a historia curricular do ensino juridico no brasil e no piaui-do

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A HISTÓRIA CURRICULAR DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL E NO
PIAUÍ: DO IMPÉRIO À REPÚBLICA
Bruno Cortez Torres Castelo Branco
Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI)
RESUMO
Este trabalho pretende analisar o contexto de surgimento dos cursos jurídicos no Brasil
e no Piauí e sua evolução curricular, desde o Império, com a instituição das Faculdades
de Direito de Recife e de São Paulo, à República, quando houve uma grande expansão,
examinando seu desenvolvimento no sentido de um ensino conjugado à pesquisa e
extensão, de modo a atender às demandas sociais e do mercado de trabalho do século
XXI. Procurar-se-á, ainda que sucintamente, explicitar a influência das correntes
teóricas predominantes em cada período histórico e traçar paralelos com o atual
currículo do Curso de Direito da UESPI (Universidade Estadual do Piauí).
Palavras-chave: Ensino Jurídico, Reforma curricular, UESPI.
1. BREVE HISTÓRICO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL E NO PIAUÍ
Uma peculiaridade da colonização portuguesa, diversamente da espanhola, foi
restringir a educação colonial ao nível mais básico, voltado tão somente ao “ler e
escrever”. Conforme ilustra RODRIGUES (1988, p. 54), “em 1822, quando da
independência brasileira, existiam 26 Universidades na América espanhola, enquanto
que em nosso território não havia nenhum estabelecimento de ensino superior”.
Estudos superiores eram vistos como atentatórios ao poder da Coroa, pois
nutririam sentimento de orgulho e colocariam em xeque o vínculo de submissão à
metrópole, como bem elucida COSTA (1982, p. 50). A rainha Maria I, “a Louca”,
proibiu inclusive a imprensa e a publicação de livros. Só com a fuga da Família Real
portuguesa das invasões napoleônicas, em 1808, houve alguma evolução, pois como a
Corte estava sendo transferida para o Rio de Janeiro, que nem de longe oferecia os
atrativos culturais de Lisboa ou Paris, os filhos da nobreza precisavam ser acolhidos.
Daí a criação de cursos como Medicina, Engenharia e Belas Artes (pintura e escultura).
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O ensino superior desenvolvia-se muito lentamente, através de faculdades isoladas, e o
público-alvo era demasiadamente limitado.
Mesmo após a Independência, em 1822, o Brasil ainda não possuía um sistema
jurídico próprio, continuando, por esse motivo, a ser regido pelas esparsas instruções
reais lusitanas. Para de fato romper os laços com a ex-metrópole, far-se-ia indispensável
estabelecer um ordenamento codificado que atendesse às demandas pátrias e que não
fosse mera reprodução de hábitos europeus, pois até então o único meio de alcançar o
grau de bacharel em Direito era recorrendo a universidades daquele continente, em
especial a de Coimbra. Fomentar o ensino superior (em especial o jurídico)
internamente seria a melhor maneira de formar intelectuais que de uma vez por todas
conferissem a tão almejada soberania nacional.
Só em 11 de agosto de 1827 é editada uma lei imperial criando os dois
primeiros cursos de Direito do Brasil: um em São Paulo, no convento São Francisco, e
outro em Olinda, no mosteiro São Bento (posteriormente transferido para Recife em
1854). O objetivo era, eminentemente, compor burocratas para ocupar as carreiras
jurídicas e, em segundo plano, cargos político-administrativos (pág. 53). O currículo dos
cursos era basicamente um resumo da doutrina então em vigor na Europa, o que
demonstra a influência da formação obtida por seus primeiros mestres. Até mesmo
alguns costumes, apesar de inadequados para o clima, foram importados, como o uso de
cartola e sobrecasaca. Fato curioso é que os cursos eram gratuitos, valendo a velha
máxima de que as despesas da classe dirigente deveriam ser socializadas com toda a
população.
Ressalte-se que as duas Faculdades de Direito foram adquirindo características
próprias ao longo do tempo: em Recife predominava um perfil mais doutrinador,
formando grandes nomes como Sílvio Romero, Tobias Barreto, Joaquim Nabuco e
Pontes de Miranda. Com nítida influência do Evolucionismo, naturalismo e
determinismo biológico, pretendia-se uma visão laica de mundo, colocando-se de lado o
Positivismo e evidenciando a Antropologia Criminal. Em São Paulo, por sua vez,
prevalecia um perfil liberal, contrário ao determinismo social, sobressaindo as cadeiras
de Direito Civil. Formou mais políticos e burocratas, como tantos presidentes
republicanos, mas com o advento da economia cafeeira, a ilustração artística e literária
tornou-se efervescente, diplomando notáveis escritores que não atuariam diretamente na
área jurídica, como Castro Alves, Álvares de Azevedo, José de Alencar, Monteiro
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Lobato e Raul Pompéia. O título de “bacharel” era um pré-requisito de aceitabilidade
social, mesmo que jamais exercido.
Com a Proclamação da República, em 1889, ocorreu uma série de
transformações econômicas e sociais, como expansão da cafeicultura, o surgimento de
uma industrialização tardia (por substituição de importações), a secularização do
Estado, bem como a crescente urbanização e abandono do provincianismo rural. A
sociedade clamava por reformas, principalmente educacionais, já que mais da metade da
população ainda era analfabeta e, por conseguinte, excluída do processo dito
“democrático”, cujo sufrágio ainda estava longe de ser universal.
A Constituição de 1891 quebrou o monopólio então existente entre Recife e
São Paulo, descentralizando a oferta de ensino superior e dando permissão aos governos
estaduais e à iniciativa privada para criarem suas próprias instituições superiores, e
consequência disso foram as faculdades de Direito da Bahia e Rio de Janeiro (1891),
Rio Grande do Sul (1900), Pará (1902), Ceará (1903), Amazonas (1909) Paraná (1912)
e Maranhão (1918).
A crença de que a educação seria a força motriz do desenvolvimento tomou o
país. O Governo passou a ser mais flexível na liberação de novos cursos, postulando o
dogma liberal de que o mercado autorregularia a qualidade do ensino e só os melhores
cursos “sobreviveriam”. A concorrência entre as faculdades serviria de estímulo para
sempre manter o alto nível - o que se provou profundamente errôneo.
Em 1927, um século após a criação dos primeiros cursos jurídicos, a República
Velha já possuía 14 cursos de Direito e mais de 3.200 alunos, levando-se a cunhar o
termo “fábrica de bacharéis", em alusão ao aumento indiscriminado de vagas sem o
devido controle de qualidade. Vale ressaltar que a clientela também havia mudado:
predominavam os filhos da classe média e dos pequenos industriais, e não mais os
descendentes da decadente aristocracia.
No Piauí, a primeira instituição de ensino superior a ser implantada foi a
Faculdade de Direito, em 1931. Organizada sobretudo por egressos de Recife, visava a
preencher a lacuna então existente, atendendo aos anseios da elite local que precisava
enviar seus filhos para outras regiões do país. Inicialmente privada, mantida por
mensalidade dos alunos e ajuda estatal, foi federalizada e em 1973 integrou-se à
Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Só na década de 1990, porém, o exclusivismo local seria desbancado, com a
criação do curso de Direito da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), em 1994,
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concomitante ao do Centro de Ensino Unificado de Teresina (CEUT), esta última uma
entidade privada. Era inaceitável que poucos profissionais continuassem sendo
formados por uma única instituição enquanto o mercado de trabalho era crescente.
Superando todos os percalços, a primeira turma de Direito da UESPI, que colocou grau
em 2000, logrou aprovação em primeiro lugar no Exame da OAB-PI (Ordem dos
Advogados do Brasil), obrigatório para ingressar na advocacia e prova da competência
do seu corpo discente.
2. EVOLUÇÃO CURRICULAR E DO ENFOQUE TEÓRICO NOS CURSOS
JURÍDICOS BRASILEIROS
2.1. O primeiro currículo de 1827
Os dois primeiros cursos jurídicos tiveram um currículo único, nacional, rígido
e invariável, constituído de nove cadeiras (cathedras), a ser cumprido em 05 (cinco)
anos. É notável a influência do Direito Natural (jusnaturalismo), de bases metafísicas, e,
sobretudo, da Igreja, já que a religião oficial do Império era o catolicismo. Houve uma
pequena alteração curricular em 1854, acrescendo-se duas novas cadeiras: Direito
Romano e Direito Administrativo, conforme exposto a seguir:
1º ANO: Direito Natural; Direito Público; Análise da Constituição do
Império; Direito das Gentes; Diplomacia.
2º ANO: Continuação das matérias do ano antecedente; Direito Público
Eclesiástico.
3º ANO: Direito Pátrio Civil; Direito Pátrio Criminal (com teoria do
processo criminal).
4º ANO: Continuação do Direito Pátrio Civil; Direito Mercantil e Marítimo.
5º ANO: Economia Política; Teoria e Prática do Processo Adotado Pelas
Leis do Império
2.2. Reforma de 1891
Com a disseminação dos ideais liberais e a laicização do Estado, a academia
jurídica brasileira afastou-se cada vez mais da influência da Igreja Católica. Com o
advento do Positivismo (corrente que muito influenciou os militares republicanos com
seu lema de “ordem e progresso”) e do cientificismo pujante, o Direito Natural - que se
fundava em normas transcendentes, eternas, imutáveis e universais inerentes ao cosmo
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ou à razão humana - passou a ser sinônimo de atraso e superstição. Disciplinas como
Direito Eclesiástico, mantida na grade curricular de 1827, passou a ser optativa em 1879
e foi definitivamente banida em 1895. Incluiu-se, por outro lado, cadeiras como
Filosofia, História do Direito e Legislação comparada sobre Direito Privado até a
fixação de um novo currículo através da Lei 314 de 1895, in verbis:
1º ANO: Filosofia do Direito, Direito Romano e Direito Público
Constitucional.
2º ANO: Direito Civil, Direito Criminal, Direito Internacional Público e
Diplomacia e Economia Política.
3º ANO: Direito Civil; Direito Criminal (especialmente Direito Militar e
Regime Penitenciário); Ciências das Finanças e Contabilidade do Estado;
Direito Comercial.
4º ANO: Direito Civil; Direito Comercial (especialmente Direito Marítimo,
Falência e Liquidação Judiciária); Teoria do Processo Civil, Comercial e
Criminal; Medicina Pública
5º
ANO:
Prática
Forense;
Ciência
da
Administração
e
Direito
Administrativo; História do Direito e especialmente do Direito Nacional;
Legislação Comparada sobre Direito Privado.
2.3. Reforma de 1962
A estrutura anterior, de viés positivista-legalista, perdurou até 1962, quando o
Conselho Federal de Educação, sob a disciplina da Lei de Diretrizes e Bases de 1961,
modificou sua concepção conservadora de currículo único (estático e uniforme) para
currículo mínimo, estabelecendo apenas as disciplinas fundamentais que deveriam ser
oferecidas por todos os cursos jurídicos. Assim, dava-se maior autonomia às instituições
de ensino, que poderiam criar uma grade curricular mais adequada às suas propostas
pedagógicas, sem o forte controle político-ideológico estatal. Sua implementação
ocorreu em 1963, estabelecendo a duração do curso em cinco anos e quatorze
disciplinas obrigatórias: Introdução à Ciência do Direito, Direito Civil, Direito
Comercial, Direito Judiciário (com prática forense), Direito Internacional Privado,
Direito Constitucional (incluindo noções de Teoria do Estado), Direito Internacional
Público, Direito Administrativo, Direito do Trabalho, Direito Penal, Medicina Legal,
Direito Judiciário Penal (com prática forense), Direito Financeiro e Finanças, Economia
Política.
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Vê-se que a criação do primeiro currículo mínimo, apesar de constituir etapa
importante, limitou-se a um perfil tecnicista, privilegiando o estudo de códigos em
detrimento de aspectos humanistas, sociais e políticos. Disciplinas como Filosofia e
História do Direito, anteriormente obrigatórias, tornaram-se facultativas, o que denota o
escopo ainda predominante de se formar meros burocratas para a máquina judiciária.
Observe-se que a prática forense, de fatal importância para o aprendizado
concreto da teoria, foi incluída como conteúdo da disciplina de Direito Judiciário. Já o
trabalho de conclusão de curso e as atividades complementares não foram previstas, o
que confirma a limitação de um ensino que se pretendia superior, mas olvidava fatores
para além da sala de aula.
2.4. Reforma de 1972
Uma nova reforma foi levada a cabo com a resolução nº. 03/72, modificando o
tempo de integralização do curso: ao invés de cinco anos, passou a um mínimo de
quatro e máximo de sete, preenchendo-se 2.700 h/a. Note-se que esta alteração se deu
após o Golpe de 1964, que instaurou a ditadura militar brasileira, e pretendia propagar
uma ideologia de combate aos “inimigos internos” e de defesa da “segurança nacional”.
Para isso, incluiu-se no currículo dos cursos superiores, com edição da Lei Nº 5.540/68
(“Reforma Universitária”), a disciplina “Estudo de Problemas Brasileiros” (denominada
“Educação Moral e Cívica” nos níveis inferiores) e privilegiou-se a prática desportiva,
inibindo-se o senso crítico próprio dos cursos universitários.
O ciclo básico inicial compreendia Introdução ao Estudo do Direito, Economia
e Sociologia, enquanto que as disciplinas profissionalizantes abrangiam Direito
Constitucional, Direito Civil, Direito Penal, Direito Comercial, Direito do Trabalho,
Direito Administrativo, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, Prática
Forense (sob a forma de estágio supervisionado).
Havia ainda a possibilidade de se escolher duas disciplinas optativas dentre as
seguintes: Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado, Ciências das
Finanças e Direito Financeiro (Tributário e Fiscal), Direito da Navegação (Marinha e
Aeronáutica), Direito Romano, Direito Agrário, Direito Previdenciário e Medicina
Legal.
Notadamente, o interesse do regime era formar burocratas, profissionais
limitados à exegese de códigos - a “boca da lei” de Montesquieu -, censurando qualquer
apreciação crítica da realidade para manter-se o status quo. Somente em 1980, já no
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período de transição democrática, foi constituída pelo MEC a “Comissão Especialista
de Ensino Jurídico”, com o objetivo de rever seus parâmetros curriculares, considerados
inadequados ao novo contexto social. Mas a deliberação sobre uma nova reforma
perduraria até o início da década de 1990, pois apesar da Resolução 03/72 fixar um
currículo mínimo nacional, não obstava sua complementação pela instituição de ensino
superior.
2.5. Reforma de 1994
Através da Portaria 1.886 de 30 de dezembro 1994, o Ministério da Educação
(MEC) fixou as novas diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo dos cursos jurídicos
do país, dando uma dimensão teórico-prática e uma formação abrangente e reflexiva,
instituindo disciplinas:
I - Fundamentais: Introdução ao Direito, Filosofia (geral e jurídica, ética
geral e profissional), Sociologia (geral e jurídica), Economia e Ciência
Política (com teoria do Estado);
II - Profissionalizantes: Direito Constitucional, Direito Civil, Direito
Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Processual Civil,
Direito Processual Penal, Direito do Trabalho, Direito Comercial e Direito
Internacional.
Percebe-se um acréscimo no ciclo inicial, pois Filosofia e Ciência Política
estavam fora do currículo anterior - propositadamente, decerto. Quanto ao ciclo
profissionalizante, o que importa mudar é a abordagem da matéria - mais discussão e
menos memorização -, não tanto a quantidade ou a nomenclatura das disciplinas - que
são praticamente as mesmas.
A duração do curso ficou compreendida em um período de no mínio cinco e no
máximo oito anos, perfazendo-se pelo menos 3.300 h/a. Há, contudo, uma ressalva: o
curso noturno teria um máximo de 4h/a diárias, de modo a não prejudicar o aluno que
eventualmente trabalhasse durante o dia. Mas este mesmo aluno também precisaria
cumprir a mesma carga horária do curso diurno, ainda que em lapso de tempo maior desde que não ultrapassados os limites.
As atividades complementares (extracurriculares) pela primeira vez obtêm
feitio obrigatório, devendo envolver de 5 a 10% da carga horária total do curso, através
de projetos de iniciação científica, participação em seminários, congressos, monitoria e
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disciplinas optativas (não previstas no currículo pleno). Na UESPI, por exemplo, é
possível cursar disciplinas dos cursos de História (História das Ideias Políticas, História
do Brasil Republicano, etc), Letras Português (Latim I e II) e Segurança Pública
(Criminologia, Criminalística, Direitos Humanos, etc).
Uma inovação da reforma de 1994 foi a possibilidade de o curso oferecer, a
partir do 4º ano ou período correspondente, áreas de especialização voltadas à vocação e
às demandas do mercado de trabalho. Na UESPI, os alunos poderiam escolher, no 9º
semestre, uma dentre as quatro opções ofertadas: direito civil, direito penal, direito do
trabalho e direito administrativo. Visava-se dar ao graduando uma formação mais
aprofundada nas matérias que lhe eram afins. Contudo, inconvenientes surgiram: caso o
aluno ficasse reprovado em alguma disciplina, esta poderia não ser oferecida no
semestre seguinte, se a próxima turma escolhesse outra área de especialização. Assim,
se João, estudante do 9º período, reprovasse na disciplina Direito Agrário (componente
da área de Direito Civil), e a turma do 9º período do semestre seguinte optasse pela área
de especialização em Direito Penal, aquela disciplina não mais seria ministrada neste
período, atrasando a integralização curricular de João e, por conseguinte, a sua
formatura. Foi o que mais ocorreu, provocando inúmeros transtornos - o que não
significa constatar que não tenha dado certo em outras instituições.
O estágio, obrigatório e integrante do currículo pleno do curso, compreenderia
atividades práticas simuladas e reais desenvolvidas pelo aluno no núcleo de prática
jurídica da instituição, sob supervisão do professor responsável, totalizando 300 horas.
Teria por escopo a prestação de serviços e assistência jurídica à comunidade, podendo
ser complementado mediante convênio com órgãos estatais, a exemplo da Defensoria
Pública, Tribunais e Ministério Público.
Por sua vez, as atividades do estágio supervisionado possuiriam caráter
exclusivamente prático, incluindo redação de peças processuais e profissionais, rotinas
processuais, assistência e atuação em audiências e sessões, prestação de serviços
jurídicos e técnicas de negociações coletivas, arbitragens e conciliação, sob o controle,
orientação e avaliação do núcleo de prática jurídica, fazendo valer o atrelamento
necessário entre teoria e prática, dando inclusive maior segurança no posterior
desempenho profissional.
A apresentação e defesa de monografia perante banca examinadora também se
tornaram obrigatórias pela primeira vez, devendo o aluno escolher a temática e o
orientador de sua preferência. Tal exigência veio a se somar com as demais como fator
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de incentivo à pesquisa dentro da universidade, contribuindo para a problematização do
Direito posto e a conscientização acerca da complexidade social em que se insere a
seara jurídica.
2.6. Reforma de 2004
As diretrizes vigentes dos cursos de Bacharelado em Direito foram
estabelecidas pela Resolução nº 9/2004 do MEC. Exigiu-se carga horária mínima de
3.700 h/a, mas houve diversas discussões acerca da duração do curso, fato que se deixou
para resolver em regulamentação própria - o que só ocorreu com a expedição da
Resolução nº 2/2007, que fixou o limite mínimo de 05 (anos) para carga horária situada
entre 3.600 e 4.000h.
Dentre outras mudanças importantes, cita-se a exigência expressa do projeto
pedagógico do curso, que deve descrever toda sua estruturação. O perfil do graduando
era o estabelecido pelo antigo “Provão”, posteriormente substituído pelo ENADE
(Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), que também avalia a estrutura física e
a qualificação docente do curso.
O novo currículo mínimo foi dividido em três eixos de formação, in verbis:
I - Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante
no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber,
abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre
Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História,
Psicologia e Sociologia [grifo nosso];
II – Eixo de Formação Profissional, abrangendo, além do enfoque
dogmático, o conhecimento e a aplicação do Direito, observadas as
peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza,
estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da ciência
do direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e
culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se, dentre outros
condizentes com o projeto pedagógico, conteúdos essenciais sobre introdução
ao direito, direito constitucional, direito administrativo, direito tributário,
direito penal, direito civil, direito empresarial, direito do trabalho, direito
internacional e direito processual;
III – Eixo de Formação Prática, que objetiva a integração entre a prática e
os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais eixos, especialmente nas
atividades relacionadas com o estágio curricular supervisionado, as
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atividades complementares e trabalho de curso, quando exigido, na forma do
regulamento emitido pela instituição de ensino.
As disciplinas propedêuticas, de introdução ao curso (chamadas de
“auxiliares”), foram mais uma vez incrementadas, desta vez trazendo-se expressamente
História, Antropologia e até mesmo Psicologia, afastando-se do “purismo” do jurista
austríaco Hans Kelsen, cuja doutrina neopositivista alardeava a absoluta independência
da Ciência Jurídica de outros campos do saber - algo impensável se considerarmos que
o Direito é parte do todo social.
A
fim
de
propiciar
uma
formação
transdisciplinar,
as
atividades
complementares mantiveram-se como componente curricular obrigatório, com carga
horária total de 300 horas. Na UESPI, para cada modalidade de atividade, estabeleceuse uma carga horária máxima, com o intuito de incentivar uma formação plural, não
restrita a um único tipo de atividade extracurricular (apenas participação em palestras,
por exemplos).
Houve considerável aumento da carga horária de formação prática: além de
360h de prática jurídica real e simulada (Processo Civil, Processo Penal, Processo do
Trabalho, Processo Administrativo e Processo Tributário), instituiu-se o Estágio
Curricular Supervisionado, do 7º ao 10º semestres, a ser integralizado no Núcleo de
Prática Jurídica mediante elaboração de peças processuais relativas a todas as áreas do
Direito e seu devido acompanhamento.
Para que o aluno acompanhe os conteúdos a serem ministrados em sala de aula,
bem como a metodologia de ensino e de avaliação do professor, tornou-se obrigatório o
fornecimento do plano de ensino de cada disciplina, que deve indicar ainda a
bibliografia básica. É um instrumento de orientação para os estudos, bem como para se
cobrar a integralização do programa previsto.
O trabalho de conclusão de curso, já previsto como componente curricular
obrigatório na legislação anterior, foi igualmente incluído, com a ressalva de que a
temática da monografia deve seguir a linha de pesquisa indicada no projeto pedagógico
- o que, de alguma forma, limita o conteúdo, mas permite um trabalho mais densamente
aprofundado.
As reformas que o ensino jurídico brasileiro vem enfrentado desde sua recente
origem, no século XIX, demonstram a dinamicidade do Direito que, antes de ser
ciência, com postulados e axiomas coercitivos, é filosofia do ser social.
11
3. CONCLUSÃO
Os bacharelados em Direito, antes privativos à Recife e São Paulo,
dissolveram-se por todo país após a Proclamação da República, quando se deu maior
autonomia aos estados-membros (antes denominados províncias). O currículo, unificado
nacionalmente (bastante influenciado pela Igreja Católica), apenas na década de 1960
seria modificado, já sob a áurea positivista, para um “currículo mínimo” - apenas com
as diretrizes fundamentais que todos os cursos de Direito deveriam seguir -, tornando-se
mais flexível e adequável ao projeto pedagógico de cada instituição, sem impor uma
ideologia política dominante.
No Piauí, tão-somente em 1931 surgiu o primeiro curso superior - a antiga
Faculdade de Direito do Piauí - como forma de atender aos anseios da elite local que
antes precisava enviar seus filhos a outras cidades, sobretudo Recife. Ulteriormente
federalizada, passou a integrar a UFPI (Universidade Federal do Piauí). O monopólio
nacional havia sido quebrado, mas os piauienses precisaram esperar até os anos 90 para
que novos cursos jurídicos fossem autorizados a funcionar, como o da UESPI, em 1994.
Ao longo deste trabalho, traçou-se um comparativo entre as diretrizes
curriculares desde os primeiros cursos jurídicos, em 1827, até a última reforma do
MEC, em 2004. Constatou-se uma série de inovações no sentido de melhor adequá-los
às exigências de um mundo cada vez mais complexo. A obrigatoriedade do trabalho de
conclusão de curso e de carga horária destinada a atividades complementares foram,
indubitavelmente, o maior mérito das duas últimas reformas, conjugando o ensino à
pesquisa e extensão - o tripé universitário.
É patente constatar que o profissional do Direito do século XXI deve ter uma
formação transdisciplinar, e não meramente técnica e hermética a outras áreas do
conhecimento, como por muito tempo apregoaram as dogmáticas positivista e neoliberal
- as responsáveis, em grande escala, pela atual crise do ensino jurídico.
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4. REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Federal n° 9.394/96. Dispõe sobre as Diretrizes e Bases da Educação.
BRASIL. Parecer CNE/CES N° 211, de 23 de setembro de 2004.
BRASIL. Portaria Nº 1.886, de 30 de dezembro de 1994.
BRASIL. Resolução CNE/CES N° 9, de 29 de setembro de 2004.
COSTA, Alexandre Bernardino. O papel do ensino jurídico no Brasil. Florianópolis:
UFSC, 1982.
LACERDA, Ronald Ayres. Manual para elaboração de monografias. Brasília: IDP,
2008.
RODRIGUES, Horário Wanderley. Ensino jurídico: saber e poder. São Paulo: Loyola,
1988.
VENÂNCIO FILHO, Alberto. Análise histórica do curso jurídico no Brasil. In:
Encontros da UNB: Ensino Jurídico.
WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense,
2007.
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