A vida Consagrada Padre Paulo Ricardo Por ocasião do cinquentenário da promulgação do decreto conciliar Perfectae Caritatis, sobre a renovação da vida religiosa, o Papa Francisco convocou um ano dedicado à vida consagrada. Mas o que é a vida religiosa? Qual a sua natureza? Ela é parte essencial da Igreja, ou é uma invenção humana? O que ela tem para oferecer à Igreja nos seus tempos de crise? Em primeiro lugar, a vida religiosa é um caminho privilegiado para alcançar a santidade. O Papa João Paulo II observa que, "na manifestação da santidade da Igreja, há que reconhecer uma objetiva primazia à vida consagrada" [1]. E ainda: "Os santos e as santas sempre foram fonte e origem de renovação nas circunstâncias mais difíceis, ao longo de toda a história da Igreja. Hoje, temos muita necessidade de santos, graça esta que devemos implorar continuamente a Deus. Os Institutos de vida consagrada, mediante a profissão dos conselhos evangélicos, devem estar conscientes da sua especial missão na Igreja de hoje, e nós devemos encorajá-los nessa sua missão." [2] Ou seja, a vida consagrada, para ser fiel à sua essência, precisa ser uma "fábrica de santos". Mas, o que significa "ser santo"? O próprio nome do decreto conciliar sobre a vida religiosa indica o caminho: trata-se da "perfectae caritatis prosecutionem – consecução da caridade perfeita". A santidade não é um moralismo – um cuidado escrupuloso com o que é ou não pecado –, mas um progresso no amor. A Igreja ensina que o amor verdadeiro deve ser caridade (αγάπη), tendo Deus como objeto formal. Isso significa amar a Deus, ao próximo e a si mesmo, por causa de Deus. Em sua condição, o homem experimenta uma espécie de "poder de destruição". Mesmo quando se dispõe a fazer as coisas certas, ele pode destruir aquilo que ama, colocando seu casamento, suas amizades e relacionamentos em perigo. Só amando as pessoas em Deus é que ele pode amar de verdade. A santidade, então, resume-se a isto: amar e crescer no amor. Para chegar à meta, todavia, existem métodos, dos quais a profissão dos conselhos evangélicos se sobressai. Os religiosos, como se sabe, fazem esta profissão, com o fim de entregar-se totalmente a Deus, em holocausto (do grego "ὁλός", que quer dizer "todo"), como chama de amor. É verdade que todos os cristãos, independentemente do estado de vida, podem e devem entregar-se a Deus. Os religiosos, porém, fazem um ato ainda mais generoso, ofertando até o que não precisavam dispor: os seus bens externos – pelo voto de pobreza –, o seu corpo – pelo voto de castidade – e a sua alma – pelo voto de obediência. Pela vivência cotidiana destes votos, eles são chamados a progredir até a "perfeição da caridade" – que é o fim para que tende toda a vida consagrada. Este testemunho, de fato, oferece à Igreja uma missão profética. Chamados de modo especial e agraciados com "um dom específico do Espírito Santo" [3], os religiosos lembram a todos os cristãos que eles devem estar dispostos a viver os conselhos evangélicos, caso se lhes apresente a necessidade. Para ser cristão, nenhuma pessoa é obrigada a fazer voto expresso de pobreza, mas, se a necessidade a visitar – caso venha a perder seus bens e propriedades, por exemplo –, ela deve resignar-se e encarar com amor a sua condição. Quantas vezes, também, casais em santo matrimônio não são chamados a viver o celibato, quando, por exemplo, um cônjuge fica doente ou se ausenta por um tempo? Por isso, mesmo quem não fez o voto específico de pobreza, obediência ou castidade, deve viver o seu espírito. Após o Concílio Vaticano II, começou-se um debate sobre a vida consagrada, com duas visões bem opostas sobre o tema. Uma primeira corrente tendia a enxergar os religiosos como simples leigos, os quais, portanto, não teriam nenhuma consagração especial, a não ser o seu Batismo. Essa visão fez muitas congregações se perderem no caminho. Irmãos e irmãs em crise de identidade – afinal, se não tinham nenhuma vocação especial, o que faziam reclusos? – tiraram o seu hábito, saíram dos conventos e voltaram para suas casas. A isto opôs-se energicamente o Papa João Paulo II, apresentando o ensinamento tradicional da Igreja: o de que o religioso tem sim uma consagração especial e não pode, portanto, levar uma vida meramente laical. É certo que os cristãos de vida religiosa não foram consagrados como um sacerdote. Este recebeu uma consagração sacramental (ou ontológica) – o mesmo que acontece no Batismo, por exemplo. Ao entregar à Igreja os seus votos, porém, os religiosos também se consagram: fazem uma consagração moral, ou seja, um ato de vontade seu os separa para Deus. "Na tradição da Igreja, a profissão religiosa é considerada como um singular e fecundo aprofundamento da consagração batismal (...). Todavia esta nova consagração reveste uma sua peculiaridade relativamente à primeira, da qual não é uma consequência necessária. Na verdade, todo aquele que foi regenerado em Cristo é chamado a viver, pela força que lhe vem do dom do Espírito, a castidade própria do seu estado de vida, a obediência a Deus e à Igreja, e um razoável desapego dos bens materiais, porque todos são chamados à santidade, que consiste na perfeição da caridade. Mas o Batismo, por si mesmo, não comporta o chamamento ao celibato ou à virgindade, a renúncia à posse dos bens, e a obediência a um superior, na forma exigida pelos conselhos evangélicos. Portanto,a profissão destes últimos supõe um dom particular de Deus não concedido a todos, como Jesus mesmo sublinha no caso do celibato voluntário (cf. Mt 19, 10-12)." [4] Por isso, a vida religiosa sempre foi uma "fábrica de santos". Desde o início, com Santo Agostinho, São Bento e São Gregório Magno, passando pela crise da Reforma, com os dominicanos, jesuítas e carmelitas, até os dias de hoje, é da vida consagrada que Cristo tira o fôlego para revigorar constantemente a Sua Esposa. A fim de resistir e lutar contra o demônio, que quer destruir esta realidade tão importante, é urgente que todos os cristãos vivam a sua vocação universal à santidade e que os religiosos não desanimem e se entreguem cada vez mais a Deus, que alimenta e fortalece a sua consagração. Padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior pertence ao clero da Arquidiocese de Cuiabá (Mato Grosso – Brasil).pertencia à Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem É autor de diversos livros e apresenta semanalmente o programa "Oitavo Dia", pela Rede Canção Nova de Televisão.