a morte em levinas e o ser-para-a-morte em heidegger

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Anais do V Congresso da ANPTECRE
“Religião, Direitos Humanos e Laicidade”
ISSN:2175-9685
Licenciado sob uma Licença
Creative Commons
A MORTE EM LEVINAS E O SER-PARA-A-MORTE EM HEIDEGGER
Anderson Fernando Rodrigues Mendes
Mestre em Ciências da Religião
Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP
[email protected]
ST-11: PSICOLOGIA DA RELIGIÃO
Resumo: O presente trabalho pretende investigar o tema da morte a partir da abordagem do
filósofo franco-lituano Emmanuel Levinas, tendo como base suas obras Totalidade e Infinito
(1964) e Dios, la muerte y el tiempo (1998), dialogando com a obra do filósofo alemão, Martín
Heidegger, intitulada Ser e Tempo (1927). Provavelmente, Levinas seja um dos filósofos
franceses do século XX mais debatidos e, por pertencer a uma família judaica, educado
segundo sua tradição religiosa, a sua abordagem filosófica se mostra pertinente para nossa
reflexão. Esta pesquisa se delimitará no estudo e reflexão sobre o tema da morte, pois essa
questão tem sua importância tanto para a reflexão religiosa quanto para a filosófica. A
relevância desta pesquisa está na reflexão do sentido da morte para o ser humano, como um
ser que vive, bem como as consequências emocionais envoltas no fenômeno da morte, tais
como: angústia, medo e desconhecimento. A metodologia que será aplicada a esta pesquisa
está baseada na análise bibliográfica nas obras levinasianas e heideggeriana aqui já citadas.
Palavras Chaves: Levinas, Heidegger, Morte, Medo, Angústia.
Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1101
Introdução
O problema desta pesquisa se concentra na reflexão sobre o fenômeno da morte
no pensamento levinasiano e seu intenso diálogo com a filosofia heideggeriana e seu
ser-para-a-morte, travado entre as duas obras em questão de ambos os filósofos: Dios,
la muerte y el tiempo de Levinas e Ser e Tempo de Heidegger.
Vale ressaltar que Emmanuel Levinas nascera na Lituânia em 12 de janeiro de
1906, mas devido à ocupação alemã na Primeira Guerra Mundial foi obrigado a se
mudar para o país vizinho, a Ucrânia (BUCKS, 1997, p. 18). Levinas e seus familiares
eram judeus e desde a Primeira Grande Guerra percebera que sua religião era um
problema para muitos, uma delas ainda como morador ucraniano em plena Revolução
Socialista na Rússia. Com o fim da Guerra, as tropas alemãs expulsas e a Lituânia
liberta, permitiu que Levinas e seus familiares voltassem a sua terra natal (MELO, 2003,
p. 12-13).
Não se encerra aqui as experiências de Levinas com os conflitos militares que
eclodiram na Europa e que, de uma forma ou de outra, marcaram o filósofo francolituano. A Segunda Grande Guerra foi ainda mais marcante para Levinas, pois sua
família judia será dizimada pelos nazistas e ele próprio, enquanto servia ao exército
francês como suboficial-intérprete do russo e do alemão, foi capturado e enviado para
uma prisão na Bretanha, mas foi libertado e reconduzido a França. Percebe-se que a
história do filósofo de Kaunas é um estar diante da iminência da morte, seja por sua
confissão religiosa, seja por sua dupla nacionalidade (MELO, 2003, p. 15).
Não obstante, citamos tais eventos históricos que levaram Levinas a peregrinar
pela Europa, por motivos religiosos, acadêmicos ou políticos, para conectar a
experiência pessoal do filósofo franco-lituano com estar diante da morte dos outros e de
sua própria morte. É nesse contexto, por exemplo, que Levinas será provocado a refletir
sobre a teologia judaica após o evento trágico do Holocausto, a crítica que faz ao
hitlerismo e as atrocidades vivenciadas no período entre guerras, onde humanos são
capazes de violentar outros humanos.
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A morte parece circundar a vida de nosso filósofo e, provavelmente, devido a
isso, esse tema esteja muito presente em algumas de suas maiores obras.
E é
dialogando com a filosofia heideggeriana e sua abordagem do ser-para-a-morte que
pretendemos direcionar essa reflexão.
HEIDEGGER E O SER-PARA-A-MORTE
De início, vale ressaltar que para Heidegger o tema do ser fora debatido de
forma insuficiente, chegando até a crer que fora esquecida pela filosofia e em Ser e
Tempo (1927), o mesmo propõe uma reflexão mais dedicada sobre o tema ontológico
(PASQUA, 1997, p. 15-16). O próprio mestre, Edmund Husserl, dirigiu a edição da obra
principal da filosofia heideggeriana. O tratado sobre o ser na obra de Heidegger trazia a
questão ontológica numa nova linguagem, tendo o cuidado de se afastar da reflexão
antropológica, concentrando esforços na reflexão sobre o ser num esquema que segue
do Dasein ao ser e do ser ao tempo (ibid, 15-16).
Para Heidegger o Dasein (que significa literalmente ser-aí) não é nada
biologicamente dado a observação e se interessa em refletir o ser do ente, ou seja, a
partir da reflexão ontológica, isso significa que a meta de Heidegger é a busca pelo
sentido do ser, partindo de Platão até os filósofos contemporâneos. A questão em Ser e
Tempo é se de fato sabemos o que é o ser e essa discussão permeia toda a referida
obra heideggeriana. Dado todos esses objetivos, Ser e Tempo e sua ontologia
fundamental são de estimável valor para a filosofia contemporânea (GIACOIA JUNIOR,
2013, p 51-53).
Iremos nos ater aqui na possibilidade existencial mais essencial do
Dasein, o ser-para-a-morte.
Na filosofia heideggeriana o Dasein é o próprio inacabado. Faz parte de sua
existência as várias possibilidades de ser, rumo a uma existência total e sem
excedentes. O Dasein é esvaziado, nada mais acontece, é totalidade, vacuidade, ou
seja, o todo é igual ao nada, e o nada é igual ao total (PASQUA, 1997, p. 119). Antes
do ser-para-a-morte, o Dasein é ser-no-mundo, ou seja, é viver e experimentar todas as
possibilidades de existir, estar no mundo é estar com os outros, com signos e com
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seres que dão significados ao seu existir. Não obstante, para o Dasein, viver é
desenvolver-se, enquanto morrer é completar-se.
A morte em Heidegger é a possibilidade existencial mais essencial do ser. O
Dasein é consciente de sua finitude, no entanto, não como interrupção de quem se
desenvolvia enquanto vivia, mas como acabamento, como fim de todas as
possibilidades de poder-ser, aliás, a morte é a última dessas possibilidades. Daí, a
morte tem um caráter positivo na filosofia heideggeriana. Ela é a mais certa das
possibilidades de quem vive, mas nela completa-se, acaba-se e não interrompe-se. Se
para Levinas, o infinito é exterior ao homem, é pura exterioridade e se expressa nas
repercussões do rosto do outro, em Heidegger a finitude é a maior das certezas. Todos
que nascem, desenvolvem-se e completam-se ou acabam-se, isto é, morrem.
Tanto em Heidegger como em Levinas, a morte do outro abre aos olhos o evento
do morrer. Entretanto, para o filósofo alemão, a morte do outro Dasein não pode ser
experimentada, exceto por ele mesmo, mas é diante desse morrer de outro ser que
chego ao conhecimento da finitude, devido a morte ser característico de cada ser
(PASQUA, 1997, p. 120-121). Para o filósofo franco-lituano, a morte do outro não só me
abre o conhecimento do acontecimento da morte como me interpela a morrer com o
outro, no sentido de se colocar no lugar dele, pois mesmo morto ele ainda continua a
falar comigo.
Vale ressaltar que a morte não está no fim do caminho do Dasein, mas no
decorrer de todo o percurso de sua historicidade, de sua temporalidade. Na filosofia
heideggeriana, a possibilidade de morrer acompanha o Dasein desde que ele existe,
sendo seu fim o poder-ser que silencia todas as outras possibilidades do ser continuar
sendo porque completou-se.
A MORTE EM LEVINAS
O que sabemos sobre a morte, segundo Emmanuel Levinas, é derivado do que
nos é passado pelo senso comum, ou do que nos fala o pensamento religioso, ou ainda
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as tradições poéticas. No entanto, é a linguagem que nos proporciona as primeiras
ideias sobre o que é a morte. É, entretanto, na observação da morte do Outro que
chego à consciência da morte e de suas repercussões. Para Levinas, a morte é puro
desconhecimento e é nesse não conhecer sobre a morte que reside a ameaça que ele
impõe sobre nós. Quando, porém, se dá a compreensão da morte em sua abordagem
negativa? Segundo nosso filósofo, é diante da morte do Outro que compreendemos o
morrer em seu caráter negativo, como aniquilação, provavelmente devido ao silencio
que impera àquela pessoa que antes vivia e garantia seu status de vivo e agora, depois
de morto, silenciou todos os seus gestos ou expressões biológicas, como uma máscara
(LEVINAS, 2008, p. 19,22-23).
Mesmo com o fim das expressões biológicas do rosto do Outro, a pessoa que
morreu não deixa de se comunicar comigo. Sua morte me afeta e abre diante de mim
as repercussões emocionais e intelectuais que me revela o que é o morrer. A morte do
Outro e sua insistência em falar comigo, mesmo sem expressão alguma, me leva a
consciência de responsável por sua morte, mesmo que eu não a tenha provocado. Para
Levinas, a relação que se estabelece entre mim e o rosto da pessoa que morreu é um
verdadeiro apelo ético.
O rosto que sofre diante da sua própria morte, enquanto ainda se está vivo, é um
apelo ético por responsabilidade pelo Outro. É apelo ético diante da responsabilidade
pela vida, do mandamento judaico “não matarás” (NUNES, 1993, p. 155). Talvez seja
no medo diante do desconhecido presente no evento do morrer que se produza o medo
da morte, ou ainda, ao que deseja retardar a sua chegada por achar que sempre é cedo
demais para morrer onde nasce a angústia diante de um tempo que encurta a sua
chegada. A morte é um evento que ainda vem do futuro, mas que me ameaça e me
angustia já no presente. E quando vejo outras pessoas a morrer, sinto-me como um
refém. Não sei onde meu inimigo está e nem de onde ele vem, impossibilitando
qualquer reação de luta por minha parte. Não tenho o que fazer. Ela simplesmente
chega e silencia todas as minhas expressões biológicas que me garante o tal status de
vivo (LEVINAS, 2008, p. 230-231).
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Como, então, se produz a angústia e o medo da morte? Para Levinas, é no total
desconhecimento sobre a morte que se produz emoção diante do morrer, é uma
preocupação no desconhecido da morte. É na dúvida sobre a morte que se estabelece
o questionar-se sobre ela, mas que não quer dizer que seja uma resposta. Tenho
consciência sobre minha morte na relação entre ela e eu enquanto me questiono,
enquanto existe a dúvida sobre o morrer. Quanto mais desconheço seu tempo, sua
chegada e do que se tem depois dela, mais me questiono sobre a morte (LEVINAS,
2008, p. 30). Levinas afirma que:
Não é o saber da morte que define a ameaça, é na iminência da morte,
no seu irredutível movimento de aproximação, que originalmente
consiste a ameaça, que se profere e se articula, se assim podemos
exprimir-nos, o “saber da morte”. O medo mede esse movimento
(LEVINAS, 2008, p. 230).
Segundo Levinas, se compreendermos a morte como aniquilamento, o fim do
ser, tomamos esse evento em sua forma mais negativa, mas, ao mesmo tempo que ela
nos parece impotência total, pode tornar-se cura quando superamos esse dilema de
que a morte torna o ser em não-ser. Quando falamos de uma morte como fim do ser,
como aniquilamento, falamos da abordagem da morte na filosofia de Martin Heidegger
e seu ser-para-a-morte. Um ser é enquanto vive, sendo a morte a maior de suas
possibilidades de ser em sua totalidade, ou seja, de sua forma mais total. Já Levinas
pretende ver o ser para além do ser, olhar para o Outro. A morte do Outro é uma apelo
ético por responsabilidade. Eu sou responsável por alguém que morre mesmo que eu
não tenha provocado seu sofrimento ou morte. É na repercussão emocional que sua
morte me atinge, continua a falar comigo, continua a me emocionar. É na emoção
diante da possibilidade da minha própria morte que a assimilo como negatividade, como
angustiante, como medo de morrer (LEVINAS, 1998, p. 25-26).
A morte, para Levinas, tem um sentido ou aponta para existência de um sentido.
A vida não deve ser compreendida como preparação para a morte ou para a sua
aceitação, como no ser-para-a-morte de Heidegger, mas aponta para um sentido ético,
um sentido maior na relação humana. O sentido da morte está no apelo por
responsabilidade feito pelo rosto da pessoa que está morrendo ou que já morreu
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implorando para que não seja abandonada (NUNES, 1993, p. 158-159).
Se em
Heidegger, a morte é vista como final, em Levinas, somos levados a converter a morte
como fim para a morte como responsabilidade intransferível (LEVINAS, 1998, p. 57).
Considerações Finais
Enquanto Heidegger pensa o ser sob a reflexão ontológica, Levinas reflete sobre
o ser na perspectiva ética e na relação com o Outro. Essa, sem dúvida, é a maior crítica
que Levinas faz a Heidegger em sua obra Deus, a morte e o tempo. Até mesmo a
questão da temporalização, a filosofia heideggeriana a submete a reflexão ontológica e
a levinasiana a reflexão ética. É uma constante no pensamento de ambos os filósofos.
O ser-para-a-morte heideggeriano apreende o seu futuro como conformidade de sua
própria morte, a morte é visto como a possibilidade mais autentica do Dasein ser, a
possibilidade mais total do “poder ser” do Dasein. Já em Levinas a relação entre sujeito
e morte não é intencional. É nesta relação que os questionamentos sobre a morte e do
seu além-morte se abre ao sujeito, não há conformidade em morrer para Levinas.
Levinas critica o empreendimento egoísta do Dasein em completar-se a si
mesmo. Existem outros próximos a mim e que requerem de mim ajuda. Enquanto o
egoísmo dos homens submete outros violentamente, Levinas aponta que completar-se
ao redor de tanto miséria e violência não seria o interesse primeiro do ser. Levinas quer,
enfim, levar-nos a superar tal egoísmo e olhar para além do próprio ser e direcionar-nos
ao Outro. Enquanto a racionalidade ocidental desconsiderava toda a sabedoria oriental
em nome de uma superação dos saberes místicos, em nome do discurso empirista e de
um espírito livre, Levinas pretende nos levar de volta a sabedoria das Escrituras
hebraicas visando chegar a uma forma essencial do espírito, sem anular o exercício do
pensar racional.
Referenciais
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PASQUA, Hervé. Introdução à leitura do Ser e Tempo de Matin Heidegger.
Liboa: Instituto Piaget, 1997.
BUCKS, Rene. A Bíblia e a Ética, A relação entre filosofia e a Sagrada Escritura na
obra de Emmanuel Levinas. São Paulo: Edições Loyola, 1997.
CASANOVA, Marco Antonio. Compreender Heidegger. Petrópolis: Vozes, 2009.
GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Heidegger Urgente: introdução a um novo pensar. São
Paulo: Três Estrelas, 2013
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback. 15ª ed.
Petrópolis: Vozes, 2005.
HUTCHENS, B. C. Compreender Levinas. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
LEVINAS, Emmanuel. Dios, la muerte y el tiempo. Trad. María Luisa Rodriguez Tapia.
Madri: Editiones Catédra, 1998.
__________________. Totalidade e Infinito. 3 ed. Lisboa: Edições 70, 2008.
MELO, Nélio Vieira de. A Ética da Alteridade em Emmanuel Levinas. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2003.
NUNES, Etelvina Pires Lopes. O outro e o Rosto, Problemas da Alteridade em
Emmanuel Levinas. Braga: Faculdade de Filosofia da UCP, 1993.
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