2.5.1 Cuidados locais Os fluidos biológicos considerados de risco são o sangue, líquidos orgânicos contendo sangue, sêmen, secreção vaginal, líquidos sinovial, peritoneal, pericárdico e amniótico. Em acidente biológico com algum desses fluidos, o Ministério da Saúde recomenda lavagem rigorosa com água e sabão, uso de solução anti-séptica (PVP - iodo ou clorexidina) em acidente com instrumento perfurocortante. Em exposição de mucosa, lavagem exaustiva com água ou solução fisiológica (BRASIL, 2000). 2.5.2 Terapia anti-retroviral Estudo de caso controle efetuado pelo CDC em associação com a França e Reino Unido, entre 1988 e 1994, envolvendo profissionais de saúde que utilizaram AZT após acidente perfurocortante com sangue contaminado, verificou que a probabilidade de infecção diminuiu em 79% demonstrando a eficácia da terapia anti-retroviral (CDC, 1995). No Brasil, a administração de quimioprofilaxia pós-exposição foi preconizada pelo Ministério da Saúde em 1999. O Programa Estadual de Aids do estado de São Paulo e o Instituto de Infectologia Emílio Ribas iniciaram, em 1999, um programa para o atendimento dos profissionais acidentados com material biológico. Em dezembro de 2001, a Coordenação Nacional DST/AIDS do Ministério da Saúde, com base em novos estudos conduzidos pelo CDC, publicou as "Recomendações para terapia anti-retroviral em adultos e adolescentes infectados pelo HIV – 2001” (BRASIL, 2001). O profissional que venha a se expor acidentalmente a material biológico deve realizar o mais rápido possível o teste anti-HIV com a finalidade de verificar a sua condição sorológica. Da mesma forma deve proceder com o paciente fonte, para que, a partir deste resultado e 32 avaliação da gravidade do acidente, possa decidir pela administração da terapia anti-retroviral (ARV) mais adequada ao porte do acidente conforme fluxograma 1. 2.6 Recusa de atendimento ao portador de HIV Com a grande preocupação dos profissionais de saúde com a possibilidade de contaminação acidental, o Cirurgião Dentista, como parte integrante do conjunto de trabalhadores da área de saúde, lidando diretamente com material orgânico passível de transmitir o HIV, enfrentou o problema basicamente de duas formas: incorporando hábitos de biossegurança em suas atividades diárias e evitando o atendimento a pacientes portadores do vírus e da doença (GERBERT, 1987). Em virtude do aumento de casos de contaminação, da adoção de protocolos de biossegurança, da mudança no perfil de contaminação e do aprimoramento técnico-científico acerca do vírus e da doença, o Cirurgião Dentista passou a efetuar o atendimento a pacientes infectados com maior segurança. Porém, muitos estudos relatam que o medo de contrair a doença, a possibilidade de perder a clientela, o desconhecimento e o preconceito ainda levam muitos profissionais a resistirem em atender pacientes HIV positivos e portadores de AIDS, fato que tem motivado os pacientes a sonegarem intencionalmente a informação de serem portadores do HIV, após tentativas frustradas para obterem atendimento odontológico (JITORMISK, 1995; JITORMISK, 1997). Segundo depoimento dos pacientes, os profissionais buscam uma série de “argumentos técnicos” como falta de conhecimento, consultório não preparado para esses casos e cobrança de preços exorbitantes, a fim de justificarem o seu despreparo humano para prestar um serviço para o qual ele está tecnicamente habilitado (RAMOS, 1998). Os principais motivos seriam o medo de se infectar com o HIV durante um procedimento odontológico e o medo de perder 33 seus pacientes, visto que muitos Cirurgiões Dentistas que atendiam adequadamente pacientes infectados com o HIV, se depararam com o medo ou o preconceito de seus clientes que passaram a evitar este profissional (GERBERT, 1989; WILSOM et al., 1995; RAMOS, 1997; AYER et al., 1998). Diversos autores como GERBERT (1987), TERBLANCHE e MERWE (1998), entre outros, apontam que a desinformação estaria levando os profissionais a recusarem o atendimento. Os percentuais encontrados nos diversos trabalhos descritos na literatura mostram que apesar de terem decorridos quase 25 anos desde o início da pandemia, com grandes avanços no tratamento e prognóstico da doença, o número de profissionais que se recusam a atender pacientes HIV positivos ainda é muito elevado (Quadro 2). GERBERT (1987) realizou um dos primeiros estudos avaliando atitudes dos CDs, constatando que 63% deles não gostariam de atender pacientes com AIDS. RAMOS e MARUYAMA (1997), utilizando-se de uma metodologia de análise qualitativa, no período de setembro a dezembro de 1995, quando foram entrevistados 18 pacientes HIV + na clínica de diagnóstico bucal do hospital Heliópolis e no Centro de Atendimento a Pacientes Especiais (CAPE) da Faculdade de Odontologia da USP, encontrou os seguintes resultados: dos 18 pacientes entrevistados, nove não procuraram tratamento odontológico particular. Entre os outros nove pacientes, um não informou ao profissional que era portador do vírus. Dos oito pacientes que informaram, quatro obtiveram tratamento. Desses quatro atendidos, um era parente do dentista. Outro, após o tratamento, o profissional orientou a procurar um serviço especializado. Um terceiro acredita ter pago um valor bem acima do valor de mercado. Os dados de recusa no atendimento observados na Jordânia (Quadro 2) estão fora dos padrões mundiais e constituem em um grande desafio para as autoridades sanitárias na busca de humanização do atendimento ao portador do HIV. Tal comportamento é atribuído ao 34 contexto sociocultural e religioso, com padrões rígidos de conduta moral (EL-MAAYTAH, 2005). Os comportamentos de alto risco não são reconhecidos oficialmente, e as conseqüências sociais para certos desvios de conduta são severas, inclusive com prisão e “matanças de honra.” O estigma de HIV e as discriminações são muito comuns, inclusive entre profissionais de área de saúde. Não há nenhum acesso sistemático de subpopulações vulneráveis (por exemplo, trabalhadoras do sexo feminino, usuários de droga injetáveis, e homens que têm sexo com homens) a serviços de controle da epidemia; e as organizações não governamentais (ONGs) estão pouco dispostas a trabalhar com eles. A Jordânia é um país com 5.4 milhões de habitantes, com 600 indivíduos vivendo com HIV, sendo 392 com diagnóstico de AIDS (U.S. Agency for International Development, 2005). Os dados apresentados no quadro 2 mostram que os níveis de recusa apresentados na década passada não diferem de forma significativa das atuais; no entanto, SENNA, (2005) encontrou associação entre maior disposição para atender pacientes HIV positivos e a ocorrência de experiência prévia com estes pacientes. 2.7 Aspectos éticos e legais no atendimento ao portador do HIV/AIDS A recusa no atendimento a indivíduos HIV soropositivos ou com AIDS não representa apenas ao exercício da liberdade-autonomia do profissional de saúde, está presente nesta questão um dilema moral, no qual a necessidade do outro impõe uma reflexão responsável pautada em princípios éticos e legais. Para tanto os quatro princípios da Bioética definidos por Beauchamp e Childress (1994) podem nortear os envolvidos em conflitos morais no sentido de propiciar um resultado de conduta que não traga prejuízos às partes: os princípios da beneficência e não-maleficência correspondem às obrigações hipocráticas de atuar sempre levando em conta o bem-estar do paciente. O princípio da autonomia leva em consideração o 35 respeito aos direitos do paciente, suas escolhas, privacidade, sugestões. O princípio da justiça está vinculado à distribuição de benefícios, a igualdade está no centro do conceito (ZACAN, 1999), porém sem deixar de observar o princípio da equidade, que significa a disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um a partir de suas diferenças (GARRAFA, 1997) Quadro 2 - Estudos sobre recusa do Cirurgião Dentista em atender pacientes contaminados pelo vírus HIV Estudo (Local) População resultados Gerbert, 1987 (EUA) 541 Cirurgiões Dentistas da Califórnia. 63% não gostariam de atender pacientes Com AIDS. Ayer et al.,1988 (EUA) Cirurgiões Dentistas de Chicago. 32% não estavam dispostos a atender pacientes HIV+ enquanto 56% não atenderiam pacientes com AIDS. Terblanche e Merwe, 1998. (África do Sul) 700 Cirurgiões Dentistas selecionados aleatoriamente. 50% recusariam atendimento. Discacciate, 1997 (Brasil) 161 Cirurgiões Dentistas, sendo 68 da Clínica Odontológica da Polícia Militar e 93 da rede conveniada da PMMG, região metropolitana de Belo Horizonte Encontrou percentual de resistência para atender pacientes com AIDS na ordem de 41,7%. Vilaça, 1999 (Brasil) 82 Odontopediatras de Belo Horizonte. 51,2% recusariam atender crianças e adolescentes HIV+ e 30,6% não atenderiam estes pacientes com AIDS. Bishop; Oh; Swee, 2000 (Singapura) 377 Cirurgiões Dentistas. 40% da amostra não se sentem dispostos a Atenderem pacientes portadores do HIV. Senna, 2005 (Brasil) 345 Cirurgiões Dentistas trabalhadores da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (140 taxa de resposta). 45% apresentaram baixa disposição para atender pacientes portadores do vírus HIV. Reis et al., 2005 (Nigéria) 1021 profissionais de Saúde em quatro estados da Nigéria. 48% recusariam atendimento ao portador de AIDS El Maaytah, 2005 (Jordânia) 240 Cirurgiões Dentistas jordanianos 85% dos Cirurgiões Dentistas não estão dispostos a atender pacientes HIV+ . 36 O código de ética Odontológica em seu artigo 2º afirma que “A odontologia é uma profissão que se exerce em benefício da saúde do ser humano e da coletividade, sem discriminação de qualquer forma ou pretexto.” No seu art. 5° constituem deveres fundamentais dos profissionais inscritos: V - Zelar pela saúde e pela dignidade do paciente. No art. 7º Constitui infração ética: I – “Discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto”. VI – “Abandonar paciente, salvo por motivo justificável, circunstância em que serão conciliados os honorários e indicado substituto.” Desta forma, a Organização Mundial de Saúde considera, desde 1988, que os Cirurgiões Dentistas têm a obrigação humana e profissional de tratar e atender as pessoas infectadas com o HIV. A discriminação do paciente soropositivo para HIV é considerada crime conforme declara a Constituição Federal no seu capítulo I, Art. 5°, inciso XLI (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL, 1998) e condenável por diversos dispositivos legais emanados dos Ministérios e das Secretarias do Trabalho, Saúde e Educação, bem como dos diversos tratados internacionais assinados pelo Brasil que complementam a legislação nacional, especificamente o decreto lei 678/1992, que promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica (GOMES, 2005). Fortalecendo estes dispositivos de proteção contra práticas discriminatórias, está tramitando, em fase final de apreciação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei originado no Senado de n° 00051/03, da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), que define crimes resultantes de discriminação ao portador do vírus HIV e ao doente de AIDS (BRASIL, Senado Federal, 2006). O projeto prevê detenção de 1 a 4 anos e multa para quem recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno o portador de HIV em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado. Na mesma pena incorre quem negar emprego ou trabalho, exonerar ou demitir de cargo ou 37 emprego, segregar no ambiente de trabalho ou escolar, recusar ou retardar atendimento de saúde e divulgar a condição de portador do HIV ou de doente de Aids com o intuito de ofender-lhe a dignidade (BRASIL, Senado Federal, 2006). A experiência bem sucedida do Canadá com relação ao atendimento ao paciente portador do HIV partiu de uma ação governamental no sentido de evitar atitudes discriminatórias dos pacientes contaminados. No início dos anos 90 o Governo canadense promoveu atualização técnica de seus profissionais com algumas autoridades internacionais de saúde e colocou todo arsenal de informações para o esclarecimento de dúvidas sobre HIV/AIDS. No fim da capacitação, o Estado determinou que os Cirurgiões Dentistas atendessem aos pacientes soropositivos no serviço público e quem não se sentisse à vontade para atendê-los, seria convidado a deixar o cargo. Em pouco tempo percebeu-se que os profissionais haviam absorvido as orientações e os pacientes eram atendidos sem resistências (ANDRADE, 2002). A partir de 1998, em muitos centros da Europa, EUA e Brasil, as causas de óbito do paciente portador de AIDS deixaram de ser as infecções oportunistas, conseqüência da imunodepressão e passaram a ser as mesmas causas relatadas em indivíduos da mesma faixa etária, porém, sem estarem infectados pelo vírus. Na década de 90, a AIDS passa a assumir características de doença crônica, semelhante em alguma medida, ao câncer e as doenças cardíacas, implicando longos períodos de tratamento e a necessidade de suporte social e institucional. A imagem de doença emergencial e fatalmente letal não se adequa mais a esta situação (ROCHA, 1999). Como as perspectivas indicam que os pacientes soropositivos conviverão por muitos anos com a infecção, avaliações rotineiras empregadas no acompanhamento de indivíduos soronegativos, como exames de controle cardiovascular, preventivo ginecológico, preventivo do câncer de próstata, acompanhamento odontológico, etc. devem fazer parte da rotina dos indivíduos portadores de infecção por HIV, que devem 38 encontrar profissionais de saúde, técnico, psicológica e eticamente preparados para atendê-los (RACHID, 2003). Confirmando esta tendência, ANDRADE (2002) relata que as necessidades dos pacientes freqüentadores do CRT-DST/AIDS de São Paulo, antes predominantemente, por estomatologia, hoje realiza grande parte de seu atendimento voltado para os procedimentos de estética, endodontia, odontopediatria e cirurgia bucomaxilofacil. 2.8 A construção da representação social da AIDS A Representação Social é definida como uma forma de conhecimento do senso comum. Ela está diretamente relacionada com a maneira como as pessoas interpretam ou traduzem os conhecimentos veiculados socialmente (CARDOSO, 2004). O senso comum é o conhecimento espontâneo resultante das experiências levadas a efeito pelo homem ao enfrentar os problemas da existência e nasce diante da tentativa do indivíduo em resolver os problemas da vida diária. Não há como desprezar esta forma de conhecimento tão universal, visto que até o cientista mais rigoroso, quando está fora do campo de sua especialidade, é também um homem comum e usa o conhecimento espontâneo no cotidiano de sua vida (ARANHA, 1996). A representação social é estabelecida através do universo simbólico que ordena a história, localiza todos os acontecimentos coletivos numa unidade coerente que inclui o passado, o presente e o futuro. Com relação ao passado, estabelece uma “memória” que é compartilhada por todos os indivíduos socializados na coletividade. Em relação ao futuro, estabelece um quadro de referência comum para a projeção das ações individuais (BERGER, 2002). Uma função legitimadora estratégica dos universos simbólicos para a biografia individual é a. A experiência da morte dos outros, e consequentemente, a antecipação de sua própria morte, 39 estabelece também a mais aterrorizante ameaça as realidades asseguradas da vida cotidiana (BERGER, 2002). Neste sentido, JODELET (1998), afirma que as representações sociais são captadas através dos processos de ancoragem e objetivação. Na ancoragem, a representação vai buscar a matriz (universo simbólico) onde se inserir, que é o sistema de pensamento social preexistente que dá sentido às representações. No caso da AIDS, as representações sociais são ancoradas no modelo contagionista de doença, presente no imaginário da cultura Ocidental. Práticas sanitaristas na Idade Média, ligadas à “lepra” e à “peste” estiveram ancoradas na idéia de contágio e associavam o adoecimento à idéia de contato com o doente. Na objetivação é concretizado em imagens aquilo que é abstrato e distante. A transformação dos fluidos corporais como sangue e esperma em algo perigoso, a identificação nos grupos de homossexuais como responsáveis pela epidemia, a responsabilização do outro como portador do mal, a idéia de que contágio é algo perigoso e de que todo contato constitui risco, fizeram o medo permanecer, e estas são forças de uma realidade construída que ainda hoje impelem atitudes de discriminação contra os portadores do vírus HIV (PAULILO, 2005). Assim, o padrão dos problemas éticos relativo à AIDS, numa primeira fase, ligou-se às práticas discriminatórias das companhias de seguro, de empregadores, de profissionais de saúde, da violação ao direito à educação, do emprego, à assistência médica, à liberdade de ir e vir, e pela violação dos direitos básicos de cidadania dos detentos, homossexuais, usuário de drogas e trabalhadores do sexo (ROCHA, 1999). Fato marcante para a consolidação deste contexto foi que, antes da AIDS aparecer nas fileiras da saúde, ela estréia como uma doença da mídia, que reproduz todos os estereótipos possíveis acerca desta nova doença: contagiosa, incurável, mortal; doença marcadamente de 40 homossexuais masculinos, com viagens freqüentes ao exterior, morando nos grandes centros urbanos (ROCHA, 1999). A imprensa inundou a sociedade de imagens e reportagens retratando o quadro contagioso e mortífero da doença com chamadas aterrorizantes, solidificando o imaginário simbólico do modelo contagionista: “A peste do século XX está instalada no Brasil” (Isto É, 1985). Os pacientes só se permitiam fotografar ou filmar utilizando pseudônimos e sem mostrarem o rosto. Em 1987, o Jornal do Brasil publica matéria intitulada “diário da peste” na qual é detalhado o cotidiano dos portadores de AIDS dos hospitais Gaffrée e Guinle, no Rio de Janeiro. A revista Veja mostra foto do cantor Cazuza na capa com a chamada “vítima de AIDS agoniza em praça pública”; matéria que levou a um questionamento da imprensa quanto aos limites éticos no tratamento do tema. Os portadores de AIDS quando apareciam, invariavelmente, apresentavam aspecto triste, abatido, cadavérico. Morrem Marquito, Betinho, Henfil, Cazuza, Lauro Corona, Sandra Bréa e outros inúmeros anônimos. O quadro simbólico era de perda, dor e morte. Para consolidar este imaginário social, as campanhas publicitárias de prevenção à AIDS, desenvolvidas pelo Ministério da Saúde traziam um enfoque estigmatizante e amedrontador: “Amor não mata” e “Não morra de AIDS” (1989); AIDS mata, use camisinha; “Se você não se cuidar, a AIDS vai te pegar” acompanhada de um alvo nas genitálias masculina e feminina, indicando o perigo das relações sexuais (PARKER, 1999). Somente a partir do início dos anos 90, as campanhas começam a adquirir um contorno mais humanístico, voltadas para a valorização da vida, da dignidade e da auto-estima. As organizações não governamentais como o grupo Atobá, Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), Grupo de Apoio à Prevenção da Aids(GAPA), entre outros, tiveram papel de destaque nesta mudança de paradigma, não somente na reorientação das campanhas educativas como também nas relações da sociedade com os portadores de HIV (ROCHA, 1999). 41 2.9 A formação profissional do cirurgião dentista em tempos de AIDS O relatório final da 3ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE BUCAL em 2004 aponta que o sistema de ensino superior não está cumprindo o seu papel na formação de profissionais comprometidos com o Sistema Único de Saúde e com o controle social. A formação dos trabalhadores da Saúde Bucal não se orienta pela compreensão crítica das necessidades sociais nesta área. É conduzida sem debate com os organismos de gestão e de participação social do SUS, resultando em autonomização do Ministério da Educação, das universidades públicas e privadas, das instituições formadoras de trabalhadores de nível médio para a saúde e das Associações de Especialistas nas decisões relativas às quantidades e características políticas e técnicas dos profissionais de saúde a serem formados. A causa principal deste quadro é que o modelo formador do país está dissociado da realidade brasileira, não se comprometendo com as necessidades da população (3ª CNSB, 2004). Ainda que se observem alguns esforços pontuais para mudar esse quadro, o sistema de ensino superior está, de maneira geral, quase que totalmente alienado da realidade sócioepidemiológica da população brasileira. A pós-graduação em saúde bucal dá ênfase a especializações que confirmam e aprofundam o modelo mercantilista e elitista da Odontologia no país. A pós-graduação em nível de mestrado e doutorado, em quase todos os casos, tende a especializar mais o especialista no mesmo marco conceitual pedagógico (3ª CNSB, 2004). Fundamentando este contexto, o relatório síntese do Exame Nacional de Cursos constata que, um quarto dos cursos de Odontologia apresenta necessidade de aprimoramento do projeto pedagógico e integração de disciplinas, mostrando ainda que o discurso preventivo convive com uma prática controversa. O modelo de ensino continua claramente conservador e elitista, dando ênfase à especialização precoce (CARVALHO, 2002), embora o SUS constitua um 42 significativo mercado de trabalho, principalmente com a inserção da saúde bucal na estratégia de saúde da família, este fato ainda não tem sido suficiente para produzir o impacto esperado no ensino de graduação (MORITA, 2004). Outro aspecto que merece reflexão por interferir na tomada de decisão profissional é o nível de formação moral dos futuros Cirurgiões Dentistas. Estudo conduzido por FREITAS e Col. em 2005 avaliando o desenvolvimento moral em formandos de um curso de Odontologia a partir de uma avaliação construtivista, constatou que 66% dos formandos encontravam-se nos 1° e 2° estágios (de 5), correspondendo ao desenvolvimento moral de crianças nas faixas etárias de 7 a 11 anos. Neste sentido as Diretrizes Curriculares Nacionais assumem um papel estratégico no aperfeiçoamento do ensino superior para produzir um rompimento no modelo centrado no trabalho individual e individualista do profissional, formado com uma precária visão humanística e moral. Buscando normatizar ações que assegurem uma formação profissional integralizada, o Art. 5° da resolução CNE/CES n° 1300/01, de 06/11/2001 (BRASIL, Diário Oficial da União, 2002) estabelece que a formação do Cirurgião Dentista deve ter por objetivo dotar o profissional de princípios éticos e legais inerentes ao exercício profissional, para que este atue em todos os níveis de atenção à saúde, comprometidos com o ser humano, respeitando-o e valorizando-o. O Cirurgião Dentista deve atuar multiprofissional, interdisciplinar e transdisciplinarmente, baseado na convicção científica, de cidadania e de ética; reconhecendo a saúde como direito de condições dignas à vida e atuar de forma a garantir a integralidade da assistência, exigida para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. Dessa forma o CD. deve exercer sua profissão de forma articulada ao contexto social, entendendo-a como uma forma de participação e contribuição social; promovendo a saúde bucal; prevenindo doenças e distúrbios bucais; aplicando conhecimentos e compreensão de outros aspectos de cuidados de saúde na busca mais adequada de soluções 43 para os problemas clínicos no interesse do indivíduo e da comunidade e, entre outras ações, participar de educação continuada relativo à saúde bucal e doenças como um componente da obrigação profissional. 44 3 PROPOSIÇÃO O presente trabalho se propõe a analisar o comportamento atual dos Cirurgiões Dentistas no município de Salvador quanto a sua atitude frente ao atendimento de pacientes HIV positivos. Propõe-se também a analisar conhecimento destes profissionais acerca da probabilidade de contaminação acidental, bem como os cuidados a serem adotados em caso de exposição ocupacional a material biológico infectado com o vírus HIV. 45