ESTRELAS DE HERBIG: CARACTERÍSTICAS E MODELOS

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Norte Ciência, vol. 2, n. 1, p. 27-49 (2011)
ESTRELAS DE HERBIG: CARACTERÍSTICAS E MODELOS
Adílio Jorge Marques
UERJ/Proeper
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Resumo
As estrelas Ae/Be de Herbig (HAEBE) são estrelas jovens, pré-sequência
principal (PSP), estudadas a partir de 1960 com o trabalho de George Howard Herbig.
Tais objetos possuem, ainda hoje, questões em aberto quanto à sua natureza estrutural,
existindo a necessidade de modelos que expliquem mais satisfatoriamente os dados
observacionais.
O presente artigo visa apresentar as principais características e modelos existentes
na literatura clássica da Astrofísica para as HAEBE, procurando evidenciar algumas de
suas características espectrais, sendo que algumas destas apresentam forte distinção das
estrelas T-Tauri, e outras as assemelham entre si, mostrando que podem ser estudadas a
partir de modelos próximos entre si.
As estrelas Ae/Be de Herbig
G. H. Herbig (1920- ), no ano de 1960, publicou trabalhos pioneiros sobre os
objetos estelares que levam hoje o seu nome. Conjecturou que as estrelas de tipo
espectral A/B, possuindo linhas de emissão no seu espectro na região do visível
(passando, então, a serem descritas como Ae/Be, respectivamente), estariam também
associadas a uma nebulosidade (Herbig, Ap.J. Supp., 4, 337-68, 1960, e seguintes).
Eram, na verdade, objetos de massa intermediária, ainda no estágio evolutivo de
Pré-Sequência Principal. Sua motivação principal foi definir qualitativamente tais
objetos de massa intermediária, em contraposição às estrelas T-Tauri que possuem baixa
massa. Com esta proposta, ele indicava uma nova classificação de tipo estelar a ser mais
detalhadamente estudada, e que até aquele momento era ainda mal classificada e
entendida.
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Herbig propôs inicialmente uma lista de vinte e seis objetos (e mais sete
possíveis) que obedeciam aos seguintes quatro critérios. Estes definiram as estrelas tipo
Ae/Be de Herbig:
1. Tipo espectral anterior (mais quentes) a F0. Este critério permite selecionar
apenas objetos mais massivos (2.0 < M / M < 10);
2. A presença de linhas de emissão na série de Balmer, característica de estrelas
jovens, como as estrelas T-Tauri, que eram estrelas já estudadas por Herbig e outros;
3. Tais estrelas estariam em regiões obscurecidas, o que significaria que são
objetos jovens e que ainda não tiveram tempo suficiente para escapar das nuvens que as
formaram, ou seja, ainda dentro de suas nuvens proto-estelares;
4. Iluminariam uma nebulosa de reflexão, de alto brilho, na sua vizinhança
imediata. Com este item, Herbig procurou eliminar estrelas que simplesmente estariam
projetadas em nuvens escuras na esfera celeste. Também é um critério que possibilita
eliminar estrelas Be clássicas, pois estas últimas normalmente estão presentes em
nebulosas de pouco brilho.
Estes quatro critérios iniciais, considerados clássicos e ainda utilizados, não são
suficientes para provar a natureza pré-sequência das HAEBE. Atualmente a lista inicial
está bastante ampliada, assim como novos critérios se somaram aos quatro iniciais para
melhor classificação.
Strom (1972) foi quem primeiro sugeriu a natureza PSP desses objetos em bases
quantitativas, ou seja, determinando suas gravidades superficiais e luminosidades
bolométricas (de uma a duas magnitudes acima da sequência principal).
Um importante avanço nessa tentativa de definir, sem ambiguidades, tal classe de
objetos, foi o trabalho de Finkenzeller e Mundt (1984), apresentando um catálogo com
57 objetos. Aos critérios de Herbig acrescentaram características dos perfis das linhas
Hα e Na I D (observadas em alta resolução), e propriedades fotométricas do ótico e
infravermelho. A partir das velocidades radiais das linhas citadas, propuseram um
modelo para o vento estelar das HAEBE: inicialmente acelerados, sendo desacelerados
a distâncias maiores do centro da estrela pela ação da gravidade. Com base na
fotometria, introduziram um diagrama de cores (H-K, K-L) no qual os objetos Ae/Be
são claramente separados das Be’s clássicas. O maior excesso na região do infra-ver28
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melho seria devido à emissão térmica pela poeira presente no espaço estelar (~ 1500 K).
Indicaram a fotosfera de uma estrela A0 com emissão devido à poeira, com
temperaturas da ordem de 800 K, 1000 K e 1500 K.
Características adicionais os objetos HAEBE
Thé et al. (1994) fizeram uma revisão extensa dos critérios de identificação e
discutiram outras características desta classe de objetos.
a) Estrelas com lei de extinção anômala
A razão entre as extinções total e seletiva,
Obtém-se
, é dada pela equação:
se o objeto não for obscurecido por alguma nuvem escura. Thé
et al. (1978) apontaram a existência de valores maiores de R quanto maior o
obscurecimento, considerando assim este fator como anômalo devido à variação que
aparece em apenas poucos dias ou semanas em algumas destas estrelas. Seria devido a
grãos de maior tamanho, pois, segundo Steeman e Thé (1990), os grãos de diâmetro
menor que 0.01 µm seriam depletados.
b) Excesso no infravermelho
Fator apontado por Finkenzeller e Mundt (1994). Entretanto, outra classe de
objetos, as B[e]’s, também apresentam excessos no infravermelho devido à emissão
térmica pela poeira.
c) Variabilidade
Cerca de 20% a 30% das estrelas HAEBE apresentam uma variação significante
no brilho. A amplitude dessa variação é de ~ 0m.2 para tipos espectrais mais quentes do
que A0, e maiores, entre 0 m.65 e 3.0 m, para mais frias. Objetos de tipo A0 apresentam
ambos os tipos de variabilidade (Thé et al., 1994).
d) Estrelas do tipo Fe
Admite-se a inclusão de estrelas de tipo espectral entre F0 e F8, pois as
características espectrais destes objetos são semelhantes às de Herbig, e é considerada a
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hipótese de fazerem parte da classe das HAEBE (Catala, 1989). Se o objeto é mais frio
que F8 ele pertencerá à classe das T-Tauri.
e) Linha Hα
É uma característica para a classificação como HAEBE. Estudos clássicos, como
os de Reipurth et al. (1996), apresentam uma estatística aproximada de que:
50% dos perfis são do tipo com duas componentes (ou “duplo pico”), separadas
por uma componente de absorção e em repouso; aproximadamente 25% contêm uma
componente (“pico simples”); 20% são do tipo P Cygni, e os restantes 5% mostram
padrões mais complexos (emissões e absorções sem um padrão definido).
Os mesmos autores classificam os perfis de Hα em quatro tipos (figura 1),
segundo a forma. Outros, como Grinin & Rostopchina (1995), e Catala (1989), aceitam
apenas três tipos, considerando os descritos abaixo como II e III como um mesmo tipo
de linha.
Figura 1 – Classificação dos quatro tipos de perfis Hα, características das HAEBE
segundo Reipurth et al. (1996). Tipo I: perfil simples; tipo II: perfil duplo; tipo III:
também perfil duplo, apenas com uma das componentes com pico em emissão menor; e
tipo IV: perfil P Cygni.
Grinin e Rostopchina (1995) sugerem que o tipo de perfil observado está
determinado pelo ângulo entre a linha de visada e o plano disco-estrela, ou seja, objetos
que sejam observados pelos seus pólos apresentarão normalmente perfis do tipo I,
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demonstrando que existe menos opacidade nessa direção. Observados de uma posição
entre o disco opticamente espesso no plano equatorial e os pólos, tendem a apresentar
um perfil P Cygni, tipo III, mostrando pequena faixa de absorção (ver também L. A.
Pavlova, 2005). E se observados pelo plano equatorial, onde a concentração de material
é maior, surgem padrões com dois componentes, indicando perfil Hα tipo II.
A figura 2 representa um modelo esquemático do envoltório de uma estrela
HAEBE com a presença de material circunstelar em modelo de disco, e sua relação com
os perfis Hα observados, tal como sugeridos por Grinin et al.. Esses diferentes tipos de
perfis seriam consequência da interação de um disco de acresção opticamente espesso
com a magnetosfera da estrela, conforme Liu et al. (2003 e 2005) em várias outras
observações.
Figura 2 - Modelo esquemático de HAEBEs com envelopes circunstelares de gás,
mostrando a relação com os tipos de perfis Hα (Grinin, 1992).
Deve ser lembrado, ainda, que os perfis Hα para as Ae/Be’s mostram
variabilidade, algumas mudando o tipo de perfil, ou sua intensidade em emissão e/ou
absorção, em poucos dias ou semanas. Além disso, há uma conexão entre a
variabilidade fotométrica e o tipo de perfil: estrelas com P Cygni simples são menos
variáveis, enquanto aquelas com duplo pico são mais ativas fotometricamente (estrelas
tipo UX Ori).
f) Observações no ultravioleta
Os perfis das linhas ressonantes Ly α e Mg II (2800 angstrons) parecem ser
indicadores da natureza PSP dos objetos, pois aparecem deslocadas para o vermelho em
muitas estrelas HAEBE. A linha Ly α só foi observada nas estrelas classificadas como
Ae, e não em Be’s de Herbig (Blondel, 1993). O perfil de Ly α é interpretado como
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indicador de queda de material sobre a estrela em forma de jato, exatamente como nas
estrelas T-Tauri.
Kurt e Lamzin (1995) mostram que a absorção interestelar pelo H neutro altera o
perfil de Ly α, e por isso tais autores propõem uma região diferente para sua formação,
ou seja, a região H II formada onde existe choque do material acretado do disco com a
fotosfera.
g) Observações nas regiões infravermelhas, sub-mm e mm
Linhas espectrais no infravermelho e fotometria nas regiões milimétrica e
submilimétrica são utilizadas para corroborar as semelhanças entre T-Tauri e as
Ae/Be’s, ou seja, na semelhança de seus modelos.
h) O “efeito azul”
Muitas estrelas já foram observadas mostrando esse efeito, assim denominado por
Thé et al. (1994): à medida que o brilho aumenta, (B-V) torna-se mais avermelhado.
Depois, o fenômeno se inverte: ela se torna mais azul quando o brilho diminui. A
explicação usual é supor a existência de uma nuvem de poeira em órbita da estrela. Por
outro lado, a não observação desse efeito pode ser atribuída tanto a causas físicas (como
depleção de grãos), quanto a efeitos geométricos, como o fato da nuvem estar fora da
linha de visada.
Para uma maior compreensão da natureza pré-sequencia principal das HAEBE
segue uma descrição mais detalhada da formação e evolução desses objetos.
Evolução pré-sequencia principal (PSP)
Incluí-se neste trabalho, de maneira resumida, o processo de formação de estrelas,
desde a formação da nuvem inicial, passando ao estágio de proto-estrela, até o estágio
PSP. O objetivo é pelo fato das HAEBE serem estrelas jovens, PSP de massa
intermediária, e seu surgimento na parte visível do espectro está diretamente relacionada
com sua fase de nascimento.
A formação de estrelas se processa a partir do colapso gravitacional dos núcleos
de nuvens densas isotérmicas. A origem desse colapso são instabilidades gravitacionais
(Gonzáles, 1997) na nuvem, composta de gás e poeira, e que possui campos magnéticos
de fracos a moderados (~ 30 a 50 G). É um meio muito inomogêneo, e a pressão interna
ainda é relativamente uniforme, compondo um plasma inicial.
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Vários agentes podem induzir ao processo de formação estelar. A ideia básica é a
de que ventos estelares, como os detectados desde sempre nas estrelas T-Tauri (Silk e
Norman, 1980), ou nas estrelas quentes (Lada, 1976), ou ainda, de explosões de
supernovas (Öpik, 1953), resultem em compressão de uma nuvem primordial, alterando
seu equilíbrio e permitindo o colapso gravitacional mencionado.
Se neste gás/poeira primordiais existem suficientes partículas que podem ser
ionizadas, gera-se, com o colapso, um significativo aquecimento do gás. A pressão da
massa aquecida, sob a ação de campos magnéticos, forma um conjunto que age
dinamicamente, gerando um importante movimento de rotação que irá, à posteriori,
fazer a nuvem se fragmentar (ou não) em vários pedaços que originarão as estrelas. Esta
fragmentação ocorre, segundo Hoyle (1953), devido ao fato da nuvem inicial não ser
homogênea, facilitando assim a divisão da nuvem primordial em nuvens menores que,
se tiverem massa suficiente (~ 0.01 da massa solar) poderá continuar individualmente o
processo original de formação estelar.
O processo magnético de difusão ambipolar (Appenzeller, 1982) é importante. O
processo inicial de condensação leva à recombinação e diminuição dos íons
responsáveis pelo acoplamento gás-campo magnético. Esse acoplamento menos
eficiente permite a difusão dos íons para fora da nuvem neutra, que então aumentará
rapidamente sua densidade central facilitando a fragmentação.
A escala de tempo para a formação estelar é estimada em aproximadamente 107
anos (Gonzáles, 1997), onde todo o processo é regido pelo balanceamento entre a
gravidade gerada na nuvem e as forças que se opõe ao seu colapso. Forças devidas à
pressão térmica, turbulência, rotação e campos magnéticos. Quanto mais densa for a
nuvem (densidades estimadas da ordem de 10 4 a 106 cm-3), segundo Lisano (1997),
maiores as taxas de colisões entre as partículas da nuvem, elevando ainda mais a
pressão interna e a temperatura do gás. Classicamente, a massa mínima para uma nuvem
colapsar é dada por (Larson, 1979):
Mj ~ 30 MT3/2 n-1/2
T é a temperatura da nuvem, n a densidade. Para M ~ M, significa uma densidade (n)
da ordem de ~ 10 -19 gcm-3. É importante notar, todavia, que essa taxa depende das
condições físicas da nuvem, e não do objeto central. Estudando em detalhe o processo
da contração gravitacional, Shu et al. (1994) mostraram que as partes internas da nuvem
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colapsam primeiro do que as mais externas. Iniciado o colapso, a massa do objeto
central (M) continua a crescer devido à queda de massa do material circundante (Menv).
Nesta fase, a Menv é maior que M, e a luminosidade de M é aproximadamente igual a

L ~ G M M / R
Aqui, G é a constante gravitacional, R o raio da estrela, M  a massa da estrela

que está se formando, e M :

M ~ veff3 / G
Esta é a taxa de queda de material, onde veff é a velocidade do som efetiva (Shu
et al., 1994), dada por:
veff =  KT  ½
M 
A luminosidade de acresção proto-estelar, Lacc, é:
Lacc = G M / R
Ao acumular sua massa final, iniciam a frase de estrelas PSP e evoluem com a
massa já aproximada, embora ainda ocorra uma acresção de matéria residual. Na teoria
clássica de evolução PSP, todas as estrelas seguem essencialmente o mesmo
comportamento: o transporte de energia é feito convectivamente durante sua contração,
até surgir um núcleo radiativo, e a queima do H parar o processo de contração.
Comparando a energia transportada radiativamente descrita por Cox e Giuli (1968):
Lrad = L0 (M / M)11/2 (R / R)-1/2
com a dada por Palla (1996):
Lsup = 4π σ R 2 Tsup4
Pressupõe-se que o excesso de luminosidade deve ser aumentado pela convecção
térmica da estrela. L0 ~ 1 é a luminosidade solar; Lsup é a luminosidade superficial; R é
o raio proto-estelar e T sup a temperatura superficial no fim da acresção (~ 4000 K - 5000
K), originados no interior estelar.
As estrelas T-Tauri, por exemplo, começam sua evolução totalmente na fase
convectiva: Lsup = Lrad + Lconv (Lconv sendo a energia transportada convectivamente
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(Palla e Stahler, 1993)).
Estrelas de massas intermediárias não são inicialmente convectivas, onde Lsup<
Lrad. Lsup deve aumentar através do aquecimento de camadas mais externas até igualar a
Lrad. O calor fornecido surge da contração das camadas mais profundas, e mais energia é
transportada, por unidade de tempo, do interior e irradiada para o espaço.
Palla e Stahler (1993) introduziram o conceito de “linha de nascimento” em seu
diagrama HR. Ela é constituída quando as proto-estrelas se tornam PSP, ou seja, quando
a estrela torna-se visível, sendo o ponto inicial do traço evolutivo. Ambos definem,
evolutivamente, três tipos de estrelas PSP de acordo com a massa:
1. Estrelas com massa entre 1 e 2.5 M, que seguem o traço de Hayashi. São
objetos convectivos;
2. Entre 2.5 e 4 M , estrelas parcialmente convectivas e que não seguem o traço
de Hayashi;
3. Estrelas com massas maiores do que 4 M, e que já aparecem já na parte
radiativa do traço evolutivo clássico.
O processo de evolução de uma proto-estrela acretando matéria é resumido na
relação entre massa e raio (Palla e Stahler, 1993), figura 3. Para estrelas mais massivas
do que 8 M, a linha de nascimento coincide com a ZAMS (sequência principal de
idade zero), ou seja, já durante a fase de contração é iniciada a queima do H. Isto
também mostra que, por este conceito evolutivo, o critério de intervalo de massas para
as HAEBE é de 1.5 a 8.0 M, diferentemente do primeiro critério de Herbig.
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Figura 3 – Diagrama evolutivo mostrando a relação entre massa e raio para uma protoestrela de 8 M , com taxa de perda de massa igual a 10 -5 M / ano. Palla e Stahler,
(1993).
O traço pontilhado no diagrama da figura 3 mostra que não teríamos estrelas com
valores maiores que 4 M  se não houvesse a queima do deutério na “shell”. A partir
deste valor elas já aparecem na parte radiativa. O traço evolutivo segue mostrando o
aumento do raio estelar e a fase final de contração gravitacional com a ignição do H
central (terceiro círculo aberto). Finalmente, no quarto círculo a indicação da chegada
nas ZAMS com o valor da massa fina (8 M).
Um problema ainda não resolvido é o do efeito das altas taxas de acresção sobre a
evolução desses objetos. Hillenbrand et al. (1992) chamaram atenção para esse
problema ao preverem taxas superiores a 10 -6 M / ano para as HAEBE’s, e Lacc  L.
Entretanto, Palla (1994) aponta para uma inconsistência: o tempo de vida do disco é
menor do que o tempo característico de vida do objeto, tdisco  tKH , sendo tKH o tempo
de contração de Kelvin-Helmholtz.
Antes desta fase, ambos os objetos, T-Tauri e HAEBE, encontram-se na fase de
proto-estrela, e após são considerados PSP. A ignição do deutério central, onde a estrela
é totalmente convectiva; o segundo círculo aberto (em ~ 2.4 M ) o surgimento de uma
“barreira” radiativa no interior do objeto, quando ele passa a ser parcialmente radiativa,
possuindo uma superfície convectiva. É o início da queima de deutério nas partes mais
externas da envoltória estelar.
A figura 4 mostra a evolução da concentração de deutério nas camadas mais
externas do objeto, fD (linha cheia), e a massa do manto de deutério, MD (linha
pontilhada), abaixo da barreira radiativa, e em proto-estrelas de acordo com o esquema
evolutivo de Palla e Stahler (1993) mencionado anteriormente.
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Figura 4 – Variação da quantidade de deutério no interior de uma protoestrela com até 8
M e taxa de perda de massa igual a 10-5 M / ano.
A abrupta mudança na curva em M = 2.4 M, para ambas as curvas, marca o
surgimento da barreira radiativa, onde se observa a rápida perda de deutério no interior
do objeto. Ou seja, para massas maiores, a quantidade de deutério no interior cai cada
vez mais rápido, principalmente depois do limite já mencionado de 4 M , porém, vemos
que fD cresce até este valor, começando a decair bem mais suavemente para massas
maiores da protoestrela.
Modelos para as estrelas Ae/Be de Herbig
Vários cenários e modelos já foram apresentados para explicar o fenômeno
HAEBE. Podemos dividi-los em duas grandes categorias: aqueles que propõem a
existência de uma estrutura tipo disco opticamente espesso em torno da estrela, como o
modelo de Hillenbrand et al. (1992), Wilson Liu et al. (2007), e aqueles que postulam
uma distribuição essencialmente esférica para o envoltório, sugeridos por Catala (1989),
Berrilli et al. (1992), Hartmann, Kenyon & Calvet (1993), Miroshnichenko, Ivezic &
Elitzur (1997), entre outros.
a) Modelo de Disco Opticamente Espesso
Já é bem estabelecido, com base no excesso de infravermelho, que as estrelas TTauri estão envolvidas por um disco de acresção de poeira aquecida e opticamente
espesso. Essa geometria, de disco plano, é necessária porque, dado a densidade de
coluna de poeira necessária para explicar a emissão do contínuo milimétrico, a estrela
não seria visível no ótico caso essa poeira encobrisse toda a estrela.
Porém, o melhor diagnóstico para identificar a estrela envolvida por esse disco de
acresção plano e opticamente espesso é observar se a distribuição espectral de energia
segue a lei característica (como nas T-Tauri): λFλ ~ λ-4/3 (Hillenbrand et al.,1992).
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As semelhanças espectroscópicas e fotométricas entre as T-Tauri e as HAEBE
sugeriram a esses autores explorarem o mesmo modelo das primeiras para as HAEBE.
Na literatura existente foram escolhidas 47 estrelas HAEBE e para cada uma delas foi
construída sua distribuição espectral de energia (SED, ou Spectral Energy
Distribuition). Os dados fotométricos levantados compreendem observações nas bandas
U, B, V, R, I, J, H, K, L, M, N, Q, as cores IRAS 12µm, 25µm, 60µm, 100µm, além de
observações milimétricas em 1.3 mm.
A polarização intrínseca desses objetos também foi medida por Hillenbrand et al.
(1992), e esta polarização é a diferença entre a componente da polarização interestelar
média medida nas vizinhanças de cada estrela HAEBE e a polarização da mesma.
Construção das SED’s
A construção das SED’s e o posicionamento das estrelas no diagrama cormagnitude, Mv x (B-V)0, passa pela correção sobre os dados fotométricos dos efeitos
devido à extinção, tanto interestelar quanto circunstelar. Para Hillerbrand et al. (1992) o
ponto de partida é o tipo espectral de cada objeto, a partir do qual se tem o índice de cor
(B-V) padrão. Subtraindo-se do índice observado, obtêm-se o excesso de cor e a
extinção visual:
Av = 3.1 E (B-V)
Foi adotada ainda a lei de extinção, Eλ / Av, típica do meio interestelar. Com essas
correções e mais as distâncias, temos Mv e se observa que a grande maioria dos objetos
está localizada acima da sequência principal. A luminosidade total, o raio estelar e a
massa de cada objeto são calculados, respectivamente, a partir das relações:
L / L = 100.4 (Mv – 4.83)
R = (L / 4πσ Teff4)1/2
L / L = (M / M)3.5
Superpondo a essas SED’s o fluxo fotosférico de uma estrela da sequência
principal de mesmo tipo espectral, os autores dividem os objetos em três grupos
segundo as características de suas SED’s.
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Classificação das SED’s
Hillerbrand et al. (1992) concluem pela existência de três grupos diferentes de
objetos, baseados na quantidade de avermelhamento apresentado e pelo ajuste ao seu
modelo de disco.
No grupo 1, temos 30 objetos da amostra com tipo espectral médio B8 (entre O9 e
F2), apresentando grande excesso no infravermelho e com SED’s satisfazendo a lei λFλ
~ λ-4/3 para λ  2.2 µm, característica de discos planos opticamente espessos. Entre 1 e
2 µm existe uma inflexão característica em sua SED’s e os autores a explicam com a
existência de uma região entre a estrela e o início do disco de acresção com matéria
opticamente fina. Essa região seria: ou a continuação do disco de acresção, mas com os
grãos destruídos pelo aumento de temperatura, ou seria criada pela existência de um
forte campo magnético estelar. A acresção se daria então ao longo da magnetosfera e
não por um disco mais interno, que não existiria (Königl, 1991).
No grupo 2, 11 objetos de tipo espectral médio A5. O excesso de infravermelho é
superior ao do grupo anterior, e com uma SED plana, λFλ ~ λ° para λ > 2.2 µm. Essa
distribuição pode ser consequência de uma distribuição de grãos menos confinada do
que em um disco (os objetos desse grupo são nitidamente mais polarizados). Outras
explicações possíveis para a forma das SED’s desse grupo, sugeridas por analogia direta
com as T-Tauri’s são:
a)
Além do sistema estrela + disco, existiria em envoltório extenso;
b)
Um sistema binário, tipo FU Ori: estrela + disco e uma companheira que
emita fortemente no infravermelho.
No grupo 3 de Hillenbrand et al. (1992) estão seis objetos de tipo espectral médio
B2. Mostram pouco excesso no infravermelho e muito semelhante aquele das estrelas
Be’s clássicas.
Aquecimento radiativo e viscoso
O modelo de disco utilizado por Hillenbrand et al. (1992) é o usual disco
opticamente espesso de poeira, com simetria axial, achatado ao redor da estrela central e
ao longo do plano equatorial, além de isotérmico no plano vertical. Para calcular a SED
teórica, ou a emissão proveniente do disco, o ponto básico é determinar a variação radial
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da temperatura. Em cada ponto do disco, dividido em aneis, essa temperatura é
calculada considerando o balanceamento entre:
a)
Energia absorvida do campo radiativo da estrela;
b)
Energia liberada devido à viscosidade do disco, mais aquela emitida
como radiação (reprocessamento).
A componente da temperatura devida ao reprocessamento radiativo, Trep, é
calculada através da seguinte equação:


2
2
2
2
 Bv (T ) v,abs R / R [(sin  )a ]dv   Bv (Trep ) v, rad 4a dv
0
0
onde Bν é:
Bv  2hv 3 / c 2  [1 / e hv / kt  1]
T é a temperatura efetiva da estrela; Trep é a temperatura de equilíbrio da poeira,
sendo função do raio R da estrela; R é o raio estelar; e a é o raio dos grãos; εν é a
eficiência com que os grãos de poeira absorvem ou irradiam fótons. θ é a metade do
ângulo de abertura do disco estelar visto de uma distância R (no disco de acresção), e θ
~ tanθ = R / R. Obtém-se, resolvendo a equação integral acima:
Trep (R )  R 3 / 4
Com essa relação, e mais a consideração de que cada anel emite como um corpo
negro, a contribuição conjunta de todos os aneis é que fornece a forma típica da SED
desse tipo de disco: λFλ ~ λ-4/3.
A contribuição para a temperatura do disco a partir da energia liberada pela
acresção é computada para qualquer raio, considerando o balanço entre o aquecimento
viscoso e o resfriamento radiativo. Segundo os modelos de Shakura e Suniauv (1973), e
Lynden-Bell e Pringle (1974):
40
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
3GM  Macc
8R 3
1
  R  2 
4
1      Tacc
  R  

M acc é a taxa de acresção, e existe um raio crítico, 1.36 do raio estelar, a partir do
qual, e em direção à estrela, a temperatura do disco não pode diminuir. Como T acc (R)
possui a mesma dependência com R de Trep, assim ocorrerá também com λFλ.
Entretanto, as luminosidades referentes aos dois mecanismos considerados são
diferentes:
Lrep= 0.25 L (R / Rburaco)
e

Lacc = GM M acc / 2R
A temperatura final (da poeira no disco) é, então:
T 4p ( R ) = T 4rep (R) + T 4acc (R)
A composição de uma SED para um disco plano opticamente espesso e aquecido
tanto pela radiação estelar quanto pela viscosidade é:
F =

Re
Ri
B (T p (R))  (R 2e - R 2i ) cos i
Ainda na equação acima, é expressa a contribuição de todos os aneis do disco,
sendo Re o raio externo, e Ri o raio interno do mesmo. O fator cos i indica a inclinação
do disco em relação à linha de visada, e T p designa a temperatura da poeira no disco.
Características dos discos e das estrelas

A taxa de acresção pode ser estimada a partir Lacc = GM M acc / 2R, uma vez
conhecida a contribuição para a luminosidade devida à acresção. Um limite inferior para
Laac é obtido por Hillenbrand et al. (1992) ao subtrair, do fluxo observado em
determinado comprimento de onda, aqueles provenientes da fotosfera e de um disco no
qual se considera apenas o reprocessamento radiativo. Para quase todos os objetos,
apenas esse último processo não fornece todo o excesso de infravermelho necessário
para reproduzir as SED’s. O intervalo de valores para Lacc está entre 12 e 1800
luminosidades solares. A distribuição das taxas de acresção deduzidas, com:

6 x 10 -7 < M acc < 8 x 10 -5 M/ano
41
Norte Ciência, vol. 2, n. 1, p. 27-49 (2011)
Esta é uma evidência adicional para a presença de discos de acresção vem da
correlação obtida entre a luminosidade da linha Hα e Lacc. A massa do disco é estimada
através da consideração de que o fluxo em 1,3 mm é proveniente de uma região
opticamente fina e supondo ainda uma razão gás/poeira ~ 100, típica do meio
interestelar. O intervalo é 0.01 < Mdisco / M < 6. Com os valores estimados para M disco e
Macc pode-se estimar os tempos de vida dos discos circunstelares,

 ~ Mdisco / M acc
 é sempre menor que 0.3 Manos, e que contrastam com aqueles deduzidos para as TTauri. Infere-se que quanto maior é a massa do núcleo da protoestrela, maior será a taxa
de acresção de matéria e mais rápida a evolução do disco.
Figura 5 – Histogramas das taxas de acresção de massa estimada para o grupo 1 de
HAEBE de Hillenbrand et al. e estrelas T-Tauri de acresção estimada para as HAEBE
são baseadas nas taxas necessárias para se obter SED’s com infravermelho, enquanto
que para as T-Tauri são baseadas nas medidas de luminosidade com excesso de
infravermelho. Hillenbrand et al. (1992).
b) Modelo com Envoltórios
Apesar do sucesso do modelo de disco em explicar as características das estrelas
T-Tauri, para as HAEBE pode ser defendido um modelo alternativo para a distribuição
da matéria circunstelar: a poeira estaria distribuída em um envoltório esférico. Entre as
razões, teóricas e observacionais, para se buscar essa alternativa, está o fato de que em
geral a linha proibida do O I em 6300 angstrons não se encontra deslocada para o azul, o
que ocorre para as T-Tauri, e é interpretada como sendo devida à ocultação por um
disco opaco daquela parte do vento estelar que se afasta do observador. Por outro lado,
42
Norte Ciência, vol. 2, n. 1, p. 27-49 (2011)
Catala (1989) advoga um modelo esférico ao procurar reproduzir o perfil Hα para AB
Aur.
Berrilli et al. (1992) investigaram em detalhes um modelo de geometria para os
envoltórios circunstelares de gás e poeira para um grupo de 56 estrelas HAEBE.
Utilizaram observações próprias nas bandas J, H, K, L, M, e 8-13µm. Essas últimas
foram usadas para avaliar a presença da estrutura em 9.7 µm devido à presença de
silicatos. Considerando as cores IRAS e observações de rádio, os autores comparam
estas observações com um espectro sintético calculado a partir de um modelo de
envoltória que nos fornece a emissão no contínuo.
Inicialmente, considera-se uma geometria tipo disco vista pelo pólo. O ângulo de
abertura do disco (θ) pode ser variado até se tornar eventualmente uma esfera. O
modelo propõe não apenas a presença de H II (predominando processos radiativos livrelivre e livre-ligado) e poeira, mas também de uma região de baixa ionização (Z II). Os
coeficientes de emissão e absorção levam em conta as contribuições tanto do gás quanto
da poeira. O perfil de densidade foi parametrizado, e a razão gás/poeira é igual a 0,01:
r 
p( r )  p 0  0 
r 
a
Os autores concluem que uma geometria tipo disco não é necessária, além do que,
em 100 µm, o excesso no infravermelho não é devido à poeira, mas sim ao gás. Valores
representativos são de   0.5 e  0  2  5 x 10 8 cm-3. A emissão no infravermelho,
próximo é originária da região de baixa ionização, enquanto na região rádio, depende da
extensão e densidade na região HII.
Natta et al. (1993) estudaram sete objetos classificados anteriormente por
Hillenbrand et al. (1992) como pertencentes ao grupo 2. O modelo desses autores é mais
geral no sentido de que a fonte central que ilumina o envoltório pode ser, ou uma
estrela, ou um sistema estrela + disco:
Fv 
Ldisco
L


Fv disco  1  disco Bv  T 
L
L 

Aqui, L é a luminosidade total. O eventual disco é contido inteiramente dentro do
raio interno do envoltório, cujo perfil de densidade é o mesmo de Berrilli et al. (1992).
A presença de apenas uma estrela como fonte da radiação apresenta um sério
problema: se apresenta as extensões mapeadas (50 µm e 100 µm), os excessos de cor
43
Norte Ciência, vol. 2, n. 1, p. 27-49 (2011)
não são encontrados, e vice-versa. Reduzindo o raio interno deste envoltório, contudo,
obtém-se os excessos observados no infravermelho próximo e médio. A melhor solução
obtida pelos autores requer que a radiação estelar seja degradada por um disco antes de
atingir o raio interno do envoltório.
Para   50 µm, contudo, a emissão é proveniente de envoltórios extensos. Os
objetos são, ainda, nitidamente divididos em dois grupos, de acordo com o parâmetro α
da lei de densidade: ~ 2 ou ~ 0.5. A interpretação é de que para o primeiro valor, ainda
há acresção de material, enquanto para o outro isso já não ocorre. São regiões mais
distantes do objeto central, nas quais outras forças predominam (como a turbulência,
por exemplo).
Hartmann, Kenyon e Calvet (1993) reexaminaram o modelo de discos de acresção
com uma região interna opticamente fina, utilizado para o grupo 1 de Hillenbrand et al.
(1992). Essencialmente, recalcularam a profundidade óptica nesses discos, considerando
a absorção da radiação estelar (reprocessamento). Os cálculos mostram que o disco
forma-se opticamente espesso nos aneis mais próximos da estrela (ou r < Ri).
A introdução da dissipação viscosa resulta em discos opticamente espessos para

M acc > 10 -6 M/ano. Se tais taxas são necessárias para explicar o excesso no
infravermelho, os “buracos” devem ser realmente destituídos de matéria, pois,

fisicamente, as regiões mais internas só são opticamente finas se M  10-7 M/ano.
Tal necessidade leva à hipótese de uma magnetosfera, a qual tem como evidência
contrária a não detecção de uma alta luminosidade devido ao choque do gás que cai ao
longo das linhas do campo magnético da estrela. Hartmann et al. (1993) calcularam
modelos de envoltórios esféricos e concluíram que o excesso no infravermelho só pode
ser explicado incluindo-se, nestes envoltórios, cavidades geradas por vento estelar,

porque, em essência, tais envoltórios são opticamente espessos ( M acc ~ 10 -6 M/ano).
Duas outras possibilidades são levantadas para explicar o excesso em 3 µm.
Primeiramente para aquela HAEBE com maior excesso, com a presença de uma estrela
companheira também situada do envoltório, e com uma extinção de ~10 magnitudes.
Para aquelas estrelas com menor excesso, poderia ser um modelo semelhante ao das
nebulosas de reflexão: grãos menores à distâncias maiores da estrela central (~0.1 pc,
como no caso da estrela HD 200775).
Di Francesco et al. (1994) utilizaram a mesma técnica de Natta e seus pares
44
Norte Ciência, vol. 2, n. 1, p. 27-49 (2011)
(1994), nas observações de alta resolução em 50 µm e 100 µm, utilizando o Kuiper
Airbone Observatory para investigar seis objetos pertencentes ao grupo 1 de
Hillenbrand et al.. Com exceção de AB Aur, todos foram resolvidos em 100 µm.
Examinando os modelos de discos de acresção, os autores calcularam a emissão em 100
µm gerada por um disco cujo perfil de temperatura é devido ao aquecimento pela
dissipação viscosa:
T r   T r / r 
q
Não se reproduzem as emissões esperadas em 100 µm a grandes distâncias da
fonte central a partir dos dados das luminosidades por aquecimento viscoso de
Hillenbrand et al. (1992) (q = 0.75). Em outras palavras, tal emissão só é observável se
o perfil de temperatura varia mais lentamente que r-0.5, lei que não é prevista por
nenhum modelo padrão de disco. Tal constatação é mais um argumento em prol da
existência de um envoltório também em torno dos objetos do grupo 1 (para Hillenbrand
et al. (1992) possuíam apenas discos de acresção), tornando-os menos diferentes do que
aqueles do grupo 2.
Para um disco cuja luminosidade é aproximadamente maior ou igual a 50% da
Ltot, e com q ~ 0.5, a emissão ocorre em extensões bem maiores porque a poeira ainda
está suficientemente aquecida.
Pezzuto et al. (1997) retomaram o modelo de Berrilli (1992) para 36 HAEBE com
observações na região submilimétrica e rádio, e pertencentes tanto ao grupo 1 quanto ao
grupo 2 de Hillenbrand (1992). Os primeiros autores não consideram a possibilidade de
uma região interna destituída de matéria, isto é, o envoltório se inicia da fotosfera. Para
a componente gasosa, interpretam os processos de absorção e emissão como devidos às
transmissões livre-livre e livre-ligado. Quanto aos grãos, leva-se em conta não apenas a
composição entre grafite e silicatos, mas também suas dimensões. Todas as SED’s são
satisfatoriamente ajustadas por uma distribuição esférica de gás e poeira, com o valor de
α típico em torno de 1. Os envoltórios mostram ainda uma razão entre extinção total e
seletiva, Rv, de 5, e uma dependência com λ-1.2 da extinção pela poeira no óptico, o que
indica a presença de grãos maiores que os grãos do meio interestelar típico.
Também utilizando observações fotométricas próprias, do ultravioleta ao
infravermelho distante, Malfait et al. (1998) aplicaram o mesmo perfil de densidade
dado pela equação do perfil de densidade (acima) a um conjunto de 45 HAEBE e
candidatas. O interesse maior desses autores, portanto, foi deduzir as dimensões da
45
Norte Ciência, vol. 2, n. 1, p. 27-49 (2011)
região de poeira emissora de infravermelho, limitando, portanto, a análise em T  1500
K, tomada esta como a temperatura de sublimação dos grãos. Não se realizou análise
sobre a região mais interna, ou onde r < Rint.
Um resultado interessante é a necessidade de duas regiões diferentes para explicar
as SED’s de 27 dos objetos. Tais objetos mostram uma queda no fluxo entre 6 e 10 µm,
e essa queda é ajustada variando o intervalo entre as diferentes regiões. Em um
diagrama de cor ([H – 12], [12 – 60]) os objetos com dupla componente estão na região
3.0  [H – 12]  6.5 e 1.5 < [12 – 60] < 8.0.
Linhas espectrais nas estrelas HAEBE
a) Linhas Na I D
As linhas circunstelares do sódio neutro têm sido usadas principalmente para
mapear o campo de velocidade e temperatura nos ventos estelares, na medida em que
são formadas em região diferente daquela responsável pela formação de Hα
(Finkenzeller e Mundt, 1984). Como regra geral, mostram um perfil em emissão ou tipo
P Cygni naquelas HAEBE que apresentam linha Hα com perfil P Cygni. Como no caso
das T-Tauri, isso seria indicação de ventos estelares.
Em estrelas com o perfil de Hα, tipo pico simples ou duplo, o perfil das linhas
ressonantes do sódio neutro raramente mostram alguma emissão.
Sorelli, Grinin e Natta (1996) sugerem que a presença das linhas de sódio em
algumas estrelas HAEBE, e que se mostram deslocadas para o vermelho, se daria por
duas hipóteses: a primeira, pela acresção de matéria a partir de um disco ao longo das
linhas do campo magnético da estrela, matéria esta contendo gás e poeira (a poeira,
porém, não sobreviveria à radiação estelar a uma distância inferior a 10 raios estelares).
A taxa de acresção, necessariamente, seria de 3 x 10-7 M/ano, e H 3 x 1012 cm-3, e o
campo magnético requerido de ~ 600 Gauss.
A segunda hipótese pela evaporação de pequenos corpos planetários
remanescentes da própria formação estelar, ou até mesmo de cometas, que seriam
acretados à estrela e evaporados também pela radiação estelar. Tais corpos teriam uma
composição química anômala, enriquecendo, quando em quantidade suficiente, a
matéria circunstelar.
46
Norte Ciência, vol. 2, n. 1, p. 27-49 (2011)
b) Linhas proibidas do [OI]
Böhm & Catala (1994) examinaram 33 objetos HAEBE buscando as linhas
proibidas de [O I]λ6300, e usando as linhas de sódio neutro interestelares como uma
medida indireta das velocidades radiais das estrelas. Encontraram que 50% dos objetos
mostravam a existência desta linha, todas simétricas, e com alargamento resultando em
velocidades de 30 a 100 km/s.
Apenas uma estrela, R Mon, mostra o padrão típico em estrelas T-Tauri, o que é
interpretado devido à presença de disco opaco, com perfil assimétrico e deslocado para
o azul. Eles propõem que as linhas [O I]λ6300 não se encaixam na hipótese de estarem
associadas à discos circunstelares de matéria, sendo melhor explicados sob o modelo de
emissões em envoltórias esféricas, dando continuidade ao trabalho de Catala (1998).
Corcoran e Ray (1997) também estudaram 56 estrelas HAEBE, das quais 28
apresentaram [O I]λ6300 em emissão. De acordo com a forma do perfil e velocidades,
foram divididas em quatro grupos: o primeiro, fortemente deslocado para o azul e com
duplo pico; o segundo, com os perfis mostrando uma só componente deslocada para o
azul, mas com baixa velocidade; o terceiro, com uma componente deslocada para o
vermelho, e o quarto grupo apresenta perfis simétricos e não deslocados.
Estes autores defendem um cenário evolutivo entre os grupos I, II, IV: são objetos
pertencentes igualmente ao grupo 2 de Hillenbrand et al. (1992), e seus perfis de [O
I]λ6300 seriam devidos a jatos de matéria imersos nos envoltórios. Os objetos do grupo
III não indicariam nenhuma associação com jatos ou outro tipo de fluxo de matéria.
c) Linha Hα
Para o caso específico de AB Aur, estrela muito pesquisada, Catala et al. (1984)
sugeriram a existência de uma região quente ao interpretarem o perfil da linha
ressonante do Mg II. A essa cromosfera associaram o vento estelar.
Catala e Kunaz (1987), e Böhm e Catala (1994), retomaram tal modelo para
estudar a variabilidade de Hα. Seus modelos sugerem uma cromosfera que se estenderia
a 1,5 raios estelares, com 17000 K, além de ventos que alcançariam 300 km/s. A taxa de
perda de massa de aproximadamente 10 -8 M/ano.
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CONCLUSÕES
Uma das características mais proeminentes nos modelos e espectros das estrelas
HAEBE é a predominância observada na estatística de Finkenzeler e Mundt: 50% dos
objetos mostram duplo pico em Hα, 25% possuem pico simples, e 20% possuem perfil
P Cygni. Como modelos, são sugeridos como os mais relevantes para este tipo de
objeto: a presença de ventos quando em perfis P Cygni; campos magnéticos, que
forçariam o vento estelar a co-rotacionar com a estrela; e a presença de envoltórios, com
adensamentos.
A possível necessidade de um campo magnético leva à possível consideração de uma
comparação com AB Aur, talvez uma das HAEBE mais observadas. Catala et al.
(1993), com extensas observações, reforçam a sugestão de que um campo de dipolo
magnético nesta estrela, o que controlaria o seu vento estelar. Isso serve de
extrapolação, em alguns modelos, para as HAEBE, como as observações
espectroscópicas da HD 98922, com variações detectadas nos perfis observados de Hα
como as notadas por Beskrovnaya et al. (1991).
REFERÊNCIAS
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