Termodinâmica Os átomos e a matéria Termodinâmica » Os átomos e a matéria Constituição atômica da matéria Os átomos são os constituintes básicos das substâncias. Eles são formados por um núcleo massivo e compacto (dimensões da ordem de 10−15 m), contendo prótons e nêutrons, envolto por uma nuvem de elétrons (dimensões da ordem de 10−10 m). A maior parte da massa é concentrada no núcleo atômico, porque a massa de um elétron é cerca de 2.000 vezes menor que a massa de um próton ou de um nêutron. Os nêutrons têm carga elétrica nula. Os prótons têm carga elétrica positiva, +e, e os elétrons têm carga negativa, −e (e≈1,60 × 10−19 C é a carga elementar1). Os prótons e nêutrons que formam o núcleo atômico são mantidos ligados 1 Valores precisos das constantes físicas citadas pela chamada força nuclear. Essa força é de curtíssimo alcance, só é signi- ao longo do texto são listados no Apêndice ?? ficativa a distâncias intranucleares, mas é muito intensa e compensa a força elétrica de repulsão entre os prótons. Num átomo o núcleo pode ser tratado como uma única partícula praticamente puntiforme. Um átomo, neutro tem o mesmo número de prótons e de elétrons. Um átomo em que o número de elétrons é diferente do número de prótons tem uma carga elétrica total não nula, um múltiplo inteiro da carga elementar, e é denominado íon. Um íon tem carga positiva quando tem mais prótons que elétrons e carga negativa quando é o contrário. Os átomos são caracterizados pelo número de prótons, denominado número atômico, normalmente denotado pelo símbolo Z, e pelo número de nêutrons. A soma dos números de prótons e de nêutrons é denominada número de massa, simbolizado por A. • Elementos químicos. A interação entre os átomos, de origem puramente eletromagnética, ocorre através dos seus elétrons. A estrutura da nuvem eletrônica é determinada pela carga positiva do núcleo e pelo número de elétrons, de forma que as características químicas de um átomo são determinadas pelo seu número atômico. Elemento químico ou substância simples é uma substância formada por átomos com o mesmo número atômico. A figura 1 mostra a Tabela Periódica, que lista os elementos conhecidos com seus nomes, símbolos químicos e outras informações. • Isótopos. O número de massa define o isótopo do elemento. 2 O hidrogênio tem um terceiro isótopo, 3H Por exemplo, há dois isótopos naturais do hidrogênio, elemento de denominado trítio, que por ser radiativo não é número atômico Z = 1 e símbolo H. O mais abundante, com número de encontrado no hidrogênio natural. massa A = 1, tem o núcleo formado por apenas um próton. O isótopo com A = 2, denominado deutério, tem um nêutron no núcleo, além do próton2. Para denotar um 1 Termodinâmica » Os átomos e a matéria isótopo, indica-se o seu número de massa sobrescrito à esquerda do símbolo do elemento. Para os dois isótopos do hidrogênio, os símbolos são 1H e 2H. Figura 1: Tabela periódica dos elementos. Uma fonte muito rica e de fácil acesso sobre as propriedades dos elementos e seus compostos é o site “WebElements” no endereço http://www.webelements.com/. • Substâncias compostas. Substâncias compostas são constituídas por átomos de diferentes elementos agregados por ligações químicas, em geral em proporções simples. A constituição química de uma substância é expressa por sua fórmula química. Por exemplo, a fórmula da água H2O indica que, nesta substância, os átomos de hidrogênio e oxigênio estão presentes na proporção de 2 para 1. O sal de cozinha, cloreto de sódio, é representado como NaCl, indicando que os átomos de sódio e cloro estão presentes na proporção de 1 para 1. 2 Termodinâmica » Os átomos e a matéria Quantificando a matéria A maneira mais usual para quantificar uma porção de matéria é pela sua massa. Em química e também em termodinâmica, como veremos, é importante expressar a quantidade de matéria em termos do número de átomos ou moléculas que a constituem, donde a necessidade de se conhecerem as massas atômicas. Massas de átomos ou moléculas são convenientemente expressas em termos da unidade de massa atômica ou constante de massa atômica (símbolo u). Ela é definida como 1/12 da massa de um átomo do isótopo 12 do carbono, e equivale aproximadamente a 1,66 × 10−27 kg. Qualquer amostra de um elemento contém, em geral, mais de um isótopo, e os átomos de cada isótopo têm massas diferentes. A massa atômica (ou peso atômico) de um elemento é determinada como a média das massas dos átomos de seus isótopos naturais, ponderada pela distribuição isotópica, ou seja, pela sua abundância relativa na natureza. Para computar a massa de uma unidade elementar de uma substância composta, somam-se as massas atômicas dos elementos que a compõem, a partir de sua fórmula química. Dessa forma, a distribuição isotópica dos componentes é automaticamente levada em conta. Usam-se os termos massa molecular ou fórmula massa para essas quantidades. A segunda forma é genérica e pode ser aplicada mesmo para as substâncias que não são formadas por moléculas. O número de átomos em uma amostra de uma substância elementar é obtido dividindo-se a massa da amostra pela massa atômica. O número de moléculas ou fórmulas é obtido analogamente utilizando a massa molecular ou a fórmula massa. O mol é a unidade do SI (Sistema Internacional de Unidades) para a expressão de quantidade de matéria em amostras macroscópicas: “O mol é a quantidade de matéria de um sistema contendo tantas entidades elementares quantos átomos existem em 0,012 quilograma de carbono 12.” O número de entidades elementares de um mol é denominado constante de Avogadro, cujo valor aproximado é NA ≈ 6,022 × 1023 mol−1. Usa-se o adjetivo molar para especificar uma grandeza expressa em valor por mol. Assim, a massa molar de uma substância é a massa de 1 mol de entidades elementares, ou seja, átomos, 3 Termodinâmica » Os átomos e a matéria moléculas ou fórmulas. O valor numérico de uma massa molar quando expressa em gramas por mol é numericamente idêntico à massa da entidade elementar correspondente, massa atômica, massa molecular ou fórmula massa, expressa em unidades de massa atômica. Quando houver a possibilidade de confusão, é importante especificar a entidade elementar considerada. Por exemplo, hidrogênio pode significar o elemento hidrogênio H, ou a substância diatômica H2. A massa molar de átomos de hidrogênio (massa atômica 1,00794 u) é 1,00794 g mol−1, enquanto a massa molar da substância hidrogênio (massa molecular 2 × 1,00794 u) é 2,01588 g/mol. No contexto químico e termodinâmico, as energias também são expressas na forma molar. A unidade SI apropriada é, então, joule por mol ( J/mol ou J mol−1). A energia molar equivalente a “um elétron-volt por unidade” (átomo, molécula, ligação etc.) é NA × 1 eV ≈ 96,5 kJ/mol. Átomos: interpretação quântica A estabilidade do átomo só é explicada pela mecânica quântica, na qual os elétrons são tratados como ondas que se estendem continuamente no espaço. No átomo, tais ondas se encontram confinadas numa pequena região em torno do núcleo, o que as caracteriza como ondas estacionárias. Uma onda estacionária é uma oscilação harmônica cuja amplitude varia com a posição. Ondas estacionárias só podem existir numa série de configurações espaciais bem definidas, determinadas pelas condições do confinamento. Por exemplo: uma corda tensionada e presa em duas extremidades, como uma corda de violão, só pode vibrar em determinadas frequências (no caso, múltiplos de uma frequência fundamental). O movimento de vibração da corda em cada uma das frequências representa uma onda estacionária em uma dimensão. Nos átomos, cada uma das configurações estacionárias que as ondas associadas aos elétrons podem assumir é denominada orbital. A amplitude da onda numa certa posição no espaço está associada à probabilidade de se encontrar o elétron nesta posição. Como esta probabilidade se distribui continuamente no espaço, usa-se o conceito de densidade de probabilidade, ou seja, probabilidade por unidade de volume. Para muitos propósitos, o elétron pode ser tratado como se fosse um fluido distribuído continuamente no espaço com uma densidade dada pela densidade de probabilidade. Usa-se o termo densidade eletrônica para significar esta distribuição. A densidade eletrônica multiplicada pela carga do elétron representa a densidade de carga. Num sistema com mais de um elétron, a densidade eletrônica é a soma das densidades associadas a cada elétron. 4 Termodinâmica » Os átomos e a matéria A interpretação exposta acima permite-nos visualizar a distribuição de carga nos átomos e entender suas interações. É comum o uso do termo nuvem eletrônica para descrever os elétrons num átomo. Na linguagem usual, a palavra nuvem significa um aglomerado de muitas partículas (de vapor d’água, por exemplo). No contexto da descrição dos átomos, entretanto, ela é utilizada com um significado muito diferente. Falamos de nuvem eletrônica do átomo de hidrogênio, mesmo que nos estejamos referindo ao seu único elétron. Estabilidade dos átomos Em geral, a energia de um sistema ligado é definida em referência à energia do sistema quando seus constituintes se encontram infinitamente afastados uns dos outros, que é tomada como nula. Nesta convenção, a energia de um sistema ligado é sempre negativa. A energia necessária para separar o sistema em seus componentes (positiva) é denominada energia de ligação. O fato de os átomos serem estáveis significa que a sua energia é menor do que quando o núcleo e os elétrons se encontram infinitamente separados. As forças que atuam num átomo são puramente elétricas: os elétrons são atraídos pelo núcleo e se repelem mutuamente. A energia potencial elétrica de um átomo tem uma parte negativa, que vem da atração entre elétrons e núcleos, e uma parte positiva em consequência da repulsão mútua entre elétrons. Além da energia potencial, há a energia cinética, sempre positiva, dos elétrons e núcleo em relação ao centro de massa atômico. Como vimos anteriormente, cada orbital significa uma configuração da distribuição eletrônica em torno do núcleo e corresponde a um valor bem definido para a energia do átomo (soma das energias potencial e cinética). A série de orbitais possíveis, portanto, define uma série discreta de diferentes valores para a energia do átomo. Esse fenômeno é denominado quantização da energia. A título de ilustração, a figura 2 mostra representações da distribuição espacial do elétron em dois orbitais do átomo de hidrogênio. A imagem da esquerda corresponde ao orbital para o qual a energia é a mínima possível, ou seja, o estado fundamental. Em física atômica usa-se a notação 1s para este orbital. A imagem da direita representa um dos orbitais 2p, digamos 2pz (os outros dois poderiam ser 2px e 2py , só diferindo deste pela orientação dos eixos de simetria). Note a diferença nas escalas de comprimento nas duas figuras. A região onde a densidade eletrônica é significativa tem dimensões lineares cerca de 4 vezes maior no orbital 2p do que no orbital 1s, ou seja, o elétron se encontra em média cerca de 4 vezes mais afastado do núcleo. 5 Termodinâmica » Os átomos e a matéria A energia do estado fundamental (1s) do átomo de hidrogênio é de −13,6 eV. Estados em que a energia é maior do que no estado fundamental são denominados estados excitados. O próximo valor possível para a energia (para qualquer dos orbitais 2p e também para o orbital 2s) é de −3,4 eV. Isso significa que a quantidade mínima de energia necessária para mudar a configuração de um átomo de hidrogênio no estado fundamental é 10,2 eV. Assim, é a quantização da energia, proveniente do caráter ondulatório dos elétrons, que confere estabilidade ao átomo. Para ter uma ideia quantitativa desta estabilidade, vamos fazer uma comparação com a energia cinética das moléculas no ar ambiente. As velocidades de translação das moléculas no ar são da ordem da velocidade do som, aproximadamente 340 m/s. Tomando uma molécula de oxigênio ou nitrogênio (constituintes majoritários do ar), cuja massa é de aproximadamente 5 × 10−26 kg, obtemos 0,02 eV para o valor médio de sua energia cinética de translação. Isto é 500 vezes menor que a mínima energia necessária para alterar o estado fundamental do átomo de hidrogênio. Outro aspecto fundamental da natureza dos elétrons para as propriedades do átomo é que eles estarem sujeitos ao princípio de exclusão de Pauli, que proíbe que mais de dois elétrons compartilhem o mesmo orbital. Assim, elétrons de átomos com mais de um elétron ocupam orbitais com energias sucessivamente maiores, correspondentes a orbitais em que a densidade eletrônica está cada vez mais afastada do núcleo. É útil interpretar a distribuição eletrônica nos átomos como consistindo de camadas sucessivas. A energia de ligação dos elétrons na camada mais interna (1s) cresce com o quadrado do número atômico, Z, como efeito da carga nuclear. Ela pode chegar a dezenas de milhares de elétron-volts nos átomos com altos Z. Nas camadas sucessivas, por causa do maior afastamento do núcleo e da blindagem da carga nuclear pelas camadas eletrônicas internas, a energia de ligação abaixa rapidamente. O resultado é a energia de ligação de um elétron na camada mais externa de qualquer átomo ser da mesma ordem de grandeza da energia de ligação do átomo de hidrogênio, ou seja, de alguns elétron-volts. São os poucos elétrons que ocupam os orbitais de mais alta energia num átomo, chamados de elétrons de valência, que participam das ligações químicas. Os elétrons das camadas mais internas, mais fortemente ligados, são muito mais estáveis e não desempenham papel significativo. 6 Figura 2: Representação das densidades de carga eletrônicas em dois orbitais do hidrogênio. Acima, o orbital correspondente ao estado fundamental (orbital 1s) e abaixo, a um dos três orbitais 2p. Elas representam o módulo da densidade volumétrica de carga (que é negativa) em pontos de um plano que passa pelo núcleo do átomo, usando uma escala relativa definida pela barra de cores. A distribuição de carga é simétrica por rotação em torno do eixo horizontal indicado (no caso do estado 1s, pode ser qualquer eixo passando pelo núcleo). Note as diferentes escalas de distância nas duas imagens (a0 = 0,529 × 10−10 m é denominado raio de Bohr). As curvas representam a interseção de superfícies de densidade constante com o plano da figura. Cada superfície, ou par de superfícies no caso do orbital 2p, envolve, sucessivamente, 20% da carga total. Termodinâmica » Os átomos e a matéria Interação entre átomos: ligação química Como vimos, átomos isolados são estáveis, sendo necessárias energias no mínimo da ordem de vários eV para alterar seus estados. Por serem eletricamente neutros, a interação entre átomos distantes é muito fraca. Quando, entretanto, dois ou mais átomos se aproximam a distâncias comparáveis às suas próprias dimensões, seus elétrons passam a ser atraídos com intensidade comparável pelos diferentes núcleos atômicos. Esta atração dos elétrons por núcleos de átomos diferentes resulta, na maioria das vezes, num rearranjo da configuração espacial das nuvens eletrônicas. O rearranjo que se processa afeta principalmente os orbitais dos elétrons de valência de cada átomo. Tais orbitais atômicos dão lugar aos chamados orbitais moleculares, cuja distribuição eletrônica se estende em torno dos núcleos de dois átomos vizinhos. À diminuição de energia por esta atração adicional se contrapõe a repulsão entre os elétrons e entre os núcleos. Se existe uma configuração em que o primeiro efeito seja maior que o segundo, se estabelece uma ligação química. Formam-se agregados atômicos, com os núcleos localizados em posições bem definidas uns em relação aos outros, em que os elétrons de valência são compartilhados por átomos vizinhos. A energia de uma ligação é definida em termos da energia necessária para quebrá-la, ou seja, para separar os dois átomos envolvidos. O ganho líquido de energia por ligação química estabelecida é também da ordem de elétron-volts, ou seja, comparáveis às energias de ligação dos elétrons de valência nos átomos isolados. Isso ocorre porque as distâncias e cargas envolvidas nos dois casos são da mesma ordem de magnitude. A quase totalidade dos elementos da tabela periódica pode estabelecer ligações químicas (as exceções são os gases nobres - elementos da coluna 8A da tabela periódica). É através das ligações químicas que os poucos elementos que se encontram na natureza dão origem a um número imenso de substâncias. Dependendo dos átomos envolvidos, as ligações químicas podem dar origem a agregados estáveis formados por poucos átomos ou formados por um número macroscópico de átomos. As menores estruturas formadas por ligações químicas são as moléculas, agregados de poucos átomos que se comportam como uma unidade, ou seja, que têm propriedades observáveis distintas. Por exemplo, o hidrogênio, o oxigênio e o nitrogênio formam moléculas diatômicas, compostas por dois átomos do elemento. As fórmulas químicas para essas substâncias, H2, O2, N2, identificam a composição molecular. A água também é uma substância molecular e a sua fórmula química, H2O, reflete a composição de suas moléculas. 7 Termodinâmica » Os átomos e a matéria 8 Ligações covalentes e iônicas A molécula mais simples que existe é a do hidrogênio. Vamos usá-la para ilustrar alguns aspectos importantes das ligações químicas. A parte superior da figura 3 mostra uma representação de dois átomos de hidrogênio distantes um do outro, de forma que a interação entre eles é insignificante. A parte inferior da figura 3 ilustra a distribuição de carga dos elétrons da molécula de hidrogênio, H2. A figura foi gerada com uma aproximação muito simples, mas serve para ilustrar os pontos importantes. Note como surge uma densidade de carga significativa na região entre os núcleos devido ao rearranjo dos orbitais eletrônicos. Na molécula cada elétron é atraído por dois núcleos, o que faz com que a nuvem eletrônica seja mais concentrada que nos átomos isolados. A distância indicada pela seta abaixo da representação da molécula é a distância de equilíbrio entre os núcleos, 7,4 × 10−11 m. Esta distância é determina pela competição entre os termos negativos (interações elétron–núcleo) e positivos (interações elétron–elétron e núcleo–núcleo e energia cinética dos elétrons) da energia do sistema. A energia de ligação na molécula de H2, 4,5 eV, é a energia necessária para separar os dois átomos que a compõem. A ligação na molécula de hidrogênio é um exemplo da chamada ligação covalente. Nesse tipo de ligação, um ou mais pares de elétrons são compartilhados pelos dois átomos. No caso do H2, como os dois átomos são idênticos, o par de elétrons se distribui igualmente pelos dois centros atrativos. O mesmo ocorre em moléculas como O2, N2, Cl2 etc.. O mesmo tipo de mecanismo pode estar presente em moléculas formadas por átomos de dois ou mais elementos diferentes. Em geral, átomos diferentes apresentam diferentes graus de atração sobre seus elétrons, de forma que os elétrons compartilhados não se distribuem igualmente entre eles, mas se deslocam na direção de um dos átomos (o mais “eletronegativo”). Um exemplo disso é a molécula de água, cuja distribuição eletrônica é representada na figura 4. A imagem, gerada a partir de cálculos computacionais [1] , mostra que a densidade de carga negativa é maior em torno do oxigênio do que dos hidrogênios. A região em torno de cada núcleo de hidrogênio apresenta uma carga líquida positiva, e a região em torno do átomo de oxigênio apresenta uma carga líquida negativa. Por isso, dizemos que a ligação covalente O−H, ou entre qualquer par de átomos diferentes, tem caráter iônico. A geometria particular da molécula de água ilustra uma outra característica importante das ligações covalentes. A geometria da nuvem eletrônica num orbital molecular tem forte relação com Figura 3: Representação aproximada das densidades de carga eletrônicas em dois átomos de hidrogênio separados (em cima) e na molécula de hidrogênio, H2 (em baixo). As figuras representam o módulo da densidade volumétrica de carga (que é negativa), num plano que passa pelos núcleos dos dois átomos, numa escala relativa definida pela barra de cores. A distribuição de carga é simétrica por rotação em torno do eixo. Termodinâmica » Os átomos e a matéria a geometria dos orbitais atômicos que se combinaram. No caso da água, cada ligação envolve um orbital 1s do átomo de hidrogênio e um orbital dos orbitais 2p do átomo de oxigênio. Como os orbitais 2p são orientados espacialmente (ver figura 2), ligações químicas que os envolvem tendem a preservar essa orientação. No caso da molécula de água, as duas ligações não formam um ângulo de 90°, como os dois orbitais atômicos 2p, por causa da repulsão entre os átomos de hidrogênio parcialmente carregados. A figura 5 mostra uma representação esquemática da estrutura espacial da molécula de ácido ascórbico, mais complexa, que também exibe a orientação das ligações covalentes. Um íon é um átomo com excesso ou falta de elétrons (mais comumente um ou dois). Uma ligação iônica seria uma ligação entre dois íons de cargas opostas, ou seja, quando houvesse uma transferência completa de elétrons entre dois átomos diferentes. Essa transferência completa nunca ocorre entre átomos ligados, de forma que, estritamente falando, não existe ligação puramente iônica. Entretanto, em casos como o NaCl (que envolve elementos com grande diferença de eletronegatividade), a transferência é tão acentuada que o sistema pode ser tratado como partículas de carga +e e −e ligadas pela força elétrica entre elas. A ligação é dita iônica. Uma completa dissociação dos íons positivos e negativos pode ocorrer, por exemplo, quando a substância é dissolvida em água. A energia de ligação de uma molécula é a energia necessária para separar completamente todos os átomos que a constituem. É normal nos referirmos à energia de uma determinada ligação. Nesse caso, a energia de ligação é a energia necessária para separar as partes por ela ligadas. Tais partes podem ser dois átomos, ou um átomo e a parte restante da molécula, ou duas partes de uma molécula. A intensidade de uma ligação individual depende dos átomos envolvidos, mas também, em certo grau, da sua vizinhança da molécula. As energias de ligações covalentes ou iônicas são da ordem de elétron-volts, como a do H2 mencionada anteriormente. Essas ligações são muito intensas, conferindo grande rigidez e estabilidade às moléculas. Sólidos covalentes e iônicos Certas moléculas são tão estáveis que mantêm a sua identidade mesmo na fase sólida da substância que constituem. Este é o caso de quase todas as moléculas que mencionamos anteriormente, e de muitas outras. Para um grande número de substâncias, entretanto, moléculas só existem na fase gasosa. Nas fases líquida ou sólida, cada átomo forma ligações químicas (covalentes ou iônicas) com múltiplos vizinhos, cada um dos quais se liga a seus outros vizinhos, formando uma cadeia de 9 Figura 4: Representação de uma molécula de água, H2O, obtida a partir de cálculos computacionais da distribuição espacial dos elétrons em torno dos três núcleos. A densidade eletrônica é indicada pela escala de cores: a densidade (negativa) decresce no sentido de − para +. Figura 5: Representação esquemática de uma molécula de ácido ascórbico (vitamina C), C6H8O6. Os átomos de hidrogênio são representados pelas esferas brancas menores. As esferas maiores pretas e vermelhas representam, respectivamente, o carbono e o oxigênio. As ligações são representadas por bastões unindo as esferas. Termodinâmica » Os átomos e a matéria ligações que se estende por distâncias macroscópicas. Por causa da intensidade dessas ligações, tais substâncias se apresentam normalmente como sólidos. O NaCl é um exemplo de um sólido cristalino formado por ligações iônicas. Um cristal é um sólido em que os constituintes (átomos ou moléculas) se apresentam em estruturas espacialmente periódicas. A figura 6 representa a estrutura cristalina do NaCl. O arranjo nessa estrutura é tal que cada íon Na+ tem seis íons Cl− como vizinhos imediatos e vice-versa. Esse mesmo arranjo de íons positivos e negativos é encontrado em inúmeros outros compostos iônicos. Sólidos também se formam por ligações covalentes. Nesse caso, o arranjo atômico é determinado pela geometria dessas ligações. Um exemplo importante é o diamante, uma das formas alotrópicas do carbono. A sua estrutura, de simetria cúbica, é mostrada na figura 7: cada átomo se encontra no centro de um tetraedro regular, formando quatro ligações covalentes com os átomos situados nos vértices. Os elementos abaixo do carbono na tabela periódica, Si, Ge e Sn, se cristalizam nessa mesma estrutura. Além de substâncias simples, inúmeros compostos formam cristais covalentes. Um exemplo importante é a esfarelita ou blenda de zinco, ZnS. A distribuição espacial dos átomos é idêntica à da estrutura do diamante, mas os átomos de um tipo ocupam os centros dos tetraedros e os do outro tipo ocupam os vértices. Assim, cada átomo de Zn está ligado a quatro átomos de S, e vice-versa. Nem todos os sólidos são cristais. Na verdade, cristais propriamente ditos, em que a regularidade da estrutura cristalina se estende por todo o material, são raros. A maioria dos sólidos se apresenta na forma de policristais. Um policristal é constituído de pequenos cristais (de dimensões micrométricas) ligados entre si, mas cada um com uma orientação espacial diferente. Outra forma são os sólidos amorfos. Nesse tipo de material, ligações covalentes mantêm os átomos em posições relativas bem definidas, mas o arranjo não apresenta a periodicidade espacial dos cristais. Um exemplo de sólido amorfo é o vidro, uma das formas em que se apresenta o óxido de silício, SiO2. Ligação metálica A maioria dos elementos químicos são da classe dos metais, como se pode observar na tabela periódica da figura 1. Os átomos desses elementos formam ligações covalentes ou iônicas com átomos dos elementos não metálicos (com a exceção dos gases nobres), como já vimos. Além disso, entre eles ocorre um tipo de ligação especial, denominado ligação metálica, que é responsável por eles serem muito bons condutores de eletricidade e de calor. 10 Figura 6: Representação da estrutura cristalina do NaCl. As esferas maiores representam o Cl− e as menores, o Na+. As linhas que ligam esferas vizinhas de cores diferentes servem para enfatizar a geometria cúbica da estrutura. O arranjo pode continuar indefinidamente nas três direções das arestas do cubo. Figura 7: Representação da estrutura cristalina do diamante. Cada átomo se encontra no centro de um tetraedro regular, formando quatro ligações covalentes com os átomos situados nos vértices. A simetria da estrutura é cúbica, como indicado. Termodinâmica » Os átomos e a matéria Nesse tipo de ligação, os orbitais atômicos dos elétrons de valência transformam-se em orbitais que se estendem por todo o volume do material, constituindo a banda de condução do metal. Assim, os elétrons de valência, literalmente, abandonam os átomos de origem e podem se mover por todo o volume do sólido (ou líquido). Eles são, então, denominados elétrons de condução ou elétrons livres. Os íons positivos assim formados distribuem-se em estruturas de grupamento compacto ligadas entre si pela nuvem estendida dos elétrons de condução. As energias de ligação (por átomo) são da mesma ordem de grandeza das ligações covalentes ou iônicas, ou seja, da ordem de elétron-volt. A ligação metálica ocorre em metais elementares e também nas ligas, que são formadas por mais de um elemento metálico. A ligação metálica não tem o caráter localizado das ligações iônicas ou covalentes, que ligam átomos aos pares, sendo um tipo de ligação coletiva. Por isso, a composição de uma liga metálica não precisa ter uma proporção simples entre os seus componentes e pode variar continuamente. As composições de ligas são especificadas em termos de porcentagem de cada componente. Os três estados da matéria e outros tipos de ligação As substâncias em geral podem ser encontradas em três fases ou estados físicos, ou seja, nas formas de gás, líquido e sólido, dependendo das condições de temperatura e pressão. • Na fase gasosa, os constituintes básicos da substância (átomos isolados ou moléculas) encontram-se livres uns dos outros, ou seja, não ligados entre si. Eles podem se afastar indefinidamente uns dos outros. Por isso, o volume de um gás é definido pelo recipiente que o contém, ou por forças externas que o confinam numa certa região. • Na fase líquida, os constituintes básicos da substância encontram-se ligados entre si, num estado de agregação tal que a separação entre eles é muito pequena, mas podem se mover uns em relação aos outros. Por isso, os líquidos não têm forma definida. Entretanto, o seu volume é bem definido, diferentemente do que acontece com os gases. • Na fase sólida, os constituintes básicos da substância encontram-se localizados numa estrutura rígida. Eles podem vibrar em torno de suas posições, mas não podem se mover ao longo da estrutura. Por isso, os sólidos têm forma e volume bem definidos. 11 Termodinâmica » Os átomos e a matéria Os chamados gases nobres (elementos da coluna 8A da tabela periódica - Figura 1) não participam de ligações químicas dos tipos anteriormente mencionados, nem entre si nem em combinação com outros elementos. No caso de substâncias moleculares ou dos gases nobres, a formação das fases condensadas (líquida e sólida) é uma manifestação de uma atração residual entre moléculas ou átomos. Essa atração é também de origem elétrica, mas ocorre entre entidades eletricamente neutras e, por isso, são muito mais fracas que as ligações discutidas anteriormente. Tais interações não são capazes de alterar significativamente a estrutura eletrônica das partes envolvidas como acontece nas ligações químicas propriamente ditas. Quando dão origem a agregados ligados, os átomos ou moléculas envolvidos mantêm a sua identidade. Na sua forma mais intensa, tais interações são chamadas dipolares, ou seja, envolvem a interação entre dois dipolos elétricos. Um dipolo elétrico é uma distribuição de cargas, globalmente neutra, em que há um deslocamento entre os centros das cargas positivas e negativas. A interação entre dipolos depende de sua orientação relativa, é menos intensa e diminui mais rapidamente com a distância do que a interação entre cargas isoladas. Em moléculas polares, como a da água, nos estados condensados as moléculas tendem a se orientar relativamente umas às outras, de forma a aproximar seus extremos de cargas opostas. As moléculas assim orientadas ficam ligadas, mas a intensidade dessa ligação é bem menor do que as das ligações entre os átomos da molécula. Na água, por exemplo, um dos átomos de hidrogênio de uma molécula se liga ao átomo de oxigênio de outra molécula, constituindo o que se chama ligação ou ponte de hidrogênio. A energia de ligação dessa ponte de hidrogênio (aproximadamente 0,2 eV) é cerca de 20 vezes mais fraca que a ligação covalente H−O da molécula. Os átomos dos gases nobres ou moléculas apolares, como H2, não apresentam dipolo elétrico permanente, porque os centros das cargas positivas e negativas 3 A força de van der Walls é devida a flutuações, coincidem. Mesmo assim há uma interação atrativa entre estas de origem quântica, na distribuição eletrônica unidades, conhecida como força de van der Walls, bem mais dos átomos ou moléculas. A flutuação origina fraca que a interação dipolar3. Esta interação é responsável pela um pequeno dipolo elétrico numa molécula, o existência das fases condensadas das substâncias apolares. que induz a formação de dipolo elétrico numa molécula vizinha. Por ser esta interação muito fraca, as fases condensadas só ocorrem em temperaturas bem abaixo da ambiente. 12 Termodinâmica » Os átomos e a matéria Referências [1] Chaplin, M. Water structure and science. Em: <http://www1.lsbu.ac.uk/water/molecule. html>. Acesso em: 23 mar. 2011. 13 Termodinâmica » Os átomos e a matéria 14 Como usar este ebook Orientações gerais Caro aluno, este ebook contém recursos interativos. Para prevenir problemas na utilização desses recursos, por favor acesse o arquivo utilizando o Adobe Reader (gratuito) versão 9.0 ou mais recente. Botões Indica pop-ups com mais informações. Ajuda (retorna a esta página). Sinaliza um recurso midiático (animação, áudio etc.) que pode estar incluído no ebook ou disponível online. Créditos de produção deste ebook. Indica que você acessará um outro trecho do material. Quando terminar a leitura, use o botão correspondente ( ) para retornar ao ponto de origem. Bons estudos! Termodinâmica » Os átomos e a matéria Créditos Este ebook foi produzido pelo Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada (CEPA), Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). Autoria: Gil da Costa Marques e Valdir Bindilatti. Revisão Técnica e Exercícios Resolvidos: Paulo Yamamura. Coordenação de Produção: Beatriz Borges Casaro. Revisão de Texto: Marina Keiko Tokumaru. Design Instrucional: Juliana Moraes Marques Giordano e Vani Kenski. Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica: Daniella de Romero Pecora, Leandro de Oliveira e Priscila Pesce Lopes de Oliveira. Ilustração: Alexandre Rocha, Aline Antunes, Benson Chin, Camila Torrano, Celso Roberto Lourenço, João Costa, Lidia Yoshino, Maurício Rheinlander Klein e Thiago A. M. S. Animações: Celso Roberto Lourenço e Maurício Rheinlander Klein. Fotografia: Jairo Gonçalves. 15