sociedade de patologia do tocantins

Propaganda
Rev Pato Tocantins
V. 3, n. 02, 2016
SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
CASE REPORT
SÍNDROME COLESTÁTICA NA INFÃNCIA: RELATO DE CASO
SUAVINHA, Fernanda Fleury1; FARIA, Érika Fernanda1; NETO, Delcides Bernardes Costa2; COELHO,
Fernanda José de Toledo3.
RESUMO
A colelitíase na infância, ao contrário da no adulto, permanece ainda como um desafio
diagnóstico aos médicos, visto que sua apresentação clínica é pouco específica, isto é.
não apresenta os sinais e sintomas clássicos da doença. Ademais, os aspectos
epidemiológicos e a conduta a ser tomada frente a esses casos não estão totalmente
esclarecidos, constituindo uma fonte de divergências entre os pesquisadores. Relatamos
o caso clínico de uma pré-escolar atendida no Hospital Infantil Público de Palmas com
quadro de colelitíase sintomática. O objetivo desse artigo foi relatar este caso raro, com
o intuito de rever os principais aspectos fisiopatológicos desta entidade.
Palavras-chave: Colelitíase; Infância; Cálculos biliares; Icterícia.
1
Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Tocantins. Campus Palmas;
Docente da Universidade Federal do Tocantins. Campus Palmas;
3
Médica clínica geral atuante em Palmas-TO.
Email para contato: Fernanda Fleury Suavinha: [email protected].
2
13
Rev Pato Tocantins
V. 3, n. 02, 2016
SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
CHOLESTATIC SYNDROME IN CHILDHOOD: CASE REPORT
ABSTRACT
Cholelithiasis in childhood, unlike the adult, still remains a diagnostic challenge to
physicians, since their clinical presentation is unspecific and did not show the classic
signs and symptoms of the disease. Furthermore, epidemiological aspects and the action
to be taken forward on these cases are not entirely clear, providing a source of
disagreement among researchers. We report the case of a pre-school attended at the
Palms Public Children's Hospital with symptomatic cholelithiasis frame. The purpose of
this article is to report this rare case, in order to review key pathophysiological aspects
of this entity.
Keywords: Cholelithiasis; Children; Gallstones; Jaundice.
14
Rev Pato Tocantins
V. 3, n. 02, 2016
SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
relacionado
INTRODUÇÃO
ao
uso
de
nutrição
parenteral ou obstrução do ducto cístico,
cuja constituição básica é de carbonato
1. Tipos de cálculos
Os
cálculos
biliares
de cálcio3.
são
compostos por substâncias amorfas ou
2. Incidência e Etiologia
cristalinas que se precipitam no interior
Grande parte das publicações
da árvore biliar. Eles são divididos em
sobre doença calculosa na infância
dois grandes grupos: os cálculos de
mostra a preponderância dos cálculos
colesterol
pigmentares
e
os
pigmentares.
Os
primeiros representam 75% do total de
nesta
principalmente
os
faixa
etária,
secundários
às
4
cálculos, apresentando uma coloração
doenças hemolíticas crônicas . Apesar
amarelada, podendo ser únicos ou
de essas referidas doenças constituírem
múltiplos, puros (menos de 10%) ou
os fatores de risco mais prevalente, sua
mistos (mais de 70%). Os pigmentares,
incidência
por sua vez, são subdivididos em
progressivamente com o tempo. Outro
cálculos
castanhos
cálculos
pretos
ou
vem
diminuindo
pretos.
Os
fator de risco importante na infância
formados
na
para a doença calculosa é a obesidade,
vesícula biliar e têm como composição
devido à diminuição da secreção de
básica as moléculas de bilirrubinato de
ácidos biliares pelo fígado5.
são
cálcio, as quais estão relacionadas,
A doença calculosa tem seu
classicamente, à hemólise crônica, mas
primeiro pico de incidência no primeiro
podem
a
ano de vida, visto que os lactentes
alguma disfunção hepatocelular. Os
possuem uma bile mais litogênica,
cálculos
são
devido a um maior índice de saturação
formados, na maior parte das vezes, no
do colesterol e um menor tempo de
interior do ducto colédoco, sendo
nucleação. Nessa faixa etária, não há
constituído por bilirrubinato de cálcio
prevalência de um sexo sobre o outro.
em associação com o colesterol e com
Além disso, os lactentes possuem outros
outros sais de cálcio1,2.
fatores de risco, como administração
ser
secundárias
castanhos,
também
por
fim,
Além destes, Stringer et al.
detectou
outro
tipo
de
cálculo,
15
prolongada
de
doença
ileal,
nutrição
parenteral,
prematuridade,
Rev Pato Tocantins
V. 3, n. 02, 2016
desidratação,
SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
imaturidade
da
fibrose cística e as ressecções de
glicuroniltransferase hepática ou terapia
delgado4.
com ceftriaxona, os quais provocam um
A
porcentagem
de
casos
distúrbio transitório da bile que a
idiopáticos é muito variável na literatura
predispõe à formação dos cálculos. Os
e estudos recentes relatam que essas
prematuros, por sua vez, estão sujeitos
crianças tendem a ser do sexo feminino,
fatores de risco adicionais para a
obesos e a ter uma história familiar de
colelitíase,
colelitíase, além de apresentarem maior
como
as
múltiplas
transfusões e a sepse por Gram-
probabilidade
negativo6.
sintomas semelhantes aos dos adultos8.
O segundo pico se dá na
de
desenvolverem
3. Quadro clínico
adolescência, quando passa então a
Em relação ao quadro clínico, a
predominar os cálculos de colesterol,
colelitíase
devido às alterações no metabolismo
assintomática (17 a 37% dos casos,
dos estrogênios característicos dessa
predominando nas crianças menores de
fase.
5 anos) ou se manifestar com dor
Nesta
fase,
já
começa
o
predomínio do sexo feminino7.
na
abdominal,
infância
pode
principalmente
ser
em
Outros fatores de risco para
quadrante superior direito ou epigástrio,
colelítiase infantil são a trombose da
icterícia, náuseas, vômitos, anorexia,
veia
à
intolerância a alimentos gordurosos,
cirurgia abdominal, cirurgia cardíaca ou
pancreatite, febre e dor abdominal
cardiopatas, história familiar positiva,
aguda. As crianças frequentemente têm
antecedente de tratamento para câncer,
queixas
jejum prolongado, infecção do trato
(principalmente as crianças mais jovens,
urinário, deficiência de IgA, transplante
menores que 5 anos de idade), não
de medula óssea, síndrome de Down,
descrevendo
além das doenças que resultam em
sintomas e não apresentando seus sinais
disfunção intestinal, como a síndrome
semiológicos típicos. Mas, diante de
do intestino curto, as diarreias graves, as
toda essa inespecificidade, a presença
doenças
clínica dos vômitos aumenta o índice de
porta,
crianças
inflamatórias
submetidas
intestinais,
a
abdominais
inespecíficas
precisamente
seus
suspeita de colelitíase. A apresentação
16
Rev Pato Tocantins
V. 3, n. 02, 2016
SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
clínica clássica do adulto, como cólica
vesícula biliar, a cirrose biliar e o
biliar, é referida com maior freqüência
carcinoma da vesícula6.
em maiores de 15 anos. Principalmente
6. Tratamento
em crianças prematuras ou naquelas
Uma
das
com antecedente de nutrição parenteral
controvérsias
total ou enterocolite necrosante, a
colelitíase na infância se encontra no
irritabilidade, especialmente após as
tratamento, uma vez que não há
refeições,
a
consenso quanto a melhor conduta nos
calculosa
pacientes pediátricos nem um protocolo
pode
possibilidade
nos
de
remeter
doença
biliar9.
na
principais
literatura
sobre
diagnóstico-terapêutico bem definido
nessa faixa etária (os relatos sobre o
4. Exames Complementares
Quanto
ao
diagnóstico,
a
seguimento dos pacientes tratados são
ultrassonografia é o exame de escolha,
escassos).
apresentando uma acurácia de 98%.
cirúrgico
Laboratorialmente, pode-se encontrar
intervencionista têm sido defendidos,
um aumento da fosfatase alcalina,
mas também há relatos de eliminação
gama-glutamiltranspeptidase,
espontânea dos cálculos principalmente
aminotransferases e das bilirrubinas, se
nos neonatos e lactentes jovens11.
houver obstrução biliar10.
A
Tanto
como
o
os
decisão
procedimento
de
entre
radiologia
tratamento
conservador e colecistectomia depende
5. Complicações
As complicações da colelitíase
da idade e da gravidade dos sintomas,
são diversas, não havendo consenso da
não importando a etiologia da doença
frequência delas em cada faixa etária
calculosa. Em geral, nos pacientes
nem o momento ideal de realizar a
assintomáticos
retirada da vesícula biliar com o intuito
atípicos, nos lactentes e nos pacientes
de evitá-las. Dentre essas complicações,
com nutrição parenteral está indicado o
destacam-se a colecistite por infecção
tratamento
bacteriana ou por obstrução da vesícula
acompanhamento
ou impactação do cálculo no cístico, a
ultrassonográfico
coledocolitíase, a colangite, o abscesso
pacientes sintomáticos (principalmente
hepático, a pancreatite, a perfuração da
naqueles com sintomas típicos de
17
ou
com
sintomas
conservador
com
clínico-
periódico.
Já
nos
Rev Pato Tocantins
V. 3, n. 02, 2016
SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
epigastralgia ou dor em quadrante
fórmula. Apresentou-se com quadro de
superior
dor abdominal e vômitos há 2 dias antes
direito
com
intolerância
alimentar) e naqueles com cálculos
da admissão, piorando com
calcificados (pela baixa probabilidade
(38ºC) e parada de eliminação de fezes
de
com
nas ultimas 24h. No exame físico,
cálculos não pigmentados, deve ser
apresentava-se em regular estado geral e
indicado a resolução cirúrgica, de
com
preferência por via laparoscópica. Já
principalmente em hipocôndrio direito.
nos casos de colelitíase associada à
Os demais aspectos do exame físico não
icterícia obstrutiva e pancreatite, a
apresentavam alterações.
resolução
espontânea)
e
CPRE com a extração do cálculo,
realizada
antes
colecistectomia
ou
depois
laparoscópica,
é
dor
à
febre
descompressão
brusca
A paciente foi internada com
da
diagnóstico de abdome agudo de causa
o
a esclarecer. Durante a internação,
procedimento de escolha12.
foram realizados exames laboratoriais e
O ácido ursodeoxicólico, na
de imagem. Foram revelados uma
dose de até 20 mg/Kg/dia, pode
discreta
dissolver os cálculos de colesterol, mas
bilirrubinas,
há pouca experiência com seu uso na
GGT. A ultrassonografia de abdome
população
disso,
revelou imagem hiperecogênica com
cálculos
sombra acústica posterior, sugestiva de
nestas
pediátrica.
predominam
pigmentares
e,
para
Além
os
estes,
esse
leucocitose,
elevação
transaminases,
de
PCR
e
cálculo, medindo cerca de 0,5cm, na
2
medicamento não é efetivo .
projeção do cístico, determinando leve a
moderada dilatação da via biliar intrahepática à montante; vesícula biliar de
RELATO DO CASO
paredes
A.B.C.A.,
sexo
feminino,
4
espessadas
e
irregulares
(espessura média de 0,6cm), com
anos, branca, natural de Guaraí- TO.
conteúdo
Nasceu prematura, com 30 semanas.
sugestivo de bile espessa; e pequena
Mãe apresentou gestação e pré-natal
quantidade de líquido livre na cavidade
sem
abdominal.
anormalidades,
parto
cesáreo,
amamentou até 6 meses, associado a
heterogêneo
Foi
colangioressonância
18
de
permeio,
realizada
que
uma
revelou
a
Rev Pato Tocantins
V. 3, n. 02, 2016
SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
presença de alterações inflamatórias e
exame ultrassonográfico que, como
microcálculos no interior da vesícula
visto, tem boa acurácia diagnóstica.
biliar. Durante internação, a paciente
Por fim, com base nos fatores de risco
recebeu
previamente discutidos, a criança tem
diagnóstico
de
síndrome
colestática e foi tratada com hidratação,
indicação
de
realização
de
sintomáticos e cefalotina.
colecistectomia. No entanto, a família
levou-a para ser tratada em outro
estado, e por isso, não se sabe o que foi
DISCUSSÃO
proposto
Mediante a análise da literatura
e
qual
intervenção
foi
realizada.
apresentada, percebe-se que a criança
do caso clínico apresentava um fator de
risco
importante
colestática
para
infantil
a
CONCLUSÃO
doença
que
é
a
Vemos
um
caso
clínico
prematuridade. Além disso, ela não
compatível com a literatura, de difícil
apresentava nenhuma doença hemolítica
suspeição clínica, mas com rápido
ou
diagnóstico
outra
doença
de
base,
como
devido
à
realização
obesidade. A apresentação clínica foi
ultrassonografia de abdome. Assim
de um quadro de vômitos e dor
notamos a importância desse exame e a
abdominal,
raridade do caso apresentado.
hipocôndrio
principalmente
direito,
o
em
que
se
correlaciona com a literatura. Além
destes
comemorativos,
apresentou
inespecíficos.
criança
outros
a
criança
sintomas
Laboratorialmente,
apresentou
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
elevação
1. BAILEY, P.V. et al. Changing
a
spectrum of cholelithiasis and
das
cholecystitis
in
infants
and
bilirrubinas, das transaminases e da
children. Am J Surg, 158: 585-
GGT, o que também é esperado para
588, 1989.
sua doença, sendo que o fechamento do
2. BRAUNWALD,
seu diagnóstico foi feito através de um
HARRISON
19
E.
–
et
al.
Medicina
Rev Pato Tocantins
V. 3, n. 02, 2016
SOCIEDADE DE PATOLOGIA DO TOCANTINS
Interna - 2 Volumes. Rio de
9. MILTENBURG,
Janeiro: Artmed, 2009.
3. DEBRAY,
SHAFFER, R.; BRESLIN, T.;
al.
BRANDT,
M.L.
Changing
Cholelithiasis in infancy:a study
indications
for
pediatric
of 40 cases. J Pediatr, 122: 385-
cholecystectomy.
91, 1993.
105: 1250-3, 2000.
4. FRIESEN,
C.C.
D.
D.M.;
C.A.;
et
ROBERTS,
Cholelithiasis:
10. REIF,
clinical
S.;
Pediatrics,
SLOVEN,
D.G.;
LEBENTHAL, E. Gallstones in
characteristics in children - Case
children. Characterization by
analysis and literature review.
age, etiology and outcome. Am
Clin Pediatr (Phila), 28; 294-8,
J Dis Child, 145: 105-8, 1991.
1989.
11. RUIBAL, F.J. et al. Colelitiasis
5. GOLDMAN, L. et al. Cecil –
en la infância. Análisis de 24
Tratado de Medicina Interna.
pacientes y revisión de 123
Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
casos publicados en España. An
6. HALPERN,
Z.
Characteristics
et
al.
Esp Pediatr, 54: 120-5, 2001.
of gallbladder
12. STRINGER, M.D.; TAYLOR,
bile of infants and children. J
D.R.;
Pediatr Gastroenterol Nutr,
Gallstone
23: 147-50, 1996.
childrendifferent?
7. KELLY,
D.A.
Doenças
SOLOWAY,
composition:
435-40, 2003.
cirúrgicas do fígado e dos ductos
biliares. In: Kelly DA. Doenças
hepáticas e das vias biliares
em crianças. 1ed. São Paulo:
Editora Santos; 2001. p. 263-4.
8. MCEVOY, C.F.; SUCHY, F.J.
Biliary tract disease in children.
Pediatr Clin North Am, 43: 7598, 1996.
20
R.D.
J
are
Pediatr,
Download