António Pimenta da Gama Doutorado em Direcção de Empresas e Gestão de Marketing Coordenador da licenciatura em Marketing e Publicidade no IADE Criatividade e inovação: os novos desafios do marketing 99 Este artigo aborda a problemática genérica da inovação em marketing e a importância da mesma no moderno contexto de actuação empresarial. São referidos os desafios com que empresas e profissionais se defrontam na actualidade, e perspectivado o papel do marketing nas organizações, bem como o desejado contributo de uma dinâmica inovadora para um eficaz relacionamento com o mercado. 100 This article examines the generic problems arising from innovation in marketing and its importance in the modern context of business activities. The challenges that companies and professionals must face today are mentioned and the role of marketing in the organizations is put into perspective, as well as the sought after contributions of an innovative dynamic for an efficient relationship with the market. 1. Criatividade e inovação em perspectiva Algumas das invenções mais famosas pertenceram a inventores cujos nomes foram esquecidos. As figuras que a elas estão associados são as dos empresários que lhes deram uma utilização comercial. Um das características associadas à problemática genérica da inovação é a de este conceito ser muitas vezes confundido com os termos «investigação» ou «invenção». Inovar significa traduzir ideias novas em utilização prática, e, para isso, é necessário viabilizá-las, quer de um ponto de vista técnico, quer, quando é o caso, de um ponto de vista comercial. A inovação, enquanto processo competitivo avançado, caracteriza-se pela sua orientação ao mercado, não sendo portanto um exclusivo de gabinetes de estudo e centros de pesquisa e podendo apelar, inclusivamente, à participação dos clientes. Termo polémico, a inovação constitui um processo que se manifesta por uma realização original possuidora de atributos criadores de valor, cujo desenvolvimento, lançamento e difusão requerem a disponibilidade de um conceito, de uma função a cumprir e de recursos materiais, humanos e financeiros associados. De forma simples, inovar significa fazer algo de novo, de forma sustentada. Num contexto empresarial, à designação «novo» é normalmente atribuído um significado de melhor ou diferente, tanto em termos de produtos ou serviços como de processos. Adicionalmente, a inovação de sucesso não é aquela que se faz uma única vez, mas sim a que se verifica de forma continuada. Entendemos que inovar envolve a exploração bem‑sucedida de novas ideias, ou, numa linguagem mais tecnicista, a conversão de conhecimento em valor económico. A generalidade dos autores considera que nos ambientes de negócio contemporâneos a adopção de uma estratégia de inovação é uma condição necessária, se bem que não suficiente, do êxito empresarial. E isto apesar do risco – técnico e comercial – que envolve. O tempo é um factor adicional a ter em conta. De facto, o dilema com que a empresa inovadora se enfrenta é de oferecer produtos de qualidade e simultaneamente reduzir o tempo necessário para a inovação. Em face da crescente interdependência entre inovação de produto, processo, aquisição de tecnologia, design industrial e gestão da qualidade, torna-se necessário um tratamento integrado do que se designa vulgarmente por gestão integrada da inovação. 2. Os novos desafios do mercado À medida que entramos num novo século e milénio, constatamos que o mundo mudou mais rapidamente, sob quase todos os aspectos, nos últimos 50 anos, do que em qualquer outro período anterior da História. Na actualidade, as empresas encontram-se constantemente submetidas às mais variadas tensões que provêm dos diferentes tipos de ambientes que as rodeiam. Todas estas tensões criam ameaças, que é necessário antecipar, mas também oportunidades que se podem explorar. Como parte integrante da organização que interage mais directamente com o ambiente, existe uma necessidade óbvia do profissional de marketing em investigar, analisar e interagir com as alterações ambientais que tenham lugar. Se tal não for feito, ou for deficientemente feito, não apenas as eventuais oportunidades se perderão, mas também será provável que as ameaças potenciais ou emergentes se transformem em reais, conduzindo em ambos os casos a um tendencial declínio da performance organizacional. Face a esta realidade, o profissional de marketing necessita de desenvolver uma visão clara do estado actual e futuro da sua organização e das possibilidades de evolução do ambiente de negócios em que se insere. Algumas das mudanças com que marketers e gestores se defrontam hoje em dia incluem, por exemplo: – Níveis elevados e crescentes de concorrência na generalidade dos mercados; – Substituição de mercados de massa por micromercados e emergência de novos segmentos; – Níveis acrescidos de sofisticação dos consumidores e menor tolerância a fracos desempenhos; – Globalização dos mercados; – Ritmo mais acelerado de mudança tecnológica; 101 – Diferenciação mais baseada no serviço e nos elementos soft do marketing-mix; – Erosão da lealdade à marca; – Poder crescente dos canais de distribuição; – Custos promocionais crescentes e retornos promocionais decrescentes; – Ciclos de vida dos produtos mais curtos. Para se construir e manter negócios viáveis nestas circunstâncias é então necessário ter respostas. Algumas teses e práticas de gestão têm‑se vindo gradualmente a impor, para além da necessidade de inovar: Time to Market, Qualidade e Valor, Orientação para o Mercado, Cooperação Empresarial, Serviço, Retenção de Clientes, entre outros. 3. O papel do marketing na empresa 102 A função do marketing na economia de mercado consiste em organizar a troca voluntária de modo a promover o equilíbrio entre oferta e procura de produtos e serviços em situações de múltipla escolha. Este equilíbrio não é espontâneo, exigindo à organização dois tipos de actividades de ligação: a organização material da troca, traduzida nos fluxos físicos de bens desde o produtor até ao consumidor, e a organização da comunicação, ou seja, dos fluxos de informação que devem preceder, acompanhar e seguir o acto de troca. Como na actualidade, as empresas definem-se tanto pelos produtos e serviços que oferecem como pelos mercados de que dependem, a lógica de marketing procura, através de uma postura simultaneamente criativa e metódica, permitir o equilíbrio entre os objectivos da empresa e as exigências do mercado. A importância da inovação e a necessidade de incorporação das realidades de negócio externas na tomada de decisão constituíram um passo importante na implementação do moderno conceito de marketing. Até algumas décadas atrás, a prática de marketing assentava essencialmente na venda daquilo que se produzia, constituindo preocupação de gestão os produtos e respectiva produção, e não os consumidores. O marketing era responsável pelo estímulo da procura e distinguia-se do acto de venda, na medida em que incluía também publicidade e outras formas de comunicação de massa. A gestão de marketing era também responsável pelos estudos de mercado e planeamento de vendas, auxiliando a produção a decidir quanto – e não tanto o quê – produzir. À medida que o mercado evolui sob as pressões decorrentes de diversas forças e tendências que o afectam, as empresas devem, em consequência, adaptar a sua conduta e formas da sua actuação. Acompanhando as mudanças nas organizações, também o papel do marketing deve reflectir essa realidade, através da renovação do conceito. Concebe-se hoje uma visão nuclear e integradora do marketing, representando o elo de ligação privilegiado entre as realidades externa e interna da empresa. Tradicionalmente, os negócios têm sido construídos com base num paradigma que privilegia a conquista de clientes. Hoje em dia, o mundo encaminha-se rapidamente para um padrão de actividade económica assente também num contexto de relacionamentos duradouros com os clientes e de parcerias com outros actores de mercado. Para sobreviver no futuro qualquer empresa deverá focalizar a sua atenção no cliente, conhecer as realidades competitivas dos mercados onde opera e ser flexível e eficaz na sua capacidade de fornecer valor superior a um «alvo móvel» que representam os consumidores num mercado global. 4. Por uma estratégia baseada no conceito de valor As empresas criam valor para os clientes oferecendo-lhes os produtos e os serviços pretendidos na qualidade desejada e com custos aceitáveis. Por seu lado, recebem valor dos clientes principalmente sob a forma das contrapartidas recebidas pela compra e pela utilização dos referidos serviços. Estas transferências de valor ilustram a pedra angular do moderno conceito de marketing: a troca que ocorre entre duas partes, com benefícios mútuos. Devido à existência crescente de determinadas pressões do mercado, tem-se verificado uma preocupação cada vez maior dos responsáveis das empresas em encontrar novas fontes de vantagens competitivas, constituindo a geração de va- lor para o cliente um elemento fundamental no desenvolvimento dessas vantagens. Após décadas em que a ideia central consistiu na criação de valor para o accionista como objectivo supremo, cada vez mais gestores, consultores e académicos estão de acordo quanto à ideia de recentrar a estratégia de negócio em torno do conceito de valor para o cliente (customer value), mais consistente com as realidades do mercado global e consequentes exigências de competitividade. «O valor é definido no mercado, não na empresa.» Esta ideia simples, não sendo nova, tem vindo paulatinamente a redefinir o âmbito e a atenção de muitas empresas espalhadas pelo mundo. Uma estratégia assente no fornecimento de valor tem-se revelado uma resposta necessária a um consumidor crescentemente informado e sofisticado. A lógica inicial do projecto Profit Impact of Marketing Strategies (PIMS), baseada nos resultados obtidos nos anos 70, apontava para a importância da quota de mercado na obtenção de rentabilidades superiores. De todas as variáveis estudadas, a quota de mercado era a que apresentava uma associação mais forte com o Return on Investment (ROI). De referir que esta conclusão era inteiramente consistente com a teoria e as conjecturas emanadas da então proeminente corrente de pensamento veiculada pela Escola de Planeamento Estratégico (Strategic Planning School). Embora os fundamentos em que assentava o modus operandi predominante da época possam parecer hoje ultrapassados de um ponto de vista teórico, a realidade nalguns sectores de actividade tem vindo a lembrar a importância da dimensão para satisfazer um consumidor sensível ao preço. A possibilidade de reduzir custos em função do volume, repercutindo esses ganhos de produtividade no preço, justifica a conquista de quota de mercado e a busca do aumento da dimensão. Todavia, a consciência crescente do preço não significa que a sensibilidade do consumidor face à qualidade tenha diminuído. Pelo contrário, a educação e a sofisticação do consumidor contribuem, na actualidade, para o aumento do nível de exigência neste particular. A análise das empresas e negócios durante a década de 1980 revelou ser a qualidade dos produtos e serviços e não a quota de mercado, o mo- tor principal da performance financeira nas empresas. Na disciplina de planeamento estratégico e na área relacionada de estratégia de marketing ou marketing estratégico, os conceitos de qualidade e valor substituíram os de quota de mercado e baixo custo no ranking das variáveis estratégicas fundamentais. A lógica de diferenciação, caracterizada portanto por uma procura de qualidade ainda que em detrimento do preço, confirma o seu lugar como alternativa válida à prática até então dominante. O conceito de estratégia baseada no fornecimento de valor tem ajudado a colocar a orientação para o cliente na primeira linha das preo­ cupações, mas também acrescentou a noção fundamental que tal postura deve ser baseada nalgum tipo de competência distintiva. Não raras vezes, esta competência assenta mais na inteligência e no conhecimento, ou seja, na componente humana, do que nos activos físicos das organizações. O domínio de recursos materiais e financeiros como fonte de superioridade competitiva tem-se revelado com frequência estrategicamente menos importante do que o controlo da informação e conhecimento. Como elemento central das empresas bem-sucedidas no futuro estará um conhecimento profundo dos consumidores, em termos das suas características, das suas necessidades e das suas preferências, suportado por sistemas tecnológicos que tornem esta informação rapidamente disponível para os decisores. Sendo certo que a estratégia de criação de valor para o cliente explica já o sucesso de muitas empresas e promete adquirir uma importância crescente no futuro, a sua implementação coloca no entanto uma questão importante: como satisfazer um consumidor cada vez mais sensível à qualidade e ao preço simultaneamente, ou seja, como reduzir o preço sem prejudicar a qualidade, e como melhorar a qualidade sem aumentar significativamente os custos? 5. Marketing e inovação A conquista de clientes exige uma boa imagem da empresa e a respectiva retenção pressupõe mantê-los satisfeitos. Em ambas as situações, a inovação desempenha um papel importante. Em- 103 104 bora a generalidade dos profissionais reconheça a importância do marketing na actuação empresarial, o mesmo já não se poderá dizer da consideração da inovação em termos sensivelmente equivalentes. Como Peter Drucker fez notar em 1954, «existem apenas duas funções empresariais: marketing e inovação». Nos anos 50 e 60, inovação era sinónimo de desenvolvimento de novos produtos. Esta concepção estava perfeitamente em linha com o crescimento dos mercados da época e as oportunidades emergentes de exploração das tecnologias visando uma sociedade de consumo. O objectivo consistia em conceber produtos que pudessem ser produzidos em grandes quantidades a baixo custo. O conceito de inovação para a produção de massa criava, no entanto, um paradoxo interessante. A inovação implica mudança dinâmica, enquanto a produção em massa fazia apelo a produtos uniformes e processos de fabrico estáveis. À medida que as empresas iam reconhecendo o enorme crescimento nos mercados de consumo, ficava implicitamente assumido que a chave para a rentabilidade residia na produção eficiente de grandes quantidades de produtos padronizados que permitissem a obtenção de economias de escala. Uma vez a concepção e materialização disponível, caberia ao marketing a criação da procura necessária. Neste sentido, produção de massa e marketing de massa dependiam de produtos, mensagens e formas de distribuição padronizadas que apelassem ao maior número possível de potenciais clientes. As melhorias e os atributos adicionais da oferta eram introduzidos ao longo do seu ciclo de vida, de modo a estender o tempo de permanência no mercado e ao mesmo tempo maximizar o retorno dos investimentos em activos a eles associados. Na década de 1990, a lógica empresarial dominante de produção e de consumo de massa parecia definitivamente posta em causa para uma parte considerável das situações de negócio. Pura e simplesmente, os sistemas e os processos em que aquela assentava careciam da flexibilidade exigida pela nova realidade dos mercados globais. O movimento da qualidade (Total Quality Management) nos anos 80 alterou a ênfase na definição de inovação, introduzindo a ideia de melhoria contínua. A inovação neste sentido genérico de que nada se pode considerar definitivamente acabado e se pode fazer sempre melhor, tanto na perspectiva da eficiência das operações internas, como na da busca de novas e melhores soluções para os problemas dos consumidores, constituem outro marco importante do moderno conceito de marketing. A noção de melhoria contínua aplica-se tanto a produtos como a processos, como foi referido no início. Esta última preocupação está intimamente relacionada com a circunstância de constituir o serviço, cada vez mais, um factor de diferenciação da oferta, o que se traduz frequentemente na consideração da respectiva importância em pé de igualdade com o produto em si mesmo, numa perspectiva de oferta de valor. Isto não significa, naturalmente, a subalternização da inovação associada ao produto. De resto, a investigação levada a cabo na Europa, no Japão e nos Estados Unidos tem demonstrado de forma consistente que a capacidade de as empresas inovarem nesta perspectiva historicamente preponderante está entre os determinantes mais fortes dos seus níveis sustentados de desenvolvimento. 6. Criatividade e comunicação A comunicação em geral e a publicidade em particular constituem variáveis destinadas a influenciar positivamente o comportamento dos consumidores, uma vez que o encontro entre oferta e procura não é espontâneo, exigindo a existência de actividades de união. De facto, não basta possuir um bom produto ou serviço a preço competitivo. Há que dá-lo a conhecer e valorizá-lo. Por isso a problemática da comunicação não se deve colocar tanto em termos de SIM ou de NÃO a sua realização, mas mais na forma de a efectivar: comunicar A QUEM, O QUÊ, COMO, PARA QUÊ. Em todas estas vertentes e, sobretudo, nos aspectos relacionados com o conteúdo e a forma de transmissão da mensagem, o processo de criação publicitária tem muitas semelhanças com o processo de criação artística. Perante uma mesma situação, dois artistas plásticos podem pintá‑la de modo muito diferente, mas em ambos os casos serem produzidas obras de grande qualidade. De modo semelhante, existe a possibilidade de os profissionais da comunicação conceberem trabalhos muito distintos entre si, embora semelhantes no que respeita à eficácia pretendida. Tal como um crítico de arte distingue um Picasso de um Monet, também um publicitário experiente consegue por vezes distinguir o cunho das campanhas atribuídas aos seus pares. Não obstante os benefícios exercidos pela publicidade, tanto de um ponto de vista económico como social, a atitude pública pouco favorável reflecte não só a massificação das mensagens, recurso aos meios tradicionais e lógica comunicacional assente na unilateralidade o que provoca uma saturação psicológica, mas também a pouca consciência da função utilitária e afectiva que cumpre na actuação de cada indivíduo. Por outro lado, a evolução do paradigma de que as empresas mais competitivas estão na actualidade a empreender, consubstanciada na evolução do modelo transaccional para o modelo relacional de marketing, faz destacar de forma inequívoca a adequação dos novos instrumentos de comunicação. As modernas tecnologias de informação e de comunicação têm facilitado e permitido novas e melhores formas de comunicação com o mercado. Para além dos instrumentos de comunicação que já entraram no quotidiano de muitas empresas, outros têm vindo a acrescentar dimensões inimagináveis num passado recente. Para os marketers do século XXI, tais instrumentos encerram um potencial enorme, por permitirem a personalização e a interactividade dos contactos com os clientes como nenhum outro meio até então disponível. Em suma, o suporte tecnológico em muitos casos existe e está acessível. Resta saber a capacidade das organizações para, de forma mais generalizada, dele retirarem benefícios. 105