TÉCNICA InvasõesDIVULGAÇÃO biológicas e insetos sociais invasores. INVASÕES BIOLÓGICAS E INSETOS SOCIAIS INVASORES F.M. Ribeiro¹ & A.E. de C. Campos-Farinha² ¹Universidade Estadual Paulista, Av. 24A, 1515, CEP 13506-900, Rio Claro, SP, Brasil. E-mail: [email protected] RESUMO As invasões biológicas, além de causarem prejuízos à economia e à saúde humana, são uma das principais causas da redução da biodiversidade. Embora essas invasões ocorram naturalmente, o homem as potencializa e acelera, transportando e introduzindo os organismos invasores, eliminando seus inimigos naturais e criando condições ambientais favoráveis para seu desenvolvimento. Para se prever e traçar estratégias de controle de invasões é importante o estudo de modelos de como as invasões biológicas ocorrem e quais os fatores que as influenciam, como a taxa de crescimento da população exótica, sua freqüência de chegada ao ambiente, sua resistência a fatores bióticos e a presença do homem na área invadida. Os insetos sociais, principalmente as formigas, estão entre os organismos invasores que causam grandes prejuízos tanto para o homem quanto ao ambiente natural. Parte de seu sucesso em invadir ambientes deve-se aos seus diferentes modos de reprodução, dispersão e comportamentos, característicos de insetos sociais. Essas características aumentam suas taxas reprodutivas, bem como alteram sua resposta às condições ambientais e às interações com outros organismos, assim devem ser levadas em consideração em modelos de invasão delineados para esses insetos. PALAVRAS-CHAVE: Invasão biológica, insetos sociais, populações fundadoras, formigas. ABSTRACT BIOLOGICAL INVASIONS AND INVADERS SOCIAL INSECTS. Biological invasions besides causing severe injuries to the human health and to the economy are one of the main causes of biodiversity reduction. Invasions may occur naturally but the man can promote them transporting and therefore introducing the invaders, which eliminate other organisms and/or their natural enemies, creating favorable environments to their development. In order to prevent and trace strategic control of such invaders, the study of models of how biological invasions occur and which are the factors that influence them, like the population increasing of exotic organisms, the frequency which they enter in the environment, their resistance to biotic factors and the presence of human beings in the invaded area. Social insects, mainly the ants, are among invaders, which cause severe injuries to men and natural environments. Part of their success in invading environments is due to their different ways of reproduction, dispersion and behavior, characteristics of social insects. Such characteristics increase their reproductive taxes, as well as alternate their responses to the environment conditions and to the interactions with other organisms. Thus, they may be considered in models of invasions that are delineated to such insects. KEY WORDS: Biological invasion, social insects, ants, founding populations. A biodiversidade do planeta vem sendo ameaçada principalmente por mudanças nos ambientes causadas pelas atividades humanas, como o aumento da temperatura global, a fragmentação de ecossistemas, a chuva ácida e poluição. Outra conseqüência da ação humana, que nos últimos anos vem causando grande 2 preocupação aos pesquisadores, é o aumento no número de invasões de organismos exóticos, fenômeno conhecido como invasão biológica. Esses organismos, introduzidos direta ou indiretamente pelo homem, causam grande impacto nas comunidades nativas, podendo extinguir espécies e alterar diversos proces sos Instituto Biológico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Vegetal, São Paulo, SP. Brasil. Biológico, São Paulo, v.67, n.1/2, p.11-17, jan./dez., 2005 11 12 F.M. Ribeiro & A.E. de C. Campos-Farinha ecológicos, como a dispersão de sementes e polinização (DUKES & MOONEY, 1999). Apesar de seu efeito negativo, essas invasões são comuns e são importantes forças de estruturação de comunidades naturais. Durante os últimos 20 milhões de anos, diversos episódios de mudanças em massa de espécies ocorreram como resultados de invasões biológicas. Uma das maiores mudanças de biota decorrida de invasões de espécies na América ocorreu durante o Pleistoceno. Nesta época, formou-se um ístimo entre a América do Sul e do Norte, promovendo uma grande troca de biota. Esse intercâmbio, porém não foi homogêneo, a biota norte-americana invadiu a América de Sul e extinguiu diversas espécies (LODGE, 1993). Embora as invasões biológicas sejam processos que ocorram, naturalmente, as atividades humanas aceleram e potencializam esse fenômeno, produzindo uma homogeneização de espécies. Independente da região, os centros urbanos apresentam características ambientais similares que acabam favorecendo um pequeno número de espécies a se desenvolver nesses locais, onde muitas outras espécies já foram desalojadas ou até mesmo extintas (LODGE, 1993). A introdução de organismos em uma nova região não garante que este irá conseguir desenvolver uma população viável. Na realidade, muitos organismos são introduzidos em novas áreas, porém poucos conseguem se estabelecer e desenvolver. Estimativas paleobiológicas e atuais sugerem que taxas de introdução de espécies que não prosperam sejam normalmente subestimadas. Entre 2 a 40% das espécies introduzidas chegam a prosperar em áreas exóticas, e dessas, cerca de apenas 1% chegam ao status de praga. Esse insucesso em se estabelecer pode ser decorrente, tanto de fatores ambientais inadequados para o desenvolvimento da população, como fatores bióticos, principalmente predação, competição, parasitismo e doenças (LODGE, 1993). Embora esses dados dêem uma idéia de que apenas um pequeno número de introduções ocorra, atualmente muitas regiões apresentam um grande número de espécies exóticas invasoras, que podem chegar a dominar comunidades nesses ambientes. Estima-se que em 500 anos, espécies invasoras serão dominantes em aproximadamente 3% da superfície terrestre não congelada. Acredita-se que 20% da fauna e flora sejam representadas por espécies exóticas em países continentais, sendo que esse número aumenta para 50% em ilhas. Geralmente, há um maior número de espécies de plantas invasoras que animais, isso porque a introdução de espécies animais, normalmente requer ambientes que tenham áreas para forragear, abrigos e outros organismos que interajam (Lodge, 1993; VITOUSEK et al., 1996). Conseqüências Ambientais A chegada de uma espécie invasora em um novo ambiente muda as interações que já existiam entre os organismos da comunidade e desses com o ambiente. Essa invasão tem um efeito negativo na comunidade, reduzindo as populações nativas (MOLLER, 1996). Geralmente, organismos invasores reduzem as riquezas das comunidades nativas por competir por um mesmo recurso que outras espécies, ou por reduzir diretamente a comunidade predando ou parasitando outras espécies (VITOUSEK et al., 1996; KOLAR & LODGE, 2001). Outro efeito da introdução de organismos invasores pode acontecer decorrente do cruzamento entre a espécie invasora e alguma espécie nativa: a hibridação. A formação de indivíduos híbridos em uma comunidade pode diminuir a capacidade adaptativa (fitness) das espécies, podendo levar a extinção. Um exemplo é a introdução do cervo Cervus nippon na Grã-Bretanha vindo do Japão. Essa espécie hibridizou com uma local (Cervus elephaus). Embora sejam de tamanhos diferentes, esse fenômeno deixou a integridade genética da espécie nativa ameaçada em certas regiões (MOONEY & CLELAND, 2001). Pequenas populações em ilhas são particularmente mais vulneráveis a extinções, decorrentes de hibridações, pelo fato dessas populações serem menos divergentes geneticamente de populações continentais. Em continentes, populações têm suas densidades diminuídas, geralmente, por umas ações antrópicas (poluição e fragmentação, por exemplo), e consequentemente também podem sofrer com o mesmo efeito (MOONEY & CLELAND, 2001). Saúde Invasões biológicas não influenciam apenas a comunidade natural, mas podem causar grandes problemas à saúde humana, já que alguns podem ser vetores de doenças, como no caso do mosquito tigre asiático (Aedes albopictus). Nativo da Ásia, esse inseto, vetor de dengue e febre amarela, foi introduzido no Brasil, em meados dos anos 80, beneficiado pela importação de pneus usados da Ásia, que eram recauchutados e revendidos. Antes dessa introdução haviam sido registradas duas outras, da mesma espécie, sem sucessos (VITOUSEK et al., 1996). Economia Invasões biológicas podem causar grandes prejuízos econômicos, como o mexilhão-zebra (Dreissena polymorpha), bivalve de água doce, que se distribui em diversas regiões do mundo trazidas em cascos de navios, sendo espalhado rapidamente em rios e lagos. O principal prejuízo que causam é quando for- Biológico, São Paulo, v.67, n.1/2, p.11-17, jan./dez., 2005 Invasões biológicas e insetos sociais invasores. mam colônias em canos submersos, chegando a bloquear a abertura do tubo e prejudicando máquinas e cascos de navios. Em 1993 nos EUA, estimava-se que para desbloquear canos entupidos pelo molusco seriam gastos aproximadamente 3,1 bilhões de dólares e que esse trabalho levaria 10 anos (VITOUSEK et al., 1996). Outro exemplo é o do caramujo africano gigante Achatina fulica. Esse gastrópode terrestre foi introduzido no Brasil na década de 80 como uma alternativa mais barata para substituir o escargot. Porém, como a dieta dos brasileiros não costuma incluir essa iguaria, seus criadores logo abandonaram o empreendimento e soltaram os caramujos no ambiente silvestre. Por não ter predadores e se reproduzir facilmente, essa espécie rapidamente se alastrou por todo país. Além da ameaça que causa aos ambientes (ex. em fragmentos de mata atlântica no litoral paranaense), esse caramujo é uma praga agrícola, tanto de culturas como plantas ornamentais, causando grandes prejuízos (FISCHER & COLLEY, 2005). Modelo do processo de invasão O entendimento de como ocorrem invasões biológicas é uma importante ferramenta para se compor estratégias de previsão e controle de invasões. Uma invasão pode ser dividida nas seguintes fases: a) chegada do organismo na nova área; b) estabelecimento e crescimento da população fundadora; c) dispersão e estabelecimento de uma metapopulação; e d) fase de integração, aonde a população da espécie invasora chega a um equilíbrio, depois de interações com outras espécies da comunidade (MOLLER, 1996). O estabelecimento de uma espécie em uma nova região se adequa ao conceito de uma População Viável Mínima (PVM) (referência). Esse conceito, bastante utilizado na Biologia da Conservação, refere-se ao tamanho mínimo necessário de uma população para que a espécie sobreviva isoladamente em um determinado habitat. Em invasões, essa população pode ser definida como População Fundadora Viável Mínima (PFVM, em inglês, MVBP, Minimun Viable Beachhead Population), ou seja, o tamanho mínimo necessário, da população de uma espécie invasora, para que essa possa se estabelecer em um novo ambiente (MOLLER, 1996). Deve-se levar em conta, para se determinar uma PFVM, fatores como a taxa de crescimento da população e a sua resistência às perturbações. Outro fator que comumente oferece bons indícios sobre o sucesso da invasão é a freqüência com que as populações chegam ao novo habitat. Esse fato justifica-se por observações em que invasões ocorriam subitamente, após um histórico de inúmeros fracassos, como no caso do mosquito tigre asiático (A. albopictus), citado anteriormente. Como as populações que vão se estabelecer dependem diretamente das condições que os indiví- duos fundadores irão enfrentar, quanto maior a freqüência de chegada desses, maior a chance da espécie se estabelecer, e também maior a probabilidade de um indivíduo encontrar um parceiro para a reprodução (MOLLER, 1996). Espécies invasoras exóticas e nativas Como visto no modelo acima descrito, a primeira fase do processo de invasão é a entrada do organismo em um novo ambiente, assim considera-se que a espécie invasora é sempre exótica ao ambiente. Porém, em alguns casos o organismo invasor pode não ser uma espécie exótica, ou seja, vinda de outro país ou continente. A discussão sobre esses casos nos remete ao conceito de espécie nativa. Espécies nativas são aquelas que representam a fauna original de um determinado bioma (por exemplo, cerrado e mata atlântica). Porém este conceito muitas vezes é utilizado também para identificar a fauna original de um país. Em países extensos onde seu território abranja uma grande variação de climas e ambientes, algumas espécies consideradas como nativas do país, podem não serem encontradas em toda extensão, mas podem estar restritas a certos biomas. Se essa espécie conseguir se dispersar para outras regiões do mesmo país, esta pode ser considerada como uma espécie invasora, mesmo sendo nativa do país (HOLWAY et al., 2002; VITOUSEK, 1996). Embora essa discussão pareça meramente filosófica, ela é importante para se traçar políticas que previnam invasões biológicas. Programas de controle de organismos invasores muitas vezes focam exclusivamente as espécies exóticas, porém deveria se estender também para as espécies nativas, principalmente aquelas que já apresentam históricos de invasão em países onde foram introduzidas (KOLAR & LODGE, 2001). Um exemplo é a formiga Argentina, Linepithema humile, nativa das regiões do Sul do Brasil e da Argentina. Atualmente, essa espécie encontra-se distribuída por todos os continentes (exceto os pólos) e causa grandes prejuízos, tanto nas áreas urbanas, onde foram introduzidas, como em ambientes naturais, em diversos países como EUA, Austrália, França, Espanha, Nova Zelândia, África do Sul e Japão (HOLWAY et al., 2002). Embora no Brasil sua distribuição seja limitada e pouco representativa em muitos ecossistemas, atualmente têm se registros de populações extremamente densas causando grandes danos em áreas urbanas e agrícolas no interior do Estado de São Paulo (RIBEIRO, 2005). Fatores que facilitam invasões Estudos de invasões biológicas mostram que existem alguns fatores ambientais que podem contribuir Biológico, São Paulo, v.67, n.1/2, p.11-17, jan./dez., 2005 13 14 F.M. Ribeiro & A.E. de C. Campos-Farinha para que a espécie invasora se adapte melhor ao novo ambiente. Esses fatores atuam reduzindo as pressões que os organismos nativos impõem sobre a espécie invasora (por exemplo, competição e predação), ou fazendo com que o ambiente invadido tenha características parecidas com o ambiente original da espécie invasora. As principais promotoras desses fatores são as atividades humanas, que reduzem a diversidade de espécies e tendem a homogeneizar os ambientes selecionando assim apenas os organismos aptos a sobreviver nesse ambiente, que são geralmente as espécies invasoras (LODGE, 1993). Atividades humanas As atividades humanas, além de diminuírem a biodiversidade do ambiente, muitas vezes promovem a entrada das espécies invasoras, transportando-as ou ligando regiões onde antes havia alguma barreira física que impedia a espécie de chegar num ambiente exótico (ex. pontes e estradas) (LODGE, 1993). Quando o transporte da espécie para uma nova região é devido a ação humana, esse fato pode ser acidental (ex. formigas carregadas em vasos e o marisco zebra) ou proposital, normalmente para fins comerciais (ex. o gastrópodo terrestre Achatina fulica) (VITOUSEZ et al., 1996). Em muitas ilhas boa parte das espécies exóticas foram trazidas durante a época das navegações, onde animais e plantas que serviam de alimentos para os navegantes eram deixadas nas ilhas, para servir de alimento quando o navio voltasse a passar por ali (PRIMACK & RODRIGUES, 2001). Fragmentação A fragmentação de um ambiente cria nas margens dos fragmentos, o efeito de borda. Nessas áreas há uma perturbação maior do ambiente, o que faz com que haja uma predominância de espécies generalistas e ao mesmo tempo não se encontre algumas espécies que não suportem a perturbação que ocorre nessas áreas, diminuindo a biodiversidade. Com a diminuição da diversidade de espécies, diminui-se parte da resistência biótica que a espécie invasora terá que enfrentar para se estabelecer no ambiente. Essas áreas costumam ser a porta de entrada para espécies invasoras em um ambiente natural (SUAREZ et al., 1998). Outras espécies exóticas Muitas vezes uma espécie invasora pode se beneficiar com a presença de um outro também exótico, desde que eles não compitam por um mesmo recurso. Como o ambiente já foi invadido, a biodiversidade já pode ter sido reduzida, diminuindo a resistência biótica para a entrada do organismo invasor. Além disso, espécies que já tenham um histórico de interações onde pelo menos um dos organismos se beneficie, podem facilitar a invasão das duas espécies (ex. formigas protegendo e dispersando homópteros e se alimentando do seu honeydew) ou apenas de uma (ex. afídeos parasitando uma planta exótica invasora) (MOLLER, 1996). Insetos sociais invasores Todas as formigas e cupins e algumas vespas e abelhas, são altamente sociais (eussociais), sendo conhecidos como insetos sociais. As principais características que definem um comportamento eussocial são: 1. divisão de trabalhos, com indivíduos responsáveis pela reprodução e indivíduos estéreis que são responsáveis por todas as outros trabalhos; 2. cuidado com a prole, alimentação e proteção das crias; 3. sobreposição de gerações, pelo menos duas gerações coabitando o ninho ao mesmo tempo (PASSERA, 1994). Dentre organismos invasores os insetos sociais estão entre aqueles que causam maiores prejuízos, tanto em sistemas naturais como em antrópicos, e as formigas são as mais importantes e bem estudadas invasoras (MOLLER, 1996). Devido aos diferenciados modos de dispersão e reprodução dos insetos sociais, para o estudo de invasões causadas por estes organismos deve-se utilizar modelos diferentes daqueles usados para outros animais, que falham em não destacar certas características promovidas pela socialidade de grande importância para explicar o sucesso de invasão desses insetos (MOLLER, 1996). Espermateca A presença, nas fêmeas reprodutivas, de um órgão que estoca uma grande quantidade de esperma, a espermateca, permite que essas fêmeas independam do macho na chegada em um novo ambiente. Em outros organismos a chegada simultânea de machos e fêmeas é um fator limitante no estabelecimento de novas populações. Além disso, o fato de em muitas espécies as rainhas terem o hábito de copular com vários machos contribui para um aumento da variabilidade genética da futura população, permitindo uma rápida adaptação da população a fatores seletivos que influenciam na sobrevivência e reprodução (MOLLER, 1996). Qualidade das novas rainhas Em insetos sociais a fundação de uma nova colônia geralmente é o estágio mais crítico no ciclo da colônia, sendo a população primariamente regulada pelo número de rainhas fundadoras que são capazes de se estabelecer com sucesso formando novas colônias. Uma estratégia utilizada por formigas para diminuir o risco dessa fase é a produção de fêmeas fundadoras com altas concentrações de reservas alimentares, que usam dessas reservas para alimentar para Biológico, São Paulo, v.67, n.1/2, p.11-17, jan./dez., 2005 Invasões biológicas e insetos sociais invasores. as primeiras larvas, não sendo necessário que a nova rainha saia a procura de alimento. Em outros insetos sociais o risco durante a fundação é diminuído pela fragmentação da colônia, com fragmentos formados por alguns operários e indivíduos imaturos, podendo ou não haver rainhas. Quando não há rainha nesses fragmentos esses podem ser encontrados por fêmeas fundadoras que podem se estabelecer ali (MOLLER, 1996). Evitando inimigos Muitos inimigos naturais são evitados devido ao hábito claustral da colônia que permite que o indivíduo diretamente responsável pela reprodução da colônia (a rainha) não precise sair do ninho a procura de alimento (MOLLER, 1996). A constante tarefa de limpeza das câmaras, dos indivíduos imaturos e das rainhas, que é desempenhado pelas operárias é outro mecanismo de evitar que parasitas e patógenos se instalem na colônia (OI & PEREIRA, 1993). Algumas espécies de abelhas produzem a própolis que é notoriamente reconhecido por sua ação antibactericida. Em formigas também existem secreções que funcionam como defesa contra microrganismos (MOLLER, 1996). Dispersão Os insetos sociais, naturalmente conseguem se dispersar a grandes distâncias devido ao fato de serem ótimos voadores. Mesmo nas formigas, que não são insetos alados, as castas reprodutoras (rainhas e machos) são aladas durante a época reprodutiva (HOLWAY et al., 2002). Algumas espécies de formigas, as formigas urbanas (tramp ants), são acidentalmente transportadas pelo homem, sendo esse seu principal modo de dispersão. Esse grupo de formigas ainda apresenta uma alta mobilidade de toda colônia (geralmente, decorrente de alguma fator ambiental) (PASSERA, 1994). Altas taxas reprodutivas Espécies que apresentam altas taxas reprodutivas e que conseguem rapidamente ultrapassar sua PFVM têm maiores chances de serem bem sucedidas em invadir novos ambientes. É importante que, além das altas taxas de reprodução, a qualidade dos indivíduos produzidos seja alta para que possam competir eficientemente com as espécies que já residem no local (MOLLER, 1996). As formigas e as espécies sociais de vespas são ótimas produtoras de crias, sendo que algumas espécies produzem indivíduos reprodutivos durante todo o ano, e com boas condições de se estabelecerem e competirem com outras espécies em um novo ambiente (MOLLER, 1996). Fragmentação da colônia (colony budding) Em abelhas e diversas espécies de formigas as colônias se reproduzem por fissão do ninho, onde um grupo de operários e rainhas (propágulo) sai da colônia mãe, e migra para outro local para fundar uma nova colônia. Essa estratégia aumenta a probabilidade de sucesso, já que a rainha não precisa ser exposta ao risco de forragear e diminui a necessidade dessas terem uma grande quantidade de reservas para alimentar a prole (MOLLER, 1996). Espécies que apresentam esse modo de reprodução, geralmente também produzem rainhas que irão formar novas colônias sozinhas. Em algumas espécies, porém, como no caso da formiga argentina, Linepithema humile, as rainhas não voam, o que faz com que a fragmentação seja o único modo de reprodução da colônia. Para compensar essa ausência de reprodução por vôo, os propágulos dessa espécie são extremamente eficientes em se estabelecer em novos ambientes e apresentam uma alta taxa de crescimento, mesmo sendo compostos apenas por operárias e crias, ou tendo não mais que uma dezena de indivíduos (HEE et al., 2000). Poliginia O comportamento poligínico, que ocorre quando mais de uma rainha coabitando a mesma colônia, facilita a reprodução da colônia por ramificação, já que dentro da colônia existem diversas rainhas que podem ser divididas entre as colônias (HOLWAY et al., 2002). Em formigas urbanas encontra-se um alto grau de poliginia onde as rainhas que convivem na colônia não apresentam hostilidade ou dominância entre elas (PASSERA, 1994). Em uma dessas espécies, Solenopsis invicta, podese encontrar colônias monogínicas ou poligínicas. Embora essas últimas também produzam rainhas que irão se dispersar solitariamente, normalmente essas são menores e produzidas em menor número em relação as que são produzidas nas formas monogínicas, onde não há ramificação da colônia (HOLWAY, 2002). Longevidade das colônias Muitas espécies de insetos sociais formam colônias que podem durar por muitos anos, mesmo que a longevidade de cada indivíduo, tanto operárias como rainhas, não se estenda por mais de um mês. Essa característica faz com que um pequeno número de colônias bem estabelecidas em regiões inóspitas consiga alcançar, e até mesmo ultrapassar, a PFVM, além de produzir constantes propágulos que irão tentar se estabelecer em áreas vizinhas (MOLLER, 1996). Unicolonialismo A unicolonialidade, formação de supercolônias com diversos ninhos interligados, onde há uma Biológico, São Paulo, v.67, n.1/2, p.11-17, jan./dez., 2005 15 16 F.M. Ribeiro & A.E. de C. Campos-Farinha au sência total de agressividade intraespecífica, é um dos comportamentos que algumas espécies de formigas urbanas apresentam e que parece ser essencial no sucesso em se estabelecer em novos ambientes (HOLWAY et al., 1998). Em primeiro lugar esse comportamento evita o custo de competir com indivíduos da mesma espécie, fazendo com que a energia que seria gasta nesse processo seja investida em outras funções como uma maior eficiência na exploração dos recursos e uma melhor competição com outras espécies (HOLWAY et al., 2002). Além disso, a unicolonialidade permite a troca de indivíduos entre ninhos, assim indivíduos de outros ninhos podem ser recrutados para certa fonte alimentar, o que promove um aumento na flexibilidade da resposta à heterogeneidade espaço-temporal do recurso (HOLWAY & SUAREZ 1999). Em L. humile, uma das espécies de formiga invasora unicolonial mais bem estudada, a unicolonialidade esse comportamento, embora hajam controvérsias, é considerado exclusivo de regiões onde a espécie foi introduzida, como na Europa, há registros de uma supercolônia com mais de 6.000 km² de extensão ( GIRAULD et al., 2002; TSUTSUI et al., 2000; HOLWAY et al., 2002). Comunicação e aprendizagem O aprendizado, a memória e a comunicação em insetos sociais são ingredientes importantes para explicar a alta eficiência que esses insetos mostram em explorar os recursos. Embora um indivíduo tenha pequena capacidade de armazenar informações sobre o ambiente, a grande densidade que as colônias apresentam e a intensa comunicação entre as operárias, criam uma grande rede de informações sobre o ambiente que ditará a resposta da colônia quanto a distribuição dos indivíduos que irão forragear (MOLLER, 1996). Em Apis mellifera, quando uma operária encontra determinado recurso alimentar, ela retorna para colônia e recruta outras operárias através de uma série de complexos movimentos, a “dança”, que irão indicar o local exato onde está a fonte alimentar (MOLLER, 1996). As formigas utilizam feromônios para recrutar e indicar o local de uma certa fonte alimentar. Quando uma operária encontra um recurso alimentar, que devido ao tamanho não pode ser carregado sozinho à colônia, ela volta para o ninho e durante este trajeto vai depositando no solo, através de glândulas localizadas no gáster, pequenas quantidades de feromônios que irão atrair outras operárias ao alimento. Se o recurso for muito grande, as operárias que estão na trilha também irão secretar o feromônio, o que recrutará mais operárias, até que a fonte acabe (HÖLDOBLER & WILSON, 1990). Algumas formigas podem ainda se comunicar sobre os riscos de forragear na área e ajustar o uso dessa área de acordo com seu risco e a necessidade de alimento da colônia (MOLLER, 1996). Habilidades competitivas Os grandes níveis populacionais das colônias de insetos sociais exigem uma alta e constante demanda de alimento, assim as operárias necessitam explorar eficientemente o ambiente atrás de alimento. A exaustiva competição, conseqüência desse grande requerimento alimentar, fez dos insetos sociais, ao longo do processo evolutivo, ótimos competidores tendo hábitos territorialistas, bons recrutadores e explorando eficientemente os recursos alimentares do ambiente.Em “tramp ants” a alta agressividade que têm com outras formigas é um importante ingrediente para seu sucesso em invadir ambientes (HOLWAY et al., 2002). Os modelos clássicos de invasões biológicas apontam diversas características de insetos sociais que elucidam parte de seu sucesso como bons invasores, como suas habilidades dispersoras e competitivas, as altas taxas reprodutivas, o grande tamanho e longa vida da colônia, a alta eficiência em forragear. Além disso, a socialidade promove outros mecanismos importantes para seu sucesso invasivo, que só é evidenciado em modelos de invasão biológica específicos para insetos sociais, como: variação de modelos de reprodução (fundação de colônias por rainha solitária e por fragmentação) e de dispersão (por vôo e por humanos), especialização de subgrupos (castas) para tarefas específicas, o não comprometimento do bom desenvolvimento da colônia com a morte de alguns indivíduos, a alta comunicação entre indivíduos sobre os riscos e a disponibilidade temporal e espacial de recursos. Esses fatores parecem ter grande importância no sucesso dos insetos sociais e, embora não possam ser evidenciados através de um modelo clássico de invasão biológica devem ser considerados em estudo sobre invasão que foquem esses insetos (MOLLER, 1996). R EFERÊNCIAS D UKES, J.S. & MOONEY, H.A. Does global change increase the success of biological invaders? TREE, v.14, n.3, p.135-139, 1999. FISCHER, M.L. & COLLEY, E. Espécie invasora em reservas naturais: caracterização da população de Achatina fulica Bowdich, 1822 (Mollusca – Achatinidae) na Ilha Guaraqueçaba, Paraná, Brasil. Biota Neotropica, v.5, n.1, p.1-18, 2005 G IRAULD , T.; PEDERSEN, J.S.; KELLER, L. Evolution of supercolonies: The Argentine ants of southern Europe. PNAS, v.99, n.9, p.6075-6079, 2002. Biológico, São Paulo, v.67, n.1/2, p.11-17, jan./dez., 2005 Invasões biológicas e insetos sociais invasores. HEE, J.J.; HOLWAY, D.A.; SUAREZ, A.V.; CASE, T.J. 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