UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA COM ÊNFASE NOS GÊNEROS DO DISCURSO MARILENI ZINGLER CUNN ROECKER GÊNERO QUADRINHOS – TEMPO GRAMATICAL VS TEMPO DISCURSIVO: reflexões para o ensino de língua CRICIÚMA, ABRIL DE 2010 MARILENI ZINGLER CUNN ROECKER GÊNERO QUADRINHOS – TEMPO GRAMATICAL VS TEMPO DISCURSIVO: reflexões para o ensino de língua Monografia apresentada à Diretoria de Pósgraduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, para a obtenção do título de especialista em Língua e Literatura com Ênfase nos Gêneros do Discurso. Orientadora: Prof. Drª. Angela Cristina Di Palma Back CRICIÚMA, ABRIL DE 2010 Dedico este trabalho a três fontes de sabedoria, entusiasmo, dedicação, compreensão. Primeiramente a Deus, por mostrar os caminhos que devo seguir. A meu marido, Matheus, por me ajudar a superar as dificuldades e por me compreender nos momentos de falta e falha. E por fim, à minha mãe, que sempre escutou-me e deu-me conselhos. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, que sem suas mãos erguidas para mim, não chegaria até aqui, pois sempre me deu força e coragem para enfrentar esta caminhada. A meu marido, Matheus, que sempre me ajudou a persistir em meu sonho e sempre me auxiliando para concluí-lo. A minha mãe, Liani, e familiares por dar sempre um abraço e o apoio afetivo de que precisava. A minha orientadora, Ângela Cristina Di Palma Back, por atender-me, dedicadamente, por esse período, pronta em ajudar-me sempre. A minha amiga, Andréia, que compartilhou seis anos de sua vida comigo, ajudando-me a superar os problemas e dando mais alegria a cada dia que passávamos juntas. As colegas da E.M.E.B. Albino Zanatta, que me apoiaram, sempre escutando as minhas dúvidas e angústias referentes à monografia. A Fátima, por me ajudar nas horas mais angustiantes, dando-me paz, orientando-me espiritualmente. A todos que contribuíram direta e indiretamente para que este trabalho se realizasse. “A vida humana experiência êxodos de enquanto uma travessia. contínuos, deslocamentos é em Estamos em processos de intermináveis, estivermos constante vivos, porque, seremos convidados para o movimento que nos proporciona a superação de estágios, condições e atitudes. O ser humano se encontra em constante evolução. Nunca estará completo.” Pr. Fábio de Melo RESUMO Há algum tempo há mudanças quanto ao ensino da língua. Tem-se tentado ensinála elegendo práticas sociais que lidam com a linguagem, ou seja, como uma língua que se manifesta no social por intermédio da interação verbal. Partindo disso, não cabe analisar a língua somente com base em gramática prescritivas ou segundo concepção que levam em conta o que é “correto”, cabe aos professores apresentar as noções de gramática correlacionadas a outras possibilidades de uso concreto da língua. Uma possibilidade de integrar gramática e linguagem passa, então a ser possibilitada via teoria dos gêneros, ou seja, pode-se fazer uso das diversas práticas de linguagem focalizando os usos da língua, conhecendo-a. Assim, o presente estudo tem como objetivos estudar o gênero história em quadrinhos (HQ), e a partir dele estudar o tempo verbal como uma atividade epilinguística. Em função disso, há uma breve contextualização acerca do que se tem estudado sobre o gênero HQ a fim de caracterizá-lo. Junto a essa caracterização, tomou-se como pista de estilo a expressão do tempo que se concretiza junto ao tempo verbal, que foi controlado segundo as interpretações gramatical e discursiva, de modo que cabe ao estudo mostrar qual o uso característico de cada um no gênero. Para a análise dos dados foi utilizado o pacote estatístico GoldVarb 2001, a fim de obter resultados estatísticos quantitativos sobre o tempo verbal. A partir desses resultados foi feito a análise qualitativa, correlacionando os índices as hipóteses levantadas. Por fim, pode-se concluir que a variação entre as interpretação de tempo gramatical vs tempo discursivo está presente na HQ, contudo nenhum deles caracteriza propriamente o gênero. Portanto, o que é importante destacar neste estudo é a contribuição para o ensino de língua no sentido de que o professor leve em consideração que o ensino focalizando a expressão temporal, como atividade epilinguística, não se limita aos tempos verbais marcados gramaticalmente, pois podem codificar outro tempo ligados aos eixos pretérito, presente ou futuro, considerando os resultados aqui obtidos. Palavras-chaves: Gênero. História em Quadrinho. Tempo gramatical. Tempo discursivo. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................08 2 GÊNERO DISCURSIVO: A HISTÓRIA EM QUADRINHOS .................................11 2.1 Gênero: concepção e apropriação pela escola ................................................11 2.2 A História em Quadrinhos ................................................................................13 2.2.1 Histórico: constituição social da HQ..............................................................14 2.2.2 O surgimento do desprezo da História em Quadrinhos ................................15 2.2.3 O ressurgimento da História em Quadrinhos ................................................15 2.2.4 Características do gênero .............................................................................16 3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O VERBO ................................................................20 4 METODOLOGIA ....................................................................................................23 5 ANÁLISE DOS DADOS: DESCRIÇÃO E EXPLICAÇÃO DOS FATORES EM JOGO........................................................................................................................29 5.1 Tempo gramatical vs tempo discursivo ............................................................29 5.2 Eixos temporais correlatos aos tempos discursivos.........................................40 5.3 Traços modais e aspectuais.............................................................................41 5.4 A variedade das personagens e o uso de tempo discursivo ............................44 5.5 Os diferentes tipo de frases .............................................................................47 6 CONCLUSÃO ........................................................................................................49 REFERÊNCIAS.........................................................................................................52 BIBLIOGRAFIA – CORPUS ....................................................................................54 8 1 INTRODUÇÃO Desde o começo da escola no Brasil, a gramática foi o principal instrumento pedagógico para o estudo da língua, mostrando-se ineficaz no sentido de fazer com que os estudantes, de fato, se apropriassem das práticas de linguagem. Em função dessa constatação, teorias ligadas à linguística passaram a ser difundidas nos últimos anos com o propósito de transformar o ensino da língua materna nas escolas, partindo do princípio de que os alunos já são usuários da língua em questão. Dentre as teorias que se propuseram a isso, tem-se a teoria dos gêneros do discurso, cuja propagação tem origem ou se apropria de considerações teórico-metodológicas bakhtinianas. No universo escolar, vários gêneros podem ser utilizados, como a notícia, a poesia, os contos, histórias em quadrinhos (gibis), desde que não se limite à materialidade linguístico-textual descaracterizando a concepção de gênero e tratando-o meramente como um texto. Assim com base nos gêneros, a prática de análise linguística passa a estar presente dando pistas aos interlocutores sobre as possíveis interpretações que tornam o enunciado significativo. Sob essa perspectiva, neste trabalho tentar-se-á esboçar um conjunto de proposições ligadas à análise linguística focalizando a temporalidade, isto é, analisar os tempos verbais dentro do gênero gibi como constitutivo discursivo a sua significação. Tem-se como objetivo principal discutir como se faz uso do tempo verbal, se na sua concepção eminentimente gramatical ou com valor temporal discursivo nas histórias em quadrinhos dos gibis. Este trabalho focaliza o tempo verbal sobretudo para que possa oferecer 9 subsídios aos professores tomando como referência a interpretação temporal para além da marcação gramatical, haja vista que seu valor discursivo pode diferir segundo os propósitos comunicativos gerados a partir do gênero, portanto não devendo ser ensinado como a forma correta, mas uma dentre outras possibilidades de se expressar o tempo. Durante anos os gibis foram excluídos da sociedade escolar, considerados inadequados para o ensino. Hoje eles voltaram à cena e são importantes para o estímulo à leitura. Para que essa apreensão da leitura seja exitosa, entende-se que a prática de análise linguística se coloca como um elemento a mais a contribuir para a interpretação, que por meio da apropriação dos significados depreendidos se tornem importantes para o entendimento do mundo ao seu redor. Na seção seguinte, capítulo dois, que trata das Histórias em Quadrinhos (doravante HQ) presentes nos gibis, haverá um panorama sobre a concepção de gênero. Vale ainda mais um detalhamento acerca do gênero que tomou-se para investigação, trata-se uma distinção que se faz necessária, já que há vários gêneros “quadrinhísticos” semelhantes. Segundo Mendonça (2007), há uma “constelação” de gêneros não-verbais ou icônico-verbais semelhantes. Alguns deles são a caricatura, a charge, o cartum, as próprias HQs e as tiras. Neste trabalho, utilizar-se-á a HQ propriamente dita, presente nos gibis, passando posteriormente, a caracterizá-la. Na continuação do trabalho há o capitulo três, que trata do verbo e do tempo verbal. São apresentados rapidamente conceitos acerca dessas categorias, a fim de ajudar para o entendimento da análise dos dados. Na metodologia, capítulo quatro, as estratégias e passos da elaboração do trabalho são apresentados com o auxílio do pacote estatístico GoldVarb, muito utilizado em estudos sociolinguísticos, de modo que por vezes far-se-á não só usos 10 de terminologias no universo dessa teoria com vistas a mostrar a variação entre o tempo gramatical e o tempo discursivo, mas também apropriar-se-á de interpretações fazendo, na medida do possível, a conciliação teórica entre a Sociolinguística Variacionista e as ponderações ligadas às teorias do Gênero do Discurso. Antecipando, o corpus para o estudo são gibis da Turma da Mônica e do Chico Bento, constituindo-se como amostra a primeira história, de cada gibi, a base para a coleta dos dados. A seção cinco constitui-se como a última e trata da apresentação e da análise dos resultados encontrados. A partir da análise quantitativa, com base no pacote estatístico, caminha-se de modo a dar à análise o viés qualitativo, tentando ilustrar com dados retirados dos gibis. Apresentada a divisão do trabalho e feitas as considerações, passar-se-á agora para o trabalho propriamente dito, começando pelo gênero do discurso. 11 2 GÊNERO DISCURSIVO: A HISTÓRIA EM QUADRINHOS O referencial teórico para este trabalho abrange a teoria dos gêneros, a história em quadrinhos enquanto gênero e a caracterização da categoria verbal, como segue. 2.1 Gênero: concepção e apropriação pela escola Há muito vem se discutindo sobre o ensino de Língua Portuguesa. No bojo dessa discussão está a teoria dos gêneros, segundo a qual o propõe como objeto de ensino. Um documento importante no âmbito nacional da educação são os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), que trata das diretrizes para o ensino no país, e especificamente na disciplina de Língua Portuguesa, trazendo como objeto de ensino justamente os gêneros. Em “Os gêneros do discurso”1(1997), Bakhtin afirma que as esferas da atividade humana estão envolvidas com a utilização da língua. Assim como são variadas as esferas, são variados também os modos e caracterizações da utilização dessa língua. O uso, então, não se dá por palavras ou orações soltas, mas por enunciados, tanto orais como escritos, concretos e únicos. Ainda segundo Bakhtin (1997), o enunciado mostra as condições específicas e as finalidades de cada uma das esferas das atividades humanas, por meio do seu conteúdo, estilo verbal e construção da composição. Seguindo a 1 Dentre as várias discussões que se fazem a respeito dos gêneros, uma é a terminologia utilizada. Ora se usa gêneros textuais, ora gêneros do discurso. Aqui não se entrará em debate acerca disso. Assim, o termo a ser usado será o de gêneros do discurso. 12 mesma base teórica, Rodrigues (2005) afirma que o enunciado é a unidade real da comunicação discursiva, pois o discurso só pode existir na forma de enunciados. Outra afirmação da autora é que se estudando o enunciado como unidade real da comunicação discursiva, pode-se compreender a correta natureza das unidades da língua. Voltando a Bakhtin (1997), o enunciado além de ser composto pelos elementos já citados, seu conteúdo se refere ao tema propriamente dito em sintonia com a esfera social na qual ocorre. Já o estilo verbal reporta ao modo que é operado os recursos da língua (recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais) e também devem estar correlacionados às esferas sociais, e a construção composicional se mostra por meio da forma como se estrutura o texto, as peculiaridades de como se constrói cada enunciado, constituindo-se na faceta do gênero a revelar formas mais ou menos estáveis do enunciado. Juntando esses aspectos do enunciado, formando um todo, Bakhtin (1997) esboça que cada esfera da sociedade elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo justamente denominado de gêneros do discurso. Baseado nos propósitos teóricos de Bakhtin e Bronckart, Marcuschi (2007) também define os gêneros. Para ele, gênero são os textos materializados que se encontram na vida diária e que apresentam características sóciocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Em outras palavras, Marcuschi (op. cit.) apropria-se das características de Bakhtin quanto aos gêneros do discurso, acrescentando ‘propriedades funcionais’. Assim, definem-se os gêneros como “textos” que se diferenciam um dos outros por várias características, como a finalidade comunicativa, o estilo da escrita, 13 o conteúdo, para quem se escreve/fala, a sua distribuição, ou o modo como se fala etc. Enfim, gênero é uma forma de se comunicar utilizando algum suporte específico, com suas características particulares. Pode-se dizer, em certa medida, que para os autores citados, o gênero não se limita à mera formatação textual por meio do qual se faz dele um pretexto para observar e descrever as nuanças do sistema linguístico. Apreender essa dimensão faz toda a diferença ao mediar práticas de linguagem em sala de aula. Em função do exposto, o gênero com o qual trabalhar-se-á, visando à instituição de um corpus, será o “quadrinho”, cuja caracterização será explicitada na seção a seguir. 2.2 A História em Quadrinhos Segundo Feijó (1997), houve um tempo em que a história em quadrinhos, doravante HQ, era, como gênero, desprezada ou mesmo condenada. Os quadrinhos eram considerados como um texto que não estimulava a leitura e diminuía a cultura. Com o passar do tempo, a HQ começou a ter outra visão, outro status. Durante as leituras para este trabalho, pode-se perceber que a HQ é de uma imensidade de facetas, que pode sim auxiliar, enquanto gênero, no ensinoaprendizagem da língua, entendendo-a, como compreendendo as diversas práticas de linguagem. Partindo, então, do pressuposto de que a HQ é importante no ensino, nesta seção problematizar-se-á a HQ, para conhecer melhor seu universo, ou seja, qual é a esfera de circulação e tudo o mais que a caracteriza como gênero. 14 2.2.1 Histórico: constituição social da HQ Várias são as discussões acerca do surgimento da HQ. Uma delas, segundo Mendonça (2007), é que pode ter seu início ligado às pinturas rupestres. Ianonne e Ianonne (apud MENDONÇA, 2007) admitem que a HQ, tal como conhece-se hoje, teve início na Europa, em meados do século XIX. Já Vergueiro (2008) aponta que seu florescimento aconteceu no final do século XIX, nos EUA. Ianonne e Ianonne (apud MENDONÇA, 2007) também salientam que, no mesmo período citado por Vergueiro, surgiu o primeiro herói dos quadrinhos, desenhado por Richard Outcault, o Menino Amarelo (Yellow Kid), nos Estados Unidos. Com esse personagem houve uma revolução para o gênero naquele momento: o texto vinha junto aos personagens, conferindo-lhes mais vitalidade. Posteriormente foi incorporado o balão às HQ. Segundo Vergueiro (2008), na fase inicial os quadrinhos eram predominantemente cômicos, por isso o nome comics em inglês, aparecendo nos jornais dominicais. Depois de alguns anos, a HQ, as populares tiras, passaram a ser diárias, diversificando a temática, muito próximo das tirinhas nos jornais de hoje, cujo viés é cômico. Já no final da década de 20, apareceram as publicações periódicas, os gibis (comic books), despontando os super-heróis, tornando a HQ ainda mais popular. Continuando com o mesmo autor, Vergueiro (2008), durante a Segunda Guerra Mundial a popularidade das HQ aumentou, devido ao fictício engajamento dos heróis em missões da guerra. Mais recentemente, a internet vem contribuindo consideravelmente para o aumento da estima popular e da divulgação da HQ, como também ajuda a variar suas temáticas e os seus estilos. 15 2.2.2 O surgimento do desprezo da História em Quadrinhos Foi no período do pós-guerra, segundo Vergueiro (2008), que surgiu a desconfiança em relação à HQ. Ainda conforme esse autor, Fredric Werthan fez uma campanha para alertar sobre os malefícios que a HQ poderia causar. A partir disso, o psiquiatra alemão publicou artigos, fez palestras sobre a influência negativa da leitura dos gibis. Wertham (apud VERGUEIRO, 2008), ainda, generaliza suas pesquisas e conclusões, a partir de parte da HQ, as histórias de suspense e terror, e de casos atendidos em seu consultório, investiu contra o meio, “denunciando-o como uma grande ameaça à juventude norte-americana.” (pág. 11). Em 1954, o pesquisador publicou o livro “A sedução dos inocentes”, grande sucesso de público, marcando a visão sobre os quadrinhos nos Estados Unidos. Um exemplo de denúncia, que poderia desviar as crianças, é sobre o contato demasiado com as histórias do Superman, que poderia levar a criança a se jogar de uma janela, buscando imitar o personagem. Prosseguindo com Vegueiro (2008), assim como nos Estados Unidos, no Brasil também houve uma recusa à leitura dos gibis, com motivação semelhantes a de Wertham. Depois das “suspeitas”, foi fixado um selo em cada gibi, como uma espécie de controle de qualidade. Desse modo, as HQ, foram estigmatizadas pelas camadas ditas pensantes. 2.2.3 O ressurgimento da História em Quadrinhos No final do século XIX, com o desenvolvimento da comunicação e dos 16 estudos culturais, de acordo com Vergueiro (2008), procurou-se compreender melhor os meios de comunicação. Consequentemente, as HQ passaram a ter um novo status, “passando a ser aceitas como um elemento de destaque do sistema global de comunicação e como uma forma de manifestação artística com características próprias” (VERGUEIRO, 2008, pág. 17). Na verdade, havia pouco conhecimento do meio. Passando a conhecê-lo melhor, conforme Vergueiro (2008), verificou-se que as acusações contra a HQ eram desprovidas de fundamentos. A partir daí, ficou mais fácil para as histórias em quadrinhos, tal como aconteceu com a literatura policial e a ficção cientifica, serem encaradas em sua especificidade narrativa, analisadas sob uma ótica própria e mais positiva. Isto também, é claro, favoreceu a aproximação das histórias em quadrinhos das práticas pedagógicas. (VERGUEIRO, 2008, pág. 17) Por fim, foram publicadas HQ de caráter educacional, inicialmente nos Estados Unidos. Vergueiro (2008) assinala que, até mesmo o governo, o chinês especificamente, utilizou-se de HQ para campanhas “educativas”, tentando divulgar a “solidariedade” daquele governo. 2.2.4 Características do gênero Para Feijó (1997), o gênero em questão é considerado da cultura de massa, atingindo uma grande quantidade de leitores. Além disso, é visto como uma leitura apenas de entretenimento. Um das maiores autoridades em quadrinho, Wil Eisner (1999), define a HQ como uma forma válida de leitura, uma arte sequencial. “Quando se examina uma obra em quadrinhos como um todo, a disposição dos seus elementos específicos assume a característica de uma linguagem” (pág. 07.) Sendo então considerada uma linguagem, está de acordo com os parâmetros vigentes (PCNs) para fazer uso 17 dele no ensino. Para os PCNs é pela linguagem que os homens e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo, produzem cultura, expressam ideias, pensamentos e intenções, estabelecem relações interpessoais anteriormente inexistentes e influencia o outro, alterando suas representações da realidade e da sociedade e o rumo de suas (re)ações. Assim, a linguagem se entende como ação interindividual orientada por uma finalidade específica, um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos momentos de sua história. Os homens e as mulheres interagem pela linguagem tanto numa conversa informal, entre amigos, ou na redação de uma carta pessoal, quanto na produção de uma crônica, uma novela, um poema, um relatório profissional. (PCNs, 2008, pag. 20) Eisner (1999) mostra que a função fundamental da arte dos HQ é comunicar. Essa comunicação, tanto de ideias como de histórias, pode ser por meio de palavras e figuras, envolvendo o movimento das imagens no espaço. O mesmo autor complementa que a HQ se vale de uma linguagem cuja experiência visual é comum ao criador e ao público. Ademais, o leitor deve compreender facilmente a mistura de imagem e palavra e a decodificação do texto. Desse modo, a HQ “pode ser chamada “leitura” num sentido mais amplo que o comumente aplicado ao termo” (Eisner, 1999, pág. 07). Pode-se, então, concluir que a HQ não é uma leitura puramente de decodificação, mas usa um processo mais apurado para a compreensão, pois envolvem diferentes sistemas ligados à linguagem que formam o todo do enunciado. Para Mendonça (2007), com suporte em Marcuschi (2000), as HQs são produzidas no meio escrito, mas tenta reproduzir a fala, por meio de balões, com presença constante de interjeições, reduções vocabulares, etc. Apesar disso, sua 18 origem é de base escrita, como acontece no cinema, já que as narrativas verbais (escritas) que orientam o trabalho do desenhista precedem a quadrinização. Para Vergueiro (2008), a imagem é o elemento básico HQ. A história é constituída por uma sequência de quadros, na qual o quadrinho ou vinheta2 é a menor unidade narrativa. Normalmente, a HQ é uma narrativa ficcional ou real. Corroborando, Mendonça (2007) afirma que a HQ pode ser um gênero icônico ou icônico-verbal narrativo, cuja passagem temporal se organiza quadro a quadro. “Como elementos típicos, a HQ apresenta os desenhos, os quadros e os balões e/ou legendas, onde é inserido o texto verbal” (pág. 200). Outras características fazem parte do gênero. Uma delas é o formato do quadrinho. Para Vergueiro (2008), o formato depende da ação e do que o artista procura retratar. Isso ocorre também com a linha que separa os quadrinhos. Dependendo do contexto, ela desaparece ou mesmo estabelece uma espécie de metalinguagem, ou seja, o traço que separa o quadrinho também dá sentido à história. O exemplo abaixo ilustra a explicação: Fonte: VERGUEIRO, 2008. Ainda segundo Vergueiro (2008), há formas de representar as imagens, conforme o enquadramento ou planos dados ao quadrinho, assim como na pintura, na fotografia e no cinema. Pode haver um plano geral, plano total ou de conjunto, um plano médio ou aproximado, o plano americano, primeiro plano, plano de 2 O quadrinho ou vinheta são sinônimos. 19 detalhe. Quanto aos ângulos, há o de visão médio, em que a cena é observada na altura dos olhos do leitor, a visão superior, em que a ação é focada de cima para baixo, e visão inferior, a ação é vista de baixo para cima. A montagem da HQ, conforme Mendonça (2008), vai depender do tipo de narrativa e do veículo em que será publicado. Outra característica são as figuras cinéticas e metáforas visuais. Além dessas, há a linguagem verbal, que interage com a imagem. Para então, diga-se, delimitar a linguagem, há o balão, ferramenta importante para se contextualizar o leitor. Há inúmeros balões, como o com linhas tracejadas, indicando sussurro do personagem; em formato de nuvem, mostrando pensamentos; com múltiplos rabichos, representando vários personagens falando ao mesmo tempo; entre outros balões. Por fim, a HQ também se constitui com a ajuda da legenda. Ela representa a voz onisciente do narrador. Já a onomatopéia é parte importante também, imitando os sons por meio de caracteres alfabéticos. A seção a seguir tratará sobre os verbos, parte importante deste trabalho, haja vista que serão entendidos como um dos recursos de estilo a compor o gênero, com o propósito de significá-lo. Analisando-os, por hipótese, pode-se agregar pistas linguísticas regulares ao gênero, como o tempo verbal utilizado ou ainda o uso do tempo verbal discursivo. 20 3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O VERBO Neste momento, passar-se-á a algumas considerações sobre o verbo, como seu conceito no entorno da marcação gramatical e de sua temporalidade, importante para o entendimento do trabalho, a fim de proporcionar esboço teórico acerca do tema. Para delimitar o conceito de verbo nas gramáticas, usar-se-á dois tipos de abordagens gramaticais, a tradicional e a descritiva. Segundo Perini (2001), em sua gramática descritiva, verbo é a palavra que pertence a um lexema cujos membros se opõem quanto a número, pessoa e tempo. Para os estudantes da teoria, o conceito é bem apropriado, como o próprio Perini mostra em seu livro, tendo como contraponto outro conceito, de Cunha & Cintra, cujo verbo é a palavra variável que exprime o tempo. Perini tece várias questões acerca do conceito, como “Que vem a ser um acontecimento no tempo?” Essa e outras perguntas fazem com que o pesquisador e professor pense de qual tipo de conceito deve se apropriar para compor o ensino-aprendizagem. Pode parecer tradicional, mas saber identificar a categoria verbal pode ser de extrema importância para a coerência, coesão e boa escrita de um texto. Partindo para os estudos tradicionais, segundo Rocha Lima (2003), em sua gramática normativa, o verbo expressa um fato, um acontecimento: o que se passa com os seres, ou em torno deles. Além disso, ele explana que o verbo muda de forma, exprimindo cinco idéias: modo, tempo, número, pessoa e voz. Já para Cunha & Cintra (2001), verbo é uma palavra de forma variável que exprime o que se passa, isto é, um acontecimento representado no tempo. Esses dois conceitos são bem 21 distintos para se tratar de um mesmo tema, o verbo. Assim, torna ainda mais difícil o entendimento por parte do professor, que por consequência não tem convicção daquilo que ensina. Outro conceito da gramática tradicional é de Faraco, Moura e Maruxo (2006), que diz que verbos são palavras que indicam ação, fenômenos, processos, situando-os no tempo. Em livros didáticos também aparecem o conceito de verbo. Segundo o livro Projeto Araribá (2006) verbo “indica processos ou estados: o que fazem as pessoas, a natureza e outros seres, que ações praticam, o que acontece com eles, e também faz a ligação entre um elemento da frase e sua característica, seu estado, sua aparência, etc.” Por fim, o último conceito a ser apresentado é de Pasquale & Ulisses (2003)., em sua Gramática da Língua Portuguesa: Verbo é a palavra que se flexiona em número (singular/plural), pessoa (primeira, segunda, terceira), modo (indicativo, subjuntivo, imperativo), tempo (presente, pretérito futuro) e voz (ativa, passiva, reflexiva). Pode indicar ação (fazer, copiar), estado (ser, ficar), fenômeno natural (chover, anoitecer), ocorrência (acontecer, suceder), desejo (aspirar, almejar) e outros processos. Eles ainda complementam o conceito, dizendo que o que caracteriza o verbo são suas flexões, e não seus possíveis significados, sem explicitar o que se está chamando exatamente de significado (há os significados modais, lexicais discursivos etc). Dentre os conceitos, uma faceta que represente o verbo é o tempo. Para Cunha e Cintra (2001) tempo é a variação que indica o momento em que se dá o fato expresso pelo verbo. Ele divide então os tempos (naturais) em presente, pretérito (passado) e futuro, que designam, respectivamente, um fato ocorrido no momento em que se fala, antes do momento em que se fala e após o momento em que se fala. 22 Passando a uma visão funcionalista, para Back (2008) baseada em Givón, o tempo não está atrelado somente ao momento em que se dá o fato expresso pelo verbo, mas também a outras âncoras na relação temporal, seja ao momento de fala ou a outro momento com o qual a situação estabelece relação, de modo que o número de tempos verbais, considerando o uso concreto da língua, é maior do que simplesmente as noções de presente, passado e futuro em relação ao momento de fala. Com discussões acerca da categoria tempo verbal, do complexo TAM (tempo-aspecto-modalidade) Back et al (2005) esboçam que o tempo verbal é dividido, basicamente, em duas orientações. A primeira orienta-se pela segmentação fundamental em três tempos: presente, passado e futuro, considerando apenas a morfologia verbal, sem levar em conta outras relações entre os eventos. A segunda orientação diz respeito ao tempo como aquele que assume um valor considerando não só o momento em que se dá o fato expresso pelo verbo, como também relaciona a outras âncoras na relação temporal, seja ao momento de fala ou a outro evento. Assim os tempos verbais envolveriam outros contextos além das noções de presente, passado e futuro. Tratar-se-ia então de delimitar o tempo verbal por meio do tempo discursivo, ou seja, daquilo que realmente se enuncia em face da situação comunicativa. Partindo então das discussões acima, optou-se por analisar neste trabalho os dois tempos: o tempo verbal gramatical e o tempo verbal discursivo, entendendo este último como aquele que assume valor frente às situações sociocomunicativas, que está correlacionado diretamente à concepção que se tem de gênero do discurso. Assim, na próxima seção passar-se-á então à metodologia do trabalho, que sistematizará a pesquisa e os assuntos tratados até aqui. 23 4 METODOLOGIA Este trabalho focaliza os verbos, englobando variados aspectos, nos Gibis da Turma da Mônica e do Chico Bento, a fim de auxiliar a elaboração didática não só com relação à constituição do gênero em si, como também para significá-lo com base em análises linguísticas que fazem uso do tempo verbal. Para a pesquisa, foram selecionados 25 gibis do acervo da autora deste trabalho, escritos por Maurício de Souza, a já conhecida nacionalmente Turma da Mônica e do Chico Bento. Foram selecionadas a primeira história de cada gibi, sendo escolhidos cinco gibis de cada personagem: Chico Bento, Mônica, Cascão, Cebolinha, Magali, das editoras Panini Comisc e Globo. Os verbos, pistas linguísticas, foram localizados e posteriormente digitados em uma planilha no programa Excel. Feito isso, foram analisados segundo os seguintes grupos de fatores: gibi, tópico discursivo, forma gramatical, tempo discursivo, traços modais e aspectuais salientes, personagem e tipo de frase. A seguir veja como se constitui cada um desses grupos de fatores que junto ao pacote estatístico se reconhece como variáveis independentes. Passa-se, então a ilustrar o desenho do controle metodológico a partir da variável dependente, com as respectivas codificações lidas pelo pacote, que estão entre parênteses. Variável dependente: A variável dependente é o item que norteia o trabalho. A intenção é discutir e controlar qual o uso do tempo verbal: o prototípico (marcado morfologicamente cf. prescrito pelas gramáticas normativas) ou discursivo (valor 24 temporal assumido na situação de interação entre as personagens). Assim, foi dividia em Tempo gramatical (1) e Tempo discursivo (0). Variáveis independentes i) Gibi O primeiro critério de análise foi a variável Gibi. Ela foi selecionada a fim controlar os dados enquanto o suporte, ou seja, em qual gibi aparecia mais um ou outro tempo verbal. Também serviria para controlar e entender o uso do verbo dentro de um todo dos dados. Essa variável foi dividida em: Chico Bento (C), Mônica (M), Cascão (1), Cebolinha (6) e Magali (L) ii) Tópico discursivo A segunda divisão foi feita a respeito do tópico discursivo, isto é, cada enunciado considerando a sua conclusibilidade associado a outros enunciados durante a interação entre as personagens compreenderiam uma unidade temática abordada no decorrer da história narrada. A isso chama-se tópico discursivo, de modo que foi dividido em: Brincadeira (1), Salvamento (2), Volta para casa (3), Sentimento (4), Festinha (5), Falta de vela (6), Discussão e confusão (7), Dormindo (8), Medo (9), Crença (A), Caranguejo (B), Passar na poça (C), Cebolinha (D), Moral (E), Vontade (F), Ação (G), Revolta (H), Interação com os amigos (I), Show (J), Mistério (K), Promessa (L), Chinchila (N). iii) Forma gramatical A terceira variável investigada visando a analisar os dados foi a forma gramatical, ou seja, os tempos verbais gramaticais nominalizados segundo a tradição gramatical. A variável em questão tem como intuito mostrar quais os tempos 25 verbais que apareceram nas HQs, já que uma das variantes a compor a variável dependente focaliza justamente se os tempos gramaticais expressos são correlatos à expressão temporal do enunciado. Os dados foram encontrados e analisados segundos os tempos a seguir: Presente do indicativo (P), Presente do Subjuntivo (E), Pretérito Perfeito do Indicativo (A), Pretérito Imperfeito do Indicativo (B), Pretérito Imperfeito do Subjuntivo (C), Futuro do Pretérito do Indicativo (J) e Futuro do presente do Indicativo e Futuro do Subjuntivo (Z). iv) Tempo discursivo O tempo discursivo é a outra variável importante para o trabalho, haja vista referir o eixo temporal com seus matizes aspectuais e modais. Esse tipo de análise se refere ao tempo em que realmente o personagem quer se expressar, independente do tempo gramatical. Para fim de análise, a variável foi dividida segundo os seguintes eixos: Presente (P), Passado (S) e Futuro (F). v) Traços modais e aspectuais salientes O quinto grupo de fatores mapeado como variável para a análise foi o traço modal e aspectual saliente. Na verdade, a seleção desses traços não foi aleatória, o que houve foi a tentativa de apreender dentro do universo temporal, traços que de alguma maneira contribuíam para com as interpretações justamente por colocarem em evidência ora o aspecto ora a modalidade. De modo que essa variável tem o intuito de ajudar a entender se há correlação entre ela e a variável dependente. Em prévia análise, os traços que se mostraram empiricamente mais evidentes foram agrupados em Pontual (P), Durativo (D) e Hipotético (H). vi) Personagem Os personagens formaram outra variável para controlar como cada pessoa na história usa o tempo verbal, se de forma gramatical ou discursiva, 26 sobretudo em função da origem de cada um deles. A hipótese, por exemplo, no entorno dessa variável, é a de que os personagens que representam comunidades não-urbanas a exemplo da família do Chico Bento estariam foram do monitoramento normativo da língua e usariam seu vernáculo no qual poderiam ser mais produtivos a expressões verbais que não espelham a prescrição ligada à tradição gramatical. Os personagens encontrados foram esses: Chico Bento/Mãe/Pai do Chico (C), Rosinha (R), Genesinho (G), Personagens secundários (P) – agrupados devido ao pequeno número de falas, Editora (M), Zé Lelé (Z), Destino (D), Cebolinha/Mãe/Pai do Cebolinha (E), Cascão/Mãe/Pai do Cascão (A), Mônica/Mãe/Pai da Mônica (O), Magali/Mãe da Magali (L), Vendedor (B), Mimbus (I), Pensador (J), Dorinha (S), Vário personagens falando juntos (T), Homem Vela (1), Indefinido (2), Anjinho (3), Primo do Chico (5), Narrador (8), Denise (9), Heróis (U), Dudu (X), Xaveco (W) e Mingau (0). vii) Tipo de frase A última variável a ser descrita foi o tipo de frase quanto à entonação formal. Essa variável foi selecionada a fim de verificar se o tipo de frase influencia o uso variável do tempo verbal. As frases foram divididas em Afirmativa (A), Interrogativa (I), Imperativa (M) e Exclamativa (E). Analisados os dados em estreita codificação, podendo repetir os símbolos a cada variável, os dados foram submetidos ao pacote estatístico GoldVarb 20013 . Como exemplo para melhor entendimento da análise dos dados, se reproduzirá o primeiro dado, mostrando o dado propriamente dito e a sua correspondência na tabela 1: 3 O programa GoldVarb 2001 é um pacote estatístico para análise multivariada para o sistema Windows. É conhecido como uma ferramenta de análise estatística com as mesmas características do programa VARBRUL, sendo utilizado especialmente para o tratamento estatístico de regras variáveis em estudos sociolinguísticos. (Freitag e Mittmann, 2005) 27 (1) Primeiro dado coletado Fonte: Gibi do Chico Bento, nº 5, pág. 3 Tabela 1 – Dados Tópico Forma Tempo Traços modais e discursivo aspectuais salientes N° Dado Gibi discursivo Gramatical qué dá ( C 1 P P P Fonte: da pesquisa/Responsável Marileni Zingler Cunn Roecker Pessoa (quem fala) Tipo de frase C I A troca dos nomes por letras/números foi realizada para poder rodar os dados no pacote estatístico GoldVarb 2001, a fim de fazer uma análise quantitativa dos dados. Após a análise quantitativa se passou à qualitativa, norteada por questões e hipóteses apresentadas a seguir. As questões levantadas foram: 1) Os verbos expressam o tempo verbal gramatical ou o discursivo? Qual é mais produtivo? 2) O título do gibi ou as personagens influem no comportamento temporal do verbo? 3) O tópico discursivo mudaria o tempo gramatical para o tempo discursivo? 28 4) Os traços modais e aspectuais correlacionam-se ao tempo verbal, mostrando variação dos tempos gramaticais para os tempos discursivos? 5) Como se divide o tempo discursivo e o tempo gramatical para os personagens? Há uma diferença entre os personagens do campo e da cidade? 6) O tipo de frase influencia o tempo verbal, prototípico ou não? Já as hipóteses elencadas para o trabalho são as seguintes: 1) Sabe-se que nos gibis os textos tentam reproduzir as falas, assim os verbos sofreriam alterações, passando a expressar um tempo diferente do tempo verbal gramatical; 2) Por se tratar de um mesmo autor, os gibis não apresentariam diferenças entre si quanto ao tempo verbal gramatical e discursivo; 3) Cada personagem representa um modo de expressar o tempo, mesmo que haja diferença entre o tempo gramatical e o discursivo, o que acaba por contribuir para se estabelecer a variação entre o discursivo e o gramatical; 4) Os traços modais e/ou aspectuais influenciariam na variação do tempo verbal, mostrando o tempo verbal discursivo diferente do gramatical; 5) Há diferenças no tempo verbal em relação ao personagem do campo e o da cidade. Outras hipóteses podem ser levantadas referentes ao tema em estudo, que poderão ser discutidas em outro trabalho. Cabe agora analisar os dados coletados, passando então a análise quantitativa e qualitativa descrita na próxima seção. 29 5 ANÁLISE DOS DADOS: DESCRIÇÃO E EXPLICAÇÃO DOS FATORES EM JOGO As histórias em quadrinhos fazem parte do cotidiano de muitos estudantes, o que o torna um gênero interessante a ser apropriado/lido no e pelo universo escolar. Considerando as diversas possibilidades de se trabalhar as práticas de linguagens, os professores podem agregar a elas, concomitantemente, a prática de análise linguística. Para este estudo os dados coletados nos gibis foram submetidos ao pacote estatístico GoldVarb (2001), obtendo os resultados quantitativos que serão apresentados ao longo desta análise. Os dados foram analisados em rodadas estatísticas prévias, até chegar à rodada definitiva que será aqui utilizada. Para as rodadas é necessário escolher um fator da variável depende como valor referência, que neste trabalho foi a aplicação da regra segundo prevê a normatização gramatical prescritas em gramáticas. Posteriormente foi selecionada a ferramenta peso relativo (doravante PR). Ali o programa selecionou dois run, ou rodadas mais significativas4, que serão analisadas abaixo, mostrando os grupos de fatores que mais significaram nas interações entre os fatores. Antes de mais nada, é importante ressaltar que o fato de se trabalhar com o pacote estatístico, anteriormente apresentado, requer que se focalize o PR. Isso se faz necessário porque, embora os percentuais tentem a mostrar alguma evidência favorável à (não)aplicação da regra, é justamente os PRs que fornecem um índice mais apropriado à análise dos resultados, haja vista ser um número 4 As duas rodadas têm os mesmo resultados. 30 derivado de uma série de interações entre os grupos de fatores (8 grupos), que não é feito em se tratando de números percentuais. Em função disso, a descrição das tabelas focalizará os PRs. Para entender o trabalho, uma explicação é necessária. Aqui se utilizou como regra a variável tempo gramatical, assim a aplicação da não-regra se refere ao tempo discursivo, ou seja, aquele que possui o tempo real segundo à situação de interação delineada na HQ. Durante a análise haverá comparações com a regra, a fim de discutir a não-regra em jogo, que prioriza o tempo discursivo. Passando a uma análise/apresentação geral, há um gráfico que mostra um resultado importante para o trabalho, a quantidade de uso das variáveis dependentes: Fonte: da pesquisa/Responsável Marileni Zingler Cunn Roecker O gráfico demonstra que há um significativo uso do tempo discursivo, quase 20% de uma amostra de mais de quatro mil dados. Isso faz com que os professores repensem a sua prática quanto ao trabalho em sala de aula focalizando análises linguísticas em que impere a interpretação temporal, mostrando que os verbos podem se valer de um tempo diferente do gramatical mostrado pela morfologia. Abaixo serão apresentadas as análises dos grupos de fatores relevantes 31 selecionados pelo programa: a forma gramatical, o tempo discursivo, os traços modais e aspectuais relevantes, os personagens e os tipos de frases. 5.1 Tempo gramatical vs tempo discursivo O primeiro grupo de fatores selecionado foi a Forma Gramatical, que contêm os seguintes fatores: presente, pretérito perfeito, futuro do presente e futuro do subjuntivo, pretérito imperfeito, presente do subjuntivo e futuro do pretérito, como se pode atestar junto à tabela dois que segue. Vale ressaltar que o que se chama de forma gramatical corresponde à nomenclatura tradicional dada aos tempos verbais previstos em gramáticas prescritivas. Os fatores que consideravam as formas de gerúndio, particípio, infinitivo e imperativo foram retirados da análise por acompanhar os verbos principais, pois acabavam por se ancorarem junto aos mesmos tempos verbais daqueles. Essa ação teve o intuito de não enviesar os dados. A seguir, apresentar-se-á a descrição da tabela 2 com o propósito de correlacioná-la à análise qualitativa que se dará a posteriori. Tabela 2: Grupo 3 – Forma Gramatical Aplicação Total de Peso Porcentagem do fator Tempo gramatical da Regra dados Relativo Presente 1948 2412 0,472 80 Presente do Subjuntivo 17 35 0,199 48 Pretérito Perfeito 629 658 0,516 95 Pretérito Imperfeito 132 150 0,441 88 Pretérito Imperfeito do Subjuntivo 12 18 0,235 66 Futuro do pretérito 21 25 0,939 84 Futuro do presente e Futuro do subjuntivo 55 57 0,991 96 Fonte: da pesquisa/Responsável Marileni Zingler Cunn Roecker 32 Inicia-se a discussão pela descrição do presente junto ao qual foram encontrados 2412 dados, dos quais 1948 representaram a forma prototípica5 de presente, tendo como PR 0,472. Embora se obtenha frequência acentuada desse tempo verbal, a correlação entre os diversos fatores apontam que esse variável é relevante para a aplicação da não-regra que, nesse caso, resulta em usos do tempo discursivo de modo mais acentuado, assim o resultado estatístico dá evidências de que o tempo verbal presente tende a ser usado com outro valor temporal, ressaltando que esse resultado se limita ao que se encontrou nesse corpus constituído do gênero HQ. A fim de ilustrar, observe as ocorrências seguintes: (1) Presente que codifica o passado Fonte: Gibi da Monica, nº225, pág. 6 Nesse exemplo pode-se notar que a personagem Magali se utiliza do verbo faltar no presente (gramatical), falta, assim como usa, do verbo usar, mas o seu ponto de referência é o passado, visto que a falta de vela provavelmente já deve ter acontecido algumas vezes no passado, e não acontece na cena, já que não há nenhuma ‘lanterna’ ou ‘vela’, apenas o lembrete da personagem. Nesse caso, como a âncora é no passado, a personagem poderia perfeitamente ter feito uso do pretérito perfeito (gramatical). A interpretação que se propõem ficaria assim: 5 O termo ‘prototípico’ refere-se ao valor prescrito pelas gramáticas normativas. 33 (2) Quanto FALTAVA vela em casa, meu pai USAVA a lanterna; Ainda em se tratando do presente gramatical com outro valor discursivo, tem-se a próxima ocorrência: (3) Presente que codifica o futuro Fonte: Gibi do Chico Bento, nº 5, pág. 7 Outro exemplo que ilustra as afirmações acerca do presente codificando outro tempo gramatical é a da fala do Genesinho. O verbo em destaque aqui é vai dizer, que está no presente (gramatical), mas devido ao verbo dizer e a frase ser uma pergunta, remete ao futuro, ou seja, a suposição de Genesinho tem como referência a futuridade para a possível enunciação do que será dito, não o momento em que ele fala. Trata-se aqui de atestar uma nuança que remete a um futuro imediato em que Genesinho confronta Chico Bento duvidando de sua habilidade de montaria. O traço de modalidade aqui é bem evidente em função da pergunta, do confrontamento quanto à dúvida e, sobretudo, pelo próprio valor temporal de futuro, que por si só já remete à modalidade irrealis.6 6 Segundo Givón (2001, p. 301-302), a asserção irrealis é uma proposição fracamente asserida como possível, provável, ou incerta (submodos epistêmicos), ou necessária, (in)desejada (submodos avaliativos/deônticos). Mas o destinador não está pronto para reforçar a asserção com evidências ou outras bases fortes; e a contestação pelo destinatário é prontamente recebida, esperada ou solicitada. 34 Passando ao outro tempo presente, agora o do modo subjuntivo, dos 35 dados encontrados, 17 apresentaram o tempo gramatical prototípico e PR de 0,199. Assim como o resultado para o presente do modo indicativo, esse resultado mostra que esse tempo verbal está mais sujeito à aplicação da não-regra, ou seja, ao uso do tempo discursivo no gênero em estudo. Cabe salientar que os dados encontrados são em número bastante reduzidos na amostra, por isso novos estudos com um corpus maior seriam necessários para que se possa comprovar a hipótese. Para ilustrar essa variável, segue a ocorrência 4: (4) Presente do subjuntivo que codifica outro tempo verbal Fonte: Gibi do Chico Bento, nº 18, pág. 5 O verbo em questão aqui está no primeiro quadrinho, possam, que está no presente do subjuntivo. Esse dado remete ao futuro, já que ele não será redimensionado naquele exato momento da cena, que traduz o momento da enunciação, mas num futuro próximo. Um fator que ajuda a condicionar esse verbo ao futuro é seu auxiliar, o verbo ser. Juntos eles dão a idéia de futuridade e não de presente, como mostra o tempo gramatical. Passar-se-á agora a discutir outro fator: o pretérito perfeito, cujos dados encontrados somaram 658, sendo 629 prototípicos, ou seja, codificaram 35 sistematicamente o que se conhece pela tradição gramatical: passado. Entretanto, o PR de 0,516 mostra que essa variável contribui minimamente à aplicação da regra, ou seja, ao uso do tempo gramatical prototípico. Esse fator também deveria ser analisado em outro estudo posterior, já que seu PR está no ponto neutro, podendo ser um quesito de neutralidade neste trabalho com o gênero HQ. Eis outra ocorrência mostrando que esse tempo verbal também pode codificar tempo discursivo diverso: (5) Pretérito perfeito que codifica outro tempo. Fonte: Gibi da Monica, nº 199, pág. 19 Neste exemplo pode-se notar que o uso do advérbio finalmente mostra que o tempo verbal usado ali seria o presente (talvez possa até ser entendido como um passado próximo – bem próximo – como não dispõem-se dessa codificação morfológica em uso, o que resta fica a cargo da situação discursiva), não o pretérito perfeito. O Cebolinha não entendeu a moral da história num tempo anterior, mas na cena presente, tanto que exterioriza seu pensamento. O tempo gramatical, então, 36 está fazendo um papel de tempo discursivo, não o que prevê a gramática. Outro tempo verbal gramatical que codifica o passado é o pretérito imperfeito. Neste trabalho foram encontrados 150 dados, dos quais 132 codificam o tempo em questão. O PR desse fator, 0,441, é relevante para o estudo, já que está mais sujeito a não-aplicação da regra. Pode-se perceber, então, que o tempo gramatical está sujeito à mudança, a codificar outro tempo, um tempo discursivo. Levando isso em conta, observa-se o dado 6, abaixo, comprovando a tese: (6) Pretérito imperfeito que codifica outro tempo. Fonte: Gibi da Magali, nº1, pág. 10 O dado em questão está no do último quadrinho, ia ter. Nesse caso, a âncora temporal é o passado, já que a Magali sabia que iria utilizar o vidro, mas a ação de usá-lo remete ao futuro, como ela mesma diz, em outro momento posterior poderia ter uma utilidade, não quando ela o guardou. Eis aqui mais um exemplo de que o tempo verbal prototípico não condiz com o tempo discursivo. Há ainda o imperfeito do subjuntivo, cujo PR é 0,235, com base no qual 37 se tem como resultado outro importante quesito para mostrar o uso do tempo discursivo no gênero HQ como indicativo relevante neste estudo. Foram encontrados 18 dados, dos quais 12 prototípicos e 6 com aplicação da não-regra, ou seja, revelando matiz temporal discursivo. Apesar de as ocorrências serem pequenas, necessitando novas pesquisas, as análises do programa demonstram a importância de se mostrar aos educadores que a gramática não deve ser seguida piamente quando à marcação morfológica temporal, pois há a necessidade de buscar o contexto ampliado a fim de interpretar o tempo verbal. Para ilustrar esse tempo, segue o exemplo sete: (7) Pretérito imperfeito do subjuntivo que codifica outro tempo. Fonte: Gibi do Cebolinha, nº234 pág. 20 Contextualizando a cena acima, a chinchila que está na mão do Xaveco estava passando mal e o Cebolinha havia percebido que ela não tinha evacuado aquele dia, assim, a idéia de Xaveco era para espremê-la a fim de evacuar. O verbo espremer nessa tira está no pretérito imperfeito do subjuntivo, ou seja, com marcação morfológica de passado segundo a normatização gramatical, mas a ação não aconteceu, seria uma suposição para ser feita no futuro. Aqui também caberia perfeitamente o verbo no futuro do subjuntivo: espremer. Mais uma vez, há evidências que comprovam que o tempo verbal está além dos tão conhecidos 38 tempos gramaticais. Continuando com os fatores, o futuro do pretérito apresentou 21 dados prototípicos de futuro, dos 25 dados encontrados, tendo como peso relativo o valor de 0,939. Esse resultado é interessante para a análise, pois, com as interações do programa, é o segundo fator que mais aplica a regra: uso do tempo verbal em conformidade com a prescrição gramatical. Embora o número de dados seja pequeno, é relevante a análise de que o futuro do pretérito codifica o futuro (gramatical). Para ilustrar a análise segue o exemplo oito: (8) Futuro do pretérito que codifica o mesmo tempo gramatical Fonte: Gibi da Monica, nº209, pág. 7. A ocorrência acima, o verbo deveria no último quadrinho, mostra que a personagem utilizou-se do tempo adequado, futuro do pretérito, visto que esse tipo de tempo codifica um fato futuro em relação a outro no passado. A Mônica estava revendo suas amizades, contando histórias do passado, quando percebeu que necessitava mesmo rever suas amizades. Vale ressaltar que nessa história há uso do narrador, que é a própria Mônica. 39 Com relação aos outros futuros selecionados neste trabalho, futuro do presente e futuro do subjuntivo, agrupados devido a análises prévias de rodadas estatísticas, nas quais se apresentaram KnockOut 7, tive-se 55 dados dos 57 com total relacionado à forma gramatical correspondente, cujo peso relativo foi de 0,991. Á semelhança da situação anterior, as situações de futuro também tendem à correspondência entre o tempo gramatical e o tempo discursivo. Para comprovar, segue o dado nove: (9) Futuro do presente que codifica o mesmo tempo Fonte: Gibi do Cebolinha, nº 232, pág. 4 Junto às ocorrências acima que compõem a HQ se pode notar os dois tempos verbais com expressão de futuro. Primeiro o futuro do subjuntivo, que se realiza por meio do verbo comemorarem, mostrando que a comemoração seria num 7 O pacote estatístico em fatores que apresentam uma frequência de 0% ou 100% na aplicação da variável dependente apresenta KnockOut, ou seja, não será possível continuar a rodada para a ferramenta Peso Relativo sem eliminar ou amalgamar o fator. 40 momento posterior ao aniversário da Maria Cebolinha. O segundo verbo é o será, no futuro do presente. Apesar de haver a palavra hoje, que indicaria o presente, na cena descrita, em que há a interação entre as personagens, não acontece ainda a festa de aniversário, por isso a relação de futuridade. Passa-se agora para outro grupo de fator selecionado pelo GoldVarb 2001. 5.2 Eixos temporais correlatos aos tempos discursivos8 O segundo grupo de fatores selecionado pelo programa GoldVab 2001, o tempo discursivo, é representado pelos eixos temporais presente, passado e futuro, demonstrando o tempo em que realmente o personagem quer se expressar, independentemente da morfologia gramatical. Nesse grupo os dados de gerúndio, infinitivo, particípio e imperativo participaram da rodada estatística, já que ajudariam a entender a posterior análise dos resultados. A tabela 3, apresentada abaixo, mostra os resultados desse grupo. Tabela 3: Grupo 4 – tempo discursivo Tempo Aplicação Total de Peso Porcentagem Discursivo da regra dados Relativo do fator Presente 2186 2439 0,684 89 Passado 836 867 0,774 96 Futuro 348 478 0,027 42 Fonte: da pesquisa/Responsável Marileni Zingler Cunn Roecker Para o tempo presente, houve um total de 2439 dados, dos quais 2186 representaram o efetivo uso da variável igual à gramatical, de modo que seu PR foi 8 Esse grupo de fator não terá uma análise qualitativa detalhada dos dados, visto que os resultados foram contraditórios em relação ao grupo anterior, do tempo gramatical, necessitando então um aprofundamento dos dados, com novas pesquisas específicas em relação ao tempo gramatical e discursivo futuro. Pode-se notar que no tempo discursivo presente e passado há uma aplicação da regra enquanto que o futuro não há a aplicação. Já nos resultados do tempo gramatical, os presentes e pretéritos não aplicam a regra e os futuros aplicam a regra. 41 de 0,684. Analisando os resultados, pode-se perceber que há uma aplicação da regra, devido ao peso relativo, isto é, na relação entre o tempo discursivo e o tempo gramatical, tende a haver uma aplicação para o presente gramatical. Para o passado, houve um resultado de 836 dados que coincidem com o passado gramatical, dos 867 dados encontrados e peso relativo de 0,774. Isso mostra que o passado tende a uma maior codificação do passado gramatical. Já o futuro, 478 dados foram encontrados, sendo 348 condizentes com o tempo verbal gramatical e peso relativo calculado de 0,027. Aqui se molda um quadro em que o futuro não aplica a regra do tempo gramatical. Passar-se-á agora ao próximo grupo de fatores. 5.3 Traços modais e aspectuais O terceiro grupo escolhido pelo programa foi o grupo dos traços modais e aspectuais, aqui definidos como aqueles aspectos da intensidade e modalização da ação do verbo. Para o trabalho, os traços modais e aspectuais foram divididos em pontual, durativo e hipotético. Na verdade, a seleção dos traços não foi aleatória, o que houve foi a tentativa de apreender dentro do universo temporal, traços que de alguma maneira contribuíam para com as interpretações justamente por colocarem em evidência ora o aspecto ora a modalidade. A tabela 4 demonstra os resultados obtidos: Tabela 4: Grupo 5 – Traços modais e aspectuais relevantes Total de Peso Porcentagem Traços Modais Aplicação dados Relativo do fator Pontual 1926 2388 0,431 80 Durativo 1112 1168 0,643 95 Hipotético 332 576 0,488 57 Fonte: da pesquisa/Responsável Marileni Zingler Cunn Roecker 42 Para o fator pontual, 2388 dados foram encontrados, sendo 1926 de aplicação da regra na relação tempo verbal vs traços modais, tendo como PR o valor de 0,431. O resultado do PR mostra que não há a aplicação da regra: o uso do tempo gramatical; há sim um uso maior do tempo discursivo em comparação ao gramatical. Pode-se perceber pelo exemplo 10, a aplicação da não-regra: (10) Traço pontual codificando um tempo gramatical diferente do discursivo Fonte: gibi do Cebolinha, nº 219, pág 4 No dado acima, o tempo gramatical da locução posso ir é presente gramatical, mas no tempo discursivo é futuro. Percebe-se aqui o traço como pontual, apesar de ser uma pergunta. A aplicação para o traço durativo foi de 1112 dos 1168 dados encontrados, com PR de 0,643. Aqui se pode perceber que há uma maior ocorrência da aplicação do tempo verbal nas relações realizadas pelo pacote estatístico. No dado de número 11, pode-se ilustrar o uso do traço durativo com uso do tempo verbal prototípico: (11) Traço durativo com aplicação do tempo verbal coincidente com o discursivo 43 Fonte: Gibi do Cebolinha, nº 241, pág 6. O verbo em questão está no segundo quadrinho, entendo, que está no presente gramatical e presente discursivo, mas seu traço é durativo, pois com a natureza do verbo dá para perceber que ela não entendia e continuará não entendendo sobre relógios. O fator hipotético teve 576 dados encontrados, dos quais 332 tiveram a aplicação em relação ao tempo verbal gramatical e PR de 0,488. Nesse item teve-se novamente o resultado da não-aplicação da regra, mas como o PR está muito próximo de 0,500, pode-se dizer neutro. O dado 12 mostra a aplicação da regra em relação ao fator hipotético. (12) Traço hipotético com aplicação do tempo verbal igual ao discursivo Fonte: Gibi da Magali, nº 3, pág 10. O dado analisado aqui é a locução verbal estiver usando. O tempo verbal é o futuro do subjuntivo, tendo como tempo discursivo também o futuro e como o 44 próprio tempo futuro já dá a ideia de hipótese, reforçado ainda pela pergunta que a personagem faz, o traço esperado é o hipotético. Com a interação dos três traços modais e aspectuais se tende a concluir que os dados não são tão precisos, visto que os PRs estão muito próximos de 0,500, mostrando que há um equilíbrio entre a aplicação do tempo verbal vs o gramatical9. Para continuar a análise será apresentado outro fator. 5.4 A variedade das personagens e o uso de tempo discursivo O quarto grupo selecionado pelo programa GoldVarb 2001 foi o grupo 6, dos personagens. Esse grupo é composto pelos personagens que fazem parte das histórias analisadas para o trabalho. Vale ressaltar que alguns personagens foram agrupados, para poder ser analisado pelo pacote estatístico. Somado à explicação de natureza quantitativa (rodada estatística), a junção se fez em função de que esses personagens tinham um número reduzido de falas, eram secundários, não tendo uma efetiva participação no enredo da história ou ainda faziam parte da mesma família, por isso entende-se não haver discrepância quanto à opção de análise. Assim como agrupados, também foram retirados alguns personagens na análise final quantitativa, aqueles que tinham o número de dados inferior a 200. A tabela 5, abaixo, demonstra os dados encontrados: Tabela 5: Grupo 6 – Personagens Total de Peso Porcentagem do fator Personagens Aplicação dados Relativo Chico Bento/Mãe e Pai do Chico 350 403 0,439 86 9 Nesse grupo de fatores outras perguntas poderiam ser feitas, como: qual fator está associado ao presente, qual ao passado e qual ao futuro? Além dessas, outras perguntas poderiam ser elencadas posteriormente em outro estudo, visto que estes dados não foram encontrados nas análises do GoldVarb 2001. 45 Cebolinha/Mãe e Pai do Cebolinha Cascão/Mãe e Pai do Cascão Mônica/Mãe e Pai da Mônica Magali/Mãe da Magali 774 971 0,483 79 530 638 0,536 83 480 605 0,450 79 312 401 0,508 77 Fonte: da pesquisa/Responsável Marileni Zingler Cunn Roecker Os primeiros personagens a serem analisados são o Chico Bento, seu pai e sua mãe. Foram encontrados 403 dados, sendo 350 referentes ao uso prototípico do tempo verbal e PR de 0,439. Aqui se pode analisar que a hipótese de que pessoas que vivem no interior tendem a usar o tempo verbal de forma que não seja exclusivamente a gramatical pode ser verdadeira. Apesar de o número de dados ser relevante (350 para aplicação da regra), o PR mais próximo de zero nas interações mostra que há uma maior aplicação da não-regra, ou seja, pode-se usar mais o tempo discursivo ao invés do tempo gramatical nesse corpus (HQ). Os personagens Cebolinha, a sua mãe e seu pai foram agrupados por pertencerem não só a mesma família, mas também pressupor aí uma tentativa de representar uma variedade linguística do interior. Nesse caso, a hipótese é a de que teria um favorecimento quanto ao uso do tempo discursivo. Com base nisso, houve 971 dados encontrados, sendo 774 de uso prototípico para o tempo verbal. O PR de 0,483 mostra uma pequena tendência ao uso do tempo discursivo, o que atesta, de certo modo, a hipótese aí levantada. Outra família analisada é a do Cascão, compondo o fator pelo Cascão, sua mãe e seu pai. Com base nos enunciados da família Cascão, obtive-se 530 dados referentes ao uso efetivo do tempo gramatical, dos 638 dados encontrados. Teve como peso relativo o valor de 0,536, resultando numa pequena alteração para o uso da variante gramatical, levando em conta as relações existentes nos dados do 46 corpus HQ, encontrados pelo programa estatístico. A hipótese aqui se distancia um pouco da família de Chico Bento, em função de geograficamente estarem na cidade, muito embora a família Cascão, em função de a escala social representada pela família nos quadrinho pode revelar-se com o uso mais acentuado do tempo discursivo. A próxima família é a da Mônica, composta pela Mônica, sua mãe e seu pai. Seus enunciados somaram 605 dados, dos quais 480 de uso prototípico. O resultado para o PR para esse grupo de personagens é de 0,450, que condiz com a aplicação do tempo verbal com um valor diferente do gramatical, revelando aí que independentemente de se mora no interior ou na cidade, o tempo discursivo está presente nos registros falados, mostrando aí todo o seu potencial no discurso O último fator, a Magali e sua mãe, o valor do PR foi de 0,508. Os dados encontrados foram 401, dos quais 312 se referem ao uso do tempo verbal gramatical. Nesse fator há um equilíbrio entre o uso da variável gramatical e da discursiva, visto que está muito próximo ao meio. Assim, não se pode afirmar que a Magali e sua mãe aplicam a regra ou a não-regra. Entretanto, com base nos resultados dos outros personagens anteriores, pode-se, sem sombra de dúvidas, dizer que, em se tratando de tempo verbal, a variação diatópica não foi atestada, o que há é a variação linguística cuja difusão ultrapassa os limites das famílias interioranas ou urbanas, mas uma difusão que atesta o uso regular do tempo discursivo a despeito do que prescrevem a normatização gramatical. Analisando então os fatores, há uma tendência à não-aplicação da regra – uso do tempo discursivo, visto que os pesos relativos estão próximos à neutralidade. Portanto, não se pode afirmar que apenas no interior se faz uso da forma gramatical para o tempo verbal no sentido de identificar esse uso à variedade 47 caipira, já que personagens considerados da área urbana também se valem de modo produtivo da variedade discursiva para expressar o tempo verbal. Cabe ressaltar que se está falando de personagens, num corpus de HQ focalizando um aspecto da variação linguística por isso podem haver outras diferenças em se tratando da fala em regiões urbanas e não-urbanas. 5.5 Os diferentes tipo de frases O último grupo relevante selecionado pelo pacote estatístico foi o grupo dos tipos de frases: interrogativa, afirmativa, exclamativa e imperativa, que foi criado para analisar se há interferência no tempo verbal em relação ao tipo de entonação utilizada para a frase. A tabela 6 demonstra os dados coletados: Tabela 6: Grupo 7 – Tipo de frases Tipo de Total de Peso Porcentagem Frases do fator Aplicação dados Relativo Interrogativa 622 709 0,588 87 Afirmativa 2559 3046 0,580 84 Exclamativa 178 212 0,437 83 Imperativa 11 165 0,001 6 Fonte: da pesquisa/Responsável Marileni Zingler Cunn Roecker Para a frase interrogativa foram analisados 709 dados, dos quais 622 tiveram o uso prototípico. O PR no valor de 0,588 demonstra que há uma maior tendência ao uso da variável prototípica: o uso do tempo gramatical, apesar de que quando se faz uma pergunta se tende a modalizar, assim poderia ser usado mais o tempo verbal discursivo. O tipo de frase afirmativa teve um resultado de 3046 dados, sendo 2559 de uso prototípico do tempo gramatical. O peso relativo, de 0,580, mostra que nas frases em que a afirmação acontece há uma maior relação de uso do tempo gramatical, assim aplicando a regra. Esse resultado parece ser condizente, já que 48 quando se afirma uma coisa tende a usar o verbo com o tempo gramatical mais evidente. Já o PR da frase exclamativa é de 0,437. Os dados encontrados foram de 212, sendo 178 dados prototípicos. Com o PR abaixo de 0,500 as interações entre os tempos mostra que há uma maior incidência para a aplicação da não-regra, assim os personagens estariam mais sujeitos a apresentar o tempo verbal discursivo. A frase imperativa apresentou um total 165 dados, sendo 11 de uso concomitante entre tempo verbal gramatical e discursivo e PR de 0,001. Aqui se pode analisar que a não-regra prevalece, visto que nas frases expressa-se, via de regra, a relação de mandar por meio da qual se estabelece uma intenção futura, já que no momento da fala não se pode realizar o pedido, na verdade ele sempre será ou não realizado num momento posterior, imediato ou não. Cabe ressaltar que os dados aqui analisados e interpretados se referem a uma análise com um corpus cujo gênero é o gibis (HQ), podendo então em outros dados serem diferentes, como nas cartas comerciais, em que a modalização é muito evidente, segundo Back et al. (2005). Depois das análises aqui apresentadas, passar-se-ão então às considerações finais do trabalho. 49 6 CONCLUSÃO Partindo do exposto durante este trabalho, passar-se-á a expor algumas considerações no entorno das HQs. Primeiramente pode-se definir a HQ como um gênero do discurso, que assim poderá se tornar um objeto para auxiliar na aquisição de práticas de linguagem em espaços de ensino-aprendizagem. Utilizando a língua não exclusivamente como sistema, mas que por meio de pistas linguísticas se pode interpretar o todo do enunciado, a HQ acaba por materializar o enunciado com todas as características de um enunciado relativamente estável devido a sua esfera de interação. O conteúdo da HQ é variado. Diversos temas são apresentados, indo de temas simples, conhecidos do imaginário popular, como as lendas (lobisomem, mula sem cabeça) até se tratando de política, religião. A HQ é um gênero eclético quanto ao tema/conteúdo, cabendo uma gama de proposições em sua estrutura. Esse é o estilo característico da HQ enquanto gênero discursivo, pois é inerente a esse gênero a possibilidade de criar, não só com relação às possibilidades temáticas, como também às possibilidades de representação, de conteúdo das esferas sociais que são chamadas a integrar o gênero conforme o tema abordado. Talvez o lado mais cristalizado da HQ seja a composição (a disposição sequencial dos quadrinhos que acabam por se submeter a uma forma mais estável se comparado a outras linguagens artísticas). Vale ressaltar que o estilo se depreende do universo da linguagem verbal que na HQ também é diversificado. Ela se utiliza de recursos lexicais, criando palavras, juntando-as para formar outra, mudando silabas/letras de nomes famosos, 50 mas que remetem ao famoso, entre outros recursos. Quanto aos recursos fraseológicos, a diversidade é grande. Utilizam-se frases interrogativas, afirmativas, frases longas, curtas, frases incompletas. Já os recursos gramaticais se valem das mesmas regras da variedade. Há histórias que seguem a regra gramatical e outras não. Esse é o universo de criatividade e recursividade que é parte do estilo da HQ enquanto gênero. Em relação à construção composicional, como já observado anteriormente, a HQ é estável. Compõe-se de ilustração (desenho dos quadrinhos), mostrando os personagens, o cenário, as indicações de movimento, etc, e a fala, que se encontra dentro dos balões, assim como eventuais narrações, que ficam geralmente no canto superior do quadrinho, conhecido por legenda (RAMOS, 2009), além de algumas indicações escritas, como as onomatopéias (RAMOS, 2009). Vale ressaltar que muitas histórias em quadrinho se constituem apenas de desenhos, mas que fazem sentido ao interlocutor/leitor (RAMOS, 2009; VERGUEIRO, 2008). Passando aos dados propriamente, pode-se perceber que há uma variação significativa dos tempos verbais gramaticais. Isso quer dizer que não se dá para codificar os tempos somente como gramaticais. Como exemplo, pode-se perceber que em alguns casos está escrito o presente gramatical, mas no contexto o tempo é futuro. Cabe dizer que essa conclusão se dá ao gênero HQ, tendo como suporte o gibi. Poderá haver outros resultados cuja análise que em por base outro corpus se mostre diferente. O fato de atestar, por meio dos resultados aqui apresentados e discutidos, que se somam a outros de outros trabalhos mesmo tomando outros gêneros, a exemplo de entrevistas sociolinguísticas, que o tempo gramatical varia com tempo discursivo com vistas à expressão de tempo requer que os professores repensem a 51 sua prática pedagógica. Este estudo quer mostrar que o que se prescreve em termos de uso prescritivo, em se tratando de tempo verbo, é que a expressão de tempo tende a sofrer mudanças com a prática da língua em situações de interação, assim deve-se mostrar aos alunos essas possibilidades, sem deixar que o que é norma prescrita subverta a norma social. 52 REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: ___. Estética da criação verbal, [trad. francês : Maria Ermantina Galvão; revisão : Marina Appenzeller]. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes , 1997. BACK, Angela Cristina Di Palma. Tempo Aspecto-Modalidade nos gêneros crônica, carta comercial, notícia e entrevista sociolinguística. In: III Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais. Santa Maria, 2005. ______. A multifuncionalidade da forma verbal -sse no domínio tempo-aspectomodalidade: uma abordagem sincrônica. 2008.Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Florianópolis. BRASIL. 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