Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores O ENSINO DE BIOLOGIA: ANÁLISE PRAXEOLÓGICA DE ATIVIDADE DE UM LIVRO DIDÁTICO Cristiane Miranda Magalhães Gondin – Mestrado em Ensino de Ciências (UFMS) Rede Municipal de Ensino de Campo Grande/MS (REME) Vera de Mattos Machado – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) RESUMO O presente estudo teve como objetivo, discutir sobre a maneira como os conteúdos relativos a Evolução são abordados em um livro didático de Biologia do Ensino Médio, bem como realizar análise praxeológica de uma atividade apresentada no livro didático sobre essa temática. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, descritivo e analítico dos conteúdos e atividade sobre a temática em pauta, na qual Lüdke e André (1986) ressaltam que a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. Utilizamos como aporte teórico para traçarmos a retrospectiva do ensino de Ciências, autores como: Krasilchik (2011); Bizzo (2004); Silva (2010); Ghiraldelli Junior (2000), dentre outros. A teoria da Transposição Didática, proposta por Yves Chevallard (2005), também foi um referencial de análise do processo didático, pois permitiu-nos observar e realizar algumas considerações a respeito das modificações que sofrem determinados conteúdos desde a sua origem até sua aplicabilidade em sala de aula. Para a análise praxeológica das atividades, nos apropriamos da Teoria Antropológica do Didático, também de Yves Chevallard, com a organização praxeológica, utilizando os elementos que compõe a Organização Biológica (OB), verificando os tipos de tarefas, a técnica, a tecnologia e a teoria, a fim de compreendermos o que o livro propõe como tarefa e técnica. Mediante o estudo podemos perceber que no livro aparecem simplificações, histórias anedóticas, a imagem da ciência como fator isolado e atividades complexas, que exigem do aluno a mobilização de habilidades que ainda não construíram devido ao nível cognitivo que possuem, tornando o ensino de Ciências, desestimulador, cansativo. Palavras-chave: Evolução; Organização Praxeológica; Livro Didático. O ENSINO DE BIOLOGIA PROPOSTO PARA O ENSINO MÉDIO A presente pesquisa teve como objetivo, discutir sobre a maneira como os conteúdos relativos ao conteúdo “Evolução” são abordados em uma coleção de livros didáticos de Biologia do Ensino Médio, bem como realizar uma análise praxeológica de uma atividade proposta no mesmo livro. Nesse sentido, julgamos importante contextualizar sobre o ensino de Biologia no Ensino Médio no Brasil, para melhor compreender a proposta curricular que o livro didático (LD) apresenta. Ao realizarmos uma retrospectiva do ensino de Biologia no EdUECE- Livro 2 04508 Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores Ensino Médio em nosso país, verificamos que variou bastante no período de 1950 a 1990. Na década de 1950, a Biologia era subdividida em: Botânica, Zoologia e Biologia Geral, compondo Mineralogia, Geologia, Petrografia, Paleontologia a disciplina História Natural, visando o valor informativo, educativo, cultural e prático (KRASILCHIK, 2011). Silva (2010) destaca ainda que: [...] entre anos de 1946 e 1964, foram desenvolvidas várias campanhas, visando à ampliação e à melhoria do atendimento escolar. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 4.024/61) foi a primeira a englobar todos os graus e modalidades do ensino, com currículos diversificados e matérias obrigatórias. Ciências passa a ser disciplina obrigatória indicada pelo Conselho Federal de Educação (CFE) (p.8). O ensino brasileiro daquela época ainda estava fortemente ligado a uma educação jesuítica. As escolas eram influenciadas pelo ensino europeu, tanto nos livros utilizados quanto pelos professores estrangeiros que vieram trabalhar nas escolas (KRASILCHIK, 2011; BIZZO, 2004; SILVA, 2010 e GHIRALDELLI JUNIOR, 2000). A década de 1960 foi influenciada por alguns fatores que fizeram com que o currículo escolar se modificasse, como por exemplo, o progresso da Biologia, a constatação internacional e nacional da importância do ensino de Ciências como fator de desenvolvimento, o surgimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação/LDB de 20 de dezembro de1961, propiciando autonomia nas decisões curriculares (KRASILCHIK, 2011; BIZZO, 2004; SILVA, 2010). Na década de 1970, a ditadura militar tinha como projeto nacional, desenvolver o país, e o ensino de Ciências tornava-se a ferramenta ideal para preparação de um corpo de trabalhadores, ocorrendo nesse período contradições entre a valorização das disciplinas científicas e o objetivo de formar mão de obra para o trabalho (KRASILCHICK, 2011). Azevedo (2008) afirma que foi nesse período que o ensino Ciências passou a ser obrigatório no currículo das séries iniciais do Ensino Fundamental. Sobre esse período, Nascimento et al (2010) destacam que: [...] o ensino de ciências esteve fortemente influenciado por uma concepção empirista de ciência, segundo a qual as teorias são originadas a partir da experimentação, de observações seguras e da objetividade e neutralidade dos cientistas. Preconizava-se que os estudantes vivenciassem o método científico. O estabelecimento de vínculos entre os procedimentos de investigação científica e os processos de aprendizagem dos conhecimentos científicos pressupunha a realização de atividades didáticas que oportunizassem o estabelecimento de problemas de pesquisa, a elaboração de EdUECE- Livro 2 04509 Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores hipóteses, o planejamento e a realização de experimentos, a análise de variáveis e a aplicação dos resultados obtidos a situações práticas. (p.229230). Podemos perceber nesse período, uma visão deformada da Ciência, como se todos os conhecimentos científicos pudessem ser comprovados exclusivamente por meios de experimentos. Cachapuz et al (2011) destaca sete visões deformadas da Ciência, que ocorriam nesse período nas escolas brasileiras, e que devem ser evitadas: a transmissão explícita e implícita, ou a visão descontextualizada; concepção individualista e elitista; concepção empiro-indutivista e ateórica; visão rígida, algorítmica e infalível; visão aproblemática e ahistórica; visão exclusivamente analítica; visão cumulativa, de crescimento linear. Salientamos que essas visões têm perpassado por anos o processo de ensino e aprendizagem em Ciências e Biologia, sem que os professores se deem conta que ainda as reproduzem constantemente. Na década de 1990, os programas predominantes de Biologia do Ensino Médio das escolas brasileiras, eram divididos em três anos. No final dessa década, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) difundiu os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fundamental, traçando o papel das Ciências Naturais, já nessa modalidade de ensino. Já, os PCN do Ensino Médio (PCNEM), surgido em 2000, tem a função de difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor de Biologia na busca de novas metodologias. Sugerindo, também, o que se pretendia dos alunos, como habilidades e competências a serem desenvolvidas. (KRASILCHICK, 2011; AZEVEDO, 2008; SILVA, 2010). Como podemos constatar, nos últimos 10 (dez) anos, o ensino de Ciências e Biologia têm passado por reestruturações, para adequar-se as atuais tendências educacionais, e com isso tem buscado orientações didáticas que contribuam com o processo de ensino e aprendizagem dos alunos e para que esse ensino desperte o interesse deles, a fim de oportunizar saberes necessários para a compreensão e explicação da vida e do mundo que os cerca. No entanto, percebemos ainda no Ensino Médio, que a disciplina de Biologia ainda ensina os conteúdos de forma fragmentada, com “conceitos desvinculados da realidade dos alunos” (COIMBRA et al, 2000, p. 147). Nesse sentido, uma formação biológica bem estruturada, com situações didáticas bem planejadas e contextualizadas, pode contribuir para que os indivíduos (alunos) sejam capazes de compreender os conceitos biológicos, bem como a o papel da Ciência EdUECE- Livro 2 04510 Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores e Tecnologia na sociedade atual. (KRASILCHICK, 2011). Krasilchick destaca ainda um conceito amplamente discutido por educadores na atualidade, a respeito da alfabetização biológica, que propicia o processo de construção de conhecimentos científicos necessários aos indivíduos. Krasilchick (2011) ressalta que existem quatro níveis de alfabetização biológica: 1. 2. 3. 4. Nominal- quando o estudante reconhece os termos, mas não sabe seu significado biológico. Funcional- quando os termos memorizados são definidos corretamente, sem que os estudantes compreendam seu significado. Estrutural- quando os estudantes são capazes de explicar adequadamente, em suas próprias palavras e baseando-se em experiências pessoais, os conceitos biológicos. Multidimensional- quando os estudantes aplicam o conhecimento e as habilidades, relacionando-os com conhecimentos de outras áreas, para resolver problemas reais. (p.14). De acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio - OCEM (2006), “[...] o grande desafio do professor é possibilitar ao aluno desenvolver as habilidades necessárias para a compreensão do papel do homem na natureza” (p.17-18). O mesmo documento destaca a importância de o professor ser o mediador dos conhecimentos científicos sistematizados, por meio do qual o aluno consiga transpô-los para sua vida. Reforçando sobre o currículo de Biologia, em nosso o país, temos os seguintes documentos: os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), as Orientações Curriculares Nacionais (OCNEM) e a Orientações Educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN + Ensino Médio). Busnardo (2009) ressalta que os PCNEM: [...] foram implementados no ano 2000, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo de difundir os princípios da reforma curricular e orientar a prática dos professores oferecendo novas abordagens do conteúdo, assim como metodologias alternativas de trabalho em sala de aula. O perfil de currículo traçado por esse documento apoia-se em competências básicas necessárias à inserção dos alunos na vida produtiva. Apresenta também os princípios de contextualização e interdisciplinaridade. Os PCN+ foram divulgados após os PCNEM e são um documento que apresenta Orientações Educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais, porém de forma mais propositiva, com atividades a serem realizadas em sala de aula. (p.3). A mesma autora destaca ainda que: As OCNEM, assim como os PCNEM, também consistem em um documento de base curricular, porém divulgado mais recentemente, no ano de 2006, no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva. É um documento que se afirma como resultante de ampla discussão, da qual participaram equipes técnicas do governo, representantes da comunidade acadêmica, professores e EdUECE- Livro 2 04511 Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores alunos da rede pública. O objetivo afirmado por esta proposta curricular é o de contribuir para aumentar o diálogo entre professor e escola sobre a prática docente. (p.3). Os PCNEM (2000) abordam que os objetivos do ensino de Biologia primam pelo desenvolvimento de habilidades e competências que devem ser capazes de permitir a representação e comunicação; investigação e compreensão; e a contextualização sociocultural dos diferentes conteúdos. O PCNEM destacam também, que: O aprendizado das Ciências, da Matemática e suas Tecnologias pode ser conduzido de forma a estimular a efetiva participação e responsabilidade social dos alunos, discutindo possíveis ações na realidade em que vivem, desde a difusão de conhecimento a ações de controle ambiental ou intervenções significativas no bairro ou localidade, de forma a que os alunos sintam-se de fato detentores de um saber significativo. (p. 54). Dessa maneira, o conhecimento poderá contribuir efetivamente para a ampliação da capacidade de compreensão das relações do homem com a natureza e as consequências dessa relação com a realidade social em que vivem. Todavia, para isso ocorrer, há a necessidade de escolhas sobre conteúdos e metodologias por parte do professor, que favoreçam o alcance dos objetivos formativos de seus alunos, descritos anteriormente. Dessa forma, entendemos que essas determinações, ou escolhas, de conteúdos e metodologias, dependem de vários fatores, alheios a vontade do professor. Fatores que podem ser externos e/ou internos ao processo de ensino e aprendizagem escolar. Nesse contexto, a teoria da Transposição Didática, pode ajudar a explicar o que ocorre, conforme veremos a seguir. A DETERMINAÇÃO DE CONTEÚDOS E METODOLOGIAS A PARTIR DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA A teoria da Transposição Didática (TD), difundida por Yves Chevallard, pesquisador francês do campo do ensino da Matemática, consiste, basicamente, na readequação do conhecimento científico (savoir savant), aquele produzido pelos cientistas e intelectuais do meio acadêmico, em saber a ser ensinado (savoir enseigner). Em outras palavras, ocorrerá uma adaptação do saber acadêmico como algo destinado ao ensino, neste caso o escolar, que por sua vez chegará ao aluno por meio das aulas do professor. Percebemos, então, que há duas formas de transposição, uma externa (currículo) e interna (sala de aula). Ressaltamos, que a Transposição Didática Externa (TDE) ocorre quando o saber acadêmico é apresentado para a escola, já adaptado, por meio dos currículos escolares EdUECE- Livro 2 04512 Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores (livros e apostilas didáticas, projeto pedagógico, etc.). O saber ensinado, em sala de aula, é aquele apresentado aos alunos no cotidiano escolar, e que coloca o professor como selecionador de conteúdos e metodologias para o trabalho didático de fato, é a Transposição Didática Interna (TDI). Carvalho (2009) aponta que Chevallard, em sua abordagem antropológica, identificou duas fases da TD: 1ª) Transposição Didática Externa (TDE) – analisa a seleção de conteúdos que comporão os currículos e programas escolares; 2ª) Transposição Didática Interna (TDI) – analisa a maneira como esses conteúdos serão transpostos em sala de aula. Conforme já anunciado, no presente estudo, será discutido e analisado de que forma ocorre a TD, na forma de TDE e/ou TDI, a partir da análise dos conteúdos e das atividades relativos a “Evolução”, de uma coleção de livros didáticos (LD) de Biologia. ITINERÁROS DA PESQUISA A escolha de uma coleção de LD para esta análise ocorreu de forma aleatória, com base nas coleções apresentadas no Guia Nacional do Livro Didático, aprovada pelo Ministério da Educação (MEC) para constar na lista de livros do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para o Ensino Médio. A coleção escolhida foi “Biologia” (2010), Volume 3, e apresenta como autores três professores de Biologia, sendo eles: César, Sezar e Caldini. Ressaltamos, que a proposta dessa pesquisa baseia-se na abordagem qualitativa, a partir de um estudo descritivo e analítico dos conteúdos e atividades pertinentes ao tema “Evolução”, pois propõe compreender e interpretar o processo de construção do conhecimento proposto pelo LD, a partir da análise de uma atividade do livro, que aborda o referido conteúdo, procurando identificar as múltiplas faces do objeto pesquisado, contrapondo os dados obtidos com parâmetros mais amplos. Sobre essa premissa Lüdke e André (1986) ressaltam que a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento, e que isso facilita a pesquisa, pois o pesquisador em contato direto e prolongado com o ambiente e a situação que está sendo pesquisada. ANÁLISE DE CONTEÚDO DO LD SOB A PERSPECTIVA DA TD A partir da análise do LD, verificamos que a TD é um processo que não é visível no texto dos autores, mas podemos afirmar conforme verificado nos temas propostos, que estão de acordo com a proposta dos PCNEM. O que nos leva a entender como EdUECE- Livro 2 04513 Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores sendo TDE, pois a seleção das informações que comporão o rol que chegará aos estudantes foi assim proposta por técnicos do MEC ou de instituições parceiras, que estudaram as demandas nacionais e consolidaram no documento do PCNEM. Nesse sentido, entendemos que os conteúdos dos LD, são elaborados a partir da TDE, ou seja, das adaptações que os conteúdos acadêmicos sofrem para sair do campo da pesquisa até chegar a escola. Dessa maneira, intuímos que o “savoir savant” passou por diversas transformações desde a pesquisa até chegar ao LD analisado. Desta feita, a partir dos conteúdos, percebemos que existe a fragmentação de conhecimentos, o que interfere no “saber a ser ensinado”, em sala de aula, onde ocorre a TDI. Por sua vez, sobre a TDI, torna-se difícil descrevermos, pois ocorre em momentos de subjetividade e a internalização de conceitos que são inerentes a cada indivíduo, e precisaríamos de dados coletados de aulas de professores que se utilizam do LD para uma análise mais profunda. Outro ponto que consideramos importante no processo de TD é a presença de um conjunto de fatores que influenciam o saber a ser ensinado, fazendo com que tenha que se adequar a normas e padrões nacionais, estaduais, municipais e as escolhas docentes até chegar ao aluno. Chevallard (2005) denomina esse conjunto de elementos que interferem e influenciam o sistema de ensino de noosfera. Podemos então destacar que tem sido a noosfera, representada por diversas instituições, a responsável por definir o currículo escolar. Diante disso, o professor ao abordar o tema Evolução, deve ter clareza em como explorá-lo, partindo das interpretações pessoais dos alunos, a fim de garantir êxito no processo de aprendizagem, tendo o LD como um recurso importante no processo, mas não como um recurso primordial. O LD analisado é composto por quatro Unidades Temáticas, sendo o tema Evolução, contemplado na Unidade 3. A unidade está subdividida em seis capítulos: Capítulo 15 – Evolução: a vida em transformação; Capítulo 16 – As teorias da Evolução: Lamark, Darwin e a seleção natural; Capítulo 17 – As causas genéticas da variabilidade; Capítulo 18 – A formação de novas espécies; Capítulo 19 – A genética das populações; Capítulo 20 – As origens da espécie humana. O Capítulo 15 aborda algumas evidências da Evolução, de maneira superficial, demonstrando resumidamente suas transformações. Ao longo do texto podemos perceber palavras negritadas para chamar atenção do leitor para os conceitos que devem ser apreendidos. Outro ponto que destacamos foi inexistência do contexto histórico do EdUECE- Livro 2 04514 Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores processo evolutivo, pois é por meio dele que os alunos compreendem o processo de construção e transformação do conhecimento. Pagliarini (2007), sobre a história ressalta que: Uma grande contribuição que a história traz ao ensino de ciências é esclarecer aspectos obscuros em certas teorias científicas e derrubar certos dogmas impostos em livros e textos didáticos presentes em salas de aula. Isso pois a HFC confronta concepções equivocadas que se tem da ciência, tais como o empiricismo e indutivismo científico. Por outro lado, a HFC presente no ensino de ciências enriquece o seu próprio conteúdo (p.23). Os autores pretendem deixar subentendido ao professor que o aluno já domina esse conhecimento, o que muitas vezes não ocorre, e acaba contribuindo para a formação de um obstáculo para aprendizagem dos alunos. O Capítulo 16 apresenta ao leitor descrições sobre as Teorias Evolucionistas de Lamarck e Darwin, utilizando como ferramenta alguns exemplos clássicos para apresentação dos conceitos de seleção natural, adaptação, uso e desuso, mutações e variações. O exemplo clássico do pescoço da girafa, que frequentemente aparece quando é explicada a teoria de Lamarck, não aparece no texto do capítulo, mas fica evidente em uma atividade do capítulo. Roque (2003) afirma que Lamarck jamais deu a esse exemplo o destaque que tem recebido há quase 200 anos nos compêndios didáticos. Outro ponto que destacamos nesse capítulo, está na apresentação do texto, no qual é abordado exemplos de adaptação, como a criação do Dicloro-difeniltricloroetano/DDT como solução para um problema da agricultura com insetos. O que podemos perceber nessa breve introdução, é que o assunto está resumido e não demonstra os prejuízos causados ao ambiente pela utilização desse produto. O que é demonstrado nesse exemplo é uma visão descontextualizada, que segundo Cachapuz et al (2011), torna-se uma simples transmissão de conhecimentos já elaborados sem mostrar quais foram os problemas que o geraram, e tampouco demonstra suas limitações. O Capítulo 17 introduz informações sobre como os fatores genéticos interferem na variabilidade, mutação, recombinação gênica e evolução. No início é apresentado ao leitor um texto sobre os benefícios e malefícios das mutações para as espécies, no entanto as atividades exploradas seguem para uma simples localização de informações explícita no texto. No Capítulo 18, o texto apresenta o conceito de espécie biológica e os mecanismos evolutivos que levam ao surgimento de novas espécies, tais como a irradiação adaptativa e a convergência adaptativa. O texto é iniciado com uma atividade de repetição de informações explícitas. Um fato que nos chama atenção, não só nesse EdUECE- Livro 2 04515 Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores capítulo, mas em todo o livro é que o texto tem as palavras chave em negrito, induzindo o leitor a importância da palavra sem reflexão própria. No Capítulo 19, são introduzidas, noções estatísticas de populações em equilibro genético com relação à frequência de genes. São discutidos também alguns aspectos ambientais que interferem nesse equilíbrio, como as migrações e as oscilações genéticas. Um aspecto que destacamos, foi o Princípio de Hardy-Weinberg, que é apresentado de maneira sucinta, dificultando à compreensão dos cálculos propostos, devido a sua complexidade, que requer dos alunos a mobilização de outros conceitos, como os da matemática por exemplo. O Capítulo 20 tem como objeto o enfoque evolutivo na espécie humana, tentando fazer uma linha do tempo desde os primeiros hominídeos até o ser humano recente. Podemos observar a preocupação em ressaltar que a Evolução não é um processo linear, mas a imagem de abertura do capítulo é contraditória, pois apresenta uma sucessão de crânios de hominídeos organizados do mais primitivo ao mais atual. Embora o capítulo fale que erroneamente se fazia uma sucessão linear do macaco até o ser humano, ele demonstra isso em imagens, ao citar a evolução das mãos dos primatas, iniciando com as mãos do társio até chegar ao ser humano. Encontramos respaldo para essa análise nas palavras de Cachapuz et al (2011), que enfatiza que o tipo de visão que predomina no ensino de Ciências, ainda hoje, é uma visão acumulativa e linear, onde os conceitos surgem como fruto de conhecimento linear, ignorando as crises, revoluções e remodelações. ANÁLISE PRAXEOLOGICA DE UMA ATIVIDADE DO LD Para a análise da atividade do LD, utilizamos elementos da Teoria Antropológica do Didático (TAD), também proposta por Yves Chevallard, na década de 1990, por meio da organização praxeológica. A TAD preconiza o estudo da atividade humana e suas relações com o conhecimento e como ocorre essa interação. Foi desenvolvida no campo da didática da Matemática, porém nos apropriamos dessa teoria para atuar no campo do ensino de Biologia, uma que vez que em seu postulado, destaca que a praxeologia descreve toda atividade humana que busca resolver tarefas/atividades problemáticas, com sucesso (MACHADO, 2011). Entendemos assim, que podemos utilizá-la no ensino de Biologia. Chevallard, et al (2001) destaca que na atividade matemática existem dois momentos, que são indissociáveis, de um lado as tarefas e as técnicas (prática), de EdUECE- Livro 2 04516 Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores outro, os elementos que permitem entender o que é realizado (tecnologia e teoria). Ele denomina de praxeologia a maneira de entender as ações humanas, ressaltando que pode ser representada pelo conjunto [T, τ, θ, ], onde T representa tipo de tarefa a ser desenvolvida, τ representa a técnica utilizada para desenvolver a tarefa, θ a tecnologia e a teoria. Este conjunto se divide em dois blocos, o prático-técnico [T, τ], chamado bloco do saber-fazer e o tecnológico-teórico [θ, Θ], destinado ao saber (GASCÓN, 2003). Na educação Matemática, segundo Gascón (2003), uma Organização Matemática (OM) surge sempre como resposta a um problema ou a um conjunto de problemas. E destaca que a Organização Matemática, é composta por quatro componentes principais: tipos de problemas, técnicas, tecnologias e teorias. Utilizando esse pressuposto para o ensino de Ciências, temos uma Organização Biológica (OB). Nos reportaremos a esse modelo para analisar a atividade retiradas do LD de Biologia analisado. Atividade 1 (anexo A): “No que se difere o neodarwinismo - ou teoria sintética da Evolução - do darwinismo clássico?”. (SILVA JÚNIOR, 2010, p.207 e 218). CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base nessa pesquisa podemos destacar alguns pontos que ficaram evidentes na análise, como por exemplo, o reducionismo na abordagem dos conteúdos sobre Evolução, que podem confundir os alunos na construção do conceito sobre o tema. Nesse sentido, algumas ilustrações reafirmam conceitos inadequados. Outro aspecto que destacamos, é a quantidade excessiva de conteúdos e exercícios presentes no livro. Acreditamos que tal fato se deve, por ser o último ano do ensino médio, e esse momento ser culturalmente conhecido pelo ano que realização da avaliação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), fazendo com que o ensino proposto para os alunos, seja exclusivamente para realizar avaliações externas, e não para a compreensão do conhecimento científico. Durante a análise praxeológica da atividade, ficou evidenciado a gama de saberes que seria necessário ser mobilizado pelos alunos para resolução da tarefa proposta. Nesse sentido, a atividade torna-se de difícil resolução, pois o nível de Transposição Didática dos conhecimentos apresentados pelo LD não propicia a construção do conceito sobre a Evolução pela sua complexidade, pois o aluno teria que mobilizar todos os conhecimentos anteriores adquiridos. EdUECE- Livro 2 04517 Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores Diante do exposto, podemos considerar que o LD analisado, pode trazer aos estudantes do Ensino Médio uma simplificação teórica de informações de livros acadêmicos, o que, entre outros fatores, levaria a um excesso de informações que estão além do desenvolvimento cognitivo do estudante do ensino médio, tornando a disciplina de Biologia complexa, de difícil entendimento e contextualização por parte dos estudantes. REFERÊNCIAS AZEVEDO, R. O. M. Ensino de ciências e formação de professores: diagnóstico, análise e proposta. Dissertação de mestrado. Universidade do Estado do Amazonas / UEA, 2008. Disponível em: http://www.pos.uea.edu.br/data/area/titulado/download/1016.pdf- Acesso em 14 de agos de 2014. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto, Conselho Nacional de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: ciências da natureza, matemática e suas tecnologias. 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