homogenato. Nos animais remanescentes, continuavam a injetar cronicamente o glicocorticóide até o fim da experiência no 13º dia. Os resultados por eles obtidos podem ser observados na Figura 33.6. Glicose-6-fosfatase Frutose-1,6-bifosfatase 300 % atividade % atividade 300 200 100 200 100 0 0 0.0 2.5 5.0 7.5 Dias de tratamento 10.0 12.5 0.0 2.5 5.0 7.5 10.0 12.5 Dias de tratamento Figura 33.6: Atividade das enzimas gliconeogênicas durante tratamento com glicocorticóides. 100%: atividades obtidas nos animais controle; ( • ) tratados com glicocorticóide; ( o ) tratado com glicocorticóide + actinomicina D. Que conclusões você pode tirar dessa experiência? Agora, observe os resultados obtidos em outra experiência. Você sabe que a gliconeogênese é uma via metabólica para síntese de glicose a partir de precursores não glicídicos que têm, como uma de suas etapas limitantes, a conversão de oxaloacetato em fosfoenolpiruvato (PEP), catalisada pela enzima fosfoenolpiruvato carboxicinase (PEPCK). Em 1986, Hoppner e colaboradores mediram os níveis de RNA mensageiro para a PEPCK, em cultura de hepatócitos, na presença ou ausência de dexametasona (um glicocorticóide sintético), obtendo os resultados mostrados na Tabela 33.3. 258 CEDERJ Condição RNA da PEPCK (% mRNA total) Controle 0,023 ± 0,005 Dexametasona 0,052 ± 0,004 33 MÓDULO 7 AULA Tabela 33.3: Níveis de RNA mensageiro para a PEPCK de hepatócitos em cultura, mantidos na presença ou ausência de glicocorticóides. Com este experimento, podemos compreender que os glicocorticóides são capazes de ativar a gliconeogênese através da indução da transcrição e síntese da PEPCK, levando, assim, a um aumento dos níveis celulares totais dessa enzima. Além de ativarem a gliconeogênese, os glicocorticóides também agem sobre o metabolismo de aminoácidos e proteínas. O tratamento de células musculares com glicocorticóides aumenta em, pelo menos, 20% a degradação de proteínas. Imagina-se que os aminoácidos resultantes sejam secretados pelo músculo para a corrente sangüínea, ficando assim disponíveis para outros órgãos, principalmente o fígado. Neste órgão, os aminoácidos podem ser utilizados como substrato para a gliconeogênese ou como substratos para a síntese das diversas proteínas hepáticas, cuja produção é justamente estimulada pelos glicocorticóides. A expressão de importantes enzimas relacionadas ao metabolismo de aminoácidos, as TRANSAMINASES, também pode ser estimulada pelos TRANSAMINASES glicocorticóides. O aumento da síntese dessas enzimas pode ser observado Você aprendeu sobre as transaminases nas Aulas 17, 18 e 19. em diversos tecidos, mas principalmente no músculo e no fígado. No músculo, acredita-se que esse efeito esteja relacionado ao aumento da secreção de alanina e glutamina. Uma vez no plasma, esses aminoácidos podem ser então captados pelo fígado e, com a ajuda das transaminases recém-sintetizadas, convertidos a piruvato ou a intermediários do ciclo de Krebs que podem ser utilizados como substratos para a gliconeogênese. CEDERJ 259 BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides RESUMO Nesta aula, abordamos os principais aspectos relacionados aos hormônios insulina e glicocorticóides. A insulina é uma pequena proteína secretada pelas células β das Ilhotas de Langerhans do pâncreas, em resposta ao aumento da glicemia. O receptor da insulina tem atividade tirosina cinase que é ativada pela ligação da insulina. O receptor se autofosforila e, então, fosforila algumas proteínas intracelulares em seus resíduos de tirosina. A principal proteína fosforilada é o IRS-1. Essa proteína se associa a várias enzimas, modificando sua atividade. Uma das principais enzimas com atividade modulada pela ligação do IRS-1 é a PI3K. Os efeitos da insulina sobre o metabolismo estão relacionados a um aumento na captação e utilização da glicose pelas diferentes células do organismo. A captação de glicose pelo músculo e pelo tecido adiposo é aumentada em muitas vezes. Esses tecidos passam a usar a glicose e a produzir suas reservas, o glicogênio e os triacilgliceróis, respectivamente. A utilização da glicose também é aumentada no fígado, que repõe suas reservas de glicogênio e sintetiza ácidos graxos. Os glicocorticóides são secretados pelo córtex da glândula adrenal em resposta ao aumento nos níveis sangüíneos de ACTH, que, por sua vez, aumentam por um estímulo do hipotálamo em decorrência de vários tipos de estresse. O principal glicocorticóide humano é o cortisol. Por sua natureza lipídica, esses hormônios atravessam a membrana da célula, ligam-se a receptores intracelulares e atuam sobre a expressão gênica. As principais enzimas cujos genes são regulados pelos glicocorticóides são as transaminases e as enzimas gliconeogênicas PEPCK, frutose1,6-bifosfatase e glicose-6-fosfatase. O resultado de sua ação é, principalmente, o aumento da produção de glicose pelo fígado, especialmente a partir de aminoácidos provenientes da degradação de proteínas musculares. 260 CEDERJ 33 MÓDULO 7 1. A meia-vida da maioria dos hormônios no sangue é relativamente curta. Por exemplo, se injetarmos insulina marcada radioativamente em um animal, metade do hormônio desaparecerá do sangue após 30min. a) Qual é a importância dessa inativação relativamente rápida dos hormônios circulantes? b) Tendo em vista essa rápida inativação, como o nível de hormônios circulantes se mantém constante em condições normais? c) De que maneira é possível a ocorrência de mudanças nas concentrações de hormônios circulantes? 2. Com base em suas propriedades químicas, os hormônios podem ser classificados em duas categorias: aqueles que são muito solúveis em água, mas relativamente insolúveis em lipídeos (por exemplo, a adrenalina); e aqueles que são relativamente insolúveis em água, mas muito solúveis em lipídeos (por exemplo, os hormônios esteróides). Comente as implicações entre as características químicas dessas duas classes de hormônios e seu mecanismo de ação. 3. Ramachandran e colaboradores, em 1983, perfundiram fígados de rato com diferentes concentrações de glucagon e determinaram a atividade da glicogênio sintase, bem como o conteúdo de fosfato associado a ela. Os resultados estão Aumento no conteúdo de 32 p (pmol/unidade) Atividade da glicogênio sintase (%) mostrados na figura a seguir: 50 40 30 20 0 10-9 10-8 10-7 10-6 120 80 40 0 0 10-9 Glucagon (M) 10-8 10-7 10-6 Glucagon (M) a) Interprete a figura, correlacionando os resultados dos dois gráficos. b) Quais seriam os resultados obtidos se fossem medidos os níveis de frutose2,6-bifosfato e a atividade da glicogênio fosforilase? CEDERJ 261 AULA EXERCÍCIOS REFERENTES ÀS AULAS 31, 32 E 33 BIOQUÍMICA II | Insulina e glicocorticóides 4. A adrenalina é um hormônio sintetizado na medula da glândula adrenal a partir do aminoácido tirosina. Esse hormônio é secretado em resposta a diferentes tipos de estresse. Os gráficos a seguir mostram o resultado de uma experiência na qual células de músculo esquelético de rato foram incubadas com concentrações crescentes de adrenalina. 2,8 0,4 0,2 12 Frutose-2,6-bifosfato 2,4 10 2,0 8 nmoles/g AMPc nmoles/g nmoles/g 0,6 1,6 1,2 Lactato 6 4 0,8 2 0,4 0 0,0 0,0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 0 Adrenalina 10 20 30 40 50 60 70 80 Adrenalina 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Adrenalina a) Justifique as alterações observadas nos níveis intracelulares dos diferentes metabólitos. b) Quais seriam as variações observadas, se essas células fossem incubadas com glucagon? Justifique. 5. Durante situações de “fuga ou luta”, a liberação de adrenalina promove a degradação do glicogênio no fígado, no músculo esquelético e no coração. O produto final da quebra do glicogênio no fígado é a glicose, enquanto no músculo é piruvato ou lactato. a) Por que são observados diferentes produtos da degradação do glicogênio nos dois tecidos? b) Para o organismo, qual é a vantagem adaptativa de existirem esses dois diferentes destinos do glicogênio em situações de “fuga ou luta”? 6. Com base nos conhecimentos adquiridos a respeito da ação da insulina sobre a captação de glicose por alguns tipos celulares, explique os resultados obtidos no experimento descrito a seguir: Por volta de 1985, diversos pesquisadores fizeram culturas de diferentes tipos de tecidos para estudar a captação de glicose por essas células. Os ensaios foram realizados a partir da adição de 3-metil-glicose (um análogo não metabolizado da glicose) ao meio de cultura, contendo ou não insulina. Os resultados estão dispostos na tabela seguinte: 262 CEDERJ g/dia µmol/g tecido/min g/dia µmol/g tecido/min Fígado 107 0,3 104 0,3 Cérebro 110 0,31 112 0,3 Músculo esquelético 98 0,01 980 0,1 7. Descreva dois efeitos da insulina sobre o metabolismo energético diferentes daqueles descritos no exercício anterior. 8. No gráfico abaixo, a linha tracejada indica a administração de um composto hipoglicemiante (diminui a concentração sangüínea de glicose). Concentrção de Cortisol (mg/dl) 50,0 10,0 5,0 1,0 0,5 -80 -40 0 40 80 120 Tempo (min) a) Relacione a hipoglicemia com a variação observada na concentração de cortisol. b) Descreva o mecanismo de ação dos glicocorticóides, ressaltando seu papel na utilização de aminoácidos para a reposição da glicose sangüínea. CEDERJ 263 33 MÓDULO 7 3-metil-glicose + insulina AULA 3-metil-glicose Tipo Celular Gabarito Bioquímica II Aulas 31, 32 e 33 1. a) A inativação fornece uma maneira rápida de mudar a concentração sangüínea do hormônio, permitindo um controle preciso de seus efeitos. b) Os níveis dos hormônios podem ser mantidos constantes se suas taxas de síntese e degradação são equivalentes. c) Outras maneiras de variar a concentração de hormônios no sangue são o controle sobre as taxas de liberação dos estoques intracelulares, de transporte, e de conversão de um precursor do hormônio em sua forma ativa. 2. Os hormônios solúveis em água exercem seus efeitos a partir de sua ligação a receptores presentes na superfície externa da célula, desencadeando a formação de um segundo mensageiro no interior da célula; geralmente levam à modificação da atividade de enzimas pré-existentes. Os hormônios lipossolúveis atravessam a membrana celular e agem sobre moléculas-alvo ou receptores diretamente; geralmente levam à modificação da expressão gênica, modificando o número de enzimas disponíveis. 3. a) À medida que a concentração de glucagon no meio de perfusão aumenta, a atividade da glicogênio sintase diminui, e a quantidade de fosfato associado essa enzima aumenta. Isso ocorre porque o glucagon, ao se ligar ao seu receptor na superfície dos hepatócitos, desencadeia uma série de eventos que culminam com a ativação da PKA. Esta enzima catalisa a fosforilação de diversas enzimas, dentre as quais a glicogênio sintase. Por isso, o conteúdo de fosfato associado à enzima aumenta. A fosforilação da glicogênio sintase inibe sua atividade, justificando o primeiro gráfico. b) A concentração hepática de frutose-2,6-bifosfato diminuiria, já que a fosforilação da enzima bifuncional fosfofrutocinase2/frutose-2,6-bifosfatase ativa sua porção frutose-2,6-bifosfatase, levando à conversão de frutose-2,6-bifosfato em frutose-6-fosfato. A atividade da glicogênio fosforilase aumentaria, pois esta enzima também é substrato para a PKA, sendo o efeito da sua fosforilação a sua ativação. 266 CEDERJ 4. a) Os níveis de AMPc aumentam em resposta ao aumento da concentração de adrenalina no meio de incubação. Isso ocorre porque a ligação da adrenalina ao seu receptor celular desencadeia mudanças conformacionais no receptor que alteram sua interação com a proteína G associada a ele, levando à dissociação da subunidade α, que passa a interagir com a adenilato ciclase, ativando-a. A adenilato ciclase catalisa a conversão de ATP em AMPc, aumentando, assim, os níveis intracelulares deste metabólito. Os níveis de F2,6BP aumentam em resposta ao aumento da concentração de adrenalina no meio de incubação. Isso ocorre porque o AMPc se liga às subunidades regulatórias da PKA, levando a sua dissociação das subunidades catalíticas. Estas últimas passam a catalisar a fosforilação de uma série de proteínas celulares, dentre as quais a enzima bifuncional PFK2/F2,6Bpase. A fosforilação da isoforma muscular desta enzima promove a ativação de sua atividade PFK e a inibição de sua atividade F2,6Bpase, levando à conversão de F6P em F2,6BP. Os níveis de lactato aumentam em resposta ao aumento da concentração de adrenalina no meio de incubação. Isso ocorre porque F2,6BP é um potente ativador da enzima glicolítica PFK, aumentando, assim, o fluxo glicolítico. Como o aporte de oxigênio é insuficiente para a completa oxidação da glicose, o excesso de piruvato formado na via glicolítica é convertido em lactato, permitindo a reoxidação dos NADH formados na glicólise e a continuidade do metabolismo anaeróbico. b) Não seria observado nenhum efeito já que as células musculares não possuem receptores para glucagon. 5. a) As células do coração e do músculo esquelético não possuem a enzima glicose6-fosfatase. Assim, a glicose-6-fosfato produzida entra na via glicolítica, e, em condições de deficiência de oxigênio, é convertida a lactato via piruvato. Cabe ressaltar, ainda, que a via glicolítica se torna bastante ativada pela ação da adrenalina, uma vez que a isoforma muscular da enzima bifuncional (fosfofrutocinase2/frutose-2,6-bifostase) passa a ter atividade fosfofrutocinase2 em decorrência de sua fosforilação pela PKA, levando a um aumento da concentração de frutose-2,6-bifosfato, que, por sua vez, ativa a enzima-chave da glicólise fosfofrutocinase1. CEDERJ 267 b) Intermediários fosforilados não podem sair da célula porque a membrana não é permeável a moléculas carregadas. Em situações de “fuga ou luta”, a concentração de precursores glicolíticos devem ser altas para garantir a atividade muscular em anaerobiose. O fígado, por outro lado, deve liberar a glicose necessária para manter a glicemia. A glicose-6-fosfato formada no fígado é convertida em glicose pela enzima hepática glicose-6-fosfatase sendo, então, liberada na corrente sangüínea. 6. A presença de insulina no meio de incubação promove um grande aumento na captação de glicose pelas células musculares (~10 vezes), enquanto nenhuma alteração é observada na captação de glicose pelo fígado ou pelo cérebro. Os transportadores de glicose expressos nas células do músculo esquelético, os GLUTs 4, são dependentes de insulina para captarem glicose. Isso se dá da seguinte forma: em células não estimuladas com insulina, esses transportadores encontram-se confinados em vesículas, localizadas no citosol. A estimulação celular pela insulina promove a autofosforilação do receptor da insulina, o que resulta no aumento da sua atividade tirosina cinase. O receptor catalisa, então, a fosforilação da proteína IRS-1, que, quando fosforilada, associa-se a várias proteínas celulares, dentre as quais, a PI3K. Esta enzima se torna ativa e catalisa a fosforilação do fosfatidilinositol presente em membranas celulares. Este sinal leva à translocação das vesículas contendo GLUT4 para a membrana plasmática, resultando em um aumento na captação de glicose por essas células. Os GLUTs presentes nas células hepática e cerebrais se encontram constantemente na superfície celular, possibilitando a captação de glicose mesmo na ausência de insulina. 7. Grande parte dos efeitos resulta da ativação de fosfatases que defosforilam as enzimas que são fosforiladas pela PKA. Uma das conseqüências é a ativação da glicogênio sintase e inibição da glicogênio fosforilase, resultando no aumento da síntese de glicogênio e inibição da sua degradação, tanto no fígado como no músculo. Podemos citar também a ativação da acetil-CoA carboxilase devido à sua defosforilação. Isso resulta na ativação da síntese de ácidos graxos, tanto no fígado como no tecido adiposo. De uma maneira geral, os resultados da ação da insulina sobre as vias metabólicas resultam em uma maior utilização da glicose, permitindo uma rápida redução da glicemia e a produção de reservas energéticas com o excedente de glicose. 268 CEDERJ 8. a) A secreção de glicocorticóides pode se desencadeada em resposta a estresses de diferentes naturezas, dentre os quais, a hipoglicemia. A baixa concentração sanguínea de glicose é percebida por uma região especializada do hipotálamo, induzindo a secreção de um hormônio peptídico, o hormônio liberador de corticotrofina (CRH) (corticotrophin releasing hormone). Este hormônio induz a liberação de ACTH pela glândula pituitária. O ACTH atua na glândula adrenal, estimulando a produção de glicocorticóides. b) Os glicocorticóides são hormônios lipídicos, podendo atravessar a membrana da célula e ligar a receptores intracelulares. O complexo formado pelo glicocorticóide associado ao seu receptor atua sobre a expressão gênica. Assim, esses hormônios são capazes de induzir a expressão de uma série de enzimas, dentre as quais as transaminases, importantes enzimas relacionadas ao metabolismo de aminoácidos. Isso favorece a conversão dos aminoácidos a piruvato ou a intermediários do ciclo de Krebs, que podem ser utilizados como substratos para a gliconeogênese. Os glicocorticóides também induzem a transcrição e a síntese de várias enzimas da gliconeogênese, como a PEPCK, a F1,6BPase e a G6Pase, levando, assim, a um aumento dos níveis celulares totais dessas enzimas. Assim, o resultado da ação dos glicocorticóides é, principalmente, o aumento da produção de glicose pelo fígado, especialmente a partir de aminoácidos provenientes da degradação de proteínas musculares. CEDERJ 269 I SBN 85 - 89200 - 46 - 9 código de barras 9 788589 200462