oficial artigo41

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FIGURINO PARA A PEÇA TEATRAL “A MAIS FORTE”
Outfits for the Theatrical Play “The Stronger”
Bruna Perin Pellizzaro1
Olinda Terezinha Fernandes Schauffert 2
Resumo
O artigo consiste na elaboração de um figurino para a peça teatral chamada “A Mais
Forte”, com elementos visuais ligados a obra e a vida do autor da peça August
Strindberg. Na elaboração dos figurinos foram usados signos retirados de estudos
feitos sobre o século XIX, sobre revoluções de cunho social e industrial
exteriorizados a partir da obra de Strindberg.
Palavras Chave: figurino; August Strindberg; século XIX e mudança.
Abstract
This article consist on the development of the outfits for the theatrical play “The
Stronger”, with visual elements extracted from the work and life story of August
Strindberg, author of the play. On the elaboration of the outfits signs were used
based on studies of the XIX century, based on revolutions on the social and industrial
matrix, exteriorized from the work of August Strindberg.
Keywords: outfits; August Strindberg; XIX century and change.
1
Graduando em Design de Moda. Universidade do Vale do Itajaí. E-mail: [email protected]
2
Mestre em Design de Moda. Universidade do Vale do Itajaí. E-mail:[email protected]
1. INTRODUÇÃO
O figurino descende de rituais religiosos, estes empregavam vestes não
convencionais aos participantes para que ficassem mais perto das divindades, em
celebrações, agradecimentos de colheita e ou rituais de fertilidade. Segundo Adriana
Leite e Lisette Guerra (2000), o figurino pode caracterizar o homem como um ser
diferente dele mesmo: um ser que traje não suas vestimentas, mas um figurino que
o faz assumir um ‘personagem’ .
Fazer um figurino requer conhecimento geral da obra escolhida, esta por sua
vez lhe oferece uma grande quantidade de signos visuais; a responsabilidade do
figurinista é criar as vestes de cena dando características ao personagem e
ambientando-o dentro do contexto do espetáculo.
Quando o figurino de um personagem é criado, o requinte de detalhes é
grande. Se pergunto a um diretor qual o signo de determinado personagem,
ele já sabe que não estou brincando. Esta é só uma das peças do quebracabeça: tem também a marca do cigarro, o tipo de carro, a bebida preferida
e os lugares que ele gosta de freqüentar à noite, mesmo que nada disso
esteja na sinopse.(...)É um trabalho de recorte e colagem, mesmo, daqueles
de sentar no chão com tesoura, cola, cartolina e uma pilha descartável de
revistas.(...) É claro que tudo isso também pode ser feito com desenhos
feitos à mão, os famosos croquis.(CARNEIRO, 2003, 49-51 p.) .
O figurino foi criado para o espetáculo “A Mais Forte”, de 1889, que foi
escrita pelo dramaturgo August Strindberg, é um monólogo curioso e inventivo.
Neste monólogo as personagens: Senhora “X” e Senhorita “Y” são duas amigas que
se reencontram em um café na cidade de Estocolmo, no final do século dezenove.
A conversa das duas mulheres tem cunho psicológico, onde o autor brinca com a
percepção das personagens. No decorrer da peça, onde só a Senhora “X” fala, ela
descobre que a Senhorita “Y” tem um caso amoroso com seu marido. O ápice da
peça é saber quem é a mais forte dentre elas; a senhora que fala exaustivamente ( a
mulher) ou a que se mantêm calada durante toda a conversa ( a amante).
Como papel decisivo na criação do figurino optou-se por um tema peculiar,
que vem a ser August Strindebrg, o autor da peça.
O dramaturgo August Strindberg tem importância na literatura mundial, sendo
precursor do naturalismo sueco, e posteriormente difusor das idéias expressionistas
em toda a Europa. Seus escritos influenciaram toda uma geração de autores. Com
idéias inovadoras e temas abordados sob uma nova perspectiva, Strindberg
conseguiu expressar seus sentimentos mais profundos em toda sua obra. Com uma
literatura quase sempre autobiográfica, traduziu seus sentimentos e por vez sua
esquizofrenia em palavras e em tintas, Strindberg foi também pintor
Seus quadros mostram características pessoais, assim como a agonia, e o
ressentimento com a família e as mulheres. Com pinceladas amargas e tradutoras
de sua patologia, a esquizofrenia, teve lugar destaque em várias exposições de
pintura expressionista. Assim foram também suas cartas, redigidas a grandes nomes
do século dezenove e que em alguns lugares até lhe renderam “inimigos”, por
abordar temas políticos e sociais.
Dentre os objetivos específicos cabem estudos da biografia e da obra de
August Strindeberg, estudos sobre o vestuário do século dezenove, bem como
materiais e design da época, e detalhamento sobre as mudanças culturais do final
do século XIX mostradas no trabalho de Strindberg. No desenvolvimento do trabalho
criou-se roupas para o figurino da peça “A Mais Forte” com referências no final do
século dezenove pela alta sociedade da época, além de fornecer para cada figurino
características pessoais de cada personagem, bem como cores empregadas e
modelagem, sempre as adaptando ao visual do século XXI. Cabe então desenvolver
o figurino para a peça teatral “A Mais Forte”, de August Strindberg; inspirado nas
características da arte e da personalidade do autor.
Como problemática do trabalho pretende-se por fim desenvolver um figurino
adequado para uma peça de teatro aplicando signos relacionados ao tema, August
Strindberg, sem fugir da época específica e da linguagem teatral vigente, porém
adaptando-as e figurino para o design do século XXI.
2. METODOLOGIA
A Metodologia de Projeto escolhida foi uma intersecção entre a Metodologia
para Design de Vestuário de Planejamento de Coleção (2004), de Jaqueline Keller; e
a metodolgia de Bruna Pellizzaro para teatro, baseada no livro “Figurino: uma
experiência na televisão”(2002) de Adriana Leite e Lisette Guerra, e em entrevistas
com o figurinista Ricardo Garanhani. A seguir o fluxograma ( figura 1) com a
metodologia para criação do figurino teatral.
Figura 01 – fluxograma de PELLIZZARO, 2009
Fonte: Bruna Perin Pellizzaro
A proposta utilizada para o desenvolvimento do trabalho, neste caso o
desenvolvimento de um figurino para a peça de teatro “A Mais Forte”, de August
Strindberg. O tema escolhido para o trabalho foi o autor August Strindberg, que se
encaixa nas necessidades do trabalho.
No tópico, alternativas, cabe desenvolver os desenhos e ambientações
visuais para a peça escolhida. No presente trabalho cabe fazer desenhos
pertinentes a peça “A Mais Forte”. Após os desenhos criados, escolhe-se os
materiais dentro de um orçamento proposto e faz-se a s adequações necessárias a
partir dos croquis. O figurino da peça “ A Mais Forte”, começa a ganhar volume e
texturas com os materiais escolhidos.
Na etapa produção, os produtos ganham vida, com o desenvolvimento da
modelagem, da costura; bem como as provas nos atores e o teste de palco. Para a
peça escolhida cabe a confecção dos figurinos para as duas personagens da peça,
e a adequação desta dentro do cenário proposto.
Como última parte da metodologia tem-se a utilização das roupas; com a
separação de looks, por ator e por ato. Com a ambientação da peça “ A Mais Forte”
e as roupas das personagens prontas, cabe neste trabalho indicar e organizar as
roupas por personagem e por evolução da peça.
Para a realização deste projeto, foram aplicadas as seguintes pesquisas: Em
relação a sua natureza é um pesquisa aplicada, pois visa analisar material de
entrevistas e material bibliográfico para confecção de figurinos teatrais.
A abordagem do problema se dá através de uma pesquisa qualitativa, que
visa formatar todas as pesquisas bibliográficas, com o objetivo de desenvolver um
produto cujos signos encontrados sejam fruto de reflexões intuitivas e orientadoras
no projeto. Com relação aos objetivos a pesquisa é exploratória, já que o tema
tratado é figurino que visa um levantamento bibliográfico específico, e entrevistas
com profissionais especializados. Com relação aos procedimentos técnicos
desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica detalhada e um levantamento de dados,
o que dará exemplos de como desenvolver este tipo de produto.
As ferramentas utilizadas para o desenvolvimento do trabalho são os painéis
semânticos, e a colagem.
Os painéis semânticos foram utilizados como ferramenta para especificar o
tema, o público e o conceito do trabalho, ajudando a expor e a organizar as idéias
dentro do trabalho. Foram construídos com material visual, exemplificando signos
propostos pelo tema escolhido.
A técnica de colagem é outra ferramenta utilizada para exemplificar o
trabalho. Esta técnica tem como objetivo organizar idéias a partir de recortes. Esta
técnica foi usada para caracterizar as personagens da peça, ajudando a entender
melhor suas personalidades e assim auxiliando na criação dos looks propostos.
3. HISTÓRIA E AMBIENTAÇÃO
Neste tópico, analisam-se as pesquisas bibliográficas, que tratam de
ambientações e estudos sobre
temática. Parte integrante do processo e que
determina qual caminho o projeto deve traçar.
3.1 Temática
O autor sueco, August Strindberg nascido em 1849 em Estocolmo.
Seu trabalho foi consagrado como dramaturgo e romancista. Mas atuou
também como novelista, contista, filosofo, poeta, crítico, pintor, fotografo entre
outros.
Figura 02 – August Strindberg
Fonte: WWW.guardian.co.uk
Foi o líder do pensamento naturalista em sua pátria. Seus temas tratam do
absurdo das atitudes e dos pensamentos do homem, os seus instintos ocultos e
seus recalques.
“Seu naturalismo, da primeira fase de sua vida é polêmico, levantando
problemas sociais e psicológicos. E, como sua atividade abrangeu longo
período da transição literária do fim do século dezenove, Strindberg
influenciaria muitos escritores, como os alemães Toler e Kornfeld e até
Berthold Brecht, que seria o grande renovador do teatro alemão. O autor
exerceria também influencia na moderna dramaturgia norte-americana.”
(BRASIL, in Prefácio do Livro: Senhorita Julia e A Mais Forte, de August
Srindberg, p.10)
Sua primeira obra importante foi a peça Mestre Olof, em 1872, o drama é
sobre a revolta contra as convenções sociais e de todos os tipos de poder.
É reconhecido como escritor mais importante da Suécia em 1879, com O
Quarto Vermelho, primeiro romance naturalista sueco.
Casa-se três vezes e todas acabam em divorcio. Até sai de Estocolmo por
escândalos com seus divórcios, e suas opiniões sempre ácidas de acordo com o
mundo social.
Tem uma obra puramente autobiográfica, pode-se observar rastros de sua
personalidade e de sua doença, a esquizofrenia, em seus romances, peças,
quadros.
“Strindberg era ateu e moralista. Era altamente neurótico e
sofreu dois colapsos nervosos, detestava quem amava e enxergava
inimigos nas pessoas que lhe eram próximas. Era impelido a uma grande
ansiedade, por uma sociedade hostil. Teve três casamentos, ficou
terrivelmente magoado e foi internado duas vezes (ADLER, 2002, p.151).”
Suas peças retratam o cotidiano, sempre com um críticas a sociedade e ao
ser humano.
Entre 1889 e 1892 escreveu suas peças de grande repercussão, Senhorita
Julia e O Pai, estas peças mostram claramente o ressentimento que sente pelas
mulheres. Seja pelo seu pai que depois da morte precoce de sua mãe casou-se com
a empregada, ou seus casamentos que sempre acabam desastrosos. O segundo
casamento de seu pai, e sua revolta renderam o livro autobiográfico O Filho da
Criada, de 1886.
Em 1889 escreve A Mais Forte.
Escrevia claramente sobre a sociedade e seus mecanismos, gostava de
demonstrar quão real era os conflitos desta nova sociedade que crescia em toda a
Europa. Segundo Adler, Strindberg fala de uma mudança tão profunda que pode
fazer a civilização naufragar.
“Para nossas almas, curiosas e ávidas de saber, é
pouco ver o que acontece; é necessário conhecer a maneira como isso
acontece. Desejamos ver os fios, o mecanismo, e cegar a investigar e
submeter ao nosso exame o cofrezinho de fundo duplo, chegar a apalpar o
anel mágico para encontrar a soldadura, deitar um olhar às cartas para ver
de que maneira estão marcadas”.(Strindberg in HISTORIA DO
ESPETÁCULO por BORBA FILHO, 182 pg).
Sempre foi interessado por fotografia, em suas fotos pode-se ter uma idéia de
sua visão de mundo. Fotografava-se constantemente, mostrando um homem de
feições melancólicas e pensadoras. Dedicava-se também as ciências ocultas,
acreditando por vezes estar sob frenesi quando criava.
Também pintava quadros, nos quais mostrava claramente a sua patologia,
retratando angustias e desesperos. Com cores fortes. Correspondia-se por cartas
com grandes nomes da época, entre eles Zola e Nietzsche. Mudou-se para a
Alemanha onde ajudou a criar o expressionismo alemão.
Figura 03 –“A Noite do Ciúmes”, óleo sobre tela, Museu Strindberg, Estocolmo. Suécia
Fonte: WWW.tate.org.uk
Sempre teve uma vida boemia o que dificultava ainda mais seus
relacionamentos, e agrava mais ainda sua esquizofrenia paranóica. No final da vida
sua doença se torna ainda mais aguda, tornando seus trabalhos confusos, porém
nunca deixou de ser produtivo.
Cria com August Falk, em 1907, o Teatro Íntimo, destinado a representar as
suas peças psicológicas.
Sempre inovador e único no seu jeito de escrever é considerado por alguns
como o maior escritor do séc. XIX.
Morre em Estocolmo, em 14 de maio de 1912.
3.2 História do Século XIX
Em meados do século XIX a Revolução Industrial espalha-se pela Europa,
América e Ásia. Cresce a concorrência, a indústria de bens de produção se
desenvolve, as ferrovias se expandem. Surgem novas formas de energia, como a
hidrelétrica e a derivada do petróleo, na figura a seguir a efervescência das massas
para com o progresso dos meios de transporte.
Figura 04 – Willian Frith, “A Estação de Trem” (!862), óleo sobre tela.
Fonte: www.guardian.co.uk
O transporte também evolui, com a invenção da locomotiva e do barco a
vapor. Em decorrência disso verificou-se grande crescimento da produção industrial.
A corrida por impérios onde sua produção pudesse escoar foi muito grande.
Os mercados das “colônias” funcionavam como fornecedores de matéria-prima,
consumiam a produção industrial, proporcionavam gêneros agrícolas para a
alimentação e ainda serviam de campo para colocação de capitais excedentes (ex;
capitais de empréstimos emprestavam aos países dominados a juros altos).
Figura 05 – Pierre Auguste Renoir, “Bal du Moulin de La Galette” (1876), óleo sobre tela
Fonte: //largo-do-rato.blogspot.com/
Na figura acima Auguste Renoir pinta uma tarde em Paris, onde as idéias de
social e de consciência política começam a aflorar. O progresso do século XIX
possibilitou varias mobilizações nacionais, integrou o individuo em problemas
políticos e ajudou no aumento de novas idéias no âmbito da política, economia,
sociologia, concepção de Estado, e no próprio individuo perante a sociedade. Idéias
como a evolução das espécies, de Darwim, e o bem comum em O manifesto
comunista de Karl Marx, foram publicadas no século dezenove, e mudaram toda a
mentalidade vigente, caracterizando o homem como igual perante a sociedade e
entre os outros animais.
3.3 História da Moda no Século XIX
Neste século houve uma separação, significativa e definitiva das roupas
femininas das masculinas. As formas, os tecidos e a significação mudam neste
período.
No século XIX as formas das roupas femininas se resumem em uma silueta
em forma de “X”. A vestimenta feminina procura cada vez mais o sensual e a
feminilidade com rendas, bordados e fitas. O Século XIX é marcado por mudanças
bruscas, na vestimenta. A época passa pela transformação das formas simples e
brancas da era napoleônica, pela “segunda era barroca”, e termina surpreendendo
com a “meio anquinha”, como mostra a figura 06.
No começo de 1800 as roupas primam pela simplicidade. Após a Revolução
Francesa as mulheres aboliram o espartilho, as anáguas e os saltos, e puseram
camisolas brancas atadas debaixo do busto (mudando a silueta). O vestido se torna
escasso, e os tecidos utilizados são sensuais e transparentes. Os chapéus são os
turbantes advindos da Índia.
Em 1855 surge a armação de crinolina para as saias e a forma da silueta da
mulher passa a ser um triangulo eqüilátero. Essas armações exigiam um vestido de
8 a 10 metros de tecido, os babados que o ornamentavam mediam de 25 a 30 cm de
altura feita do mesmo tecido ou chita. Em toda sua extensão o vestido é enfeitado
com 10 ou 12 tipos diferentes de pequenos babados. Algumas mulheres utilizavam
alem de rendas pretas e brancas, tules bordados com prata e ouro. As saias
atingiram enormes dimensões. Festões de tule eram presos a fitas largas, onde se
intercalavam com flores. O corpete agora pequeno pretendia acentuar o busto e
salientar a linha dos ombros, as mangas ficaram menores medindo 30 cm de
comprimento e 70 cm de largura feitas de cambraia e cobertas por bordados, as
golas também diminuíram. Esse período é chamado de “segunda era Barroca” pelas
extravagâncias e exagero de ornamentos da época. Com todo o adorno as únicas
jóias utilizadas eram broxes simples presos no vestido, e os braceletes nos dois
braços sempre usados.
Pouco depois, já no final do século XIX, foi a era de ouro dos costureiros.
Neste tempo as vestimentas eram muito ornamentadas nas costas à frente cabia
somente um tecido liso com leve contorno dos quadris. Às costas cabia a
criatividade dos alfaiates com caldas, flores, armações. Nos penteados as mulheres
repetem isso, usando coques em cascata e muitos cachos e ondulações.
Figura 06 – modelos no decorrer do Século XIX
Fonte: www.guardian.co.uk
No ano de 1884 a anquinha é colocada para cima ficando sobressalente na
parte de trás da silueta. Os penteados seguem a anquinha e ficam como coques
rígidos na parte superior da cabeça. As mangas chegam aos cotovelos, e a saia fica
cada vez mais justa. A parte da frente do vestido assume forma rígida. Os chalés e
os chapéus continuam a ser usados agora em menores proporções e pouco
ornamentados.
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DA PESQUISA
A pesquisa de campo sempre é necessária, ainda mais quando se procura
criar meios para desenvolver um projeto sobre um tema pouco usual e com pouco
contudo publicado. Neste caso as entrevistas e o estado do design no teatro
brasileiro foram essenciais para o desenvolvimento do trabalho.
4.1 Entrevistas
As pesquisas de campo foram realizadas para melhor compreender as
engrenagens da feitura de uma indumentária cênica. As pesquisas foram realizadas
com um figurinista e um professor de teatro.
O primeiro entrevistado foi Jean Carlos Gonçalves cuja formação envolve
bacharelado em Teatro-Interpretação pela FURB, mestrado em Educação pela
FURB, doutorando em Educação pela UFPR, professor do curso de Teatro da FURB
e professor de Artes Cênicas da UDESC, e posteriormente assumira uma cadeira na
UFPR em Curitiba. Sua entrevista foi essencial para a ambientação do trabalho. Pois
ajudou na significação do teatro naturalista, já que a peça “A Mais Forte” é da escola
naturalista.
Segundo Gonçalves o teatro do século XIX é pós-revolucionário, neste
período a arte denuncia a realidade, os cenários são exuberantes, mas o teatro
ainda não se preocupa com funções sociais. A vida no palco busca pelo realismo,
interpretações em tons farsescos e melodrama.
Em relação a estudos feitos Jean Carlos diz que o teatro naturalista é um
movimento iniciado por André Antoine, em fins do século XIX, no qual a ênfase
estava em uma ‘fotografia da realidade’, como se fosse possível representar a
realidade no palco, sem truques e sem disfarces. As principais peças da época
foram “Quando Nós, os Mortos, Despertamos” de Ibsen, “A Terra”, “O Sonho” e “A
Besta Humana” de Zola. No contexto visual de uma peça naturalista os materiais
utilizados eram os mais próximos da realidade, inclusive com o uso de animais vivos
em cena. Todo tipo de objeto era utilizado, desde que representasse o próprio
objeto, pois não havia simbolismos em cena. As roupas eram basicamente usuais
nas ruas, com ênfase em roupas femininas, valorização do feminino. Dentre as
cores utilizadas, dava-se ênfase para as cores usuais em roupas de nobres e
coloridos. Os tons mais acinzentados e claros era reservados aos personagens mais
pobres.
O figurinista Ricardo Garanhoni, que exerce o papel de figurinista no Teatro
Guaíra de Curitiba, criando e confeccionando figurinos para vários tipos de
espetáculos como peças teatrais, espetáculos de dança, óperas e adereços para os
mais diversos eventos.
“Ricardo Garanhani recebeu o Troféu Gralha Azul na categoria Adereço: em
1998, por seu trabalho em ‘Fantasminha Camarada’; em 1997, pelos
espetáculos ‘A Fada que tinha Idéias’ e ‘O Processo’; em 1996, com ‘Peter
Pan e a Terra do Nunca’; em 1994, pelos adereços de Romeu e Julieta para
Crianças; na edição 1993-1994, com Flicts, e na edição 1992-1993, com O
Menino Maluquinho. (in site: www.tguaira.pr.gov.br, 2009)”
Segundo Ricardo Garanhani a primeira etapa para se criar um figurino é a
leitura do espetáculo, seja ele uma ópera, um balé, ou uma peça teatral. A
concepção do espetáculo está totalmente ligada ao diretor, que direciona a
conceituação do espetáculo. Ele indica o caminho a ser seguido pelo figurinista. Em
alguns casos Garanhoni comenta a gama enorme de possibilidades, onde o diretor
deixa o seu trabalho aberto a experimentações, porém também frisa que em alguns
trabalhos o diretor da peça tem a composição de figurino quase finalizada, diz que é
quase uma sob encomenda.
Depois de ter se ambientado no espetáculo, o segundo passo é propor uma
visualidade às vestimentas propondo desenhos que complementam o conceito da
peça. Com cores e ambientações procura propor uma singularidade a peça. Quando
feitos – os desenhos de figurinos - são mostrados de imediato ao diretor, que
conversa e propõem mudanças e adaptações de acordo com sua proposta de
espetáculo.
Com a proposta aprovada pelo diretor, procuram-se então os materiais para
confecção do figurino. Como figurinista do teatro Guaíra de Curitiba, Ricardo só
pode comprar em algumas lojas; aquelas que estão em dia com o imposto de renda,
sem débitos com a receita. Segundo o figurinista, as roupas têm de estar dentro do
orçamento disponível para a confecção do espetáculo. A partir da compra de
materiais - e das adaptações feitas de acordo com os materiais disponíveis nas
determinadas lojas – o figurino começa a ser confeccionado. Em relação a materiais,
Ricardo diz procurar materiais em diversos lugares como lojas de material de
construção, sapateiros, onde a diversidade agrega muito ao figurino.
Dentro da estrutura do Teatro Guaíra, dispõem de costureiras e alfaiates que
se ocupam somente do figurino interno. Então a modelagem começa a ser
confeccionada com as medidas dos atores, dançarinos, ou cantores do espetáculo.
Dentro do teatro, Ricardo comenta que se usam muito malhas, pois se adaptam bem
ao corpo. Quando pergunto da dificuldade de modelagem de malharia, ele diz que
as costureiras disponíveis têm uma modelagem bem aprimorada no assunto, já que
uma grande parte dos figurinos é de dança (balé), onde a malha é o material
essencial.
Dentro da confecção dos figurinos, vários fatores contam como ambientação
das roupas, ego dos atores, estética de peça e o conforto do corpo dentro da roupa.
Então, as roupas começam a se situar dentro do espetáculo. Um exemplo
que Garanhoni deu, foi um espetáculo de balé desenvolvido por ele que
representava uma fábrica, com seus operários; para representar a idéia de dinâmica,
de engrenagens funcionando ele colocou todos os dançarinos de malha xadrez preto
e branco – uns 6 tipos de xadrez - que dava a impressão ao longo da dança de
confusão, de fábrica funcionando. Garanhani diz: “O figurino é um espetáculo a
parte”.
Em alguns casos um mesmo personagem tem vários figurinos. Dentro da
peça um personagem pode ter vários figurinos, que representam a mudança de
ambiente, a mudança de status. O figurinista, Ricardo Garanhani fala que “na
maioria das vezes não é uma roupa para cada ator, tem um desenvolvimento; a
roupa vai se transformando, tem toda esta história de acompanhamento”. Alguns
exemplos claros de vários figurinos diferentes podem ocasionar, por exemplo: um
homem rico que fica pobre ao longo da peça. Outro exemplo são figurinos que se
recompõem, ou seja, peças de roupa que se adaptam a um figurino base, uma saia
colocada sobre uma malha que depois se transforma em capuz, ou um terno que ora
serve de terno e despido serve como lenço pro artista se transformar em velhinha.
Com as últimas provas de roupas, a finalização junto ao cenário, pode-se
perceber se o figurino “funciona” ao efeito da luz em cena, são os retoques finais no
espetáculo. Segundo Ricardo algumas vezes o figurino tem de ser refeitos no
decorrer, pois não se encaixa dentro da peça.
4.2 Estado do Teatro Brasileiro
No Brasil, as montagens de grandes peças de teatro envolvendo figurinistas
e profissionais brasileiros vem agregando valor a cultura nacional e mostrando o
potencial criativo dos brasileiros neste âmbito. Então para criar um figurino analisouse produções nacionais de grande repercussão como base de conhecimento e
referências ao trabalho.
4.2.1
“Hamlet”
A montagem nacional da peça escrita por Shakespeare tem como
personagem principal o príncipe da Dinamarca que tomado por instintos, tenta vingar
a morte do pai. Este, o Rei, volta como fantasma e exige uma vingança contra seu
irmão, autor de seu assassinato. Com direção de Aderbal Freire Filho , e nas
palavras dele: "Para entender um pouco melhor a vida, a nossa natureza, os
monstros que temos. Hamlet é um mutante: sucede ao homem instintivo e precede o
racional. Reflete o homem da Renascença, que estava querendo equilibrar emoção
e razão".
As roupas foram desenvolvidas pelo figurinista Marcelo Pies, este em
entrevista para ao jornal Estadão (4 de Julho de 2008) descreve sua criação em
detalhes.
Segundo Pies, a inspiração vem da época da Renascença. As roupas são
divididas em roupas de ensaio, e figurinos; a idéia é mostrar as roupas comuns por
entre os figurinos. As trocas de roupas se dão em cima do palco, usa-se muita
sobreposição e roupas talhadas o que deixa ainda mais visível as roupas de baixo.
Os figurinos são desenhos desenvolvidos pelo Pies, roupas de brechó e
roupas desenvolvidas pela marca Osklen, outra inovação na peça. As roupas têm
apelo atemporal puxadas para o contemporâneo.
Os figurinos das personagens têm características próprias, o da Rainha
Gertrudes, por exemplo: são roupas mais elaboradas, com várias trocas de roupa e
a cor vermelha como principal, inspirados nos vestidos Dior. As roupas do Rei
também são muito simbólicas, confeccionadas com tecidos nobres, este usa um
paletó de couro (material destinado exclusivamente para o rei) cor de ouro velho,
com silks cor de ouro e preto.
Figura 07 – fotos do espetáculo de Aderbal Filho, em cena os
personagens a Rainha Gertrudes, o Rei morto e Hamlet.
Fonte: www.terra.com.br
Outro desenvolvimento muito interessante é a criação do figurino da Ofélia, a
louca. Neste Marcelo cria uma linha entre um vestido de noiva e uma camisa de
força. A roupa é composta por sobreposições de camisas masculinas dando uma
idéia de mendigo e loucura. Na indumentária cênica destinada ao personagem
principal, Hamlet, as roupas são sobreposições, paletós e jeans com aplicação com
zíper lembrando as roupas talhadas. Em alguns momentos seu figurino se
assemelha muito ao convencional da Renascença, como uma armadura de 16 Kg,
de cor dourada.
A idéia principal do figurino da peça remete ao “novo saudosista”, que traduz
o velho com um visual moderno sem perder as principais características da época
representada.
4.2.2
“Sete, o musical”
A história da peça é o conto de fadas “A Branca de Neve”, famosa história
dos Irmãos Grimm. Mas desta vez a versão é da madrasta má, Amélia, que depois
de perder seu amado para uma mulher mais jovem e pura, consulta uma cartomante
e esta lhe confere sete tarefas, que depois de cumpridas devolveram seu amado.
Segundo críticos “Sete” é uma peça sobre o tempo e a inveja.”O número é
emblemático e nos surgiu durante o processo”, conta Möeller, autor do texto e
responsável pela direção. “E a fábula da Branca de Neve é apenas o ponto de
partida, pois a história é como um tratado sobre a inveja”, completa Botelho também
produtor da peça. Com uma trama, cheia de intrigas e aventura “ Sete, o musical” é
uma peça que mostra o lado negro dos contos de fadas, mostrando a inveja das
pessoas.
Figura 08 – fotos da peça “Sete, o musical”, produção
brasileiríssima, com cenário inventivo e grande produção.
Fonte: www.7omusical.com
O figurino da peça foi criado pela renomada Rita Murtinho, vencedora do
premio Shell por este trabalho. Ela retrata uma atmosfera negra como mostra a
figura 8, com vestidos e chalés de época. Mesmo sendo uma peça atemporal remete
a indumentária clássica com espartilhos, saia, volumes e rendas. A idéia
interessante da peça é a atmosfera pesada e a atemporalidade, num reino
encantado, que não o presente; “a peça se passa em um Rio de Janeiro onde não
há sol e as noites são longas e a neve congela o coração das pessoas”. Com
composição de figurinos inspirados na Branca de Neve, nas madrastas más da
Cinderela, as maquiagens também são diferentes com tons sombrios e enigmáticos.
Esta composição do figurino é pertinente para este trabalho, pois sua criação
tem muito a contribuir para o desenvolvimento do figurino da peça estudada. O
trabalho com a atemporalidade, as feições femininas carrancudas, os cabelos
cuidadosamente adornados.
5. DESENVOLVIMENTO
As pesquisas efetivadas no âmbito de ambientação e desenvolvimento de
trabalho ajudaram na conceituação do mesmo.
Como visto nas pesquisas feitas o desenvolvimento do produto foi baseado
na época em que a peça foi redigida, século dezenove. Com pesquisas históricas
pode-se ambientar o figurino e os signos referentes às mudanças culturais descritas
no trabalho de August Strindberg. No painel de conceito as figuras empregadas
mostram a feminilidade que se quer inserir nos figurinos, a esquizofrenia de
Strindberg, que forneceu muitos signos para o trabalho; a começar pelo do
vermelho; e o quadro de Renoir que demonstra as mudanças culturais, a
conceito
efervescência do final do século XIX.
Figura 09 – Painel semântico de Conceito
Fonte: Bruna Pellizzaro
O termo que exemplifica o figurino é “mudança”. Em toda sua amplitude
trabalha-se com a quebra de padrões, seja exteriorizando nas indumentárias signos
relacionado ao século XIX, seja trabalhando em cima da temática da peça teatral
que é traição.
“Para nossas almas, curiosas e ávidas de saber, é
pouco ver o que acontece; é necessário conhecer a maneira como isso
acontece. Desejamos ver os fios, o mecanismo, e cegar a investigar e
submeter ao nosso exame o cofrezinho de fundo duplo, chegar a apalpar o
anel mágico para encontrar a soldadura, deitar um olhar às cartas para ver
de que maneira estão marcadas”.(Strindberg in HISTORIA DO
ESPETÁCULO por BORBA FILHO, 182 p).
tema
Figura 10 – Painel semântico de Tema
Fonte: Bruna Pellizzaro
O tema escolhido, August Strindberg, proporciona estes subterfúgios para a
criação das roupas da “senhora X” e da “senhorita Y”. No painel de tema as fotos
das mulheres da vida de Strindberg (figura 10), sua mãe e suas três esposas. Como
a peça teatral conota muita sensualidade e feminilidade, e além destes signos serem
presentes na vida do autor; as mulheres de sua vida expostas no painel de tema
demonstram as características que usou-se para a confecção da indumentária
cênica; são elas: a angustia para com as mulheres, derivando daí também a cor
vermelha.
Os signos empregados neste trabalho, portanto foram a doença de
Strindberg, a esquizofrenia; a angustia para com as mulheres, sempre muito
presentes na vida do autor; e a mudança de mentalidade ocorrida no final do século
XIX e também presente no trabalho do dramaturgo.
Para simbolizar a feminilidade optou-se por manter a silueta do século XIX
composta por espartilho e a ‘anquinha’ traseira, que atribuía a mulher uma
proeminência de curvas. Nas cores visualiza-se basicamente o vermelho, como
mostra a figura 11, cor que simboliza por si só a mudança e o conflito, muito
presentes na peça, por esta tratar de uma traição; além é claro do vermelho
simbolizar sensualidade feminina. O vermelho também exemplifica o transtorno, a
fobia signos presentes na vida do dramaturgo, como representado no painel de
conceito (figura 9).
Figura 11 – Peça “A Mais Forte”, de Strindberg. Produção cênica,
com os figurinos desenvolvidos.
Fonte: Bruna Pellizzaro
As personagens atuam de pés descalços isso trabalha com a teatralidade,
além de representar a abertura e a preparação para o momento de crise vivida na
peça teatral : a traição. Com isso o ambiente cênico fica evidente , as cores também
contribuem ora ornando com o ambiente cênico, ora conflitando.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o desenrolar do trabalho foram adquiridos conhecimentos de cunho
histórico e prático. Aprendeu-se a desenvolver figurino, aplicando uma metodologia
que auxilia na concepção de projeto e resulta em um produto compatível com o
objetivo proposto.
Os estudos iniciaram com a pesquisa bibliográfica e de campo,
fundamentando todo o processe de criação dos looks desenvolvidos para a peça “ A
Mais Forte”, de August Strindberg. Durante a pesquisa foram vivenciadas
experiências que proporcionaram um aprendizado em moda que permite a criação
de uma indumentária teatral.
A proposta do trabalho que era a confecção de um figurino que se
adequasse ao tema e aos objetivos propostos, foi alcançada, pois conseguiu-se
desenvolver uma roupa que interagiu com o ambiente cênico, sem perder o conceito
do desenvolvimento em moda; traduziu os signos do tema pesquisado, aplicando
cores, contornos e siluetas a La Strindberg; e mostrou que a indumentária cênica
pode ser ambientada dentro de uma temática de época e ainda assim mostrar um
visual contemporâneo.
REFERÊNCIAS
ADLER, Stella. Stella Adler sobre Ibsen, Strindberg e Chekhov.\ Stella Adler:
tradução Sonia Coutinho. 1. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
BORBA FILHO, Hermilio. História do espetáculo. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1968.
CARNEIRO, Marília. Marília Carneiro no camarim das oito.\ Marília Carneiro,
Carla Mühlhaus. 1. ed. Rio de Janeiro : Aeroplano : Senac – Rio, 2003.
LEITE, Adriana. Figurino: uma experiência na televisão.\ Adriana Leite, Lisette
Guerra. 1. ed. São Paulo : Paz e Terra, 2002.
STRINDBERG, August. Senhorita julia e A mais forte. 1. ed. Rio de Janeiro:
Editora Ediouro-paraditac, 1990.
CIA TEATRO ARTE DRAMÁTICA . A Mais Forte. Disponível em:
http://www.ctad.com.br/A_mais_forte.php. Acesso em: 10 de abril de 2009.
TEATRO GUAÍRA . Ricardo Garanhoni. Disponível em: www.tguaira.pr.gov.br
Acesso em: 04 de abril de 2009.
ESTADÃO . Hamlet . Disponível em: www.estadão.com.br. Acesso em: 11 de março
de 2009.
TERRA. Hamlet. Disponível em : www.terra.com.br
SETE, O MUSICAL. Sete, O Musical. Disponível em: www.7omusical.com. Acesso
em: 12 maio de 2009.
HISTÓRIA DA MODA. Moda no século XIX. Disponível em:
modahistoria.blogspot.com. Acesso em: 11 março de 2009.
WILLIAN FRITH. Quadro “A Estação de Trem”. Disponível em:
www.guardian.co.uk. Acesso em : 22 de maio de 2009.
PIERRE AUGUST RENOIR. Quadro “Bal Du Moulin de La Galette”.Disponível
em: largo-do-rato.blogspot.com
AUGUST STRINDBERG. Quadro “A Noite do Ciúmes”. Disponível em :
www.tate.org.uk
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