Artigo de Revisão A RELEVÂNCIA DAS AÇÕES DE ENFERMAGEM

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Artigo de Revisão
A RELEVÂNCIA DAS AÇÕES DE ENFERMAGEM NO TRATAMENTO
DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA
THE IMPORTANCE OF NURSING ACTIONS ON THE CHEMICAL
DEPENDENCE TREATMENT
Sumaya Namen Cruz
Faculdade do Futuro
Este trabalho, cujo conteúdo se baseia na relevância das ações
dos profissionais de enfermagem no tratamento da
dependência química, em razão do crescente número de
dependentes químicos que procuram o serviço de saúde,
conforme amplamente divulgado pela mídia e, também, pelo
número cada vez maior de pessoas da comunidade que estão
se tornando usuárias de álcool e/ou de drogas. O objetivo do
estudo foi realizar um estudo bibliográfico sobre as ações de
enfermagem dispensadas ao paciente dependente químico. O
presente estudo é baseado em pesquisa descritiva, realizada a
partir de consulta a livros e artigos referentes ao tema: A
relevância das ações de enfermagem no tratamento da
dependência química. O Governo Federal, por meio do
SENAD, levanta uma questão considerada emergente: por que
tratar do dependente químico? A resposta encontrada é que o
“tratamento é uma das formas de minimizar os prejuízos que
costumam ocorrer na vida do indivíduo, de seus familiares, de
seus vizinhos e de seus possíveis empregadores, do município
onde reside, enfim, da comunidade em que vive”. O
conhecimento sobre dependência química, suas causas e
conseqüências, além de capacitar tecnicamente o profissional
de enfermagem para reconhecer sinais e sintomas das
doenças que envolvem um dependente, poderá também, em
princípio, ajudá-lo a livrar-se de preconceitos que possa ter em
relação aos abusadores de álcool e/ou de drogas.
Palavras-Chave: Dependência Química, Promoção à saúde,
Ações de Enfermagem.
Abstract
The content of this work is based on the importance of the
action of nursing professionals in chemical dependence
treatment, considering the increasing number of chemical
dependents that search for health service, as it is highly
revealed on midia, and also the great number of persons that
are becoming addicted to alcohol or drugs. The objective of this
work was to make a bibliographical study on nursing actions
dispensed on chemical dependent patients. The present study
is based on a descriptive study, made through books and
reference articles consult related to the theme: the importance
Ações de Enfermagem no Tratamento da Dependência Química
243
Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257.
Resumo
Deise Penido de Oliveira Gonçalves
of nursing actions on the chemical dependence treatment. The
federal government, through SENAD, arises a question
considered urgent: Why treat the chemical dependent. The
answer found is that “treatment is a way to minimize the harms
that may occur in the life of the individuals, their relatives,
neighbors and possible employers. The knowledge of chemical
dependence, its causes and consequences, besides being
helpful for nursing technical formation in terms of recognizing
the signs and symptoms of illness that involve the dependent
patients, may also help them to handle with the prejudices
related to drug and alcohol addiction.
Key-words: Chemical dependence, health promotion, nursing
actions.
Introdução
O conteúdo deste trabalho baseia-se na relevância das ações dos
profissionais de enfermagem no tratamento da dependência química em razão do
crescente número de dependentes químicos que procuram o serviço de saúde,
conforme amplamente divulgado pela mídia e, também, pelo número cada vez maior
de pessoas de nossa comunidade que estão se tornando usuárias de álcool e/ou de
drogas. Na tentativa de colaborar com os profissionais da enfermagem na aquisição
de maiores conhecimentos sobre dependência química e suas conseqüências para
o usuário, para seus familiares e para a sociedade como um todo, elaborou-se o
trabalho de pesquisa de revisão bibliográfica, utilizando-se trabalhos de autores
consagrados como Marlatt12,que trata da filosofia de redução de danos, Edward et
al.8,que destacam os papéis profissionais em “O tratamento do alcoolismo”, e na
série Diálogo1,
2, 10, 11, 16
pela secretaria Nacional Antidrogas do Governo Federal,
Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257.
entre outros.
A disponibilização das informações sobre definição de dependência, seus
sinais e sintomas, crise de abstinência, papel que os enfermeiros devem
desempenhar ao lidar com dependentes e seus familiares, a discussão da razão
pela qual não se devem alimentar preconceitos sobre o dependente são algumas
das abordagens que estão inseridas no desenvolvimento do trabalho.
Coloca-se também à disposição das pessoas interessadas uma bibliografia
consistente, com abordagem científica sobre o abuso de álcool e/ou drogas e,
portanto, desprovida de preconceitos ou julgamentos.
244
Gonçalves, DP de O e Cruz, SN
A partir do exposto, propõe-se como objeto da pesquisa a definição das ações
de enfermagem voltadas para o dependente químico e para seus familiares por meio
de um estudo bibliográfico sobre as ações de enfermagem dispensadas ao paciente
dependente químico.
Metodologia
O presente estudo é baseado em pesquisa descritiva realizada a partir de
consulta a livros e artigos referentes ao tema: A relevância das ações de
enfermagem no tratamento da dependência química. Segundo Cervo e Bervian6, a
pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir de referências teóricas
publicadas em documentos. Essa pode ser realizada independentemente, ou como
parte de pesquisa descritiva ou experimental. Em ambos os casos, busca-se
conhecer e analisar as contribuições culturais, ou científicas existentes sobre um
determinado assunto, tema ou problema. Constitui parte da pesquisa descritiva ou
experimental, quando é feita, com o intuito de recolher informações e conhecimentos
prévios acerca de um problema para o qual se procura resposta. Portanto, é meio de
informação por excelência e constitui o procedimento básico para este estudo no
qual se busca o conhecimento já acumulado sobre o tema que se aborda18.
A pesquisa descritiva é abrangente, permitindo uma análise aprofundada do
problema de pesquisa em relação aos aspectos sociais, econômicos, políticos e
outros. A pesquisa, também, é utilizada para a compreensão de diferentes
comportamentos, transformações, reações químicas; e para explicação de diferentes
Assim, procurou-se examinar a questão de abuso de drogas e álcool e as
ações da enfermagem no tratamento da dependência química com a abrangência
que a pesquisa descritiva possibilita.
Desenvolvimento
O SENAD, Secretaria Nacional Antidrogas, pertencente ao Governo Federal,
em publicação de 2001, série diálogo Um guia para família - define dependência
como “o impulso que leva a pessoa a usar droga de forma contínua ou periódica
Ações de Enfermagem no Tratamento da Dependência Química
245
Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257.
fatores e elementos que influenciaram um determinado fenômeno13.
para obter prazer, aliviar tensões, ansiedades, medos, ou sensações físicas
desagradáveis”1, 2.
As duas principais formas de dependência são a física e a psicológica. A
dependência física caracteriza-se pela presença de sintomas e sinais físicos que
aparecem, quando o indivíduo pára de tomar droga, ou quando diminui bruscamente
o seu uso. Nesse caso, a síndrome de abstinência, que são os sinais e sintomas
ocasionados pela privação do uso de droga, dependerá do tipo de substância
utilizada e poderá aparecer em um intervalo de algumas horas, ou até de dias,
depois que ela foi consumida pela última vez. Um exemplo interessante é o dos
dependentes do álcool. A abstinência pode ocasionar desde um simples tremor nas
mãos a náuseas e vômitos, até um quadro de abstinência mais grave, denominado
“delirium tremens”, com risco até de morte, em alguns casos3, 4, 5.
Já a dependência psicológica corresponde a um estado de mal-estar e
desconforto que surge, quando o dependente interrompe o uso de uma droga. Os
sintomas mais comuns são: ansiedade, sensação de vazio, dificuldade de
concentração. Esses sintomas podem variar de pessoa para pessoa. O abuso de
substância
química
pode
resultar
em
numerosas
doenças
crônicas,
em
hospitalizações, em consultas em salas de emergências e até em mortes. Entre as
substâncias de abuso mais comuns estão o álcool, os barbitúricos, os
benzodiaezepínicos, anfetaminas, cocaína, heroína, maconha e alucinógenos1, 2.
Para Gail9, embora uma avaliação acurada dos padrões de uso de drogas e
álcool por um paciente seja importante, às vezes é muito difícil fazê-la. Os
dependentes de álcool e/ou de drogas costumam usar de diferentes mecanismos de
Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257.
defesa ao discutirem por que fazem uso dessas substâncias. Em princípio, eles
tendem a negar a relação desse uso com a dificuldade que sentem na resolução de
problemas sentimentais, familiares, profissionais, ou qualquer outro tipo de
sofrimento ocasionado pelo dia-a-dia. Com muita freqüência, racionalizam as
explicações sobre o uso de drogas em uma tentativa de se auto-protegerem de
possíveis julgamentos, relacionados principalmente ao próprio caráter. Falta-lhes,
em sua maioria, o conhecimento adequado para entenderem que a dependência
química é uma doença e como tal pode e deve ser tratada. Aos profissionais de
enfermagem e, por extensão, a qualquer outro profissional da saúde, não cabe
nenhum julgamento sobre esses pacientes. Eles não devem ser criticados por usar
mecanismos de defesas inconscientes e, muito menos, por não terem a exata
246
Gonçalves, DP de O e Cruz, SN
consciência da extensão dos problemas causados pelo uso desses mecanismos.
Também é verdade que alguns pacientes distorcem a verdade sobre o uso das
drogas para evitar as conseqüências temidas. Portanto, cabe aos enfermeiros ajudálos a tomar consciência desses comportamentos para que seja possível o êxito no
tratamento.
O conhecimento sobre dependência química, suas causas e conseqüências,
além de capacitar o profissional de enfermagem, tecnicamente, para reconhecer
sinais e sintomas das doenças que envolvem um dependente, poderá também, em
princípio, ajudá-lo a livrar-se de preconceitos que possa ter em relação aos
dependentes. Em função disso, Gail9 diz que é possível que alguns enfermeiros
tenham atitudes inadequadas para com os alcoólicos e outros abusadores de
substâncias até por já terem vivenciado experiências negativas com familiares e/ou
amigos
envolvidos
com
problemas
relacionados
à
dependência
química.
Experiências negativas podem vir a influenciar a capacidade do profissional em
avaliar e cuidar adequadamente desses pacientes. Se isso ocorrer, o melhor modo
de
esses
enfermeiros
trabalharem
as
possíveis
atitudes
inadequadas
é
comparecendo a reuniões abertas de grupos de auto-ajuda, pois ali conhecerão
alcoólicos e drogados em recuperação, que superaram imensos obstáculos para
permanecer sóbrios e levar vidas saudáveis e produtivas15.
O Governo Federal, ainda por meio do SENAD, levanta uma questão
considerada emergente: por que tratar do dependente químico? A resposta
encontrada é que o “tratamento é uma das formas de minimizar os prejuízos que
costumam ocorrer na vida do indivíduo, de seus familiares, de seus vizinhos e de
que vive...”1, 2. Diz que “os custos de dependência incluem gastos pessoais e
familiares, do sistema de saúde, de perdas laborais, de redução de impostos, do
sistema judicial e correcional, de serviços policiais...” e conclui que “os resultados do
tratamento mais freqüentemente citados são a redução do consumo de substâncias,
a diminuição na utilização de sistemas de saúde e a menor participação em
comportamentos ilícitos associados direta e indiretamente ao uso de drogas e/ou de
álcool”5, 6, 7.
As mudanças nas necessidades de saúde da população em decorrência do
aumento de casos de abuso de álcool e/ou de outras drogas culmina com maior
demanda de prestação de novos serviços pelos enfermeiros, confirmando a
Ações de Enfermagem no Tratamento da Dependência Química
247
Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257.
seus possíveis empregadores, do município onde reside, enfim, da comunidade em
relevância dos trabalhos que podem e devem ser prestados por esses profissionais.
Para oferecer atendimento de qualidade aos usuários dos centros de saúde em
geral, públicos e privados, compatíveis com essa realidade, o profissional de
enfermagem, dentro das suas funções, deve estar apto a absorver tais mudanças.
Recentemente, o Ministério da Saúde baixou a Portaria nº. 816/GM, regulando o
atendimento ao dependente de drogas e álcool em Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS – AD), prevendo uma equipe mínima da qual os enfermeiros e auxiliares de
enfermagem fazem parte. Se, antes da legislação, a vivência prática já solicitava os
conhecimentos específicos, a exigência da inclusão do enfermeiro na equipe
multidisciplinar de saúde, que presta cuidados aos dependentes, consolidou essa
necessidade em todo o País. Por outro lado, o enfermeiro tem potencialidade para
atender à demanda, explorando alternativas, fazendo as adaptações necessárias
nos seus planos assistenciais em geral e promovendo a assistência aos pacientes
com problemas decorrentes do consumo de álcool e/ou drogas. No que diz respeito
à área de enfermagem, deve-se destacar a importância de se conhecer, entre outras
coisas, critérios de definição sobre dependência química e seus efeitos no
organismo humano, de se ter precisão nos registros das observações técnicas de
rotina e de se estabelecer efetivo controle de ingestão pelo paciente de medicações
prescritas, apenas no caso de paciente internado.
Consulta de Enfermagem
No atendimento inicial, o enfermeiro identifica os problemas associados ao
Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257.
uso das substâncias, ouve as queixas do paciente, percebe os mecanismos de
defesa envolvidos (negação, por exemplo), identifica o padrão de consumo da
substância no dia, no mês e ao longo da história do paciente, na busca da
caracterização do uso nocivo ou dependência. Com base nisso, ele pode classificar
esse usuário como dependente (ou não) a substância consumida. Nessa ocasião,
podem ser utilizados instrumentos padronizados para a coleta de informações. É
importante o enfermeiro ouvir as queixas do paciente, valorizar seus problemas e
não fazer julgamentos de valor14.
As ferramentas simples de averiguação e rastreamento disponíveis são muito
úteis para a identificação das pessoas que provavelmente têm dependência de
drogas. Uma dessas ferramentas, o Teste de Rastreamento do Abuso de Drogas (B248
Gonçalves, DP de O e Cruz, SN
DAST17) (Tabela 1), é apresentado no Destaque e consiste de um questionário autoadministrativo, com respostas no formato verdadeiro/ falso. Cada item possui um
valor em pontos. Os pacientes com pontuação acima do limite estabelecido são
considerados drogaditos. Uma vez que as ferramentas podem ser incorretas, todas
as pessoas que se submetem a elas e são positivas para a drogadição devem ser
examinadas mais profundamente de acordo com critérios de diagnóstico.
Tabela 1. Teste de Rastreamento do Abuso de Drogas (B-DAST) (Modificado de
Instruções:
As questões a seguir envolvem informações sobre seu envolvimento e abuso de drogas. O
abuso de drogas tem a ver com: (1) o uso de drogas prescritas e compradas sem
prescrição, que excedem as instruções médicas e (2) qualquer uso não-médico de drogas.
Leia com atenção cada uma das asserções e decida se sua resposta é sim ou não. Depois,
faça um círculo em torno de cada resposta.
SIM
NÃO 1- Você já usou outras drogas além daquelas necessárias por motivos
médicos?
SIM
NÃO 2- Você já abusou de drogas prescritas?
SIM
NÃO 3- Você abusa de mais de uma droga de cada vez?
SIM
NÃO 4- Você consegue passar bem a semana sem usar drogas (exceto aquelas
necessárias por razões médicas)?
SIM
NÃO 5- Você é sempre capaz de deixar de usar drogas quando deseja fazê-lo?
SIM
NÃO 6- Você já teve “apagões” ou flashbacks como resultados do uso de
drogas?
SIM
NÃO 7- Você já se sentiu mal, emocionalmente, por causa do abuso de drogas?
SIM
NÃO 8- Seu marido (ou esposa), ou pais já se queixaram do seu envolvimento
com drogas?
SIM
NÃO 9- O abuso de drogas já criou problemas entre você e seu marido (ou
esposa)?
SIM
NÃO 10- Você já perdeu alguma amizade por uso de drogas?
SIM
NÃO 11- Você já descuidou de sua família, ou faltou ao trabalho por causa do
uso de drogas?
SIM
NÃO 12- Você já teve problemas no trabalho devido ao uso de drogas?
SIM
NÃO 13- Você já perdeu um emprego por causa do abuso de drogas?
SIM
NÃO 14- Você já entrou em lutas corporais sob a influência de drogas?
SIM
NÃO 15- Você já se envolveu com atividades ilegais para obter drogas?
SIM
NÃO 16- Você já foi detido por posse de drogas ilícitas?
SIM
NÃO 17- Você já teve sintomas de abstinência como resultado de consumo
pesado de drogas?
SIM
NÃO 18-Você já teve problemas médicos como resultado do uso de drogas (por
exemplo, perda da memória, hepatite, convulsões, sangramento, etc.)?
SIM
NÃO 19- Você já buscou ajuda para um problema com drogas?
SIM
NÃO 20- Você já esteve envolvido com um programa de tratamento relacionado
especificamente ao uso de drogas?
No processo de acompanhamento, que pode ter como objetivo a
desintoxicação (programa de atendimento aproximadamente de 7 a 10 dias), o
Ações de Enfermagem no Tratamento da Dependência Química
249
Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257.
Skinner17).
enfermeiro realiza o monitoramento dos sintomas da síndrome de abstinência,
prevenindo assim maiores complicações futuras. Além disso, ao conhecer a história
atual do uso do álcool e de outras substâncias, padrão de consumo da substância e,
ciente dos problemas relacionados ao uso, pode realizar o acolhimento e breve
sensibilização, pelo confronto dos problemas relatados pelo paciente e sua
associação com o uso da substância. Obterá, então, indicadores para avaliar o grau
de motivação para o tratamento, bem como identificará a necessidade, ou não de
encaminhamento para avaliação médica10, 11.
Uma das estratégias, que pode ser utilizada pelo enfermeiro no processo de
tratamento, é o aconselhamento através de conselhos diretos ao paciente e que
promovam reflexões e mudanças de comportamento de maneira enfática. Algumas
vezes se resumem a orientações específicas e, em outras, são necessárias
indicações como a redução do consumo, a substituição de uma substância por outra
de “menor nocividade” e, até, sugestões mais drásticas, como a indicação de
abstinência total.
Nesse contexto, o enfermeiro pode utilizar outras estratégias que são
desenvolvidas concomitantemente ao processo de tratamento e reabilitação do
usuário de álcool e de outras drogas, a prevenção da recaída, a intervenção
motivacional e a intervenção breve.
Ao finalizar a entrevista inicial, é importante dar um retorno sobre as queixas
do paciente e apresentar os objetivos do programa de atendimento: o contrato
terapêutico, a necessidade de participação de um familiar no tratamento, possíveis
interconsultas com outros profissionais da equipe e o planejamento do próximo
Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257.
atendimento.
O campo de trabalho para o enfermeiro é grande. É possível exercer seu
papel ao trabalhar a motivação do usuário, hospitalizado ou não, no PSF, no CAPS,
em consultas de enfermagem, em visitas domiciliares, em reuniões de grupo de
apoio e realizando palestras educativas. Caberá ao profissional exercer sua
criatividade ao propor atividades que dão prazer; motivar o usuário a mudar seu
comportamento para ter qualidade de vida; ajudá-lo a resgatar a auto-estima;
orientá-lo a planejar suas ações de maneira a proteger-se das situações de risco;
estimulá-lo a fazer planos para o futuro; fortalecê-lo emocionalmente para que possa
aderir ao tratamento medicamentoso, quando for o caso, entre outras ações.
250
Gonçalves, DP de O e Cruz, SN
Planejamento das Ações
1. Diagnóstico.
Os problemas de dependência de substâncias são muito complexos. Afetam
praticamente todos os aspectos do funcionamento do paciente. O enfermeiro deve
garantir que os diagnósticos de enfermagem selecionados reflitam o indivíduo como
um todo (Tabela 2).
Tabela 2 - Diagnósticos detalhados relacionados à dependência química
(Diagnósticos de Enfermagem de NANDA7).
Diagnósticos relacionados à resposta: Diagnósticos detalhados (quimicamente
Diagnóstico – Tronco da NANDA
mediado): Exemplos de Diagnósticos
Completos.
Alterações sensoriais/de percepção
Alterações sensoriais de percepção,
relacionadas
a
consumo
de
alucinógeno, evidente em alucinações
visuais de cobras na cama.
Processos de pensamento alterados
Processos de pensamento alterados
relacionados à abstinência de álcool,
evidente na desorientação para tempo,
pessoa e lugar.
Enfrentamento individual ineficaz
Enfrentamento
individual
ineficaz,
relacionado a abuso de cocaína com
perda do emprego e na falta de
objetivos pessoais.
Processos familiares alterados: alcoolismo
Processos
familiares
alterados,
relacionados ao alcoolismo, evidentes
em conflito conjugal e rejeição da
família e da casa pelos filhos.
Tais ações devem visar ao alcance de objetivos e metas específicos,
considerando a prioridade de cada um (Tabela 3 e Tabela 4).
Ações de Enfermagem no Tratamento da Dependência Química
251
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duração de seis meses, evidente na
Tabela 3 - Resumo do plano de tratamento.
Resumo do PLANO DO TRATAMENTO DE ENFERMAGEM – Respostas
Quimicamente Mediadas
Diagnóstico de enfermagem: Enfrentamento individual ineficaz
Resultado Esperado: O paciente tornar-se-á abstinente de todas as substâncias
químicas que alteram o humor e em uso atualmente.
Objetivo a curto prazo
Intervenções
Justificativa
O paciente substituirá o
comportamento de abuso de
substância por respostas de
enfrentamento saudáveis.
1) Ajudar o paciente a identificar
o comportamento de abuso de
substâncias
e
suas
conseqüências.
2) Ajudar o paciente na
descrição de situações que
levam ao comportamento de
abuso de substância.
3) Envolver o paciente na
descrição de situações que
levam ao comportamento de
abuso de substância.
4) Oferecer apoio consistente e
expectativa de que o paciente
tem forças para superar o
problema.
1) Encorajar o paciente a
participar de um programa de
tratamento;
2) Estimular o paciente a firmar
um contrato, para a modificação
comportamental, assinado por
ele e pelo enfermeiro.
3) Ajudar o paciente a identificar
e
adotar
respostas
de
enfrentamento mais saudáveis.
1) Identificar e avaliar sistemas
de apoio social disponíveis ao
paciente.
2) Oferecer apoio a outras
pessoas da família.
3) Informar o paciente e os
familiares sobre o problema de
abuso de substâncias e os
recursos disponíveis.
4) Encaminhar o paciente para
atendimento
com
recursos
apropriados e oferecer apoio
até que ele esteja envolvido no
programa.
1) A motivação para a mudança
relaciona-se
com
o
reconhecimento do problema que
está afligindo o paciente.
2) A identificação dos fatores
predisponentes e dos estressores
desencadeantes
precipitadores
deve preceder o planejamento de
respostas comportamentais mais
adaptadas.
assumirá
pelo
O
paciente
responsabilidade
comportamento.
identificará
pelo
Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257.
O
paciente
responsabilidade
comportamento.
252
1) A negação e a racionalização
são
mecanismos
de
enfrentamento disfuncionais que
podem interferir no tratamento e
recuperação.
1) O compromisso pessoal
aumentará a probabilidade de
uma abstinência bem sucedida.
2) Os abusadores de substância
com freqüência são pessoas
dependentes
e
socialmente
isoladas, que usam drogas para
adquirir confiança nas situações
sociais.
3) O comportamento de abuso de
substâncias afasta as pessoas
que são próximas ao indivíduo
dependente, aumentando, assim,
seu isolamento.
3)
É
difícil
modificar
os
comportamentos já habituais.
4) Os sistemas de apoio social
devem
estar
prontamente
disponíveis ao longo do tempo e
serem aceitáveis para o paciente.
Gonçalves, DP de O e Cruz, SN
Tabela 4 - Resumo do plano de tratamento.
Diagnóstico de Enfermagem: Alterações sensoriais de percepção
Resultado Esperado: O paciente superará a adição com segurança e com
desconforto mínimo.
Objetivo a curto prazo
Intervenções
Justificativa
O paciente receberá ajuda
para
libertar-se
da
dependência da substância
abusada.
1) Oferecer cuidados físicos
de apoio: sinais
vitais,
nutrição,
hidratação,
precauções
contra
convulsões.
2) Administrar medicamentos,
observando-se roteiro para
desintoxicação.
1) Observar com cuidado,
possíveis
sintomas
de
abstinência e relatar suspeita
de síndrome de abstinência
imediatamente.
1)
Explicar
todas
as
intervenções de enfermagem,
designar
uma
equipe
competente de funcionários,
para apoio ao paciente,
manter iluminação suave no
quarto, evitar ruídos altos e
incentivar
familiares
confiáveis
e
amigos
a
permanecerem
com
o
paciente.
1) Observar atentamente a
resposta a estímulos internos,
encorajar o paciente a
descrever alucinações ou
delírios e dar explicações em
relação
sobre
essas
experiências
com
a
abstinência de substância
causadora de dependência.
1) A desintoxicação da pessoa
fisicamente dependente pode ser
perigosa
e
é
sempre
desconfortável.
2) A segurança física do paciente
deve
receber
incondicional
prioridade na intervenção da
enfermagem.
1) Os sintomas de abstinência
oferecem uma motivação poderosa
para a continuação do abuso da
substância.
O
paciente
interpretará
corretamente os estímulos
ambientais.
O paciente reconhecerá e
falará sobre alucinações ou
delírios.
1)
Alterações
sensórias
e
perceptivas relativas ao uso de
drogas ou álcool são assustadoras;
a
consistência
do
acompanhamento
reduz
a
necessidade de interpretar os
estímulos.
1) Ajudar o paciente a identificar
experiências
delirantes,
ou
alucinatórias e relacioná-las com a
abstinência é reconfortante.
Ambiente de Tratamento
Há incontáveis tipos de ambientes de tratamento, apesar de alguns serem
mais conhecidos e tradicionais, sendo eles: rede primária de atendimento à saúde,
unidades comunitárias de álcool e drogas, unidade ambulatorial especializada,
comunidades terapêuticas, grupos de auto-ajuda, hospitais gerais, hospital-dia,
Ações de Enfermagem no Tratamento da Dependência Química
253
Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257.
O paciente relatará sintomas
da abstinência.
moradia assistida, hospitais psiquiátricos, sistema judiciário e serviços de
aconselhamento na comunidade em: escolas, empresas, albergues, presídios8.
Assistência à Família
A família do dependente químico sofre muito. Sente culpa, vergonha,
insegurança, ressentimento, medo, sofre violência e, geralmente, passa a ter
problemas financeiros. Muitas vezes a família isola-se o que só faz aumentar os
problemas. É de grande importância que a família receba ajuda, mesmo que o
usuário a recuse.
O enfermeiro deve incentivar os familiares a buscar aconselhamento de um
profissional experiente no tratamento da dependência. O encaminhamento para
grupos de apoio, para amigos e familiares de alcoólicos e outros drogaditos também
é útil. Universalmente, existem os grupos de AA e NA, mas também outros têm sido
formados e baseiam-se geralmente nos mesmos 12 passos que os AA (Alcoólicos
Anônimos) e NA (Narcóticos Anônimos).
Essas famílias precisam aprender a dar atenção às suas próprias
necessidades, parando de encobrir o que o dependente faz. Precisam ser diretas em
sua comunicação e precisam saber que não estão a sós, conforme detalhado na
Tabela 5.
Tabela 5 - Os 12 Passos dos Alcoólicos Anônimos (Fonte: Os doze passos (The
Twelve Steps) são reimpressos com permissão dos Alcoholics Anonymous World
Rev. Meio Amb. Saúde 2007; 2(1): 243-257.
Service Inc.).
1. Admitimos que éramos impontentes perante o álcool.
2. Acreditamos que um Poder Superior a nós mesmos pode devolver-nos à
sanidade.
3. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma
em que O concebemos.
4. Fazemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.
5. Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e para um outro ser humano, a
natureza exata de nossas falhas.
6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos
de caráter.
254
Gonçalves, DP de O e Cruz, SN
7. Humildemente rogamos a Ele que nos livre de nossas imperfeições.
8. Fazemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos
dispusemos a reparar os danos que a elas causamos.
9. Fazemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que
possível, salvo quando fazê-lo signifique prejudicá-las ou a outrem.
10. Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estamos errados, nós o
admitimos prontamente.
11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato
consciente com Deus, na forma em que O concedemos, rogando apenas o
conhecimento da sua vontade em relação a nós e forças para realizar essa vontade.
12. Tendo experimentado um despertar espiritual graças a esses passos,
procuramos transmitir essa mensagem aos alcoólicos e praticar esses princípios em
nossas atividades.
Considerações Finais
A avaliação final do dependente químico baseia-se na conquista dos
resultados esperados e no alcance das metas de curto prazo. O conhecimento sobre
dependência
química,
suas
causas
e
conseqüências,
além
de
capacitar
tecnicamente o profissional de enfermagem para reconhecer sinais e sintomas das
doenças que envolvem um dependente, poderá também, em princípio, ajudá-lo a
livrar-se de preconceitos que possa ter em relação aos abusadores de
álcool e/ou de drogas.
quanto ao indivíduo, cabendo à enfermagem buscar uma abordagem que não seja
punitiva e que tenha como foco principal a abstinência total pelo usuário sem, no
entanto, transformar essa abstinência total como único sucesso possível. É preciso
ter compromisso real para que ocorra o menor dano possível ao individuo e à
sociedade, ou seja, quando não for possível a abstinência total que se persiga o
objetivo da redução de danos.
É imprescindível para a eficácia do tratamento que o profissional de
enfermagem saiba diferenciar - quando do atendimento a um dependente químico se este está sob o efeito de drogas, ou se está sofrendo uma crise de abstinência,
lembrando-se de que uma das características da dependência química mais visível
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O problema trazido pelas drogas e pelo álcool é tão nocivo à sociedade
aparece quando o indivíduo tem sua saúde física e/ou mental prejudicada pelo uso
de drogas e/ou álcool e esse prejuízo não o impede de continuar a usá-las.
É preciso saber identificar os comprometimentos físicos e/ou psicológicos
causados pelo uso de drogas, como também saber identificar o comprometimento
clinicamente significativo do comportamento social, ocupacional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo, quando o dependente está sob privação da
substância. Somente com esses conhecimentos é que se poderá definir o modelo de
atendimento mais adequado para o cliente.
Portanto, a importância da intervenção da enfermagem, enquanto estratégia
baseada na recuperação e estabilização do dependente é de suma relevância, uma
vez que esse profissional terá mais oportunidades de acesso ao dependente,
principalmente em momentos de maior fragilidade, isto é, quando ele procura ajuda
por estar se sentindo mal e precisa ser acolhido e tratado adequadamente.
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Recebido em 20/05/2007
Revisado em 20/06/2007
Aprovado em 21/07/2007
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257
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