Originais / Originals Uso do Biofeedback na Hidroterapia em pacientes com acidente vascular encefálico Biofeedback use in Patients with Accident Vascular Brain in Hydrotherapy Valmir Marcos Baccaro Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e Especialista em Fisioterapia Aquática pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), São Paulo/SP - Brasil [email protected] Mirna Sayuri Kanashiro Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo/SP – Brasil Bruna Paulenas Batista Internacional nos métodos Proprioceptive Neuromuscular Facilitation Association (IPNFA) e Especialista em Psicopedagogia pela Faculdades de Guarulhos/SP, Brasil. Allan Rogers Venditi Beas Instituto de Medicina Física e Reabilitação (IMREA) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), São Paulo/SP – Brasil Camila Mottinelli de Souza Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo/SP – Brasil Alexandre Lara Moraes Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), São Paulo/SP – Brasil. Sáude em Revista Resumo Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Acidente Vascular Encefálico (AVE) é a principal causa de deficiência física no mundo. O biofeedback eletromiógrafico “é uma modalidade terapêutica que utiliza equipamentos eletrônicos para revelar ao usuário os eventos fisiológicos normais ou anormais, na forma de sinais visuais e/ou auditivos, com o objetivo de ensiná-lo a manipular esses eventos involuntários ou imperceptíveis por meio da manipulação dos dados mostrados na tela. Estudos com o uso do biofeedback eletromiográfico no ambiente aquático ainda são escassos, devido à dificuldade quanto ao manuseio, vedação correta que pode interferir no sinal coletado. O objetivo do estudo foi avaliar a eficácia do biofeedback eletromiográfico como ferramenta para direcionar a ativação muscular de glúteo médio e eretores da espinha durante o atendimento de pacientes com AVE” em piscina terapêutica. A amostra foi constituída por dois pacientes com diagnóstico de AVE, sendo um com quadro clínico de Hemiplegia à Direita e Afasia de Expressão, e o outro com Dupla Hemiparesia com Ataxia, sendo utilizado o biofeedback eletromiográfico como ferramenta para verificar a ativação muscular de glúteo médio e paravertebrais em dois pacientes com AVE em diferentes níveis de imersão. Para a análise dos dados, foi utilizado o programa da Microsoft Excel. Consideraremos para a análise os valores máximos e médios coletados. Como resultado deste estudo, concluímos que a eletromiografia (EMG) pode ser uma ferramenta adequada e confiável para a orientação de manuseio ao terapeuta, proporcionando maior eficiência na intervenção e individualidade nos atendimentos em pacientes com Lesão Encefálica Adquirida no meio aquático. Palavras-chave: biofeedback; eletromiografia; acidente vascular encefálico; traumatismo crânio-encefálico; hidroterapia. Abstract According to WHO (World Health Organization), stroke is the main cause of physical disability in the world. Electromyographic biofeedback is a therapeutic procedure that uses a device to measure, process and feedback, reinforcing information with auditory and visual signs, allowing users to correct their abnormal movements. There is a lack of studies regarding the use of Electromyographic biofeedback in the aquatic environment, and this could be because it is difficult to use this device and also seal the electrodes allocated in the skin, what could interfere in the collected signs. The aim of this study was to evaluate the efficacy of the Electromyographic biofeedback as a tool to enhance the activations of gluteus mediums and dorsal muscles of stroke patients, in the aquatic physical therapy. Participated in the study two patients with stroke, one of them with right hemiplegia and aphasia and the other with double hemiparesia and ataxia. Both of them made exercises in different deepness levels in the pool. To evaluate the data collected, it was used the program Microsoft Excel. The data considered were the maximal and mediums results collected. In conclusion, the Electromyographic biofeedback can be used as an accurate tool during aquatic physical therapy of stroke patients, as used to guide therapeutic handling, allowing efficiency and individualism during the session. Key-words: Electromyographic biofeedback; stroke; traumatic brain injury; hydrotherapy. Uso do Biofeedback na Hidroterapia em pacientes com acidente vascular encefálico 47 Valmir Marcos Baccaro et al. Introdução Diversos estudos apontam que o Acidente Vascular Encefálico (AVE) é a principal causa de morte no Brasil. Foram registradas no país 160.621 internações por doenças cerebrovasculares em 2009. A taxa de mortalidade foi de 51,8 a cada grupo de 100 mil habitantes. As pessoas acima de 80 anos de idade representaram quase 35% dos 99.174 óbitos.¹ A deficiência física no AVE é caracterizada pelo comprometimento dos neurônios motores do córtex cerebral e da medula espinhal, gerando interrupção de uma extensa parte dos tratos descendentes, com alteração significante no controle das unidades motoras.2 Como consequências, apresentam comprometimentos neuromusculares (espasticidade, clônus, sinal de babinsk), comprometimentos musculoesqueléticos (fraqueza, perda da amplitude de movimento, contraturas e mudanças no alinhamento) sensoriais (somatossensitivos, visuais e vestibulares), podendo ter problemas perceptivos e/ou cognitivos.3 No vasto aspecto de comprometimentos, os sobreviventes do AVE conseguem readquirir a habilidade de manter a postura ortostática independente.4,5 Mas, muitas vezes, com as compensações e assimetrias interferindo na capacidade de manter o controle postural estático e dinâmico.6 Segundo Umphred, 82% voltam a deambular,7 ainda que com desvios do padrão normal da marcha e, em muitos casos, com a utilização de meios auxiliares,8 na tentativa de minimizar a incidência de quedas.9,10 A reabilitação do indivíduo com AVE consiste na reeducação do controle motor, 48 tanto em cadeia cinética fechada como em cadeia cinética aberta, para tentar resgatar a marcha bípede associada às ações proposicionais em ambientes enriquecidos.11 Contudo, o principal objetivo da reabilitação é favorecer ao indivíduo a maior funcionalidade possível, respeitando a sua limitação, condição socioeconômica e principalmente suas aspirações e perspectivas.12 Existem várias abordagens diferentes para melhorar a capacidade funcional dos indivíduos acometidos por AVE, a fisioterapia aquática é uma delas, pois utiliza exercícios, manuseios e técnicas específicas associadas às propriedades físicas da água (empuxo e/ou flutuabilidade, viscosidade, pressão hidrostática, fluxo e temperatura).12,13 Sendo um ambiente estável para a participação do indivíduo nas atividades, gerando o aumento na habilidade funcional,14,15 favorecendo a obtenção de ganhos específicos que possam ser transferidos para o solo e aplicáveis à vida diária.12 Dentro desse vasto cenário de modalidades terapêuticas, o biofeedback eletromiográfico parece uma ferramenta promissora para o tratamento das alterações neuromotoras em pacientes com hemiparesia espástica,5 como também nas disfunções osteomusculares e psicocomportamentais.16 De acordo com a literatura, a terapia com biofeedback eletromiográfico vem sendo utilizada desde a década de 60. Segundo Basmajian,17 o biofeedback é uma “técnica para revelar aos seres humanos alguns de seus eventos fisiológicos internos, normais e anormais, na forma de sinais visuais e auditivos, de modo a ensiná-los a manipular estes eventos, mediante a manipulação dos sinais exibidos”. SAÚDE REV., Piracicaba, v. 16, n. 42, p. 47-56, jan.-abr. 2016 Valmir Marcos Baccaro O registro eletromiográfico pode ajudar na determinação/avaliação de músculos específicos durante um padrão de movimento, ou fornecer subsídios para verificar ativação muscular compensatória.18,19 A utilização do biofeedback eletromiográfico em ambiente aquático começou na década de 90, com o norte-americano Ron Fuller, contudo, são necessários cuidados para a aplicação e o manuseio do aparelho para a captação de sinal sem a interferência do meio líquido.20 As pesquisas com pacientes neurológicos encontram-se em uma fase inicial, sendo escasso o material nesse campo. O uso do biofeedback pode proporcionar dados quantitativos de pré e pós-atendimento auxiliando e direcionando uma maior simetria na contração muscular, gerando uma maior credibilidade durante o processo de reabilitação do indivíduo com AVE.16,19,20 Por fim, o uso do biofeedback eletromiográfico durante a intervenção terapêutica proporciona ao paciente e ao terapeuta a compreensão dos erros de desempenho,21 e com isso o ajuste do padrão de movimento e da postura, podendo otimizar o controle neuromuscular e o aperfeiçoamento da técnica terapêutica empregada.18,22 Objetivo O objetivo do estudo foi avaliar a eficácia do biofeedback eletromiográfico como ferramenta para direcionar a ativação muscular de glúteo médio e eretores da espinha durante o atendimento de pacientes com AVE em piscina terapêutica. Sáude em Revista Materiais e métodos Trata-se de um estudo transversal experimental desenvolvido na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) de São Paulo. Os pacientes foram informados quanto aos objetivos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A amostra foi constituída por dois indivíduos do sexo masculino. O primeiro, com 61 anos de idade, com diagnóstico de AVE isquêmico e diagnóstico topográfico de hemiplegia à direita. O segundo paciente, com 34 anos de idade, com diagnóstico de AVE isquêmico de Tronco Cerebral, Cerebelo e Talâmicas além do Cortéx Occiptal Bilateral, ocasionando uma Dupla Hemiparesia, com predomínio à direita e ataxia à esquerda. Os indivíduos foram submetidos a uma avaliação para verificar a sua capacidade funcional por meio da Medida de Independência Funcional (MIF), que tem como objetivo avaliar quantitativamente a incapacidade dos pacientes, bem como os cuidados necessários para a realização de tarefas motoras e cognitivas de vida diária. Essa escala engloba atividades de autocuidado, transferências, locomoção, controle esfincteriano, comunicação e cognição social, que inclui memória, interação social e resolução de problemas. Cada atividade é pontuada de 1 (dependência total) a 7 (independência completa), e a pontuação total varia de 18 a 126.23,24 Os materiais utilizados foram: • Notebook, Sony VPCSA CORE I5, com programa Windows 7. • Biofeedback por Eletromiografia de superfície: Biograph Infiniti (Thought Technology Ltd.) com dois ca- Uso do Biofeedback na Hidroterapia em pacientes com acidente vascular encefálico 49 Valmir Marcos Baccaro et al. nais Myotrac Infinity, com 14 bits de resolução com dois canais. • Eletrodos pré-geldados, circulares, de Ag/AgCl da marca Kendall 200®. • Bioclusivos marca Smith&Nephew. • Piscina coberta e aquecida com média de temperatura da água de 32ºC, e profundidade entre 120 a 140 cm. • Superfícies de apoio (Prancha de Surf com 180 cm de comprimento, 50 cm de largura e 5 cm de espessura. A mesa de PVC com 74 cm de comprimento, 57 cm de largura e 72 cm de altura). Os pacientes selecionados estavam em acompanhamento clínico e terapêutico na instituição com a devida liberação médica. A coleta dos pacientes não excedeu o tempo de 15 minutos, sendo este o necessário para a proposta do trabalho. O paciente 1, conforme “Figura 1”, foi posicionado em ortostase em nível de imersão em cristas ilíacas ântero-superiores. O eletrodo foi fixado em ponto de glúteo médio direito, pelo padrão SENIAM25 e coberto pelo bioclusivo. Foi solicitado que o indivíduo permanecesse em apoio unipodal sobre o membro inferior direito. Um flutuador (espaguete) foi posicionado sob o pé esquerdo, com o objetivo de oferecer uma maior flutuação do membro e promover maior instabilidade na postura em pé. Nesse posicionamento, foi coletada a ativação muscular do glúteo médio direito do paciente (Coleta “A”). Foi pemitido ao paciente o apoio do seu membro superior esquerdo (MSE) no terapeuta. O terapeuta ofereceu apoio na região lateral do tronco esquerdo do paciente. Conforme “Figura 2”, o paciente não apoia mais no terapeuta. O terapeuta ofere- 50 ceu apoio na lateral do tronco inferior direito do paciente, visando melhorar o alinhamento do tronco e do quadril direito. A coleta “B” foi então realizada no mesmo grupo muscular e comparando-as no momento da intervenção. Figura 1 – Paciente em ortostase com apoio do terapeuta Figura 2 – Paciente em ortostase sem apoio do terapeuta SAÚDE REV., Piracicaba, v. 16, n. 42, p. 47-56, jan.-abr. 2016 Valmir Marcos Baccaro O paciente 2 foi posicionado em ortostase com imersão na altura do processo xifóide. Foram colocados os eletrodos em eretores espinais bilateralmente, conforme padrão já descrito. No primeiro momento (Figura 3), foi realizada a coleta “C”, onde o paciente foi orientado a apoiar os membros superiores sobre uma superfície fixa (mesa de PVC) e foi solicitado que alcançasse uma bola à sua frente com a mão esquerda e a jogasse contra uma parede, com cotovelo esquerdo apoiado. No segundo momento (Figura 4) foi realizada a coleta “D”, onde o indivíduo foi orientado a fazer a mesma atividade, porém com os membros superiores apoiados sobre uma superfície móvel (prancha de surf), que foi estabilizada parcialmente pelo terapeuta. Figura 3 – Paciente em ortostase com imersão em processo xifóide com apoio em mesa fixa em PVC. Figura 4 – Paciente em ortostase com imersão em processo xifóide e apoio dos membros superiores em prancha com movimentação instável. Foi utilizado o programa da Microsoft Excel para a organização e a análise dos dados. Consideramos para a análise os valores máximos e médios coletados. Resultados Diante das coletas realizadas com ambos os pacientes, obtivemos os resultados demonstrados nas Tabelas 1 e 2. O paciente 1 apresentou maior ativação muscular no músculo glúteo médio direito quando o mesmo foi orientado a manter a postura em pé com melhor alinhamento do quadril e do tronco. Tabela 1 – Coleta Eletromiográfica paciente 1 – glúteo médio D Fig. A – Ortostase com apoio unipodal à direita buscando apoio no terapeuta Máxima ativação 38,42 µV Fig. B – Ortostase com apoio unipodal à direita e orientação do terapeuta 55,62 µV Fonte: Elaborada pelos autores – Legenda: µV = microvolts Sáude em Revista Uso do Biofeedback na Hidroterapia em pacientes com acidente vascular encefálico 51 Valmir Marcos Baccaro et al. Fig. A – Paciente com assimetria de tronco com menor ativação muscular do glúteo médio direito. Fig. B – Paciente com simetria de tronco e maior ativação muscular do glúteo médio direito. No paciente 2, foi realizada a coleta utlizando duas superfícies, uma estável (mesa de PVC) e outra instável (prancha de surf) em uma atividade de alcance e arremesso de uma bola contra a parede usando o membro superior esquerdo. Por meio do uso do biofeedback, podemos observar que houve melhor simetria na ativação muscular nos eretores espinais, quando o indivíduo foi orientado a arremessar a bola apoiando-se com o MSE em uma superfície instável, conforme demonstrado na Tabela 2 – Fig. D Tabela 2 – Coleta Eletromiográfica paciente 2 – eretores espinais Fig. C – Alcance com superfície fixa Máxima ativação Fig. D – Alcance com superfície móvel: prancha estabilizada pelo terapeuta Esquerdo Direito Esquerdo Direito 84,93 µV 55,87 µV 83,80 µV 74,73 µV Fonte: Elaborada pelos autores – Legenda: µV = microvolts 52 SAÚDE REV., Piracicaba, v. 16, n. 42, p. 47-56, jan.-abr. 2016 Valmir Marcos Baccaro Fig. C – Paciente em ortostase com imersão em processo xifóide com apoio em mesa de pvc fixa, alcançando uma bola à frente e arremessando-a contra a parede, apresentando pequena atividade muscular bilateral em músculos eretores espinais. Fig. D – Paciente em ortostase com imersão em processo xifóide com apoio em uma prancha de surf instável, alcançando uma bola à frente e a arremessando contra a parede, apresentando grande atividade muscular bilateral em músculos eretores espinais. Discussão Segundo Basmajian, “As informações obtidas através do uso da eletromiografia de superfície são relevantes e podem ser usadas como estratégias efetivas de tratamento de reabilitação” e “pode ser usado para informar o paciente acerca dos movimentos”. De Sáude em Revista acordo com o presente estudo, a visualização do sinal eletromiográfico em tempo real direcionou o terapeuta a escolher a melhor conduta junto ao paciente para uma melhor ativação da musculatura estudada. Citado por Lopes (2004), Colborne (1993) relata que “Biofeedback é uma ferramenta valiosa no treino da marcha de pa- Uso do Biofeedback na Hidroterapia em pacientes com acidente vascular encefálico 53 Valmir Marcos Baccaro et al. cientes hemiplégicos uma vez que o tratamento propiciou melhora no comprimento dos passos, velocidade e simetria da marcha, impulsão e descarga de peso sobre os membros inferiores na posição ortostática”. O presente estudo teve como objetivo avaliar o uso do biofeedback em uma função diferente da marcha – no caso, a manutenção do ortostatismo frente a diferentes atividades. Embora os pacientes avaliados não tivessem objetivo de marcha, assim como Colborne, pudemos observar que a utilização do biofeedback em ambos os pacientes evidenciou ativações musculares satisfatórias nas tarefas escolhidas, auxiliando no direcionamento terapêutico. Com relação às coletas, segundo Rainoldi (2003), há um sinal superestimado quando se compara a ativação muscular no solo com o meio líquido, provavelmente pela diminuição da impedância na direção transversal entre o eletrodo e a pele, devido à aplicação do oclusivo que gera uma pressão mecânica de contato deste sobre a área de coleta. Outra explicação para essa variação é a presença de ruído experimental, desde que não excedam a variabilidade intra sujeito. Nosso estudo não objetivou comparar o sinal eletromiográfico entre solo e durante a imersão, porém destacamos a necessidade de maior aprofundamento nestas questões quando for realizado estudos com tal conduta comparativa. Ainda segundo Rainoldi (2003), é indicada a colocação de oclusivos grandes a fim de evitar entrada de água e garantir boa fixação dos cabos, além de realizar a coleta por curto período em submersão. A experiência na colocação de artefatos e a variabilidade do ambiente, seja ela por presença de cross 54 talk ou por uma grande movimentação da água, devem ser levadas em consideração para a produção de futuros trabalhos. Em nosso estudo, a colocação dos eletrodos e a sua oclusão seguiram parâmetros já descritos na literatura com Mehrholz (2005), não ocorrendo qualquer infiltração de água entre os eletrodos, e o ambiente não estava submetido a turbulências importantes – por consequência, não havendo prejuízo na coleta do sinal. Na coleta “A” (paciente 1), não foi possível evidenciar a ativação muscular do glúteo médio direito devido à assimetria do tronco, e como consequência um desalinhamento articular do quadril direito. Visto que anormalidades do alinhamento corporal são frequentes em indivíduos com hemiparesia, pois, quando estão em ortostase deslocam o centro de massa em relação à base de apoio na direção do lado não acometido, como referido por Shumway e Woollacott (2003). Inclusive, sendo confirmado pela nossa experiência clínica a hipótese de que o alinhamento articular pode alterar a ativação muscular específica. Entretanto, na coleta “B”, quando o paciente 1 foi orientado pelo terapeuta de forma correta, apresentou maior ativação do músculo glúteo médio, devido ao melhor alinhamento do tronco e do fêmur em relação ao quadril. Prentice (2003) relatou que a vantagem do uso do biofeedback é proporcionar instantaneamente informações relevantes e precisas da contração muscular em determinada postura, para que seja possível correções e uma melhor ativação muscular específica. Durante a coleta “C” (paciente 2), foi observado pouco sinal eletromiográfico dos SAÚDE REV., Piracicaba, v. 16, n. 42, p. 47-56, jan.-abr. 2016 Valmir Marcos Baccaro músculos eretores espinais, nesta coleta, o apoio dos MMSS sobre uma mesa, sendo esta uma superfície estável, o paciente transferiu o centro de massa anteriomente, ocasionando um desalinhamento postural. Na coleta “D”, o alinhamento do tronco foi otimizado com apoio dos MMSS na prancha de surf, pela influência do empuxo agindo sobre o objeto imerso, no caso a prancha, além de ter proporcionado uma estabilidade dinâmica, onde proporcionou o alinhamento do tronco, favorecendo a ativação dos músculos eretores espinais. Aliás, Varise (2009) refere que a organização específica dos sistemas posturais é determinada pela estimulação terapêutica dentro de tarefas funcionais e do ambiente no qual ela está sendo executada. No estudo, o nível de imersão dos pacientes foi diferente, por apresentar graus de comprometimentos motores distintos. O paciente 2 necessitava de apoio e supervisão para permanecer na postura ortostática, e foi submetido ao nível de imersão em processo xifóide, com diminuição de 75% do peso corpóreo, diferenciando do paciente 1, que estava imerso no nível da cristailíaca (50% do peso corporal). Ruoti (2000) e Miyoshi (2004) relatam que o alívio do peso corporal na água proporciona avanços na capacidade funcional do indivíduo no ambiente aquático e pode ser utilizado como indicador de evolução para o aumento gradativo da descarga de peso. Devido aos resultados positivos encontrados no presente estudo com relação à possibilidade de uso do biofeedback eletromiográfico, sugerimos que novos estudos sejam publicados com base no tema – inclusive com maior amostragem – para que o uso do biofeedback na Fisioterapia Aquática possa se firmar como um direcionamento eficaz no atendimento de pacientes com desordens neurológicas. Destacamos também a importância da individualidade na análise dos dados eletromiográficos, pois não existe um padrão de normalidade. Conclusão Embora o estudo de caso apresentasse dois pacientes distintos, podemos observar que o biofeedback eletromiográfico mostrou-se uma ferramenta importante e utilizável para o direcionamento terapêutico. Referências 1. 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