Artigo de Revisão A RELEVÂNCIA DAS AÇÕES DE ENFERMAGEM NO TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA THE IMPORTANCE OF NURSING ACTIONS ON THE CHEMICAL DEPENDENCE TREATMENT Sumaya Namen Cruz Faculdade do Futuro Este trabalho, cujo conteúdo se baseia na relevância das ações dos profissionais de enfermagem no tratamento da dependência química, em razão do crescente número de dependentes químicos que procuram o serviço de saúde, conforme amplamente divulgado pela mídia e, também, pelo número cada vez maior de pessoas da comunidade que estão se tornando usuárias de álcool e/ou de drogas. O objetivo do estudo foi realizar um estudo bibliográfico sobre as ações de enfermagem dispensadas ao paciente dependente químico. O presente estudo é baseado em pesquisa descritiva, realizada a partir de consulta a livros e artigos referentes ao tema: A relevância das ações de enfermagem no tratamento da dependência química. O Governo Federal, por meio do SENAD, levanta uma questão considerada emergente: por que tratar do dependente químico? A resposta encontrada é que o “tratamento é uma das formas de minimizar os prejuízos que costumam ocorrer na vida do indivíduo, de seus familiares, de seus vizinhos e de seus possíveis empregadores, do município onde reside, enfim, da comunidade em que vive”. O conhecimento sobre dependência química, suas causas e conseqüências, além de capacitar tecnicamente o profissional de enfermagem para reconhecer sinais e sintomas das doenças que envolvem um dependente, poderá também, em princípio, ajudá-lo a livrar-se de preconceitos que possa ter em relação aos abusadores de álcool e/ou de drogas. Palavras-Chave: Dependência Química, Promoção à saúde, Ações de Enfermagem. Abstract The content of this work is based on the importance of the action of nursing professionals in chemical dependence treatment, considering the increasing number of chemical dependents that search for health service, as it is highly revealed on midia, and also the great number of persons that are becoming addicted to alcohol or drugs. The objective of this work was to make a bibliographical study on nursing actions dispensed on chemical dependent patients. The present study is based on a descriptive study, made through books and reference articles consult related to the theme: the importance Ações de Enfermagem no Tratamento da Dependência Química 243 Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257. Resumo Deise Penido de Oliveira Gonçalves of nursing actions on the chemical dependence treatment. The federal government, through SENAD, arises a question considered urgent: Why treat the chemical dependent. The answer found is that “treatment is a way to minimize the harms that may occur in the life of the individuals, their relatives, neighbors and possible employers. The knowledge of chemical dependence, its causes and consequences, besides being helpful for nursing technical formation in terms of recognizing the signs and symptoms of illness that involve the dependent patients, may also help them to handle with the prejudices related to drug and alcohol addiction. Key-words: Chemical dependence, health promotion, nursing actions. Introdução O conteúdo deste trabalho baseia-se na relevância das ações dos profissionais de enfermagem no tratamento da dependência química em razão do crescente número de dependentes químicos que procuram o serviço de saúde, conforme amplamente divulgado pela mídia e, também, pelo número cada vez maior de pessoas de nossa comunidade que estão se tornando usuárias de álcool e/ou de drogas. Na tentativa de colaborar com os profissionais da enfermagem na aquisição de maiores conhecimentos sobre dependência química e suas conseqüências para o usuário, para seus familiares e para a sociedade como um todo, elaborou-se o trabalho de pesquisa de revisão bibliográfica, utilizando-se trabalhos de autores consagrados como Marlatt12,que trata da filosofia de redução de danos, Edward et al.8,que destacam os papéis profissionais em “O tratamento do alcoolismo”, e na série Diálogo1, 2, 10, 11, 16 pela secretaria Nacional Antidrogas do Governo Federal, Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257. entre outros. A disponibilização das informações sobre definição de dependência, seus sinais e sintomas, crise de abstinência, papel que os enfermeiros devem desempenhar ao lidar com dependentes e seus familiares, a discussão da razão pela qual não se devem alimentar preconceitos sobre o dependente são algumas das abordagens que estão inseridas no desenvolvimento do trabalho. Coloca-se também à disposição das pessoas interessadas uma bibliografia consistente, com abordagem científica sobre o abuso de álcool e/ou drogas e, portanto, desprovida de preconceitos ou julgamentos. 244 Gonçalves, DP de O e Cruz, SN A partir do exposto, propõe-se como objeto da pesquisa a definição das ações de enfermagem voltadas para o dependente químico e para seus familiares por meio de um estudo bibliográfico sobre as ações de enfermagem dispensadas ao paciente dependente químico. Metodologia O presente estudo é baseado em pesquisa descritiva realizada a partir de consulta a livros e artigos referentes ao tema: A relevância das ações de enfermagem no tratamento da dependência química. Segundo Cervo e Bervian6, a pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas em documentos. Essa pode ser realizada independentemente, ou como parte de pesquisa descritiva ou experimental. Em ambos os casos, busca-se conhecer e analisar as contribuições culturais, ou científicas existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema. Constitui parte da pesquisa descritiva ou experimental, quando é feita, com o intuito de recolher informações e conhecimentos prévios acerca de um problema para o qual se procura resposta. Portanto, é meio de informação por excelência e constitui o procedimento básico para este estudo no qual se busca o conhecimento já acumulado sobre o tema que se aborda18. A pesquisa descritiva é abrangente, permitindo uma análise aprofundada do problema de pesquisa em relação aos aspectos sociais, econômicos, políticos e outros. A pesquisa, também, é utilizada para a compreensão de diferentes comportamentos, transformações, reações químicas; e para explicação de diferentes Assim, procurou-se examinar a questão de abuso de drogas e álcool e as ações da enfermagem no tratamento da dependência química com a abrangência que a pesquisa descritiva possibilita. Desenvolvimento O SENAD, Secretaria Nacional Antidrogas, pertencente ao Governo Federal, em publicação de 2001, série diálogo Um guia para família - define dependência como “o impulso que leva a pessoa a usar droga de forma contínua ou periódica Ações de Enfermagem no Tratamento da Dependência Química 245 Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257. fatores e elementos que influenciaram um determinado fenômeno13. para obter prazer, aliviar tensões, ansiedades, medos, ou sensações físicas desagradáveis”1, 2. As duas principais formas de dependência são a física e a psicológica. A dependência física caracteriza-se pela presença de sintomas e sinais físicos que aparecem, quando o indivíduo pára de tomar droga, ou quando diminui bruscamente o seu uso. Nesse caso, a síndrome de abstinência, que são os sinais e sintomas ocasionados pela privação do uso de droga, dependerá do tipo de substância utilizada e poderá aparecer em um intervalo de algumas horas, ou até de dias, depois que ela foi consumida pela última vez. Um exemplo interessante é o dos dependentes do álcool. A abstinência pode ocasionar desde um simples tremor nas mãos a náuseas e vômitos, até um quadro de abstinência mais grave, denominado “delirium tremens”, com risco até de morte, em alguns casos3, 4, 5. Já a dependência psicológica corresponde a um estado de mal-estar e desconforto que surge, quando o dependente interrompe o uso de uma droga. Os sintomas mais comuns são: ansiedade, sensação de vazio, dificuldade de concentração. Esses sintomas podem variar de pessoa para pessoa. O abuso de substância química pode resultar em numerosas doenças crônicas, em hospitalizações, em consultas em salas de emergências e até em mortes. Entre as substâncias de abuso mais comuns estão o álcool, os barbitúricos, os benzodiaezepínicos, anfetaminas, cocaína, heroína, maconha e alucinógenos1, 2. Para Gail9, embora uma avaliação acurada dos padrões de uso de drogas e álcool por um paciente seja importante, às vezes é muito difícil fazê-la. Os dependentes de álcool e/ou de drogas costumam usar de diferentes mecanismos de Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257. defesa ao discutirem por que fazem uso dessas substâncias. Em princípio, eles tendem a negar a relação desse uso com a dificuldade que sentem na resolução de problemas sentimentais, familiares, profissionais, ou qualquer outro tipo de sofrimento ocasionado pelo dia-a-dia. Com muita freqüência, racionalizam as explicações sobre o uso de drogas em uma tentativa de se auto-protegerem de possíveis julgamentos, relacionados principalmente ao próprio caráter. Falta-lhes, em sua maioria, o conhecimento adequado para entenderem que a dependência química é uma doença e como tal pode e deve ser tratada. Aos profissionais de enfermagem e, por extensão, a qualquer outro profissional da saúde, não cabe nenhum julgamento sobre esses pacientes. Eles não devem ser criticados por usar mecanismos de defesas inconscientes e, muito menos, por não terem a exata 246 Gonçalves, DP de O e Cruz, SN consciência da extensão dos problemas causados pelo uso desses mecanismos. Também é verdade que alguns pacientes distorcem a verdade sobre o uso das drogas para evitar as conseqüências temidas. Portanto, cabe aos enfermeiros ajudálos a tomar consciência desses comportamentos para que seja possível o êxito no tratamento. O conhecimento sobre dependência química, suas causas e conseqüências, além de capacitar o profissional de enfermagem, tecnicamente, para reconhecer sinais e sintomas das doenças que envolvem um dependente, poderá também, em princípio, ajudá-lo a livrar-se de preconceitos que possa ter em relação aos dependentes. Em função disso, Gail9 diz que é possível que alguns enfermeiros tenham atitudes inadequadas para com os alcoólicos e outros abusadores de substâncias até por já terem vivenciado experiências negativas com familiares e/ou amigos envolvidos com problemas relacionados à dependência química. Experiências negativas podem vir a influenciar a capacidade do profissional em avaliar e cuidar adequadamente desses pacientes. Se isso ocorrer, o melhor modo de esses enfermeiros trabalharem as possíveis atitudes inadequadas é comparecendo a reuniões abertas de grupos de auto-ajuda, pois ali conhecerão alcoólicos e drogados em recuperação, que superaram imensos obstáculos para permanecer sóbrios e levar vidas saudáveis e produtivas15. O Governo Federal, ainda por meio do SENAD, levanta uma questão considerada emergente: por que tratar do dependente químico? A resposta encontrada é que o “tratamento é uma das formas de minimizar os prejuízos que costumam ocorrer na vida do indivíduo, de seus familiares, de seus vizinhos e de que vive...”1, 2. Diz que “os custos de dependência incluem gastos pessoais e familiares, do sistema de saúde, de perdas laborais, de redução de impostos, do sistema judicial e correcional, de serviços policiais...” e conclui que “os resultados do tratamento mais freqüentemente citados são a redução do consumo de substâncias, a diminuição na utilização de sistemas de saúde e a menor participação em comportamentos ilícitos associados direta e indiretamente ao uso de drogas e/ou de álcool”5, 6, 7. As mudanças nas necessidades de saúde da população em decorrência do aumento de casos de abuso de álcool e/ou de outras drogas culmina com maior demanda de prestação de novos serviços pelos enfermeiros, confirmando a Ações de Enfermagem no Tratamento da Dependência Química 247 Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257. seus possíveis empregadores, do município onde reside, enfim, da comunidade em relevância dos trabalhos que podem e devem ser prestados por esses profissionais. Para oferecer atendimento de qualidade aos usuários dos centros de saúde em geral, públicos e privados, compatíveis com essa realidade, o profissional de enfermagem, dentro das suas funções, deve estar apto a absorver tais mudanças. Recentemente, o Ministério da Saúde baixou a Portaria nº. 816/GM, regulando o atendimento ao dependente de drogas e álcool em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS – AD), prevendo uma equipe mínima da qual os enfermeiros e auxiliares de enfermagem fazem parte. Se, antes da legislação, a vivência prática já solicitava os conhecimentos específicos, a exigência da inclusão do enfermeiro na equipe multidisciplinar de saúde, que presta cuidados aos dependentes, consolidou essa necessidade em todo o País. Por outro lado, o enfermeiro tem potencialidade para atender à demanda, explorando alternativas, fazendo as adaptações necessárias nos seus planos assistenciais em geral e promovendo a assistência aos pacientes com problemas decorrentes do consumo de álcool e/ou drogas. No que diz respeito à área de enfermagem, deve-se destacar a importância de se conhecer, entre outras coisas, critérios de definição sobre dependência química e seus efeitos no organismo humano, de se ter precisão nos registros das observações técnicas de rotina e de se estabelecer efetivo controle de ingestão pelo paciente de medicações prescritas, apenas no caso de paciente internado. Consulta de Enfermagem No atendimento inicial, o enfermeiro identifica os problemas associados ao Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257. uso das substâncias, ouve as queixas do paciente, percebe os mecanismos de defesa envolvidos (negação, por exemplo), identifica o padrão de consumo da substância no dia, no mês e ao longo da história do paciente, na busca da caracterização do uso nocivo ou dependência. Com base nisso, ele pode classificar esse usuário como dependente (ou não) a substância consumida. Nessa ocasião, podem ser utilizados instrumentos padronizados para a coleta de informações. É importante o enfermeiro ouvir as queixas do paciente, valorizar seus problemas e não fazer julgamentos de valor14. As ferramentas simples de averiguação e rastreamento disponíveis são muito úteis para a identificação das pessoas que provavelmente têm dependência de drogas. Uma dessas ferramentas, o Teste de Rastreamento do Abuso de Drogas (B248 Gonçalves, DP de O e Cruz, SN DAST17) (Tabela 1), é apresentado no Destaque e consiste de um questionário autoadministrativo, com respostas no formato verdadeiro/ falso. Cada item possui um valor em pontos. Os pacientes com pontuação acima do limite estabelecido são considerados drogaditos. Uma vez que as ferramentas podem ser incorretas, todas as pessoas que se submetem a elas e são positivas para a drogadição devem ser examinadas mais profundamente de acordo com critérios de diagnóstico. Tabela 1. Teste de Rastreamento do Abuso de Drogas (B-DAST) (Modificado de Instruções: As questões a seguir envolvem informações sobre seu envolvimento e abuso de drogas. O abuso de drogas tem a ver com: (1) o uso de drogas prescritas e compradas sem prescrição, que excedem as instruções médicas e (2) qualquer uso não-médico de drogas. Leia com atenção cada uma das asserções e decida se sua resposta é sim ou não. Depois, faça um círculo em torno de cada resposta. SIM NÃO 1- Você já usou outras drogas além daquelas necessárias por motivos médicos? SIM NÃO 2- Você já abusou de drogas prescritas? SIM NÃO 3- Você abusa de mais de uma droga de cada vez? SIM NÃO 4- Você consegue passar bem a semana sem usar drogas (exceto aquelas necessárias por razões médicas)? SIM NÃO 5- Você é sempre capaz de deixar de usar drogas quando deseja fazê-lo? SIM NÃO 6- Você já teve “apagões” ou flashbacks como resultados do uso de drogas? SIM NÃO 7- Você já se sentiu mal, emocionalmente, por causa do abuso de drogas? SIM NÃO 8- Seu marido (ou esposa), ou pais já se queixaram do seu envolvimento com drogas? SIM NÃO 9- O abuso de drogas já criou problemas entre você e seu marido (ou esposa)? SIM NÃO 10- Você já perdeu alguma amizade por uso de drogas? SIM NÃO 11- Você já descuidou de sua família, ou faltou ao trabalho por causa do uso de drogas? SIM NÃO 12- Você já teve problemas no trabalho devido ao uso de drogas? SIM NÃO 13- Você já perdeu um emprego por causa do abuso de drogas? SIM NÃO 14- Você já entrou em lutas corporais sob a influência de drogas? SIM NÃO 15- Você já se envolveu com atividades ilegais para obter drogas? SIM NÃO 16- Você já foi detido por posse de drogas ilícitas? SIM NÃO 17- Você já teve sintomas de abstinência como resultado de consumo pesado de drogas? SIM NÃO 18-Você já teve problemas médicos como resultado do uso de drogas (por exemplo, perda da memória, hepatite, convulsões, sangramento, etc.)? SIM NÃO 19- Você já buscou ajuda para um problema com drogas? SIM NÃO 20- Você já esteve envolvido com um programa de tratamento relacionado especificamente ao uso de drogas? No processo de acompanhamento, que pode ter como objetivo a desintoxicação (programa de atendimento aproximadamente de 7 a 10 dias), o Ações de Enfermagem no Tratamento da Dependência Química 249 Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257. Skinner17). enfermeiro realiza o monitoramento dos sintomas da síndrome de abstinência, prevenindo assim maiores complicações futuras. Além disso, ao conhecer a história atual do uso do álcool e de outras substâncias, padrão de consumo da substância e, ciente dos problemas relacionados ao uso, pode realizar o acolhimento e breve sensibilização, pelo confronto dos problemas relatados pelo paciente e sua associação com o uso da substância. Obterá, então, indicadores para avaliar o grau de motivação para o tratamento, bem como identificará a necessidade, ou não de encaminhamento para avaliação médica10, 11. Uma das estratégias, que pode ser utilizada pelo enfermeiro no processo de tratamento, é o aconselhamento através de conselhos diretos ao paciente e que promovam reflexões e mudanças de comportamento de maneira enfática. Algumas vezes se resumem a orientações específicas e, em outras, são necessárias indicações como a redução do consumo, a substituição de uma substância por outra de “menor nocividade” e, até, sugestões mais drásticas, como a indicação de abstinência total. Nesse contexto, o enfermeiro pode utilizar outras estratégias que são desenvolvidas concomitantemente ao processo de tratamento e reabilitação do usuário de álcool e de outras drogas, a prevenção da recaída, a intervenção motivacional e a intervenção breve. Ao finalizar a entrevista inicial, é importante dar um retorno sobre as queixas do paciente e apresentar os objetivos do programa de atendimento: o contrato terapêutico, a necessidade de participação de um familiar no tratamento, possíveis interconsultas com outros profissionais da equipe e o planejamento do próximo Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257. atendimento. O campo de trabalho para o enfermeiro é grande. É possível exercer seu papel ao trabalhar a motivação do usuário, hospitalizado ou não, no PSF, no CAPS, em consultas de enfermagem, em visitas domiciliares, em reuniões de grupo de apoio e realizando palestras educativas. Caberá ao profissional exercer sua criatividade ao propor atividades que dão prazer; motivar o usuário a mudar seu comportamento para ter qualidade de vida; ajudá-lo a resgatar a auto-estima; orientá-lo a planejar suas ações de maneira a proteger-se das situações de risco; estimulá-lo a fazer planos para o futuro; fortalecê-lo emocionalmente para que possa aderir ao tratamento medicamentoso, quando for o caso, entre outras ações. 250 Gonçalves, DP de O e Cruz, SN Planejamento das Ações 1. Diagnóstico. Os problemas de dependência de substâncias são muito complexos. Afetam praticamente todos os aspectos do funcionamento do paciente. O enfermeiro deve garantir que os diagnósticos de enfermagem selecionados reflitam o indivíduo como um todo (Tabela 2). Tabela 2 - Diagnósticos detalhados relacionados à dependência química (Diagnósticos de Enfermagem de NANDA7). Diagnósticos relacionados à resposta: Diagnósticos detalhados (quimicamente Diagnóstico – Tronco da NANDA mediado): Exemplos de Diagnósticos Completos. Alterações sensoriais/de percepção Alterações sensoriais de percepção, relacionadas a consumo de alucinógeno, evidente em alucinações visuais de cobras na cama. Processos de pensamento alterados Processos de pensamento alterados relacionados à abstinência de álcool, evidente na desorientação para tempo, pessoa e lugar. Enfrentamento individual ineficaz Enfrentamento individual ineficaz, relacionado a abuso de cocaína com perda do emprego e na falta de objetivos pessoais. Processos familiares alterados: alcoolismo Processos familiares alterados, relacionados ao alcoolismo, evidentes em conflito conjugal e rejeição da família e da casa pelos filhos. Tais ações devem visar ao alcance de objetivos e metas específicos, considerando a prioridade de cada um (Tabela 3 e Tabela 4). Ações de Enfermagem no Tratamento da Dependência Química 251 Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257. duração de seis meses, evidente na Tabela 3 - Resumo do plano de tratamento. Resumo do PLANO DO TRATAMENTO DE ENFERMAGEM – Respostas Quimicamente Mediadas Diagnóstico de enfermagem: Enfrentamento individual ineficaz Resultado Esperado: O paciente tornar-se-á abstinente de todas as substâncias químicas que alteram o humor e em uso atualmente. Objetivo a curto prazo Intervenções Justificativa O paciente substituirá o comportamento de abuso de substância por respostas de enfrentamento saudáveis. 1) Ajudar o paciente a identificar o comportamento de abuso de substâncias e suas conseqüências. 2) Ajudar o paciente na descrição de situações que levam ao comportamento de abuso de substância. 3) Envolver o paciente na descrição de situações que levam ao comportamento de abuso de substância. 4) Oferecer apoio consistente e expectativa de que o paciente tem forças para superar o problema. 1) Encorajar o paciente a participar de um programa de tratamento; 2) Estimular o paciente a firmar um contrato, para a modificação comportamental, assinado por ele e pelo enfermeiro. 3) Ajudar o paciente a identificar e adotar respostas de enfrentamento mais saudáveis. 1) Identificar e avaliar sistemas de apoio social disponíveis ao paciente. 2) Oferecer apoio a outras pessoas da família. 3) Informar o paciente e os familiares sobre o problema de abuso de substâncias e os recursos disponíveis. 4) Encaminhar o paciente para atendimento com recursos apropriados e oferecer apoio até que ele esteja envolvido no programa. 1) A motivação para a mudança relaciona-se com o reconhecimento do problema que está afligindo o paciente. 2) A identificação dos fatores predisponentes e dos estressores desencadeantes precipitadores deve preceder o planejamento de respostas comportamentais mais adaptadas. assumirá pelo O paciente responsabilidade comportamento. identificará pelo Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257. O paciente responsabilidade comportamento. 252 1) A negação e a racionalização são mecanismos de enfrentamento disfuncionais que podem interferir no tratamento e recuperação. 1) O compromisso pessoal aumentará a probabilidade de uma abstinência bem sucedida. 2) Os abusadores de substância com freqüência são pessoas dependentes e socialmente isoladas, que usam drogas para adquirir confiança nas situações sociais. 3) O comportamento de abuso de substâncias afasta as pessoas que são próximas ao indivíduo dependente, aumentando, assim, seu isolamento. 3) É difícil modificar os comportamentos já habituais. 4) Os sistemas de apoio social devem estar prontamente disponíveis ao longo do tempo e serem aceitáveis para o paciente. Gonçalves, DP de O e Cruz, SN Tabela 4 - Resumo do plano de tratamento. Diagnóstico de Enfermagem: Alterações sensoriais de percepção Resultado Esperado: O paciente superará a adição com segurança e com desconforto mínimo. Objetivo a curto prazo Intervenções Justificativa O paciente receberá ajuda para libertar-se da dependência da substância abusada. 1) Oferecer cuidados físicos de apoio: sinais vitais, nutrição, hidratação, precauções contra convulsões. 2) Administrar medicamentos, observando-se roteiro para desintoxicação. 1) Observar com cuidado, possíveis sintomas de abstinência e relatar suspeita de síndrome de abstinência imediatamente. 1) Explicar todas as intervenções de enfermagem, designar uma equipe competente de funcionários, para apoio ao paciente, manter iluminação suave no quarto, evitar ruídos altos e incentivar familiares confiáveis e amigos a permanecerem com o paciente. 1) Observar atentamente a resposta a estímulos internos, encorajar o paciente a descrever alucinações ou delírios e dar explicações em relação sobre essas experiências com a abstinência de substância causadora de dependência. 1) A desintoxicação da pessoa fisicamente dependente pode ser perigosa e é sempre desconfortável. 2) A segurança física do paciente deve receber incondicional prioridade na intervenção da enfermagem. 1) Os sintomas de abstinência oferecem uma motivação poderosa para a continuação do abuso da substância. O paciente interpretará corretamente os estímulos ambientais. O paciente reconhecerá e falará sobre alucinações ou delírios. 1) Alterações sensórias e perceptivas relativas ao uso de drogas ou álcool são assustadoras; a consistência do acompanhamento reduz a necessidade de interpretar os estímulos. 1) Ajudar o paciente a identificar experiências delirantes, ou alucinatórias e relacioná-las com a abstinência é reconfortante. Ambiente de Tratamento Há incontáveis tipos de ambientes de tratamento, apesar de alguns serem mais conhecidos e tradicionais, sendo eles: rede primária de atendimento à saúde, unidades comunitárias de álcool e drogas, unidade ambulatorial especializada, comunidades terapêuticas, grupos de auto-ajuda, hospitais gerais, hospital-dia, Ações de Enfermagem no Tratamento da Dependência Química 253 Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257. O paciente relatará sintomas da abstinência. moradia assistida, hospitais psiquiátricos, sistema judiciário e serviços de aconselhamento na comunidade em: escolas, empresas, albergues, presídios8. Assistência à Família A família do dependente químico sofre muito. Sente culpa, vergonha, insegurança, ressentimento, medo, sofre violência e, geralmente, passa a ter problemas financeiros. Muitas vezes a família isola-se o que só faz aumentar os problemas. É de grande importância que a família receba ajuda, mesmo que o usuário a recuse. O enfermeiro deve incentivar os familiares a buscar aconselhamento de um profissional experiente no tratamento da dependência. O encaminhamento para grupos de apoio, para amigos e familiares de alcoólicos e outros drogaditos também é útil. Universalmente, existem os grupos de AA e NA, mas também outros têm sido formados e baseiam-se geralmente nos mesmos 12 passos que os AA (Alcoólicos Anônimos) e NA (Narcóticos Anônimos). Essas famílias precisam aprender a dar atenção às suas próprias necessidades, parando de encobrir o que o dependente faz. Precisam ser diretas em sua comunicação e precisam saber que não estão a sós, conforme detalhado na Tabela 5. Tabela 5 - Os 12 Passos dos Alcoólicos Anônimos (Fonte: Os doze passos (The Twelve Steps) são reimpressos com permissão dos Alcoholics Anonymous World Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257. Service Inc.). 1. Admitimos que éramos impontentes perante o álcool. 2. Acreditamos que um Poder Superior a nós mesmos pode devolver-nos à sanidade. 3. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebemos. 4. Fazemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos. 5. Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e para um outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas. 6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter. 254 Gonçalves, DP de O e Cruz, SN 7. Humildemente rogamos a Ele que nos livre de nossas imperfeições. 8. Fazemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos que a elas causamos. 9. Fazemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-lo signifique prejudicá-las ou a outrem. 10. Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estamos errados, nós o admitimos prontamente. 11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concedemos, rogando apenas o conhecimento da sua vontade em relação a nós e forças para realizar essa vontade. 12. Tendo experimentado um despertar espiritual graças a esses passos, procuramos transmitir essa mensagem aos alcoólicos e praticar esses princípios em nossas atividades. Considerações Finais A avaliação final do dependente químico baseia-se na conquista dos resultados esperados e no alcance das metas de curto prazo. O conhecimento sobre dependência química, suas causas e conseqüências, além de capacitar tecnicamente o profissional de enfermagem para reconhecer sinais e sintomas das doenças que envolvem um dependente, poderá também, em princípio, ajudá-lo a livrar-se de preconceitos que possa ter em relação aos abusadores de álcool e/ou de drogas. quanto ao indivíduo, cabendo à enfermagem buscar uma abordagem que não seja punitiva e que tenha como foco principal a abstinência total pelo usuário sem, no entanto, transformar essa abstinência total como único sucesso possível. É preciso ter compromisso real para que ocorra o menor dano possível ao individuo e à sociedade, ou seja, quando não for possível a abstinência total que se persiga o objetivo da redução de danos. É imprescindível para a eficácia do tratamento que o profissional de enfermagem saiba diferenciar - quando do atendimento a um dependente químico se este está sob o efeito de drogas, ou se está sofrendo uma crise de abstinência, lembrando-se de que uma das características da dependência química mais visível Ações de Enfermagem no Tratamento da Dependência Química 255 Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257. O problema trazido pelas drogas e pelo álcool é tão nocivo à sociedade aparece quando o indivíduo tem sua saúde física e/ou mental prejudicada pelo uso de drogas e/ou álcool e esse prejuízo não o impede de continuar a usá-las. É preciso saber identificar os comprometimentos físicos e/ou psicológicos causados pelo uso de drogas, como também saber identificar o comprometimento clinicamente significativo do comportamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo, quando o dependente está sob privação da substância. Somente com esses conhecimentos é que se poderá definir o modelo de atendimento mais adequado para o cliente. Portanto, a importância da intervenção da enfermagem, enquanto estratégia baseada na recuperação e estabilização do dependente é de suma relevância, uma vez que esse profissional terá mais oportunidades de acesso ao dependente, principalmente em momentos de maior fragilidade, isto é, quando ele procura ajuda por estar se sentindo mal e precisa ser acolhido e tratado adequadamente. Referências Bibliográficas 1. Brasil. Ministério da Saúde. Álcool: O Que Você Precisa Saber. Governo Federal Secretaria Nacional Antidrogas (Série Diálogo no 6), Brasília; 2001. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Maconha: O Que os Pais Devem Saber. Governo Federal, Secretaria Nacional Antidrogas (Série Diálogo no 4), Brasília; 2001. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Prevenção. Disponível em <http://www.senad.gov.br> (acesso em: 07/03/2007); 2007. 4. Brasil. Ministério da Saúde. 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