Quando o Catolicismo se reencontra no Judaísmo: aspectos da

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Quando o Catolicismo se reencontra no Judaísmo: aspectos da identidade da
Congregação Nossa Senhora de Sion em Sergipe
Robson Dias de Assis1 - UFS
Este artigo tem como foco analisar a identidade social representada pela
Congregação Nossa Senhora de Sion em Sergipe dada a peculiaridade comportamental
observada nas freiras da congregação. Para o desenvolvimento deste artigo parte-se de
uma reflexão histórica feita por Eric Hobsbawm e que representa a volatilidade
identitária nos jovens desencadeada pelas alterações sociais ocorridas durante os
decênios de 60 e 70 do século passado
A cultura jovem tornou-se a matriz da revolução cultural no sentido mais
amplo de uma revolução nos modos e costumes, nos meios de gozar o lazer e
nas artes comerciais, que formavam cada vez mais a atmosfera respirada por
homens e mulheres urbanos. Duas de suas características são portanto
relevantes. Foi ao mesmo tempo informal e antinômica, sobretudo em
questões de conduta pessoal. Todo mundo tinha de “estar na sua”, com o
mínimo de restrição externa, embora na prática a pressão dos pares e a moda
impusessem tanta uniformidade quanto antes, pelo menos dentro dos grupos
de pares e subculturas. (HOBSBAWM, 1995, p. 323)
Assim como para Hobsbawm, Laclau afirma que o que levou a juventude a essa
instabilidade identitária foi a falência das explicações universais (LACLAU, 2001, p.
233-4). No instante em que as explicações universais de grande abrangência social
perdem espaço para explicações racionais diversas baseadas em conceitos éticos, morais
entre outros, facultam aos indivíduos a opção de escolher e constituir a identidade a ser
representada. O ponto crucial da análise identitária atual não deve ser encarado nos
binômios antagônicos racional/irracional, físico/metafísico, católico/não-católico, mas
no novo par dual escolher/ou não escolher, esta dualidade tem algo que os binômios
anteriores não tiveram em seu tempo, e é o que o torna tão singular, há a opção de
escolher parte de uma religião, parte de outra e fundi-las, mesclá-las e agregar o
resultado desta fusão à própria identidade. Um exame muito bem detalhado desta
possibilidade é o trabalho de Danièle Hervieu-Léger O peregrino e o convertido. Neste
trabalho está presente a reflexão de como a pluralidade religiosa que é acessível aos
jovens faculta a possibilidade de juntar partes de vertentes diferentes, bricolá-las e
1
Pesquisador do Grupo de Estudos Diáspora Atlântica dos Sefarditas na Universidade Federal de
Sergipe. Graduado em História pela UFS e Mestre em Sociologia também pela mesma instituição.
Endereço eletrônico: [email protected]
1
desencadeá-las quando for necessário.
Tendo por base estas inflexões qual a autonomia na composição identitária das
freiras (MARIZ, 2006, p. 59-60), pensa-se isto apoiado na evidência pública destas ao
Catolicismo e da aproximação ao Judaísmo. Antes de analisar a identidade das freiras de
Sion é necessário fazer um exame de como se constituem as identidades nos dias atuais.
Para auxiliar o desenvolvimento destas reflexões são usadas algumas análises feitas por
Joanildo Burity2 (1997). A partir do estudo deste sociólogo foi traçada uma linha de
exame crítico e que, de acordo com o observado em campo com a CNSS, é essencial
para tentar compreender a prática do conceito de identidade, aspecto de vital
importância, não apenas para a Congregação de Sion, mas para outras congregações
religiosas.
É preciso estabelecer questionamentos que colaborem para o entendimento das
identidades. Abordagens tais como por que são novas, o que as tornam novas, e talvez o
mais importante, em relação a que são consideradas novas? Segundo o estudo feito por
Burity estas características das identidades têm que ser relacionadas às velhas
identidades, um dos parâmetros para categorizá-las como novas é associá-las com as já
conhecidas, com as práticas, comportamentos, com as ações responsivas antecipadas
dos agentes possuidores de velhas identidades. Na visão do sociólogo o “novo está,
pois, cindido de partida entre velho/familiar/teorizado/teorizável e um excesso, um
resto, uma inadequação ou oscilação que nos anuncia a chegada do outro” (BURITY,
1997). Assim para conceber uma identidade como nova se faz necessário ter
conhecimento prévio daquela que será, se não oposta, pelo menos vista como
ultrapassada pela nova identidade. Baseados nesta perspectiva a identidade sionesa tem
características díspares (velho/novo) em relação à identidade tradicional católica. Vale
lembrar que a identidade católica, sobretudo para os sacerdotes, freiras, sempre foi
altamente rígida no sentido de não tolerar outros credos, mesmo cristãos. Assim,
seguindo este pensamento argumentativo, as freiras ao agregarem aspectos da cultura
judaica na identidade católica viabilizam afirmar que a característica inovadora para
este grupo social em particular faz parte de uma cultura também milenar, e que
2
O artigo do autor foi publicado na revista eletrônica encontrada neste endereço da web.
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/nove/burity9.htm acessado em:
09/03/2012
2
corrobora o outro panorama elencado por Joanildo, isto é, o novo já estava incluído na
identidade velha, já existia só não era tolerado (BURITY, 1997), o que não significa
dizer que atualmente seja tolerada em sua amplitude a postura tomada pela CNSS.
Neste ínterim vem à mente a inflexão de que se a CNSS amplia com novos
hábitos, reune em seu leque de tradição religiosa traços distintos e diversos para além do
original da congregação, ou seja, o católico, isto pode ser visto como um fator
agregador de agentes sociais. Deste modo os processos interativos, dinâmicos entre os
agentes relegam a estes a opção de fazer parte, ou não, de um grupo religioso no qual
existe duas tradições ricas material e simbolicamente. Esta característica agregadora
também foi investigada por Joanildo Burity. Na concepção do autor a identidade com
particularidades agregadoras, chamada por ele como “disseminativas” corresponde
àquelas que estão relacionadas às modificações que ocorrem com base nas experiências
subjetivas e levam os indivíduos a se inserirem em grupos, instituições, e movimentos
sociais. (BURITY, 1997). O que se observa em Sergipe junto às freiras de Sion é que a
postura comportamental das mesmas, o habitus incorporado por elas tem
particularidades disseminativas as quais incitam a participação em grupos sociais que
possuem ideais similares aos que correspondem à biografia dos agentes. O que também
se observou em alguns leigos que frequentam a CNSS é que estes não tinham um
vínculo forte com a Igreja Católica, eram praticantes esporádicos, de ocasiões e
aderiram às atividades das freiras para não se distanciarem do credo cristão e terem
como desempenhar um papel de auxílio social e religioso.
Neste sentido quando as experiências subjetivas dos indivíduos passam a
determinar nas escolhas de aspectos e de gostos que caracterizam a identidade, tais
escolhas também são fundamentais para a definição do grupo social que o indivíduo
fará parte. Entretanto o que foi observado nos agentes que frequentam a CNSS é que
estes estão receptivos a novas configurações indentitárias. Não significa afirmar que os
mesmos agentes não tenham uma identidade social previamente estabelecida, pelo
contrário além de terem-na possuem abertura para inclusão de novos identificadores
significantes. Uma das características da Modernidade é exatamente essa, a de conciliar
num único agente diversos aspectos identitários que em outros tempos não eram
aceitados. Em poucas palavras, incorpora-se particularidades de identidades variadas,
3
naturaliza-os, mescla-os e os exterioriza numa nova e singular identidade. Essa nova
dinâmica nos grupos societários acontece devido ao aprofundamento do processo de
individualização citado por Elias (ELIAS, 1994, p. 105), a saber, a imagem que cada
agente tem de si e do outro é fundamentada, independente do grau de especialização ou
individualização social, pela percepção que cada agente tem da identidade-eu e da
identidade-outro, como duas realidades distintas porém, não excludentes. Fator bastante
presente nas freiras de Sion e nos agentes que participam das atividades da
Congregação, pois buscam a todo instante se diferenciar das outras congregações
afirmando a grande divergência de carismas. É habitual presenciar nas afirmações
destas freiras que são diferentes porque não rezam o terço devido ao conhecimento de
que a reza do terço pode ser substituída pela leitura dos Salmos, ou se diferenciam
porque sabem hebraico para a leitura da Torá, ou que buscam guardar o máximo
possível o Shabbat para fazer uma imitação daquilo que Deus fez após a criação do
mundo. Nesta oração em específico, uma das freiras afirmou que é similar à preparação
para o shabat para os judeus, isto é, organizar e preparar tudo que for necessário para
que no shabat fiquem apenas destinados à reflexões religiosas, no caso das freiras o
mesmo acontece de sábado para domingo.
Do momento em que a CNSS/SE começou a estudar mais detidamente as
práticas judaicas em sua rotina e estas tiveram seu uso estendido entre os leigos, tais
práticas foram “desterritorializadas” de seu ambiente natural (BURITY, 1997) e,
desvinculadas de seu contexto histórico e religioso. Algo que deve ser notificado é que
não há um planejamento de estudos sistematizados que permitam aos leigos se
aprofundarem nas novas incorporações, nem por parte da Congregação e muito menos
por uma comunidade judaica organizada, já que esta última não existe em Sergipe
mesmo que haja algumas famílias de judeus. É preciso perceber que por trás da
desterritorialização há nuances típicas às quais direcionam em grande medida a
configuração atual das comunidades religiosas e não apenas no Brasil. Uma primeira a
ser mencionada é referente a um tópico bastante conhecido no meio científico, o
pluralismo religioso, o moderno pluralismo religioso para ser mais exato. Sem esta
especificidade hodierna a junção de características distintas de vertentes religiosas
dissemelhantes seria bastante complexa, como é o caso da Congregação Nossa Senhora
de Sion. Uma segunda nuance é referente à hibridização das diferentes tradições, neste
4
caso particular da CNSS. Quando a Congregação interrelaciona práticas, ritos, guarda
de datas específicas os sujeitos envolvidos buscam conhecer o novo parâmetro que foi
adicionado a sua identidade religiosa. Já para os leigos e freiras da CNSS a
(re)descoberta das origens religiosas do Catolicismo no Judaísmo são inevitáveis e
estimuladas pelos indivíduos que as conhecem, e pela chance de poder mesclá-las
segundo o atual pluralismo. Percebe-se, desta forma, que na CNSS/SE a assertiva de
Peter Berger no que toca ao pluralismo religioso, ou seja, “a situação pluralista, porém,
engendrou não apenas a 'era do ecumenismo' mas também, em aparente contradição
com esta, a 'era das redescobertas das heranças confessionais'” (BERGER, 2004, p. 159,
leva a constatar que a Congregação tenta seguir os dois caminhos, da tradição católica
enfatizando as (re)descobertas das raízes judaicas.
As mudanças na sociedade ocasionaram o surgimento de uma dinâmica
específica nas relações entre fiéis, sacerdotes e freiras. Nos dias atuais onde os meios de
comunicação e de transportes facilitam a circulação de ideias e deixam para trás as
barreiras geradas pelo desconhecimento científico e informativo, as igrejas, e isto não se
restringe à Catolica, a todo instante precisam avaliar sua postura e manter uma constante
negociação com os indivíduos e as identidades sociais acionadas por estes. Os jovens
buscam criar laços com alguma instituição religiosa que se identifique, assim a mais
atraente às vontades, desejos e gostos destes terá os jovens que conseguir despertar. Não
seria demasiado afirmar que em outros tempos a Igreja detinha o poder de definição
identitária, no entanto, atualmente a situação não se inverteu mas as constantes
(re)contruções de identidades religiosas dúplices dos jovens faz com que lentamente
uma das instituições sociais mais rígidas se modifique.
Isto fica mais claro na fala das freiras em Sergipe quando as mesmas afirmam
que o estudo do Judaísmo permite aos cristãos se tornarem “completos” em termos
religiosos. Para estas freiras há um enobrecimento ético, moral, e sobretudo espiritual ao
interiorizar aspectos judaicos, para elas também não há antagonismo ou concorrência
entre as duas tradições, mas sim complementariedade. Vale frisar novamente que a
interiorização de aspectos das duas tradições religiosas torna viável a constituição de um
habitus singular, nos termos de Danièle (2008) feito de bricolagens, das experiências
subjetivas de cada uma no Catolicismo e no Judaísmo. Portanto, ao exteriorizá-lo
5
defronte dos leigos criam uma nova estrutura social para estes na qual a essência condiz
com a moderna percepção da religiosidade, isto é, religiosidade constituída pelas
experiências individuais e resultantes daquilo que foi considerado agradável na vivência
religiosa. Assim as freiras da CNSS/SE ao escolherem uma festividade ou outro evento
que consideram importante no calendário judaico o fazem pela simbologia que significa
e pela afinidade que tem pelo evento. Por exemplo, cita-se o Shabbat ao estipularem
este dia como digno de ser guardado o consideram uma “imitatio dei” como declaram
em um de seus sites3, logo há afinidade com a sacralidade inicialmente respeitada pelos
judeus e assumem para a religiosidade sionesa o poder simbólico que é intríseco a esta
data. É, de acordo com os fiéis que as conhecem, um traço distintivo bastante marcante.
Questionado a uma das freiras sobre a reação dos fiéis ao conhecerem a CNSS/SE a
resposta obtida foi que logo que estes sabem do relacionamento das freiras com os
judeus e Judaísmo afirmam que os católicos não têm nenhuma afinidade com o
Judaísmo, mas na medida em que o trabalho de estudo e conhecimento sobre o
Judaísmo é passado eles percebem e dão importância às relações entre as duas tradições.
Dado revelador porque mostra que ainda há no imaginário dos leigos católicos a ideia
de que estes são totalmente diferentes e não fazem parte da tradição transmitida pelo
Judaísmo.
Há dois momentos importantes a serem re-destacados destas inflexões. O
primeiro é relativo ao estranhamento dos fiéis que iniciam relações sociais com a
Congregação. O segundo é a aceitação, por parte dos fiéis, das práticas que eram
consideradas estranhas o que leva à consequente incorporação das mesmas práticas que
as freiras, muitas destas imbricadas no cerne da tradição católica. Ainda sobre o
estranhamento das práticas os fiéis se deparam e necessitam saber lidar com uma nova
estrutura de significados, símbolos e ritos, no caso do objeto de estudo a CNSS/SE, o
shabbat, o estudo dos Salmos seguindo o modelo de leitura judaica, o aprendizado do
hebraico, uma nova compreensão sobre um aspecto complexo que permeia a história da
Igreja Católica até os dias atuais, isto é, acerca da morte de Cristo atribuída a todos os
judeus embora o Concílio Vaticano II seja claro em afirmar o contrário, porém a postura
encontrada nas igrejas ainda seja a do judeu como deicida. Os agentes sociais próximos
ou que se aproximam à Congregação ao incorporarem (segundo momento) estas
3
Ver site: http://www.batkol.info/?page_id=76 acesso: 17/01/2012
6
práticas o faz racionalmente, são “escolhas conscientes” (BERGER, 2004a, p. 61).
Portanto a vivência deste habitus, conscientemente estruturado com duas tradições
religiosas distintas revela que não apenas nos grandes centros urbanos mas também em
capitais com menor expressão em termos demográficos os agentes religiosos
complementam suas religiões com fragmentos de outras denominações.
Bourdieu clarificou bem este complexo sistema de incorporação de gostos,
práticas e exteriorização daquilo que é aprazível aos agentes e, neste sentido, extrapolase para o campo religioso local o pensamento deste sociólogo,
O gosto, propensão e aptidão para a apropriação – material e/ou simbólica –
de determinada classe de objetos ou de práticas classificadas e classificantes
é a fórmula geradora que se encontra na origem do estilo de vida, conjunto
unitário de preferências distintivas que exprimem, na lógica específica de
cada um dos subespaços simbólicos – mobiliário, vestuário, linguagem ou
hexis corporal – a mesma intenção expressiva. (BOURDIEU, 2008, p. 165)
Assim ao se apropriarem de frações culturais do Judaísmo e por consequência
gerarem um novo estilo de vida religiosa a CNSS/SE constitui uma estrutura, na
linguagem bourdieusiana estruturada e estruturante (BOURDIEU, 2008, p. 164), aos
fiéis que a cercam e para estes indivíduos é tornada legítima a possibilidade de viver no
Catolicismo mesmo que sejam possuidores de novas práticas. Ao adquirir bens
materiais judaicos, ao expô-los acessivelmente aos indivíduos que frequentam a casa
sede da Congregação em Aracaju, converte-os em capital simbólico (BOURDIEU,
2007, p. 189). Nas interações sociais iniciais de indivíduos que não conheciam a
congregação e passam a interagir com as freiras da CNSS/SE, de tal forma não
possuindo o capital cultural necessário para compreender aqueles bens materiais
expostos, reconhecem inconscientemente o poder simbólico exercido pelos bens que
estão exibidos, mesmo desconhecendo-os. Como bem explicou Bourdieu esta situação
acontece porque os
símbolos são os instrumentos por excelência da “integração social”: enquanto
instrumentos de conhecimento e de comunicação […] eles tornam possível o
consensus acerca do sentido do mundo social que contribui
fundamentalmente para a reprodução da ordem social (BOURDIEU, 2010, p.
10).
Portanto, a congregação detém um traço distintivo conhecido no campo religioso
local para os próprios fiéis se referirem a ela como “as freiras do Judaísmo”. Ao
indagar estes agentes sobre o que pensam sobre freiras que estudam e se dedicam a
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conhecer o Judaísmo os mesmos afirmam que na primeira vez acham que é “esquisito
freiras que fazem isso” mas ao se aproximarem mais e conhecerem o trabalho e o
estudo percebem que são vários os “pontos de ligação” entre as duas religiões. Ao
expor na residência bens materiais oriundos da tradição judaica as freiras os trasmutam
do local de origem ressignificando-os e almejando legitimá-los em ambiente católico.
Perguntado às freiras sobre o significado de adquiri-los e adornar a casa com aqueles
objetos a resposta obtida foi que eles, os bens, simbolizam o apreço que elas têm a
respeito dos bens e da tradição judaica. Fica perceptível essa postura também nos
agentes que frequentam a casa, os quais usam colares, brincos, anéis entre outros
adornos que remetem ao Judaísmo. Uma vez adotado bens materiais classificados como
pertencentes ao Judaísmo a posse e exposição dos mesmos passam a classificar os
possuidores destes bens (BOURDIEU, 2008, p. 166), sendo que esta classificação
direciona a uma nova configuração religiosa onde o imperativo é a junção de pontos
considerados positivos de outras experiências religiosas, éticas e morais compondo por
fim um habitus religioso híbrido.
Uma das práticas incorporadas pela congregação é o shabat. O termo em si
significa descanso em hebraico. De acordo com a tradição judaica o shabat
(UNTERMAN, 1992, 237) inicia no pôr do sol da sexta-feira e termina no pôr do sol do
sábado. Para o judeu praticante respeitar esta prática é considerar uma Imitatio Dei, a
celebração do shabat é caracterizada pelo acendimento de duas velas na sexta-feira à
noite e tem toda uma liturgia a ser seguida e desenvolvida pela família. O encerramento
se dá na noite de sábado com a cerimônia da havdalá, palavra hebraica para
“separação”, separação do dia de descanso, do tempo sagrado e, por conseguinte, do
tempo profano (UNTERMAN, 1992, 114). Segundo as freiras de Sion houve adaptação
na forma de celebrar o shabat por elas. De acordo com o relatado as freiras não fazem a
cerimônia de sexta-feira, isto revela que mesmo ao incorporar fragmentos ritualísticos
do Judaísmo fizeram modificações que julgam ser viáveis para a religiosidade da
Congregação. As mesmas afirmaram que durante o sábado lembram do dia como o dia
estabelecido na Bíblia para o descanso, que fazem leituras bíblicas especificas para
celebrar o dia em que Deus descansou. À noite quando do encerramento do shabat,
momento no qual é realizada a havdalá também houve modificações não apenas de
processos tais quais os feitos pelos judeus, mas de se comemorar duas situações em
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conjunto, o início da semana, comum para judeus e católicos, e o dia santo para estes
últimos. A comemoração é simples e realiza-se com um jantar onde são feitas orações.
Outra prática incorporada pela CNSS é a leitura da porção semanal, ou parashat.
A palavra parashat significa porção e neste caso em específico se refere à porção
semanal na qual contém o texto de uma determinada parte da bíblia a ser lida. O que é
interessante observar na porção semanal escrita pela congregação é a similitude de
termos usados na composição do texto, alguns em particular estão em hebraico para que
a interpretação não seja tão alterada. Há também citação de referências e fontes
rabínicas como suporte para uma leitura mais intimista. Assim como na parashat judaica
a porção semanal católica dedica algumas linhas para desenvolver a reflexão daquilo
que foi abordado no texto. As referências bibliográficas que foram usadas são na grande
maioria de livros de estudos eminentemente judaicos, chegando a mencionar Rashi, um
rabino francês do medievo que fez comentários sobre o Talmude e que é utilizado até os
dias atuais. No mesmo site numa seção destinada a comentários adicionais sobre a
parashat existe uma ressalva aos que se iniciam na leitura de textos judaicos.
If you are a beginner in reading Jewish commentaries, I recommend that you
begin your study in the order in which the books are listed. If you have even
a minimal knowledge of the Hebrew language, you will take special joy in
Etz Hayim. For new insights from women rabbis on the Torah portions, read
Goldstein. The commentaries by Nehama Leibowitz will introduce you to a
rich variety of rabbinic and medieval Jewish commentaries 4. Disponível em
http://www.batkol.info/?page_id=238
Embora o texto das duas porções semanais, judaica e católica, seja de cunho
religioso, nas duas está presente a incitação a reflexão crítica sobre o texto bíblico. Tal
reflexão não tenta destituir o texto bíblico de seu status sagrado para os fiéis das duas
religiões, apenas estimula compreender os meandros que os textos entrelaçam para dar o
sentido final da prática religiosa, fator que difere substancialmente para as duas
religiões. Para os judeus a prática religiosa e o estudo dos textos sagrados levam a uma
melhor atitude e respeito diante dos outros seres humanos, aqui na terra e não num
mundo vindouro, por isso é considerada uma prática ética, já para os católicos os textos
também estimulam um comportamento exemplar, embora a “recompensa” para as boas
ações seja usufruída num mundo espiritual. A diferença subentendida é que para os
4
Todos os exemplares são livros que tratam do Judaísmo e interpretação de seus textos, este rol de
livros demonstra que a CNSS incorporou como base de estudos os mesmos livros que são usados
pelos judeus para a análise e construção de seus textos, mormente aqueles da parashat haShavua.
9
judeus, caso este não seja correto no trato com as pessoas, o torna mal neste mundo, e
apenas mudando a postura ética e moral desempenhada neste mundo que o fará um ser
humano “melhor”. Para os cristãos, não apenas os católicos, mesmo que o fiel tenha
sido durante toda a vida uma pessoa má, caso haja arrependimento “sincero”, este
obterá as benesses do mundo vindouro, segundo a teologia cristã.
Uma terceira prática judaica relembrada pelas freiras da CNSS/SE é o Seder. De
acordo com o relatado pela freira o jantar do Seder é feito de maneira esporádica e não
necessariamente na data do Pessach. O motivo para esta “destemporalização” do Seder
é que o objetivo para o jantar, feito pelas freiras, é essencialmente educativo. A mesma
afirma que se algum dos “amigos de sion” não souber como é feita a organização do
jantar elas organizam-no com o intuito de instruir àqueles que desconhecem porém, têm
curiosidade em aprender. Por mais que as freiras assumam que estão apenas fazendo
uma representação do Seder visando à educação do laicato o que é depreendido com
este comportamento é a transferência de toda uma estrutura simbólica, material e
cultural do Judaísmo. A conseqüência, desta transferência cultural sui generis, é que os
indivíduos que participam da “celebração” começam a constituir um habitus religioso
tal qual a Modernidade incita, ou seja, fragmentado, composto pela eleição de
elementos considerados atraentes de religiões diversas.
Por fim é possível afirmar que, diante do observado nas freiras da Congregação
Nossa Senhora de Sion em Sergipe, a representação identitária destas é fruto de uma
nova religiosidade. O que torna diferente este objeto de estudo não é necessariamente a
junção de práticas ou ritos de vertentes religiosas diversas mas sim os agentes que
compõem o grupo estudado, ou seja as freiras. Percebe-se em fiéis “comuns” esta
transição entre credos e há vários estudos acerca deles. Neste caso são indivíduos que
estão oficialmente vinculados e reconhecidos pelo Vaticano que fazem uso desta
religiosidade fragmentada.
10
Referências
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religião. São Paulo: Paulus, 2004.
BOURDIEU, Pierre. El sentido práctico. Trad. Ariel Dilon. Buenos Aires: Siglo XXI,
2007.
__________. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2008.
__________. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. 14ª ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2010.
BURITY, Joanildo A. Cultura e identidade no campo religioso. Disponível em:
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/nove/burity9.htm
acesso: 20/07/2011
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar,
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HERVIEU-LÉGER, Danièle. O convertido e o peregrino – a religião em movimento.
Trad. João Batista Kreuch. Petrópolis: Vozes, 2008.
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX 1914-1991. 2ªed. Trad.
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MARIZ, Cecília Loreto. Catolicismo no Brasil contemporâneo: reavivamento e
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UNTERMAN, Alan. Dicionário judaico de lendas e tradições. Rio de Janeiro: Zahar,
1992.
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