Dissertacao Robert Matos3

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2.5.1 Cuidados locais
Os fluidos biológicos considerados de risco são o sangue, líquidos orgânicos contendo
sangue, sêmen, secreção vaginal, líquidos sinovial, peritoneal, pericárdico e amniótico. Em
acidente biológico com algum desses fluidos, o Ministério da Saúde recomenda lavagem
rigorosa com água e sabão, uso de solução anti-séptica (PVP - iodo ou clorexidina) em
acidente com instrumento perfurocortante. Em exposição de mucosa, lavagem exaustiva com
água ou solução fisiológica (BRASIL, 2000).
2.5.2 Terapia anti-retroviral
Estudo de caso controle efetuado pelo CDC em associação com a França e Reino Unido, entre
1988 e 1994, envolvendo profissionais de saúde que utilizaram AZT após acidente
perfurocortante com sangue contaminado, verificou que a probabilidade de infecção diminuiu
em 79% demonstrando a eficácia da terapia anti-retroviral (CDC, 1995).
No Brasil, a administração de quimioprofilaxia pós-exposição foi preconizada pelo Ministério
da Saúde em 1999. O Programa Estadual de Aids do estado de São Paulo e o Instituto de
Infectologia Emílio Ribas iniciaram, em 1999, um programa para o atendimento dos
profissionais acidentados com material biológico. Em dezembro de 2001, a Coordenação
Nacional DST/AIDS do Ministério da Saúde, com base em novos estudos conduzidos pelo
CDC, publicou as "Recomendações para terapia anti-retroviral em adultos e adolescentes
infectados pelo HIV – 2001” (BRASIL, 2001).
O profissional que venha a se expor acidentalmente a material biológico deve realizar o mais
rápido possível o teste anti-HIV com a finalidade de verificar a sua condição sorológica. Da
mesma forma deve proceder com o paciente fonte, para que, a partir deste resultado e
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avaliação da gravidade do acidente, possa decidir pela administração da terapia anti-retroviral
(ARV) mais adequada ao porte do acidente conforme fluxograma 1.
2.6 Recusa de atendimento ao portador de HIV
Com a grande preocupação dos profissionais de saúde com a possibilidade de contaminação
acidental, o Cirurgião Dentista, como parte integrante do conjunto de trabalhadores da área de
saúde, lidando diretamente com material orgânico passível de transmitir o HIV, enfrentou o
problema basicamente de duas formas: incorporando hábitos de biossegurança em suas
atividades diárias e evitando o atendimento a pacientes portadores do vírus e da doença
(GERBERT, 1987).
Em virtude do aumento de casos de contaminação, da adoção de protocolos de biossegurança,
da mudança no perfil de contaminação e do aprimoramento técnico-científico acerca do vírus
e da doença, o Cirurgião Dentista passou a efetuar o atendimento a pacientes infectados com
maior segurança. Porém, muitos estudos relatam que o medo de contrair a doença, a
possibilidade de perder a clientela, o desconhecimento e o preconceito ainda levam muitos
profissionais a resistirem em atender pacientes HIV positivos e portadores de AIDS, fato que
tem motivado os pacientes a sonegarem intencionalmente a informação de serem portadores
do HIV, após tentativas frustradas para obterem atendimento odontológico (JITORMISK,
1995; JITORMISK, 1997).
Segundo depoimento dos pacientes, os profissionais buscam uma série de “argumentos
técnicos” como falta de conhecimento, consultório não preparado para esses casos e cobrança
de preços exorbitantes, a fim de justificarem o seu despreparo humano para prestar um serviço
para o qual ele está tecnicamente habilitado (RAMOS, 1998). Os principais motivos seriam o
medo de se infectar com o HIV durante um procedimento odontológico e o medo de perder
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seus pacientes, visto que muitos Cirurgiões Dentistas que atendiam adequadamente pacientes
infectados com o HIV, se depararam com o medo ou o preconceito de seus clientes que
passaram a evitar este profissional (GERBERT, 1989; WILSOM et al., 1995; RAMOS, 1997;
AYER et al., 1998).
Diversos autores como GERBERT (1987), TERBLANCHE e MERWE (1998), entre outros,
apontam que a desinformação estaria levando os profissionais a recusarem o atendimento. Os
percentuais encontrados nos diversos trabalhos descritos na literatura mostram que apesar de
terem decorridos quase 25 anos desde o início da pandemia, com grandes avanços no
tratamento e prognóstico da doença, o número de profissionais que se recusam a atender
pacientes HIV positivos ainda é muito elevado (Quadro 2). GERBERT (1987) realizou um
dos primeiros estudos avaliando atitudes dos CDs, constatando que 63% deles não gostariam
de atender pacientes com AIDS. RAMOS e MARUYAMA (1997), utilizando-se de uma
metodologia de análise qualitativa, no período de setembro a dezembro de 1995, quando
foram entrevistados 18 pacientes HIV + na clínica de diagnóstico bucal do hospital Heliópolis
e no Centro de Atendimento a Pacientes Especiais (CAPE) da Faculdade de Odontologia da
USP, encontrou os seguintes resultados: dos 18 pacientes entrevistados, nove não procuraram
tratamento odontológico particular. Entre os outros nove pacientes, um não informou ao
profissional que era portador do vírus. Dos oito pacientes que informaram, quatro obtiveram
tratamento. Desses quatro atendidos, um era parente do dentista. Outro, após o tratamento, o
profissional orientou a procurar um serviço especializado. Um terceiro acredita ter pago um
valor bem acima do valor de mercado.
Os dados de recusa no atendimento observados na Jordânia (Quadro 2) estão fora dos padrões
mundiais e constituem em um grande desafio para as autoridades sanitárias na busca de
humanização do atendimento ao portador do HIV.
Tal comportamento é atribuído ao
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contexto sociocultural e religioso, com padrões rígidos de conduta moral (EL-MAAYTAH,
2005). Os comportamentos de alto risco não são reconhecidos oficialmente, e as
conseqüências sociais para certos desvios de conduta são severas, inclusive com prisão e
“matanças de honra.” O estigma de HIV e as discriminações são muito comuns, inclusive
entre profissionais de área de saúde. Não há nenhum acesso sistemático de subpopulações
vulneráveis (por exemplo, trabalhadoras do sexo feminino, usuários de droga injetáveis, e
homens que têm sexo com homens) a serviços de controle da epidemia; e as organizações não
governamentais (ONGs) estão pouco dispostas a trabalhar com eles. A Jordânia é um país
com 5.4 milhões de habitantes, com 600 indivíduos vivendo com HIV, sendo 392 com
diagnóstico de AIDS (U.S. Agency for International Development, 2005).
Os dados apresentados no quadro 2 mostram que os níveis de recusa apresentados na década
passada não diferem de forma significativa das atuais; no entanto, SENNA, (2005) encontrou
associação entre maior disposição para atender pacientes HIV positivos e a ocorrência de
experiência prévia com estes pacientes.
2.7 Aspectos éticos e legais no atendimento ao portador do HIV/AIDS
A recusa no atendimento a indivíduos HIV soropositivos ou com AIDS não representa apenas
ao exercício da liberdade-autonomia do profissional de saúde, está presente nesta questão um
dilema moral, no qual a necessidade do outro impõe uma reflexão responsável pautada em
princípios éticos e legais. Para tanto os quatro princípios da Bioética definidos por
Beauchamp e Childress (1994) podem nortear os envolvidos em conflitos morais no sentido
de propiciar um resultado de conduta que não traga prejuízos às partes: os princípios da
beneficência e não-maleficência correspondem às obrigações hipocráticas de atuar sempre
levando em conta o bem-estar do paciente. O princípio da autonomia leva em consideração o
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respeito aos direitos do paciente, suas escolhas, privacidade, sugestões. O princípio da justiça
está vinculado à distribuição de benefícios, a igualdade está no centro do conceito (ZACAN,
1999), porém sem deixar de observar o princípio da equidade, que significa a disposição de
reconhecer igualmente o direito de cada um a partir de suas diferenças (GARRAFA, 1997)
Quadro 2 - Estudos
sobre recusa do Cirurgião Dentista em atender pacientes contaminados pelo vírus HIV
Estudo (Local)
População
resultados
Gerbert, 1987
(EUA)
541 Cirurgiões Dentistas da
Califórnia.
63% não gostariam de atender pacientes
Com AIDS.
Ayer et al.,1988
(EUA)
Cirurgiões Dentistas de Chicago.
32% não estavam dispostos a atender
pacientes HIV+ enquanto 56% não
atenderiam pacientes com AIDS.
Terblanche e Merwe,
1998.
(África do Sul)
700 Cirurgiões Dentistas
selecionados aleatoriamente.
50% recusariam atendimento.
Discacciate, 1997
(Brasil)
161 Cirurgiões Dentistas, sendo
68 da Clínica Odontológica da
Polícia Militar e 93 da rede
conveniada da PMMG, região
metropolitana de Belo Horizonte
Encontrou percentual de resistência para
atender pacientes com AIDS na ordem
de 41,7%.
Vilaça, 1999
(Brasil)
82 Odontopediatras de Belo
Horizonte.
51,2% recusariam atender crianças e
adolescentes HIV+ e 30,6% não
atenderiam estes pacientes com AIDS.
Bishop; Oh; Swee, 2000
(Singapura)
377 Cirurgiões Dentistas.
40% da amostra não se sentem dispostos
a Atenderem pacientes portadores do
HIV.
Senna, 2005
(Brasil)
345 Cirurgiões Dentistas
trabalhadores da Secretaria
Municipal de Saúde de Belo
Horizonte (140 taxa de resposta).
45% apresentaram baixa disposição para
atender pacientes portadores do vírus
HIV.
Reis et al., 2005
(Nigéria)
1021 profissionais de Saúde em
quatro estados da Nigéria.
48% recusariam atendimento ao portador
de AIDS
El Maaytah, 2005
(Jordânia)
240 Cirurgiões Dentistas
jordanianos
85% dos Cirurgiões Dentistas não estão
dispostos a atender pacientes HIV+ .
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O código de ética Odontológica em seu artigo 2º afirma que “A odontologia é uma profissão
que se exerce em benefício da saúde do ser humano e da coletividade, sem discriminação de
qualquer forma ou pretexto.” No seu art. 5° constituem deveres fundamentais dos
profissionais inscritos: V - Zelar pela saúde e pela dignidade do paciente. No art. 7º Constitui infração ética: I – “Discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer
pretexto”. VI – “Abandonar paciente, salvo por motivo justificável, circunstância em que
serão conciliados os honorários e indicado substituto.” Desta forma, a Organização Mundial
de Saúde considera, desde 1988, que os Cirurgiões Dentistas têm a obrigação humana e
profissional de tratar e atender as pessoas infectadas com o HIV.
A discriminação do paciente soropositivo para HIV é considerada crime conforme declara a
Constituição Federal no seu capítulo I, Art. 5°, inciso XLI (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO
BRASIL, 1998) e condenável por diversos dispositivos legais emanados dos Ministérios e das
Secretarias do Trabalho, Saúde e Educação, bem como dos diversos tratados internacionais
assinados pelo Brasil que complementam a legislação nacional, especificamente o decreto lei
678/1992, que promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São
José da Costa Rica (GOMES, 2005).
Fortalecendo estes dispositivos de proteção contra práticas discriminatórias, está tramitando,
em fase final de apreciação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei originado no Senado de
n° 00051/03, da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), que define crimes resultantes de
discriminação ao portador do vírus HIV e ao doente de AIDS (BRASIL, Senado Federal,
2006). O projeto prevê detenção de 1 a 4 anos e multa para quem recusar, procrastinar,
cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno o portador de HIV em
creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado. Na
mesma pena incorre quem negar emprego ou trabalho, exonerar ou demitir de cargo ou
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emprego, segregar no ambiente de trabalho ou escolar, recusar ou retardar atendimento de
saúde e divulgar a condição de portador do HIV ou de doente de Aids com o intuito de
ofender-lhe a dignidade (BRASIL, Senado Federal, 2006).
A experiência bem sucedida do Canadá com relação ao atendimento ao paciente portador do
HIV partiu de uma ação governamental no sentido de evitar atitudes discriminatórias dos
pacientes contaminados. No início dos anos 90 o Governo canadense promoveu atualização
técnica de seus profissionais com algumas autoridades internacionais de saúde e colocou todo
arsenal de informações para o esclarecimento de dúvidas sobre HIV/AIDS. No fim da
capacitação, o Estado determinou que os Cirurgiões Dentistas atendessem aos pacientes
soropositivos no serviço público e quem não se sentisse à vontade para atendê-los, seria
convidado a deixar o cargo. Em pouco tempo percebeu-se que os profissionais haviam
absorvido as orientações e os pacientes eram atendidos sem resistências (ANDRADE, 2002).
A partir de 1998, em muitos centros da Europa, EUA e Brasil, as causas de óbito do paciente
portador de AIDS deixaram de ser as infecções oportunistas, conseqüência da
imunodepressão e passaram a ser as mesmas causas relatadas em indivíduos da mesma faixa
etária, porém, sem estarem infectados pelo vírus. Na década de 90, a AIDS passa a assumir
características de doença crônica, semelhante em alguma medida, ao câncer e as doenças
cardíacas, implicando longos períodos de tratamento e a necessidade de suporte social e
institucional. A imagem de doença emergencial e fatalmente letal não se adequa mais a esta
situação (ROCHA, 1999). Como as perspectivas indicam que os pacientes soropositivos
conviverão por muitos anos com a infecção, avaliações rotineiras empregadas no
acompanhamento de indivíduos soronegativos, como exames de controle cardiovascular,
preventivo ginecológico, preventivo do câncer de próstata, acompanhamento odontológico,
etc. devem fazer parte da rotina dos indivíduos portadores de infecção por HIV, que devem
38
encontrar profissionais de saúde, técnico, psicológica e eticamente preparados para atendê-los
(RACHID, 2003). Confirmando esta tendência, ANDRADE (2002) relata que as necessidades
dos pacientes freqüentadores do CRT-DST/AIDS de São Paulo, antes predominantemente,
por estomatologia, hoje realiza grande parte de seu atendimento voltado para os
procedimentos de estética, endodontia, odontopediatria e cirurgia bucomaxilofacil.
2.8 A construção da representação social da AIDS
A Representação Social é definida como uma forma de conhecimento do senso comum.
Ela está diretamente relacionada com a maneira como as pessoas interpretam ou traduzem os
conhecimentos veiculados socialmente (CARDOSO, 2004). O senso comum é o
conhecimento espontâneo resultante das experiências levadas a efeito pelo homem ao
enfrentar os problemas da existência e nasce diante da tentativa do indivíduo em resolver os
problemas da vida diária. Não há como desprezar esta forma de conhecimento tão universal,
visto que até o cientista mais rigoroso, quando está fora do campo de sua especialidade, é
também um homem comum e usa o conhecimento espontâneo no cotidiano de sua vida
(ARANHA, 1996).
A representação social é estabelecida através do universo simbólico que ordena a história,
localiza todos os acontecimentos coletivos numa unidade coerente que inclui o passado, o
presente e o futuro. Com relação ao passado, estabelece uma “memória” que é compartilhada
por todos os indivíduos socializados na coletividade. Em relação ao futuro, estabelece um
quadro de referência comum para a projeção das ações individuais (BERGER, 2002). Uma
função legitimadora estratégica dos universos simbólicos para a biografia individual é a. A
experiência da morte dos outros, e consequentemente, a antecipação de sua própria morte,
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estabelece também a mais aterrorizante ameaça as realidades asseguradas da vida cotidiana
(BERGER, 2002).
Neste sentido, JODELET (1998), afirma que as representações sociais são captadas
através dos processos de ancoragem e objetivação. Na ancoragem, a representação vai buscar
a matriz (universo simbólico) onde se inserir, que é o sistema de pensamento social
preexistente que dá sentido às representações. No caso da AIDS, as representações sociais são
ancoradas no modelo contagionista de doença, presente no imaginário da cultura Ocidental.
Práticas sanitaristas na Idade Média, ligadas à “lepra” e à “peste” estiveram ancoradas na
idéia de contágio e associavam o adoecimento à idéia de contato com o doente.
Na objetivação é concretizado em imagens aquilo que é abstrato e distante. A transformação
dos fluidos corporais como sangue e esperma em algo perigoso, a identificação nos grupos de
homossexuais como responsáveis pela epidemia, a responsabilização do outro como portador
do mal, a idéia de que contágio é algo perigoso e de que todo contato constitui risco, fizeram
o medo permanecer, e estas são forças de uma realidade construída que ainda hoje impelem
atitudes de discriminação contra os portadores do vírus HIV (PAULILO, 2005). Assim, o
padrão dos problemas éticos relativo à AIDS, numa primeira fase, ligou-se às práticas
discriminatórias das companhias de seguro, de empregadores, de profissionais de saúde, da
violação ao direito à educação, do emprego, à assistência médica, à liberdade de ir e vir, e
pela violação dos direitos básicos de cidadania dos detentos, homossexuais, usuário de drogas
e trabalhadores do sexo (ROCHA, 1999).
Fato marcante para a consolidação deste contexto foi que, antes da AIDS aparecer nas fileiras
da saúde, ela estréia como uma doença da mídia, que reproduz todos os estereótipos possíveis
acerca desta nova doença: contagiosa, incurável, mortal; doença marcadamente de
40
homossexuais masculinos, com viagens freqüentes ao exterior, morando nos grandes centros
urbanos (ROCHA, 1999). A imprensa inundou a sociedade de imagens e reportagens
retratando o quadro contagioso e mortífero da doença com chamadas aterrorizantes,
solidificando o imaginário simbólico do modelo contagionista: “A peste do século XX está
instalada no Brasil” (Isto É, 1985). Os pacientes só se permitiam fotografar ou filmar
utilizando pseudônimos e sem mostrarem o rosto. Em 1987, o Jornal do Brasil publica matéria
intitulada “diário da peste” na qual é detalhado o cotidiano dos portadores de AIDS dos
hospitais Gaffrée e Guinle, no Rio de Janeiro. A revista Veja mostra foto do cantor Cazuza na
capa com a chamada “vítima de AIDS agoniza em praça pública”; matéria que levou a um
questionamento da imprensa quanto aos limites éticos no tratamento do tema. Os portadores
de AIDS quando apareciam, invariavelmente, apresentavam aspecto triste, abatido,
cadavérico. Morrem Marquito, Betinho, Henfil, Cazuza, Lauro Corona, Sandra Bréa e outros
inúmeros anônimos. O quadro simbólico era de perda, dor e morte.
Para consolidar este imaginário social, as campanhas publicitárias de prevenção à AIDS,
desenvolvidas pelo Ministério da Saúde traziam um enfoque estigmatizante e amedrontador:
“Amor não mata” e “Não morra de AIDS” (1989); AIDS mata, use camisinha; “Se você não
se cuidar, a AIDS vai te pegar” acompanhada de um alvo nas genitálias masculina e feminina,
indicando o perigo das relações sexuais (PARKER, 1999). Somente a partir do início dos anos
90, as campanhas começam a adquirir um contorno mais humanístico, voltadas para a
valorização da vida, da dignidade e da auto-estima. As organizações não governamentais
como o grupo Atobá, Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), Grupo de
Apoio à Prevenção da Aids(GAPA), entre outros, tiveram papel de destaque nesta mudança
de paradigma, não somente na reorientação das campanhas educativas como também nas
relações da sociedade com os portadores de HIV (ROCHA, 1999).
41
2.9 A formação profissional do cirurgião dentista em tempos de AIDS
O relatório final da 3ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE BUCAL em 2004 aponta
que o sistema de ensino superior não está cumprindo o seu papel na formação de profissionais
comprometidos com o Sistema Único de Saúde e com o controle social. A formação dos
trabalhadores da Saúde Bucal não se orienta pela compreensão crítica das necessidades
sociais nesta área. É conduzida sem debate com os organismos de gestão e de participação
social do SUS, resultando em autonomização do Ministério da Educação, das universidades
públicas e privadas, das instituições formadoras de trabalhadores de nível médio para a saúde
e das Associações de Especialistas nas decisões relativas às quantidades e características
políticas e técnicas dos profissionais de saúde a serem formados. A causa principal deste
quadro é que o modelo formador do país está dissociado da realidade brasileira, não se
comprometendo com as necessidades da população (3ª CNSB, 2004).
Ainda que se observem alguns esforços pontuais para mudar esse quadro, o sistema de ensino
superior está, de maneira geral, quase que totalmente alienado da realidade sócioepidemiológica da população brasileira. A pós-graduação em saúde bucal dá ênfase a
especializações que confirmam e aprofundam o modelo mercantilista e elitista da Odontologia
no país. A pós-graduação em nível de mestrado e doutorado, em quase todos os casos, tende a
especializar mais o especialista no mesmo marco conceitual pedagógico (3ª CNSB, 2004).
Fundamentando este contexto, o relatório síntese do Exame Nacional de Cursos constata que,
um quarto dos cursos de Odontologia apresenta necessidade de aprimoramento do projeto
pedagógico e integração de disciplinas, mostrando ainda que o discurso preventivo convive
com uma prática controversa. O modelo de ensino continua claramente conservador e elitista,
dando ênfase à especialização precoce (CARVALHO, 2002), embora o SUS constitua um
42
significativo mercado de trabalho, principalmente com a inserção da saúde bucal na estratégia
de saúde da família, este fato ainda não tem sido suficiente para produzir o impacto esperado
no ensino de graduação (MORITA, 2004). Outro aspecto que merece reflexão por interferir na
tomada de decisão profissional é o nível de formação moral dos futuros Cirurgiões Dentistas.
Estudo conduzido por FREITAS e Col. em 2005 avaliando o desenvolvimento moral em
formandos de um curso de Odontologia a partir de uma avaliação construtivista, constatou
que 66% dos formandos encontravam-se nos 1° e 2° estágios (de 5), correspondendo ao
desenvolvimento moral de crianças nas faixas etárias de 7 a 11 anos.
Neste sentido as Diretrizes Curriculares Nacionais assumem um papel estratégico no
aperfeiçoamento do ensino superior para produzir um rompimento no modelo centrado no
trabalho individual e individualista do profissional, formado com uma precária visão
humanística e moral. Buscando normatizar ações que assegurem uma formação profissional
integralizada, o Art. 5° da resolução CNE/CES n° 1300/01, de 06/11/2001 (BRASIL, Diário
Oficial da União, 2002) estabelece que a formação do Cirurgião Dentista deve ter por objetivo
dotar o profissional de princípios éticos e legais inerentes ao exercício profissional, para que
este atue em todos os níveis de atenção à saúde, comprometidos com o ser humano,
respeitando-o e valorizando-o. O Cirurgião Dentista deve atuar multiprofissional,
interdisciplinar e transdisciplinarmente, baseado na convicção científica, de cidadania e de
ética; reconhecendo a saúde como direito de condições dignas à vida e atuar de forma a
garantir a integralidade da assistência, exigida para cada caso em todos os níveis de
complexidade do sistema. Dessa forma o CD. deve exercer sua profissão de forma articulada
ao contexto social, entendendo-a como uma forma de participação e contribuição social;
promovendo a saúde bucal; prevenindo doenças e distúrbios bucais; aplicando conhecimentos
e compreensão de outros aspectos de cuidados de saúde na busca mais adequada de soluções
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para os problemas clínicos no interesse do indivíduo e da comunidade e, entre outras ações,
participar de educação continuada relativo à saúde bucal e doenças como um componente da
obrigação profissional.
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3 PROPOSIÇÃO
O presente trabalho se propõe a analisar o comportamento atual dos Cirurgiões Dentistas no
município de Salvador quanto a sua atitude frente ao atendimento de pacientes HIV positivos.
Propõe-se também a analisar conhecimento destes profissionais acerca da probabilidade de
contaminação acidental, bem como os cuidados a serem adotados em caso de exposição
ocupacional a material biológico infectado com o vírus HIV.
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