FIGURINO PARA A PEÇA TEATRAL “A MAIS FORTE” Outfits for the Theatrical Play “The Stronger” Bruna Perin Pellizzaro1 Olinda Terezinha Fernandes Schauffert 2 Resumo O artigo consiste na elaboração de um figurino para a peça teatral chamada “A Mais Forte”, com elementos visuais ligados a obra e a vida do autor da peça August Strindberg. Na elaboração dos figurinos foram usados signos retirados de estudos feitos sobre o século XIX, sobre revoluções de cunho social e industrial exteriorizados a partir da obra de Strindberg. Palavras Chave: figurino; August Strindberg; século XIX e mudança. Abstract This article consist on the development of the outfits for the theatrical play “The Stronger”, with visual elements extracted from the work and life story of August Strindberg, author of the play. On the elaboration of the outfits signs were used based on studies of the XIX century, based on revolutions on the social and industrial matrix, exteriorized from the work of August Strindberg. Keywords: outfits; August Strindberg; XIX century and change. 1 Graduando em Design de Moda. Universidade do Vale do Itajaí. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Design de Moda. Universidade do Vale do Itajaí. E-mail:[email protected] 1. INTRODUÇÃO O figurino descende de rituais religiosos, estes empregavam vestes não convencionais aos participantes para que ficassem mais perto das divindades, em celebrações, agradecimentos de colheita e ou rituais de fertilidade. Segundo Adriana Leite e Lisette Guerra (2000), o figurino pode caracterizar o homem como um ser diferente dele mesmo: um ser que traje não suas vestimentas, mas um figurino que o faz assumir um ‘personagem’ . Fazer um figurino requer conhecimento geral da obra escolhida, esta por sua vez lhe oferece uma grande quantidade de signos visuais; a responsabilidade do figurinista é criar as vestes de cena dando características ao personagem e ambientando-o dentro do contexto do espetáculo. Quando o figurino de um personagem é criado, o requinte de detalhes é grande. Se pergunto a um diretor qual o signo de determinado personagem, ele já sabe que não estou brincando. Esta é só uma das peças do quebracabeça: tem também a marca do cigarro, o tipo de carro, a bebida preferida e os lugares que ele gosta de freqüentar à noite, mesmo que nada disso esteja na sinopse.(...)É um trabalho de recorte e colagem, mesmo, daqueles de sentar no chão com tesoura, cola, cartolina e uma pilha descartável de revistas.(...) É claro que tudo isso também pode ser feito com desenhos feitos à mão, os famosos croquis.(CARNEIRO, 2003, 49-51 p.) . O figurino foi criado para o espetáculo “A Mais Forte”, de 1889, que foi escrita pelo dramaturgo August Strindberg, é um monólogo curioso e inventivo. Neste monólogo as personagens: Senhora “X” e Senhorita “Y” são duas amigas que se reencontram em um café na cidade de Estocolmo, no final do século dezenove. A conversa das duas mulheres tem cunho psicológico, onde o autor brinca com a percepção das personagens. No decorrer da peça, onde só a Senhora “X” fala, ela descobre que a Senhorita “Y” tem um caso amoroso com seu marido. O ápice da peça é saber quem é a mais forte dentre elas; a senhora que fala exaustivamente ( a mulher) ou a que se mantêm calada durante toda a conversa ( a amante). Como papel decisivo na criação do figurino optou-se por um tema peculiar, que vem a ser August Strindebrg, o autor da peça. O dramaturgo August Strindberg tem importância na literatura mundial, sendo precursor do naturalismo sueco, e posteriormente difusor das idéias expressionistas em toda a Europa. Seus escritos influenciaram toda uma geração de autores. Com idéias inovadoras e temas abordados sob uma nova perspectiva, Strindberg conseguiu expressar seus sentimentos mais profundos em toda sua obra. Com uma literatura quase sempre autobiográfica, traduziu seus sentimentos e por vez sua esquizofrenia em palavras e em tintas, Strindberg foi também pintor Seus quadros mostram características pessoais, assim como a agonia, e o ressentimento com a família e as mulheres. Com pinceladas amargas e tradutoras de sua patologia, a esquizofrenia, teve lugar destaque em várias exposições de pintura expressionista. Assim foram também suas cartas, redigidas a grandes nomes do século dezenove e que em alguns lugares até lhe renderam “inimigos”, por abordar temas políticos e sociais. Dentre os objetivos específicos cabem estudos da biografia e da obra de August Strindeberg, estudos sobre o vestuário do século dezenove, bem como materiais e design da época, e detalhamento sobre as mudanças culturais do final do século XIX mostradas no trabalho de Strindberg. No desenvolvimento do trabalho criou-se roupas para o figurino da peça “A Mais Forte” com referências no final do século dezenove pela alta sociedade da época, além de fornecer para cada figurino características pessoais de cada personagem, bem como cores empregadas e modelagem, sempre as adaptando ao visual do século XXI. Cabe então desenvolver o figurino para a peça teatral “A Mais Forte”, de August Strindberg; inspirado nas características da arte e da personalidade do autor. Como problemática do trabalho pretende-se por fim desenvolver um figurino adequado para uma peça de teatro aplicando signos relacionados ao tema, August Strindberg, sem fugir da época específica e da linguagem teatral vigente, porém adaptando-as e figurino para o design do século XXI. 2. METODOLOGIA A Metodologia de Projeto escolhida foi uma intersecção entre a Metodologia para Design de Vestuário de Planejamento de Coleção (2004), de Jaqueline Keller; e a metodolgia de Bruna Pellizzaro para teatro, baseada no livro “Figurino: uma experiência na televisão”(2002) de Adriana Leite e Lisette Guerra, e em entrevistas com o figurinista Ricardo Garanhani. A seguir o fluxograma ( figura 1) com a metodologia para criação do figurino teatral. Figura 01 – fluxograma de PELLIZZARO, 2009 Fonte: Bruna Perin Pellizzaro A proposta utilizada para o desenvolvimento do trabalho, neste caso o desenvolvimento de um figurino para a peça de teatro “A Mais Forte”, de August Strindberg. O tema escolhido para o trabalho foi o autor August Strindberg, que se encaixa nas necessidades do trabalho. No tópico, alternativas, cabe desenvolver os desenhos e ambientações visuais para a peça escolhida. No presente trabalho cabe fazer desenhos pertinentes a peça “A Mais Forte”. Após os desenhos criados, escolhe-se os materiais dentro de um orçamento proposto e faz-se a s adequações necessárias a partir dos croquis. O figurino da peça “ A Mais Forte”, começa a ganhar volume e texturas com os materiais escolhidos. Na etapa produção, os produtos ganham vida, com o desenvolvimento da modelagem, da costura; bem como as provas nos atores e o teste de palco. Para a peça escolhida cabe a confecção dos figurinos para as duas personagens da peça, e a adequação desta dentro do cenário proposto. Como última parte da metodologia tem-se a utilização das roupas; com a separação de looks, por ator e por ato. Com a ambientação da peça “ A Mais Forte” e as roupas das personagens prontas, cabe neste trabalho indicar e organizar as roupas por personagem e por evolução da peça. Para a realização deste projeto, foram aplicadas as seguintes pesquisas: Em relação a sua natureza é um pesquisa aplicada, pois visa analisar material de entrevistas e material bibliográfico para confecção de figurinos teatrais. A abordagem do problema se dá através de uma pesquisa qualitativa, que visa formatar todas as pesquisas bibliográficas, com o objetivo de desenvolver um produto cujos signos encontrados sejam fruto de reflexões intuitivas e orientadoras no projeto. Com relação aos objetivos a pesquisa é exploratória, já que o tema tratado é figurino que visa um levantamento bibliográfico específico, e entrevistas com profissionais especializados. Com relação aos procedimentos técnicos desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica detalhada e um levantamento de dados, o que dará exemplos de como desenvolver este tipo de produto. As ferramentas utilizadas para o desenvolvimento do trabalho são os painéis semânticos, e a colagem. Os painéis semânticos foram utilizados como ferramenta para especificar o tema, o público e o conceito do trabalho, ajudando a expor e a organizar as idéias dentro do trabalho. Foram construídos com material visual, exemplificando signos propostos pelo tema escolhido. A técnica de colagem é outra ferramenta utilizada para exemplificar o trabalho. Esta técnica tem como objetivo organizar idéias a partir de recortes. Esta técnica foi usada para caracterizar as personagens da peça, ajudando a entender melhor suas personalidades e assim auxiliando na criação dos looks propostos. 3. HISTÓRIA E AMBIENTAÇÃO Neste tópico, analisam-se as pesquisas bibliográficas, que tratam de ambientações e estudos sobre temática. Parte integrante do processo e que determina qual caminho o projeto deve traçar. 3.1 Temática O autor sueco, August Strindberg nascido em 1849 em Estocolmo. Seu trabalho foi consagrado como dramaturgo e romancista. Mas atuou também como novelista, contista, filosofo, poeta, crítico, pintor, fotografo entre outros. Figura 02 – August Strindberg Fonte: WWW.guardian.co.uk Foi o líder do pensamento naturalista em sua pátria. Seus temas tratam do absurdo das atitudes e dos pensamentos do homem, os seus instintos ocultos e seus recalques. “Seu naturalismo, da primeira fase de sua vida é polêmico, levantando problemas sociais e psicológicos. E, como sua atividade abrangeu longo período da transição literária do fim do século dezenove, Strindberg influenciaria muitos escritores, como os alemães Toler e Kornfeld e até Berthold Brecht, que seria o grande renovador do teatro alemão. O autor exerceria também influencia na moderna dramaturgia norte-americana.” (BRASIL, in Prefácio do Livro: Senhorita Julia e A Mais Forte, de August Srindberg, p.10) Sua primeira obra importante foi a peça Mestre Olof, em 1872, o drama é sobre a revolta contra as convenções sociais e de todos os tipos de poder. É reconhecido como escritor mais importante da Suécia em 1879, com O Quarto Vermelho, primeiro romance naturalista sueco. Casa-se três vezes e todas acabam em divorcio. Até sai de Estocolmo por escândalos com seus divórcios, e suas opiniões sempre ácidas de acordo com o mundo social. Tem uma obra puramente autobiográfica, pode-se observar rastros de sua personalidade e de sua doença, a esquizofrenia, em seus romances, peças, quadros. “Strindberg era ateu e moralista. Era altamente neurótico e sofreu dois colapsos nervosos, detestava quem amava e enxergava inimigos nas pessoas que lhe eram próximas. Era impelido a uma grande ansiedade, por uma sociedade hostil. Teve três casamentos, ficou terrivelmente magoado e foi internado duas vezes (ADLER, 2002, p.151).” Suas peças retratam o cotidiano, sempre com um críticas a sociedade e ao ser humano. Entre 1889 e 1892 escreveu suas peças de grande repercussão, Senhorita Julia e O Pai, estas peças mostram claramente o ressentimento que sente pelas mulheres. Seja pelo seu pai que depois da morte precoce de sua mãe casou-se com a empregada, ou seus casamentos que sempre acabam desastrosos. O segundo casamento de seu pai, e sua revolta renderam o livro autobiográfico O Filho da Criada, de 1886. Em 1889 escreve A Mais Forte. Escrevia claramente sobre a sociedade e seus mecanismos, gostava de demonstrar quão real era os conflitos desta nova sociedade que crescia em toda a Europa. Segundo Adler, Strindberg fala de uma mudança tão profunda que pode fazer a civilização naufragar. “Para nossas almas, curiosas e ávidas de saber, é pouco ver o que acontece; é necessário conhecer a maneira como isso acontece. Desejamos ver os fios, o mecanismo, e cegar a investigar e submeter ao nosso exame o cofrezinho de fundo duplo, chegar a apalpar o anel mágico para encontrar a soldadura, deitar um olhar às cartas para ver de que maneira estão marcadas”.(Strindberg in HISTORIA DO ESPETÁCULO por BORBA FILHO, 182 pg). Sempre foi interessado por fotografia, em suas fotos pode-se ter uma idéia de sua visão de mundo. Fotografava-se constantemente, mostrando um homem de feições melancólicas e pensadoras. Dedicava-se também as ciências ocultas, acreditando por vezes estar sob frenesi quando criava. Também pintava quadros, nos quais mostrava claramente a sua patologia, retratando angustias e desesperos. Com cores fortes. Correspondia-se por cartas com grandes nomes da época, entre eles Zola e Nietzsche. Mudou-se para a Alemanha onde ajudou a criar o expressionismo alemão. Figura 03 –“A Noite do Ciúmes”, óleo sobre tela, Museu Strindberg, Estocolmo. Suécia Fonte: WWW.tate.org.uk Sempre teve uma vida boemia o que dificultava ainda mais seus relacionamentos, e agrava mais ainda sua esquizofrenia paranóica. No final da vida sua doença se torna ainda mais aguda, tornando seus trabalhos confusos, porém nunca deixou de ser produtivo. Cria com August Falk, em 1907, o Teatro Íntimo, destinado a representar as suas peças psicológicas. Sempre inovador e único no seu jeito de escrever é considerado por alguns como o maior escritor do séc. XIX. Morre em Estocolmo, em 14 de maio de 1912. 3.2 História do Século XIX Em meados do século XIX a Revolução Industrial espalha-se pela Europa, América e Ásia. Cresce a concorrência, a indústria de bens de produção se desenvolve, as ferrovias se expandem. Surgem novas formas de energia, como a hidrelétrica e a derivada do petróleo, na figura a seguir a efervescência das massas para com o progresso dos meios de transporte. Figura 04 – Willian Frith, “A Estação de Trem” (!862), óleo sobre tela. Fonte: www.guardian.co.uk O transporte também evolui, com a invenção da locomotiva e do barco a vapor. Em decorrência disso verificou-se grande crescimento da produção industrial. A corrida por impérios onde sua produção pudesse escoar foi muito grande. Os mercados das “colônias” funcionavam como fornecedores de matéria-prima, consumiam a produção industrial, proporcionavam gêneros agrícolas para a alimentação e ainda serviam de campo para colocação de capitais excedentes (ex; capitais de empréstimos emprestavam aos países dominados a juros altos). Figura 05 – Pierre Auguste Renoir, “Bal du Moulin de La Galette” (1876), óleo sobre tela Fonte: //largo-do-rato.blogspot.com/ Na figura acima Auguste Renoir pinta uma tarde em Paris, onde as idéias de social e de consciência política começam a aflorar. O progresso do século XIX possibilitou varias mobilizações nacionais, integrou o individuo em problemas políticos e ajudou no aumento de novas idéias no âmbito da política, economia, sociologia, concepção de Estado, e no próprio individuo perante a sociedade. Idéias como a evolução das espécies, de Darwim, e o bem comum em O manifesto comunista de Karl Marx, foram publicadas no século dezenove, e mudaram toda a mentalidade vigente, caracterizando o homem como igual perante a sociedade e entre os outros animais. 3.3 História da Moda no Século XIX Neste século houve uma separação, significativa e definitiva das roupas femininas das masculinas. As formas, os tecidos e a significação mudam neste período. No século XIX as formas das roupas femininas se resumem em uma silueta em forma de “X”. A vestimenta feminina procura cada vez mais o sensual e a feminilidade com rendas, bordados e fitas. O Século XIX é marcado por mudanças bruscas, na vestimenta. A época passa pela transformação das formas simples e brancas da era napoleônica, pela “segunda era barroca”, e termina surpreendendo com a “meio anquinha”, como mostra a figura 06. No começo de 1800 as roupas primam pela simplicidade. Após a Revolução Francesa as mulheres aboliram o espartilho, as anáguas e os saltos, e puseram camisolas brancas atadas debaixo do busto (mudando a silueta). O vestido se torna escasso, e os tecidos utilizados são sensuais e transparentes. Os chapéus são os turbantes advindos da Índia. Em 1855 surge a armação de crinolina para as saias e a forma da silueta da mulher passa a ser um triangulo eqüilátero. Essas armações exigiam um vestido de 8 a 10 metros de tecido, os babados que o ornamentavam mediam de 25 a 30 cm de altura feita do mesmo tecido ou chita. Em toda sua extensão o vestido é enfeitado com 10 ou 12 tipos diferentes de pequenos babados. Algumas mulheres utilizavam alem de rendas pretas e brancas, tules bordados com prata e ouro. As saias atingiram enormes dimensões. Festões de tule eram presos a fitas largas, onde se intercalavam com flores. O corpete agora pequeno pretendia acentuar o busto e salientar a linha dos ombros, as mangas ficaram menores medindo 30 cm de comprimento e 70 cm de largura feitas de cambraia e cobertas por bordados, as golas também diminuíram. Esse período é chamado de “segunda era Barroca” pelas extravagâncias e exagero de ornamentos da época. Com todo o adorno as únicas jóias utilizadas eram broxes simples presos no vestido, e os braceletes nos dois braços sempre usados. Pouco depois, já no final do século XIX, foi a era de ouro dos costureiros. Neste tempo as vestimentas eram muito ornamentadas nas costas à frente cabia somente um tecido liso com leve contorno dos quadris. Às costas cabia a criatividade dos alfaiates com caldas, flores, armações. Nos penteados as mulheres repetem isso, usando coques em cascata e muitos cachos e ondulações. Figura 06 – modelos no decorrer do Século XIX Fonte: www.guardian.co.uk No ano de 1884 a anquinha é colocada para cima ficando sobressalente na parte de trás da silueta. Os penteados seguem a anquinha e ficam como coques rígidos na parte superior da cabeça. As mangas chegam aos cotovelos, e a saia fica cada vez mais justa. A parte da frente do vestido assume forma rígida. Os chalés e os chapéus continuam a ser usados agora em menores proporções e pouco ornamentados. 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DA PESQUISA A pesquisa de campo sempre é necessária, ainda mais quando se procura criar meios para desenvolver um projeto sobre um tema pouco usual e com pouco contudo publicado. Neste caso as entrevistas e o estado do design no teatro brasileiro foram essenciais para o desenvolvimento do trabalho. 4.1 Entrevistas As pesquisas de campo foram realizadas para melhor compreender as engrenagens da feitura de uma indumentária cênica. As pesquisas foram realizadas com um figurinista e um professor de teatro. O primeiro entrevistado foi Jean Carlos Gonçalves cuja formação envolve bacharelado em Teatro-Interpretação pela FURB, mestrado em Educação pela FURB, doutorando em Educação pela UFPR, professor do curso de Teatro da FURB e professor de Artes Cênicas da UDESC, e posteriormente assumira uma cadeira na UFPR em Curitiba. Sua entrevista foi essencial para a ambientação do trabalho. Pois ajudou na significação do teatro naturalista, já que a peça “A Mais Forte” é da escola naturalista. Segundo Gonçalves o teatro do século XIX é pós-revolucionário, neste período a arte denuncia a realidade, os cenários são exuberantes, mas o teatro ainda não se preocupa com funções sociais. A vida no palco busca pelo realismo, interpretações em tons farsescos e melodrama. Em relação a estudos feitos Jean Carlos diz que o teatro naturalista é um movimento iniciado por André Antoine, em fins do século XIX, no qual a ênfase estava em uma ‘fotografia da realidade’, como se fosse possível representar a realidade no palco, sem truques e sem disfarces. As principais peças da época foram “Quando Nós, os Mortos, Despertamos” de Ibsen, “A Terra”, “O Sonho” e “A Besta Humana” de Zola. No contexto visual de uma peça naturalista os materiais utilizados eram os mais próximos da realidade, inclusive com o uso de animais vivos em cena. Todo tipo de objeto era utilizado, desde que representasse o próprio objeto, pois não havia simbolismos em cena. As roupas eram basicamente usuais nas ruas, com ênfase em roupas femininas, valorização do feminino. Dentre as cores utilizadas, dava-se ênfase para as cores usuais em roupas de nobres e coloridos. Os tons mais acinzentados e claros era reservados aos personagens mais pobres. O figurinista Ricardo Garanhoni, que exerce o papel de figurinista no Teatro Guaíra de Curitiba, criando e confeccionando figurinos para vários tipos de espetáculos como peças teatrais, espetáculos de dança, óperas e adereços para os mais diversos eventos. “Ricardo Garanhani recebeu o Troféu Gralha Azul na categoria Adereço: em 1998, por seu trabalho em ‘Fantasminha Camarada’; em 1997, pelos espetáculos ‘A Fada que tinha Idéias’ e ‘O Processo’; em 1996, com ‘Peter Pan e a Terra do Nunca’; em 1994, pelos adereços de Romeu e Julieta para Crianças; na edição 1993-1994, com Flicts, e na edição 1992-1993, com O Menino Maluquinho. (in site: www.tguaira.pr.gov.br, 2009)” Segundo Ricardo Garanhani a primeira etapa para se criar um figurino é a leitura do espetáculo, seja ele uma ópera, um balé, ou uma peça teatral. A concepção do espetáculo está totalmente ligada ao diretor, que direciona a conceituação do espetáculo. Ele indica o caminho a ser seguido pelo figurinista. Em alguns casos Garanhoni comenta a gama enorme de possibilidades, onde o diretor deixa o seu trabalho aberto a experimentações, porém também frisa que em alguns trabalhos o diretor da peça tem a composição de figurino quase finalizada, diz que é quase uma sob encomenda. Depois de ter se ambientado no espetáculo, o segundo passo é propor uma visualidade às vestimentas propondo desenhos que complementam o conceito da peça. Com cores e ambientações procura propor uma singularidade a peça. Quando feitos – os desenhos de figurinos - são mostrados de imediato ao diretor, que conversa e propõem mudanças e adaptações de acordo com sua proposta de espetáculo. Com a proposta aprovada pelo diretor, procuram-se então os materiais para confecção do figurino. Como figurinista do teatro Guaíra de Curitiba, Ricardo só pode comprar em algumas lojas; aquelas que estão em dia com o imposto de renda, sem débitos com a receita. Segundo o figurinista, as roupas têm de estar dentro do orçamento disponível para a confecção do espetáculo. A partir da compra de materiais - e das adaptações feitas de acordo com os materiais disponíveis nas determinadas lojas – o figurino começa a ser confeccionado. Em relação a materiais, Ricardo diz procurar materiais em diversos lugares como lojas de material de construção, sapateiros, onde a diversidade agrega muito ao figurino. Dentro da estrutura do Teatro Guaíra, dispõem de costureiras e alfaiates que se ocupam somente do figurino interno. Então a modelagem começa a ser confeccionada com as medidas dos atores, dançarinos, ou cantores do espetáculo. Dentro do teatro, Ricardo comenta que se usam muito malhas, pois se adaptam bem ao corpo. Quando pergunto da dificuldade de modelagem de malharia, ele diz que as costureiras disponíveis têm uma modelagem bem aprimorada no assunto, já que uma grande parte dos figurinos é de dança (balé), onde a malha é o material essencial. Dentro da confecção dos figurinos, vários fatores contam como ambientação das roupas, ego dos atores, estética de peça e o conforto do corpo dentro da roupa. Então, as roupas começam a se situar dentro do espetáculo. Um exemplo que Garanhoni deu, foi um espetáculo de balé desenvolvido por ele que representava uma fábrica, com seus operários; para representar a idéia de dinâmica, de engrenagens funcionando ele colocou todos os dançarinos de malha xadrez preto e branco – uns 6 tipos de xadrez - que dava a impressão ao longo da dança de confusão, de fábrica funcionando. Garanhani diz: “O figurino é um espetáculo a parte”. Em alguns casos um mesmo personagem tem vários figurinos. Dentro da peça um personagem pode ter vários figurinos, que representam a mudança de ambiente, a mudança de status. O figurinista, Ricardo Garanhani fala que “na maioria das vezes não é uma roupa para cada ator, tem um desenvolvimento; a roupa vai se transformando, tem toda esta história de acompanhamento”. Alguns exemplos claros de vários figurinos diferentes podem ocasionar, por exemplo: um homem rico que fica pobre ao longo da peça. Outro exemplo são figurinos que se recompõem, ou seja, peças de roupa que se adaptam a um figurino base, uma saia colocada sobre uma malha que depois se transforma em capuz, ou um terno que ora serve de terno e despido serve como lenço pro artista se transformar em velhinha. Com as últimas provas de roupas, a finalização junto ao cenário, pode-se perceber se o figurino “funciona” ao efeito da luz em cena, são os retoques finais no espetáculo. Segundo Ricardo algumas vezes o figurino tem de ser refeitos no decorrer, pois não se encaixa dentro da peça. 4.2 Estado do Teatro Brasileiro No Brasil, as montagens de grandes peças de teatro envolvendo figurinistas e profissionais brasileiros vem agregando valor a cultura nacional e mostrando o potencial criativo dos brasileiros neste âmbito. Então para criar um figurino analisouse produções nacionais de grande repercussão como base de conhecimento e referências ao trabalho. 4.2.1 “Hamlet” A montagem nacional da peça escrita por Shakespeare tem como personagem principal o príncipe da Dinamarca que tomado por instintos, tenta vingar a morte do pai. Este, o Rei, volta como fantasma e exige uma vingança contra seu irmão, autor de seu assassinato. Com direção de Aderbal Freire Filho , e nas palavras dele: "Para entender um pouco melhor a vida, a nossa natureza, os monstros que temos. Hamlet é um mutante: sucede ao homem instintivo e precede o racional. Reflete o homem da Renascença, que estava querendo equilibrar emoção e razão". As roupas foram desenvolvidas pelo figurinista Marcelo Pies, este em entrevista para ao jornal Estadão (4 de Julho de 2008) descreve sua criação em detalhes. Segundo Pies, a inspiração vem da época da Renascença. As roupas são divididas em roupas de ensaio, e figurinos; a idéia é mostrar as roupas comuns por entre os figurinos. As trocas de roupas se dão em cima do palco, usa-se muita sobreposição e roupas talhadas o que deixa ainda mais visível as roupas de baixo. Os figurinos são desenhos desenvolvidos pelo Pies, roupas de brechó e roupas desenvolvidas pela marca Osklen, outra inovação na peça. As roupas têm apelo atemporal puxadas para o contemporâneo. Os figurinos das personagens têm características próprias, o da Rainha Gertrudes, por exemplo: são roupas mais elaboradas, com várias trocas de roupa e a cor vermelha como principal, inspirados nos vestidos Dior. As roupas do Rei também são muito simbólicas, confeccionadas com tecidos nobres, este usa um paletó de couro (material destinado exclusivamente para o rei) cor de ouro velho, com silks cor de ouro e preto. Figura 07 – fotos do espetáculo de Aderbal Filho, em cena os personagens a Rainha Gertrudes, o Rei morto e Hamlet. Fonte: www.terra.com.br Outro desenvolvimento muito interessante é a criação do figurino da Ofélia, a louca. Neste Marcelo cria uma linha entre um vestido de noiva e uma camisa de força. A roupa é composta por sobreposições de camisas masculinas dando uma idéia de mendigo e loucura. Na indumentária cênica destinada ao personagem principal, Hamlet, as roupas são sobreposições, paletós e jeans com aplicação com zíper lembrando as roupas talhadas. Em alguns momentos seu figurino se assemelha muito ao convencional da Renascença, como uma armadura de 16 Kg, de cor dourada. A idéia principal do figurino da peça remete ao “novo saudosista”, que traduz o velho com um visual moderno sem perder as principais características da época representada. 4.2.2 “Sete, o musical” A história da peça é o conto de fadas “A Branca de Neve”, famosa história dos Irmãos Grimm. Mas desta vez a versão é da madrasta má, Amélia, que depois de perder seu amado para uma mulher mais jovem e pura, consulta uma cartomante e esta lhe confere sete tarefas, que depois de cumpridas devolveram seu amado. Segundo críticos “Sete” é uma peça sobre o tempo e a inveja.”O número é emblemático e nos surgiu durante o processo”, conta Möeller, autor do texto e responsável pela direção. “E a fábula da Branca de Neve é apenas o ponto de partida, pois a história é como um tratado sobre a inveja”, completa Botelho também produtor da peça. Com uma trama, cheia de intrigas e aventura “ Sete, o musical” é uma peça que mostra o lado negro dos contos de fadas, mostrando a inveja das pessoas. Figura 08 – fotos da peça “Sete, o musical”, produção brasileiríssima, com cenário inventivo e grande produção. Fonte: www.7omusical.com O figurino da peça foi criado pela renomada Rita Murtinho, vencedora do premio Shell por este trabalho. Ela retrata uma atmosfera negra como mostra a figura 8, com vestidos e chalés de época. Mesmo sendo uma peça atemporal remete a indumentária clássica com espartilhos, saia, volumes e rendas. A idéia interessante da peça é a atmosfera pesada e a atemporalidade, num reino encantado, que não o presente; “a peça se passa em um Rio de Janeiro onde não há sol e as noites são longas e a neve congela o coração das pessoas”. Com composição de figurinos inspirados na Branca de Neve, nas madrastas más da Cinderela, as maquiagens também são diferentes com tons sombrios e enigmáticos. Esta composição do figurino é pertinente para este trabalho, pois sua criação tem muito a contribuir para o desenvolvimento do figurino da peça estudada. O trabalho com a atemporalidade, as feições femininas carrancudas, os cabelos cuidadosamente adornados. 5. DESENVOLVIMENTO As pesquisas efetivadas no âmbito de ambientação e desenvolvimento de trabalho ajudaram na conceituação do mesmo. Como visto nas pesquisas feitas o desenvolvimento do produto foi baseado na época em que a peça foi redigida, século dezenove. Com pesquisas históricas pode-se ambientar o figurino e os signos referentes às mudanças culturais descritas no trabalho de August Strindberg. No painel de conceito as figuras empregadas mostram a feminilidade que se quer inserir nos figurinos, a esquizofrenia de Strindberg, que forneceu muitos signos para o trabalho; a começar pelo do vermelho; e o quadro de Renoir que demonstra as mudanças culturais, a conceito efervescência do final do século XIX. Figura 09 – Painel semântico de Conceito Fonte: Bruna Pellizzaro O termo que exemplifica o figurino é “mudança”. Em toda sua amplitude trabalha-se com a quebra de padrões, seja exteriorizando nas indumentárias signos relacionado ao século XIX, seja trabalhando em cima da temática da peça teatral que é traição. “Para nossas almas, curiosas e ávidas de saber, é pouco ver o que acontece; é necessário conhecer a maneira como isso acontece. Desejamos ver os fios, o mecanismo, e cegar a investigar e submeter ao nosso exame o cofrezinho de fundo duplo, chegar a apalpar o anel mágico para encontrar a soldadura, deitar um olhar às cartas para ver de que maneira estão marcadas”.(Strindberg in HISTORIA DO ESPETÁCULO por BORBA FILHO, 182 p). tema Figura 10 – Painel semântico de Tema Fonte: Bruna Pellizzaro O tema escolhido, August Strindberg, proporciona estes subterfúgios para a criação das roupas da “senhora X” e da “senhorita Y”. No painel de tema as fotos das mulheres da vida de Strindberg (figura 10), sua mãe e suas três esposas. Como a peça teatral conota muita sensualidade e feminilidade, e além destes signos serem presentes na vida do autor; as mulheres de sua vida expostas no painel de tema demonstram as características que usou-se para a confecção da indumentária cênica; são elas: a angustia para com as mulheres, derivando daí também a cor vermelha. Os signos empregados neste trabalho, portanto foram a doença de Strindberg, a esquizofrenia; a angustia para com as mulheres, sempre muito presentes na vida do autor; e a mudança de mentalidade ocorrida no final do século XIX e também presente no trabalho do dramaturgo. Para simbolizar a feminilidade optou-se por manter a silueta do século XIX composta por espartilho e a ‘anquinha’ traseira, que atribuía a mulher uma proeminência de curvas. Nas cores visualiza-se basicamente o vermelho, como mostra a figura 11, cor que simboliza por si só a mudança e o conflito, muito presentes na peça, por esta tratar de uma traição; além é claro do vermelho simbolizar sensualidade feminina. O vermelho também exemplifica o transtorno, a fobia signos presentes na vida do dramaturgo, como representado no painel de conceito (figura 9). Figura 11 – Peça “A Mais Forte”, de Strindberg. Produção cênica, com os figurinos desenvolvidos. Fonte: Bruna Pellizzaro As personagens atuam de pés descalços isso trabalha com a teatralidade, além de representar a abertura e a preparação para o momento de crise vivida na peça teatral : a traição. Com isso o ambiente cênico fica evidente , as cores também contribuem ora ornando com o ambiente cênico, ora conflitando. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o desenrolar do trabalho foram adquiridos conhecimentos de cunho histórico e prático. Aprendeu-se a desenvolver figurino, aplicando uma metodologia que auxilia na concepção de projeto e resulta em um produto compatível com o objetivo proposto. Os estudos iniciaram com a pesquisa bibliográfica e de campo, fundamentando todo o processe de criação dos looks desenvolvidos para a peça “ A Mais Forte”, de August Strindberg. Durante a pesquisa foram vivenciadas experiências que proporcionaram um aprendizado em moda que permite a criação de uma indumentária teatral. A proposta do trabalho que era a confecção de um figurino que se adequasse ao tema e aos objetivos propostos, foi alcançada, pois conseguiu-se desenvolver uma roupa que interagiu com o ambiente cênico, sem perder o conceito do desenvolvimento em moda; traduziu os signos do tema pesquisado, aplicando cores, contornos e siluetas a La Strindberg; e mostrou que a indumentária cênica pode ser ambientada dentro de uma temática de época e ainda assim mostrar um visual contemporâneo. REFERÊNCIAS ADLER, Stella. 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