TEATRO DO OPRIMIDO E INTERDISCIPLINARIDADE

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TEATRO DO OPRIMIDO E INTERDISCIPLINARIDADE: POSSIBILIDADE DE
INSERÇÃO DO DEBATE SOBRE OPRESSÕES NA ATUAÇÃO
INTERDISCIPLINAR
Autor: Wesley Frois Aragão1
Rafael de Camargo Bueno2
Samuel de Moraes Pretto3
Eixo Temático: Educação, Linguagens, Tecnologia e Valores.
Agência Financiadora: CAPES.
Resumo
Este resumo visa a reflexão sobre o processo de elaboração de uma das ações
interdisciplinares do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência na Escola
Técnica Estadual Professora Sylvia Mello, localizada no bairro Fragata (Pelotas/RS),
planejada pelos bolsistas dos cursos de Teatro e Ciências Sociais, bem como sobre a ação
na sua totalidade. O PIBID da Universidade Federal de Pelotas atua sob duas perspectivas:
disciplinar, com encontros de área, no qual o PIBID Teatro é formado por doze bolsistas,
uma coordenadora e duas supervisoras, voltado para o ensino médio; e interdisciplinar,
articulando as licenciaturas para o desenvolvimento de ações na comunidade escolar. No
caso da escola citada anteriormente o programa é orientado por um professor coordenador
do curso de Biologia, com discentes de diversas áreas. A atividade a ser descrita é um
recorte desta ação interdisciplinar programada por três dos bolsistas, ambos do Teatro,
visando estimular o debate sobre opressões. Como referência, utilizaremos a obra de
Augusto Boal, experimentando algumas técnicas do teatro sistematizado por ele, e as
reflexões sobre “O Espectador Emancipado”, de Jacques Rancière, acerca de um
participante ativo na construção do seu conhecimento. Na elaboração desse projeto as
licenciaturas se organizaram por afinidade de ideias e dialogaram sobre possibilidades de
ações que compusessem uma gincana para alunos do ensino médio das turmas de
Seminário Integrado. Denominada “Corrida Orientada”, esta divide-se em quatro estações
que os alunos deverão percorrer, sendo avaliados pelas propostas solicitadas pelos
bolsistas em cada uma delas, e pelo tempo necessário para o desenvolvimento das
mesmas. Cada estação ficou sob responsabilidade de duas licenciaturas. A primeira ficou a
cargo dos bolsistas de Teatro e Ciências Sociais, seguido pelas estações dois, Filosofia e
História; três, Biologia e Química; e quatro, Matemática e Letras. O trabalho na escola
possibilita aproximação direta com os alunos, proporcionando a compreensão de algumas
questões que os circundam. Diante disso, percebeu-se a necessidade de inserção do
debate sobre opressões, o que nos encorajou a pensar abordagens que democratizassem o
acesso à discussão. Aproximamos duas técnicas de Teatro do Oprimido que estimulam o
pensamento crítico-reflexivo, Teatro do Invisível e Teatro Fórum, junto com a dinâmica
proposta pelas Ciências Sociais, que lançará perguntas para os secundaristas sobre
violência escolar, racismo, machismo, intolerância religiosa e homofobia. Quando o
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Universidade Federal de Pelotas, [email protected]
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participante se identificar com a questão, dará um passo à frente, enquanto aquele que
notar que é desfavorecido e/ou sofre opressão pelo sistema diante da pergunta, dará um
passo para trás. Concomitantemente, serão realizados diálogos entres os propositores de
cunho preconceituoso para que os jovens sejam instigados a adentrar e intervir nas ações
anteriormente arquitetadas. Caso não haja interferência mesmo com estímulo programado,
uma bolsista de Ciências Sociais simulará que esbraveja, retirando-se da sala, e retornando
depois para questionarmos o grupo sobre a razão de não interromper o que estava
ocorrendo. Na sequência ler-se-á o poema do encenador alemão, Bertolt Brecht, Intertexto,
que trata sobre um homem que não se sensibilizou com o fato de levarem os negros, os
operários, os miseráveis e os desempregados, então quando ele é levado, ninguém se
sentiu empático com sua causa. O objetivo é explanar sobre a individualidade e o egoísmo
do ser humano. Flávio Sanctum, coringa do Centro de Teatro do Oprimido, define essa
forma específica de fazer teatro como “um instrumento pedagógico/artístico/político muito
eficaz para a discussão de temas difíceis de serem abordados”. Essa metodologia, segundo
ele, incentiva o diálogo social, o autoconhecimento, e possibilita que o indivíduo se torne
cidadão em cena (SANCTUM, 2015, p. 21). Boal explicita que “cidadão não é aquele que
vive em sociedade – é aquele que a transforma” (BOAL, 2009, p. 22), indo ao encontro do
que propomos no jogo teatral: intervir e modificar a realidade apresentada. A especificidade
que diferencia as técnicas citadas de abordagem para o tema das opressões é a anunciação
ou não-anunciação do evento teatral. Ambas apresentam cenas de opressão e propõem
uma revisão de condutas e discursos. No Teatro Fórum, sabe-se que se está diante de uma
cena, logo, o posicionamento do espectador é também atravessado pelo movimento estético
solicitado pela teatralidade. Já no Teatro do Invisível, a não-anunciação do evento teatral
coloca o fruidor na posição de cidadão e não de espectador, o que modifica sua leitura e
decodificação diante do que vê. Ambas as técnicas possuem o debate como um dos eixos
fundamentais para o seu funcionamento, podendo este se dar tanto fora, quanto dentro do
espaço cênico. Rancière centra-se na ideia de um espectador que não apenas recebe
informação, mas arquiteta e interfere no próprio conhecimento, em um teatro “[...] onde vão
se tornar participantes ativos numa ação coletiva em vez de continuarem como
observadores passivos” (RANCIÈRE, 2010, p. 107). No trabalho com Teatro do Oprimido os
espect-atores – termo utilizado por Boal por acreditar que “o espectador se libera: pensa e
age por si mesmo” (BOAL, 1991, p. 181) – são convidados frequentemente a assumir
posturas diante do que é apresentado. A decisão de intervir ou não no contexto da
teatralidade reconfigura a postura do espectador que, empoderado, decide qual intervenção
fará, e também a do cidadão e ser político que, protagonista desses ensaios, proporciona o
início de transformações sociais. O Teatro do Oprimido tem a potência necessária para pôr
em crise padrões de comportamento reproduzidos diariamente e sustentados por lógicas
opressivas. Além disso, possibilita a participação ativa de um indivíduo que, como oprimido,
assume o protagonismo na busca pelos seus objetivos, defendendo-os e tornando-se capaz
de refletir de forma mais ampla e profunda sobre este papel, o espaço que ocupa e o
discurso que reproduz. Nesse contexto, para que o trabalho interdisciplinar se dê de forma
plena, é necessário que pensemos quais são as especificidades que norteiam as práticas de
cada área, em especial nos projetos que reúnem uma grande quantidade de áreas de
conhecimento em diálogo. A atividade “Corrida Orientada”, organizada coletivamente, foi
proposta para mostrar aos alunos ações já realizadas pelos bolsistas na escola, porém o
debate sobre a aplicação de pontuação na gincana não foi contemplado no primeiro
momento e surgiu no decorrer do processo. Tal método quantitativo negligencia aspectos
fundamentais das disciplinas que têm debate e diálogo como eixo da atuação, pois solicita
que as reflexões possuam um sistema de pontuações para integração da atividade à grande
ação interdisciplinar, fragilizando sua matriz ideológica. Por conta disso, percebe-se a
necessidade de reafirmação do Teatro como área produtora de conhecimento, com
qualidades potentes para abordagem interdisciplinar, e reforça a dificuldade de perceber a
totalidade e especificidade deste campo do saber, na tentativa de padronizar métodos e não
sensibilizar-se frente às suas peculiaridades.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade, Teatro, Opressão, Teatro do Oprimido, BOAL
Augusto, RANCIÈRE Jacques.
Referências
BOAL, Augusto. A Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
_______. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. 6ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1991.
Brecht, Bertolt. Poemas 1913-1956. Trad. Paulo César de Souza. 5ª ed. São Paulo: 34,
2000.
RANCIÈRE, Jacques. O Espectador Emancipado. Trad. Daniele Ávila. Urdimento,
Florianópolis, UDESC, nº 15, 2010.
SANCTUM, Flávio; SARAPECK, Helen. Teatro do Oprimido e Outros Babados. Rio de
Janeiro: Metanoia, 2015
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