Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 UMA ANÁLISE DO CONTEÚDO SOBRE VÍRUS ABORDADO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE BIOLOGIA (PNLEM 2015) Mariane Beatriz Karas (UFFS – Bolsista PROBIC/FAPERGS) Erica do Espirito Santo Hermel (UFFS) Resumo Os vírus, relativamente abstratos por serem microscópicos, são de difícil compreensão. Como os livros didáticos são o principal recurso utilizado em sala de aula, o conteúdo sobre vírus presente em três coleções de livros didáticos de Biologia recomendadas pelo PNLEM 2015 foi analisado. O conteúdo é abordado de modo fragmentado, priorizando dos aspectos morfológicos aos funcionais, diminuindo a qualidade pedagógica do livro e limitando uma perspectiva interdisciplinar. Ainda, o vírus está principalmente associado à doenças e epidemias, gerando uma imagem nociva, e ignorando seus outros papéis positivos no meio ambiente. Assim, são necessárias certa reflexão e criticidade dos professores para o uso adequado do livro em sala de aula. Palavras-chave: Significação conceitual; Currículo; Recurso didático. Introdução O conteúdo acerca dos vírus é ensinado no Ensino Fundamental, na disciplina de Ciências, e no Ensino Médio, na disciplina de Biologia. Segundo Pelczar Jr., Chan e Krieg (1997): [...] Os vírus são entidades infecciosas não-celulares, cujo genoma pode ser DNA ou RNA. Replicam-se somente em células vivas, utilizando toda a maquinaria de biossíntese e de produção de energia da célula para a síntese e transferência de cópias de seu próprio genoma para outras células (p. 378). Por tratar-se de seres microscópicos, a concepção sobre os vírus limita-se à imaginação, o que os torna relativamente abstratos e de difícil compreensão. Crianças cursando a sexta série do Ensino Fundamental não conseguem caracterizá-los adequadamente. Para elas [...] “O vírus é parecido com um mosquito comprido, tem duas asinhas e vive em água parada, ele é muito pequeno”. “O vírus deve ter muitas células, deve ser como um grão de areia”. “Parece um ovo quebrado, é muito pequeno e pode provocar muitas doenças”. “O vírus é redondo, incolor”. “O vírus vive no computador” (COLOMBARI; MELO, 2006). Mas, geralmente, os vírus são reconhecidos por estarem associados a doenças e epidemias. No presente momento, a disseminação de epidemias é uma grande preocupação, visto a extensa divulgação nas mídias a respeito das mesmas (dengue, febre Chikungunya, zika vírus, gripe aviária, H1N1, AIDS, entre outras), bem como as campanhas organizadas para o combate ou prevenção a elas no Brasil e no mundo. Porém, além da área da saúde, o estudo dos vírus abrange também uma grande diversidade de ramos do conhecimento, como as áreas de Biotecnologia, Bioética e 3132 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Economia. Sendo assim, o estudo dos vírus tem grande potencial de gerar discussões, além de ser de vital interesse para a humanidade. A Virologia tem alcançado um grande desenvolvimento devido, principalmente, aos avanços nos conhecimentos sobre a biologia molecular dos vírus e técnicas moleculares de diagnóstico. Além disso, a Virologia é uma das áreas das Ciências Biológicas que mais tem atraído novos profissionais e pesquisadores. Esse interesse deve-se a emergência de novas viroses, incluindo a AIDS, e à reemergência de antigas viroses, por exemplo, a dengue, considerando-se também a preocupação com o potencial da pandemia de gripe provocada pelo vírus influenza (SANTOS; ROMANOS, 2008, p. 532). Com relação a essa temática, acredita-se que o Livro Didático (LD) desempenha um importante papel no ambiente escolar, pois é um material de apoio tanto para o professor, quanto para os estudantes, mas que por vezes é o único recurso utilizado nas aulas, o que o torna singular no processo de ensino-aprendizagem. Conforme Choppin (2004, p. 553), o LD se estabelece como um referencial, sendo “o suporte privilegiado dos conteúdos educativos, o depositário dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo social acredita que seja necessário transmitir às novas gerações”. Sabe-se sobre a importância dos LDs, pois em 1929 foi criado um órgão denominado Instituto Nacional do Livro (INL), que é o mais antigo dos programas voltados à distribuição de obras didáticas aos estudantes da rede pública de ensino brasileira. Em 1985, o Ministério da Educação (MEC) estabeleceu como prioridade o aprimoramento dos LDs criando o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e, em 2007, o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), para que os professores das diversas áreas de conhecimento pudessem se orientar na escolha do livro didático a serem usados na escola. Os livros são avaliados pelo MEC conforme critérios previamente discutidos. Esse procedimento foi aperfeiçoado, sendo aplicado até hoje. Os livros que apresentam erros conceituais, indução a erros, desatualização, preconceito ou discriminação de qualquer tipo são excluídos do Guia do Livro Didático. No entanto, sabe-se que ainda é possível encontrar livros que apresentam alguns problemas, como, por exemplo, erros conceituais, erros imagéticos e informações equivocadas (CAIMI, 2014). LDs de Biologia publicados entre 1997 e 2002 apresentam problemas relacionados aos conceitos empregados e à contextualização dos vírus, possivelmente levando à aquisição de um conhecimento equivocado por parte dos alunos, interferindo assim no processo adequado da aprendizagem. As obras baseiam-se em uma aprendizagem mecânica, desconsiderando os conhecimentos prévios, não explicitando a importância de se estudar o vírus e não associando esse conteúdo à realidade (BATISTA; CUNHA; CÂNDIDO, 2010). 3133 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Atualmente, o ensino nas escolas está direcionado a educar em termos de construção de conhecimento e a formação de cidadãos críticos e autônomos. Dessa forma, é essencial que os LDs acompanhem esse progresso, com o propósito de facilitar professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem. Com relação a isso, o Guia do Livro Didático traz em sua proposta: Nesse processo inovador de ensino e aprendizagem, no qual tanto o aluno quanto o professor estão cada vez mais se apropriando de ferramentas da Ciência para a reconstrução do conhecimento e da linguagem científica, o livro didático aparece como um instrumento de apoio, problematização, estruturação de conceitos, e de inspiração para que os alunos, e o próprio professor, investiguem os diversos fenômenos que integram o seu cotidiano (BRASIL, 2010, p. 12). No entanto, Vasconcelos e Souto (2003) dizem que as informações nele são apresentadas de forma linear e fragmentada, além de conter muitas informações que acabam por virar um problema, além de dificultar a perspectiva interdisciplinar. Faz-se necessária, portanto, uma postura crítica por parte dos professores, no momento da escolha dos LDs e, também, ao utilizar este material no decorrer de suas aulas. Afinal, é importante interferir e esclarecer eventuais interpretações equivocadas, para que isso não afete o processo de ensinoaprendizagem. Segundo Libâneo (1990, p. 52): Ao selecionar os conteúdos da série em que irá trabalhar, o professor precisa analisar os textos, verificar como são abordados os assuntos, para enriquecê-los com sua própria contribuição e a dos alunos, comparando o que se afirma com fatos, problemas, realidades da vivência real dos alunos. (...) Ao recorrer ao livro didático para escolher os conteúdos, elaborar o plano de ensino e de aulas, é necessário ao professor o domínio seguro da matéria e bastante sensibilidade crítica. Como o LD exerce uma grande influência no trabalho dos professores de Biologia, torna-se cada vez mais necessário a avaliação destes exemplares. Assim, conhecendo-se a relevância dos LDs como recurso didático e a importância dos vírus no nosso cotidiano, a presente pesquisa analisou o conteúdo sobre vírus apresentado nos LDs de Biologia recomendados pelo PNLEM 2015. Metodologia No presente estudo foi realizada uma pesquisa qualitativa, do tipo documental (LUDKE; ANDRÉ, 2001), onde foram analisados os conteúdos sobre vírus em 9 LDs (três coleções) de Biologia recomendados pelo PNLEM 2015, os quais foram denominados L1, L2... L9, sucessivamente (Quadro 1). Para tanto, foram analisadas as coleções de LDs de Biologia mais distribuídas, segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (BRASIL, 2015). 3134 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Quadro 1: Livros didáticos de Biologia analisados neste trabalho. LIVRO REFERÊNCIAS L1 LOPES, Sônia; ROSSO, Sergio. Bio. Ensino Médio, v. 1. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. L2 LOPES, Sônia; ROSSO, Sergio. Bio. Ensino Médio, v. 2. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. L3 LOPES, Sônia; ROSSO, Sergio. Bio. Ensino Médio, v. 3. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. L4 AMABIS, José Mariano; MARTHO, Gilberto Rodrigues. Biologia em contexto. Vol. 1. 1. Ed. São Paulo: Moderna, 2013. L5 AMABIS, José Mariano; MARTHO, Gilberto Rodrigues. Biologia em contexto. Vol. 2. 1. Ed. São Paulo: Moderna, 2013. L6 AMABIS, José Mariano; MARTHO, Gilberto Rodrigues. Biologia em contexto. Vol. 3. 1. Ed. São Paulo: Moderna, 2013. L7 LINHARES, Sérgio; GEWANDSZNAJDER, Fernando. Biologia Hoje. Vol 1. 2. Ed. São Paulo: Ática, 2013. L8 LINHARES, Sérgio; GEWANDSZNAJDER, Fernando. Biologia Hoje. Vol 2. 2. Ed. São Paulo: Ática, 2013. L9 LINHARES, Sérgio; GEWANDSZNAJDER, Fernando. Biologia Hoje. Vol 3. 2. Ed. São Paulo: Ática, 2013. A análise dos livros didáticos foi realizada em etapas, de acordo com a análise de conteúdos (BARDIN, 2011), seguindo os preceitos éticos da pesquisa em Educação: primeiramente, foi realizada uma leitura exploratória em cada livro, para verificar como o conteúdo é apresentado. Após esta etapa, para a análise, considerou-se os tópicos existentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) sobre vírus, que defendem o estudo dos modos de transmissão, prevenção e sintomas das doenças sexualmente transmissíveis, enfatizando as formas de contágio, disseminação e prevenção da Aids (BRASIL, 1998). Para tanto, utilizamos os parâmetros (adequação à série; clareza do texto; nível de atualização do texto; grau de coerência entre as informações apresentadas; e se apresenta ou não textos complementares) e critérios (fraco; regular; bom; e excelente) propostos por Vasconcelos e Souto (2003). As atividades propostas (questões propostas; atividades práticas; estímulo a novas tecnologias; trabalhos em grupo; entre outros) e os recursos adicionais ou complementares (glossários; atlas; cadernos de exercícios; guias de experimentos; guia do professor; entre outros) também foram analisadas de acordo com eles. Resultados e Discussão Foi possível perceber algumas diferenças com relação à organização nas três coleções de livros didáticos analisadas. L1, L2 e L3 encontram-se divididos em unidades e dentro das mesmas há a subdivisão em capítulos. Já os livros L4, L5 e L6 estão organizados em módulos e dentro destes estão os capítulos. Por fim, os livros L7, L8 e L9 estão organizados em unidades, que estão subdivididas em capítulos. Com relação a sua organização, L3 foi o LD 3135 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 que mais dedicou páginas para o ensino sobre vírus, tanto em relação ao percentual, quanto ao número de páginas. Já L1 não apresentou páginas dedicadas à temática (Quadro 2). Quadro 2: Dados obtidos dos livros didáticos de Biologia analisados quanto ao número de unidades, de capítulos, do total de páginas e das páginas relacionadas à temática vírus. Número de unidades – módulos Número de capítulos temas Número total de páginas Páginas sobre a temática vírus % L1 2 12 320 0 0 L2 3 11 320 1 0,31 L3 3 15 320 21 6,56 L4 4 12 280 1 0,36 L5 4 11 320 1 0,31 L6 4 12 320 9 2,81 L7 7 23 306 7 2,29 L8 5 25 315 12 3,81 L9 4 20 309 6 1,94 Livro Também foi verificado como o conteúdo científico é apresentado (Quadro 3). É possível perceber que todos os LDs analisados estão classificados com conceitos “bom” ou “excelente” no que diz respeito à adequação do conteúdo e à clareza do texto. Em relação ao grau de coerência e integração das informações, a maioria dos resultados aponta para o conceito “bom”. Megid Neto (2002, sem página) observou melhorias nos últimos anos relacionadas ao “aspecto gráfico e visual, na correção conceitual, [...] na supressão de informações ou ilustrações que podem propiciar riscos à integridade física do aluno”. No entanto as informações acerca dos vírus ainda são abordadas de forma muito simplista nestes livros e, muitas vezes, e não se relacionam com nosso cotidiano. Quadro 3: Análise do conteúdo teórico sobre vírus nos livros didáticos de Biologia. Parâmetros Adequação do conteúdo Clareza do texto Induz a interpretação incorreta? Grau de coerência e integração das informações Apresenta textos complementares L1 - - - - - L2 4 4 Não 3 Sim L3 4 4 Não 3 Sim L4 4 4 Não 3 Sim L5 4 4 Não 3 Sim L6 4 3 Não 3 Sim L7 4 4 Não 3 Sim L8 4 4 Não 3 Sim L9 4 4 Não 3 Sim Classificação: (1) ruim, (2) regular, (3) bom, (4) excelente. Se apresentar ou ter (sim) se não apresentar ou não ter (não). 3136 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 Neste estudo, nenhum dos livros apontou possíveis interpretações erradas, ou seja, os conceitos apesar de simplistas, não induzem a erros. Todos os LDs, exceto L1, apresentaram textos complementares. “Textos complementares podem garantir uma abordagem mais atualizada, uma vez que em sua maioria tratam de questões presentes de forma mais direta na realidade do aluno e que necessariamente não são contempladas pelos programas oficiais” (VASCONCELOS; SOUTO, 2003, p. 97). Ainda, com relação ao conteúdo, analisamos a presença ou ausência e o grau de abordagem dos seguintes assuntos: estrutura viral; ciclos de replicação; bacteriófagos; vírus de plantas; vírus de animais; e saúde humana. L1 não aborda a temática virologia. L2 aborda somente a saúde humana no capítulo1, intitulado “Reprodução e desenvolvimento embrionário humano”. Neste espaço são abordadas algumas DST’s, entre elas o HPV. Brevemente, é explicado o que significa a doença e quais são os sintomas. Não há nenhuma imagem. Estrutura viral, ciclos de replicação, bacteriófagos, vírus de plantas e de animais e retrovírus também não foram abordados neste livro. L3, por sua vez, é o que mais dedica páginas para a temática, são 21 páginas no capítulo 2, intitulado “Vírus”. A estrutura viral é descrita como uma “cápsula proteica (capsídeo) envolvendo o material genético” (p. 30). Há uma figura exemplificando a estrutura, mostrando o aspecto interno e em corte mediano. Além disso, em relação à estrutura, o mesmo livro explica que “alguns vírus são chamados envelopados porque apresentam um envelope lipoproteico que envolve o nucleocapsídeo” (p. 31), e apresenta uma imagem exemplificando um vírus envelopado. Os ciclos de replicação são abordados neste livro, os ciclos lítico e lisogênico são exemplificados com um desenho esquemático. Os bacteriófagos também são abordados neste livro, inclusive, fazem parte da explicação do ciclo lítico. Com relação aos vírus de plantas, o livro aborda a estrutura destes vírus, quais são os efeitos que causam e como ocorre a transmissão. Por exemplo, são citados os vírus do mosaico do tabaco e da batata. A descoberta dos vírus é abordada exemplificando o vírus do mosaico do tabaco, como se deram os estudos e como ocorre a infecção viral. Apresenta também uma imagem do vírus do mosaico do tabaco. Vírus de animais também foram abordados de forma muito completa, explicando como ocorre a penetração destes vírus em células animais. Além disso, são explicadas duas 3137 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 situações que podem ocorrer, dependendo do tipo de ácido nucleico do vírus. Ou seja, “quando o ácido nucleico é o DNA, o processo de transcrição e tradução é o tradicional, como é o caso do adenovírus e dos vírus da varíola, da herpes e da hepatite” (p. 34). E, quando o ácido nucleico é o RNA, duas situações podem ocorrer, dependendo do tipo de vírus. Assim, ou “o RNA é transcrito em várias outras moléculas de RNA que passarão a controlar a síntese proteica, como é o caso dos vírus da gripe, da raiva, da encefalite e da poliomielite” (p. 34). Ou, o RNA é inicialmente transcrito em DNA por meio da enzima transcriptase reversa, e essas moléculas de DNA recém-formadas incorporam-se ao DNA da célula, e podem ser transcritas em moléculas de RNA, que passarão a comandar a síntese proteica. Esse é o caso dos retrovírus, como é o caso do vírus da AIDS (p. 34). Dessa forma, pode-se perceber que o livro aborda o que são também os retrovírus. Em relação à saúde humana, o livro aborda de forma muito completa esse assunto. Inicialmente, há explicações sobre o que é um agente etiológico, o que significa o termo transmissão e o que é o hospedeiro. O livro dedica uma página para explicar e exemplificar o que são doenças emergentes (febre hemorrágica, pneumonia asiática, gripe aviária e gripe suína), e doenças reemergentes (dengue). O livro dedicou duas páginas para explicações sobre a AIDS, caracterizando a doença e a sua manifestação no organismo, além de explicar detalhadamente como pode ocorrer a transmissão e quais são as medidas preventivas. Há uma imagem que explica o ciclo reprodutivo do vírus HIV, acompanhada de um texto explicativo. Além da AIDS, são abordadas outras doenças virais, como por exemplo: gripe, dengue, febre amarela, varíola, herpes simples, catapora, herpes zoster, mononucleose, verrugas, condiloma acuminado, câncer genital, rubéola, resfriado, poliomielite, hepatite (B, C, D e E), sarampo, caxumba e raiva. Todas as doenças são abordadas de forma detalhada, quanto à causa, prevenção, sintomas e tratamento. Este foi o único livro que contemplou todos os assuntos, e dedicou explicações detalhadas a respeito dos mesmos. L4 não tem nenhum capítulo dedicado à temática, mas aborda os vírus no capítulo 2, intitulado “O que caracteriza a vida?”, a partir de um texto complementar intitulado “Vírus: vivos ou não vivos?”. O texto aborda a descoberta dos vírus, cita exemplos de doenças provocadas por vírus e que afetam os seres humanos e, no seu decorrer, o texto responde à pergunta do título. L5 também não tem um capítulo sobre a temática vírus, abordando-o no capítulo 8 intitulado “Aplicações do conhecimento genético”. A partir do assunto clonagem do DNA, os bacteriófagos são abordados como sendo vetores de clonagem. Assim sendo, em uma página 3138 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 é explicada a estrutura de um bacteriófago, bem como a necessidade do mesmo aderir-se a bactérias. Assim, o texto afirma que o vírus mais utilizado como vetor de clonagem é o fago lambda e explica como ocorre a clonagem molecular em um vírus bacteriófago. Os outros assuntos não foram abordados neste livro. Já L6 destina um capítulo para a temática “Vírus e bactérias”. A estrutura viral é descrita citando que: “Os vírus são constituídos por uma ou algumas moléculas de ácido nucleico, que pode ser DNA ou RNA, protegidas por um envoltório denominado capsídeo. Os ácidos nucleicos virais, envoltos pelas proteínas do capsídeo, constituem o nucleocapsideo” (p. 28). Além disso, o livro ainda aborda os significados de envelope viral e vírion. Também há imagens (representações e micrografias) do vírus do mosaico do tabaco, adenovírus, vírus da gripe e bacteriófago T4. Nas representações estão indicadas as estruturas. Ciclos de replicação (ciclo lítico e lisogênico) não são abordados, mas o livro mostra o ciclo reprodutivo de um bacteriófago. Bacteriófagos são brevemente abordados e são exemplos para a multiplicação de um vírus e há também uma imagem que representa o ciclo reprodutivo de um bacteriófago. Vírus de plantas não são abordados, há uma imagem sobre a estrutura do vírus do mosaico do tabaco, porém, não há nenhuma menção sobre ele. Vírus de animais foram abordados neste livro, a partir da exemplificação de zoonoses virais, e também dos vírus que são transmitidos por animais (arbovírus). Com relação a saúde humana, o livro conceitua os termos epidemias, endemias e pandemias. Além disso, aborda de maneira geral o tratamento e prevenção de doenças virais, mas sem exemplificar. A única doença que foi aprofundada foi a gripe, abordada em duas páginas. Inicialmente, há um resgate histórico sobre a doença e depois são detalhados os diferentes tipos de vírus da gripe. Os retrovírus também não foram abordados neste livro. L7 aborda os vírus no capítulo 7, intitulado “Uma visão geral da célula”. Inicialmente, são citadas algumas doenças causadas por vírus, demonstrando sua importância, e após, a estrutura viral é definida: “Sua organização é muito simples: são cápsulas de proteína (às vezes há outras substâncias, como lipídios e glicídios) com material genético (DNA ou RNA) em seu interior” (p. 81). Após, o livro explica porque os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios. No capítulo 16, intitulado “Reprodução”, são abordadas algumas DST’s, como por exemplo, herpes genital, condiloma acuminado, hepatite B e AIDS. As causas, sintomas, prevenção e tratamento são contemplados nas doenças citadas. Outros assuntos, como bacteriófagos, vírus de plantas e de animais, ciclos de replicação e retrovírus não foram abordados. 3139 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 L8 dedicou o capítulo 2 para a temática vírus e definiu a estrutura viral como: “formados por uma cápsula de proteína, o capsídeo (capsa = caixa), com várias subunidades, os capsômeros (meros = parte). No interior do capsídeo há um ácido nucleico (DNA ou RNA). A esse conjunto damos o nome de nucleocapsídeo” (p. 23). Os ciclos reprodutivos (ciclo lítico e lisogênico) não são abordados, mas o livro exemplifica a reprodução dos bacteriófagos. Os bacteriófagos são abordados e seu ciclo reprodutivo é explicado e exemplificado através de uma imagem. Os retrovírus são também abordados neste livro e definidos como “vírus de RNA”, mas esta abordagem é simplificada, em comparação ao L3. Sobre os vírus de plantas, somente na introdução do capítulo, o vírus do mosaico do tabaco é abordado, em um contexto histórico. Vírus de animais são abordados de forma indireta, a partir do assunto: “doenças causadas por vírus”, onde são citadas a dengue, febre amarela e raiva, que são transmitidas por animais. Em relação a saúde humana, são exemplificadas as seguintes doenças: gripe e resfriado comum, poliomielite, dengue, febre amarela, raiva, condiloma acuminado, herpes e AIDS. Sobre estas há uma breve explicação sobre a causa, sintomas, prevenção e tratamento. E, por fim, L9 não dedicou nenhum capítulo para a temática, entretanto, aborda os vírus em diversos momentos. No capítulo 7, intitulado “As aplicações da genética molecular”, os vírus servem de exemplos para a atividade das enzimas de restrição, no sequenciamento de genomas e de plantas transgênicas, citando que a “Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) produz mamão, batata e feijão imunes a certos vírus” (p. 101). No capítulo 9, intitulado “A teoria sintética: variabilidade genética e seleção natural”, os vírus são exemplos para os assuntos relacionados à resistência de bactérias aos antibióticos, em um texto complementar sobre a evolução da AIDS. No capitulo 11, intitulado: “Evolução: métodos de estudo”, o sequenciamento do RNA do vírus da AIDS é abordado, pois ele ajudou a decifrar sua origem. E, finalmente, no capítulo 20, intitulado “Poluição”, encontramos exemplos de vírus de plantas: “O combate biológico com parasitas é muito eficiente, pois muitos deles são altamente específicos. Alguns exemplos: o baculovírus (Baculovirus anticarsia), vírus não tóxico que ataca apenas a lagarta da soja (Anticarsia gemmatalis)” (p. 285). Também foi investigado se existem questões relacionadas à temática, quando esta é abordada nos livros, e como estas questões estão sendo apresentadas. Além disso, verificou-se se os objetos de pesquisa indicam fontes complementares de informação. É possível perceber, que todos os livros contêm em seus capítulos algumas atividades, que tem relação direta com 3140 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 a temática. Na maioria dos livros, existem atividades multidisciplinares e que priorizam a problematização. Em relação a fontes complementares de informação, não há outras fontes para que o aluno possa aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto (Quadro 4). Quadro 4: Atividades propostas nos livros didáticos de Biologia para complementação da aprendizagem. ATIVIDADES SIM NÃO Propõe questões ao final de cada capitulo/tema? L2, L3, L4, L5, L6, L7, L8 e L9. L1 Os que propõem as questões são: multidisciplinares? L2, L3, L4, L5, L6, L7, L8 e L9. L1 As questões priorizam a problematização? L2, L3, L4, L5, L6, L7, L8 e L9. L1 Atividades tem relação direta com o conteúdo trabalhado? L2, L3, L4, L5, L6, L7, L8 e L9. L1 L1, L2, L3, L4, L5, L6, L7, L8 e Indica fontes complementares de informação? L9. Sim = exemplares que apresentam. Não = exemplares que não apresentam. Quanto à presença de recursos complementares nos LDs, todos os livros apresentam propostas para atividades de pesquisa e textos informativos. No entanto, a maioria dos livros não apresenta experimentos, nem sugestões de leitura (Quadro 5) e isso limita a formação adequada do aluno, pois [...] o desenvolvimento da capacidade investigativa e do pensamento científico são diretamente estimulados pela experimentação. Através de um experimento, o aluno tem oportunidade de formular e testar suas hipóteses, coletar dados, interpretá-los e elaborar suas próprias conclusões, baseadas na literatura sobre o tema (VASCONCELOS; SOUTO, 2003, p. 100). Quadro 5: Recursos complementares apresentados nos livros didáticos de Biologia analisados. RECURSOS COMPLEMENTARES SIM NÃO Experimentos L3, L4 e L5. L1, L2, L6, L7, L8 e L9. Textos informativos L2, L3, L4, L5, L6, L7, L8 e L9. L1 Sugestões de leituras L1, L2, L3, L4, L5, L6, L7, L8 e L9. Atividades de pesquisa propostas L2, L3, L4, L5, L6, L7, L8 e L9. L1 Sim= quais exemplares apresentavam. Não= quais exemplares não apresentavam. A temática vírus não está homogeneamente distribuída entre os LDs analisados de uma mesma coleção e nem mesmo entre as diferentes coleções. O conteúdo é mais bem desenvolvido nos terceiros livros das coleções de Lopes e Rosso (2013) e Amabis e Martho (2013) e no segundo livro da coleção de Linhares e Gewandsznajder (2013). Isso pode significar a existência de currículos distintos nas escolas, considerando-se que o LD é um material amplamente utilizado para o planejamento anual, a programação e o desenvolvimento das aulas pelos professores, principalmente, por meio do uso de textos, imagens e exercícios (GUIMARÃES; MEGID NETO; FERNANDES, 2011), dificultando, 3141 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3 assim, o processo de aprendizagem do aluno quando troca de escola, exigindo certa atenção dos professores. Também foi possível perceber que o conteúdo sobre vírus prioriza os aspectos morfológicos aos fisiológicos, promovendo uma visão fragmentada do vírus pelo aluno. Essa fragmentação diminui a qualidade pedagógica dos livros didáticos, pois pontos importantes e essenciais do conteúdo podem estar omitidos, o que dificulta muitas vezes a compreensão dos conceitos envolvidos (CALDAS; SALTIEL 2001), limitando uma perspectiva interdisciplinar (VASCONCELOS; SOUTO, 2003). Todos os LDs analisados associam o vírus à doenças e epidemias, gerando uma imagem negativa, nociva. Essa abordagem está de acordo com as preocupações humanas em relação a questões de saúde e comerciais ao longo da história (UJVARI, 2003). No entanto, é importante salientar que eles também apresentam papéis positivos atuando como agente inseticida (MOSCARDI; SOUZA, 2002), vetores vacinais (QUEIROZ, 2011) e na evolução humana (VAN BLERKOM, 2003). Informações como estas deveriam estar presentes ao longo do texto, ou mesmo em quadros complementares nos LDs. Apenas L9 abordou estas questões de forma mais ampla. Considerações finais O livro didático atua como mediador na construção do conhecimento e com a criação do PNLD, avaliando-o e distribuindo-o às escolas, observou-se uma melhoria em relação ao conteúdo abordado. No entanto, alguns erros conceituais ainda podem ser encontrados. Os LDs de Biologia ainda apresenta o conteúdo de modo fragmentado, dificultando o desenvolvimento de uma aprendizagem mais integrada dos fenômenos estudados. Então, o professor ainda assume um papel importante na escolha do LD, refletindo, criticando e modificando seu conteúdo, a fim de utilizá-lo adequadamente em sua prática pedagógica. Referências BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Ministério da Educação e Cultura. PNLD: Dados estatísticos. 2015. 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