Percurso pela rua de Cedofeita

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Percurso pela rua de Cedofeita
O percurso começa na triangular praça de Carlos Alberto (1), no Porto. Desde tempos
remotos que o largo dos Ferradores, atual praça de Carlos Alberto, é um lugar de divergência
de caminhos. Para nordeste, pela rua das Oliveiras, seguia a estrada para Braga, velho caminho
para Santiago de Compostela, que passava pela rua dos Mártires da Liberdade, pela Praça da
República e pela rua de Antero de Quental, antiga rua da Rainha. Para noroeste, a rua de
Cedofeita decalca uma antiquíssima estrada para Vila do Conde, cujas origens se perdem no
tempo. A praça é composta por um conjunto de edifícios muito interessantes,
dominantemente do final do século XVIII e primeira metade de XIX. Todavia, dois edifícios
destacam-se no espaço aconchegante da praça. A ocidente, o Hospital do Carmo, estrutura
composta por vários edifícios que foram sendo erguidos na transição de Setecentos para
Oitocentos, junto ao antigo convento dos Carmelitas Descalços, ali fundado no princípio do
século XVII. Na parte norte da praça ergue-se o palacete dos Viscondes de Balsemão, casa
nobre do século XVIII, que, em 1849, acolheu o exilado Rei da Sardenha e Piemonte, Carlos
Alberto de Sabóia, quando ali funcionava a “Real Estalagem do Peixe”. Nesse mesmo edifício
viveu e morreu o Conde da Trindade, abastado brasileiro de torna-viagem que foi presidente
da Câmara Municipal do Porto, em meados do século XIX.
Dali, o percurso continua pela rua de Cedofeita onde ainda é possível encontrar alguns
belos exemplares da arquitetura do final do século XVIII, e sobretudo um conjunto notável de
edifícios do século seguinte. Ali foi o local de residência de boa parte da elite burguesa e
comercial da cidade do Porto, em palacetes construídos, na sua maioria, na primeira metade
do século XIX. A velha estrada para o noroeste peninsular foi transformada em rua a partir de
um projecto da década de 80 do século XVIII, quando o velho e tortuoso caminho foi alinhado
e retificado para enquadrar como fundo de rua a elegante e barroca torre dos Clérigos, obra
maior do arquitecto italiano Nicolau Nazoni, executada também no século XVIII.
Passo a passo, vamos descobrindo o casario que se encosta à rua de Cedofeita. Mais à
frente (2), no número 159encontramos um edifício recentemente recuperado onde viveu, na
transição do século XIX para XX, Joaquim de Vasconcelos, etnólogo, musicólogo e historiador
de arte e, a sua esposa (desde 1876), a alemãCarolina Michaelis, filóloga, crítica literária,
escritora e lexicógrafa. Carolina Michaelisfoi a primeira mulher a lecionar numa universidade
portuguesa (Universidade de Coimbra). Naquela casa fizeram-se muitas tertúlias literárias,
onde era comum a presença de individualidades como Eça de Queirós ou Antero de Quental.
Também do lado poente, encontramos o 285 da rua de Cedofeita (3), onde está
instalado o ISCET. Edifício construído a partir de um projeto de 1856 (de que se fez apenas 1/3
do projetado),foi desenhado pelo engenheiro Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa, figura
proeminente do Porto industrial de Oitocentos, tanto pelas muitas obras que dirigiu (Palácio
da Bolsa, Palácio de Cristal, expansão da Avenida da Boavista) ou criou da sua imaginação
como a escadaria granítica do Palácio da Bolsa ou o exótico salão árabe do mesmo edifício,
como pelo seu papel na dinamização progressista e industrial da cidade do Porto do século XIX.
O edifício onde está sediado o ISCET foi requerido por um negociante em vinho do Porto
chamado Joaquim Ferreira Monteiro Guimarães que o ergueu para residência da família.
Todavia, o edifício acabou por se celebrizar quer por ter sido a morada do presidente da
Câmara do Porto Francisco Pinto Bessa (que ali faleceu em 1878), quer, sobretudo, por ter
albergado o Salão Silva Porto, importante e influente centro de arte, galeria de exposições e
academia artística de meados do século XX.
Junto à rua do Bragas e defronte da rua da Torrinha, ergue-se um outro edifício
notável (4), construído em terrenos da família Ribeiro Braga. Em tempos, este edifício tinha um
chafariz no seu corpo central, junto ao rés-do-chão, e chegou a ser um afamado colégio
privado, dirigido pela família VonHaff. A fonte está, hoje em dia, no exuberante jardim dos
SMAS 8também conhecido como quinta das Águas), na parte oriental da cidade.
No atual número 395 da rua de Cedofeita (5), podemos encontrar um enorme edifício
branco de rés-do-chão e 3 pisos, que albergou o quartel general de D. Pedro durante o Cerco
do Porto, no início da década de 30 do século XIX. Inicialmente, o futuro Rei-Soldado esteve
instalado no palácio dos Carrancas, atual museu Soares dos Reis. Mas devido à exposição
desse edifício aos bombardeamentos vindos da outra margem do rio Douro, o centro das
operações liberais foi deslocado para a mais segura rua de Cedofeita, junto a uma estrada de
saída da cidade e perto de alguns locais elevados, onde, graças à topografia irregular, era
possível vigiar o inimigo e controlar as operações. Nesse edifício albino residiu durante o Cerco
do Porto o futuro rei D. Pedro IV que entregou o seu coração à cidade.
As vizinhanças deste imóvel são também elas interessantes, nomeadamente os 3
edifícios seguintes, todos eles com mais de 150 anos. O primeiro, junto ao edifício onde residiu
D. Pedro IV, foi comprado no princípio do século XX por Honório de Lima, coleccionador de
arte e mecenas que foi proprietário do Teatro São João. O segundo, em tons salmão, era a
residência dos Barões do Seixo. Nessa propriedade destacam-se também, para além do
imponente e elegante edifício salmão, o jardim romântico que contém um conjunto notável de
árvores centenárias, com especial destaque para uma araucária esguia e para um metrosídero
de dimensões impressionantes com extraordinárias raízes aéreas. Finalmente, do lado norte
da casa dos Barões do Seixo, encontra-se um edifício branco que foi a residência do Visconde
de Barreiros, também ele um brasileiro de torna-viagem, de origem maiata, que muito
contribuiu para o desenvolvimento daquele núcleo urbano no final do século XIX, após o seu
regresso do outro lado do Atlântico.
Jorge Ricardo Pinto
10-05-2016
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