V DOMINGO DA QUARESMA Ano A PROPOSTA DE REFLEXÃO A PASSAGEM DA MORTE PARA A VIDA O quinto domingo da quaresma nos convida a voltar os nossos olhos para Deus reconhecendo-o como protagonista da história e o Senhor da Vida... (I leitura e evangelho). Não nos bastam os recursos humanos... Nossa esperança está em Deus; nele o sentido desta vida; nele a restauração da mesma! Por isso, somos chamados à experiência da fé que nos faz superar toda e qualquer forma de escravidão que gera a morte (II leitura) e nos abre as portas da eternidade. 1ª. LEITURA: EZEQUIEL 37,12-14 O ESPÍRITO DE DEUS NOS FAZ REVIVER O profeta Ezequiel viveu no tempo do exílio da Babilônia (VI sec. a.C.). O povo, exilado, distante da pátria natal, da sua cultura e sem liberdade de religiosa, estava profundamente desanimado. A situação era tão dramática que o profeta comparava o povo a “um vale de ossos” (cf. Ez 37,1-28): espiritualmente sem esperança, psicologicamente sem ânimo, socialmente desintegrado, religiosamente sem fé. Como trabalhar com pessoas que vivem dessa forma? Que recursos usar? Qual estratégia adotar? Quem poderá fazê-los reviver? Para Deus é possível! Quando a esperança e toda certeza humana se acaba, só Deus é a solução. De fato, os israelitas andavam dizendo: “Nossos ossos estão secos e nossa esperança se foi. Para nós, tudo acabou” (Ez 37,11). É nesse contexto de desânimo total que age o Espírito de Deus e, através de Ezequiel, reacende a chama da vida e da esperança: “Vou abrir seus túmulos, tirar vocês de seus túmulos, povo meu, e vou levá-los para a terra de Israel” (Ez 37,12). Os “túmulos” a serem abertos simbolizavam os males que oprimiam a vida do povo: o pessimismo, o comodismo, a tristeza, a falta de fé, as certezas falidas consequentes da cega confiança nos recursos humanos e alianças erradas. As convictas expressões “vou abrir seus túmulos... vou levá-los... eu os colocarei na própria terra” (cf. Ez 1214) nos revela que Deus é o único senhor da história e quem tem poder sobre todos os males humanos. Com o Espírito de Deus o ser humano tem vida nova, supera-se, revive, ressuscita! (Ez 37,14). Nossa Vida O desânimo nos aniquila: Jesus havia alertado seus discípulos para esse grande perigo: que não tivessem medo da morte do corpo, mas da morte espiritual (cf. Mt 10,28). Sendo o ser humano essencialmente espírito (psiqué - alma: daí vem a palavra animação, sinônimo de alegria, vitalidade, dinamismo, força, coragem...), quando o mesmo é abalado a pessoa entra numa profunda crise perdendo os sentido do seu existir. O abismo espiritual gera a desestruturação da pessoa. Disso todo o resto depende. Quase sempre o fracasso moral de alguém começa justamente com o enfraquecimento espiritual! O espírito é a dimensão da consciência que tudo filtra, da vontade que decide, da liberdade que discerne, do sonho que alimenta a luta. Quando o desânimo se enraíza no coração de alguém, se for profundo, pode levá-la ao suicídio ou, quando menos, ao vazio existencial, a uma vida sem expressão, sem significado. As sepulturas dos vivos é o desânimo, o egoísmo, o derrotismo, o pessimismo... que reduz a pessoa ao nada comprometendo seu a qualidade de sua vida. Quem vive nessa situação, parasitariamente, sem sonhos, sem inquietude, sem paixão, sem vontade, entra no cemitério precocemente! A sepultura é o lugar dos “mortos”, lugar onde “residem” as vítimas da morte; a sepultura é mais que um ambiente físico: é mentalidade sem perspectiva de esperança, estática, presa à sua auto-manutenção vitalista, é coração sem desejo do bem, é mente sem inquietude, é olho sem visão, é mão sem tato, pele insensível ... A Palavra de Deus nos convida a sair das sepulturas! A força da fé gera ressurreição... A força da fé promove movimento e vida. Ter fé é ter paixão pela vida pessoal e dos outros. SALMO 130 (129): este salmo é uma oração de súplica em que o salmista aparece numa situação de sofrimento, talvez, uma grave doença ou grande falta cometida, pois diz: “das profundezas eu clamo para ti, Javé: Senhor, ouve o meu grito!” (Sl 130,1-2). “As profundezas” é a experiência do sofrimento físico ou moral. Confiando em Deus suplica o perdão... (cf. Sl 130,3-4) pois as doenças na mentalidade hebraica eram vistas como manifestação do pecado. Consolado pela fé deposita em Deus sua esperança de libertação (cf. Sl 130,5-8). 2ª. LEITURA: Romanos 8,8-11 A FÉ SUPERA O INSTINTO QUE GERA MORTE Na visão que a bíblia tem da pessoa humana não encontramos dicotomia, ou seja, divisão, entre “corpo e alma”, como havia na mentalidade grega onde se concebia uma verdadeira oposição entre “alma e corpo”. Para a fé judaica, a pessoa humana é um ser vivente e, é graças à unidade harmoniosa de corpo e espírito, que ela se mantém. O termo "carne" é usado (simbolicamente) para indicar a nossa transitoriedade, a nossa fragilidade, pequenez, insuficiência, fraqueza, mortalidade, finitude... (cf. Gn 3,3; Jr 17,15; Jó 10,4; Mt 26,40s; 2Cor 12,7-10). As tentações da “carne” são os nossos desejos mundanos, a concupiscência; não se trata de puramente da libido (desejo sexual), mas vai muito além: é o nosso desejo de fama, sucesso, prazer, poder, vaidades! Quando mal administradas nos levam ao pecado, ao desequilíbrio moral, à desordem (cf. Tg 1,14) e, consequentemente à perda da nossa harmonia pessoal e comunitária! Nessa maravilhosa realidade humana, vemos a grandeza da encarnação: o próprio Filho de Deus assumiu esta “carne frágil e mortal” (Jo 1,14; 1Tm 3,16), contudo, não cometeu pecado (cf. Hb 4,15). Ou seja, Jesus foi perfeito, vivenciou a harmonia, manteve o equilíbrio entre os desejos da carne (Jesus tinha um corpo, uma alma, uma personalidade própria...) e a Vontade do Pai. Como diz Lucas: ele vivia sob a força do Espírito (cf. Lc 4,140) – trata-se da harmonia entre vontade humana e vontade divina. Nessa breve e densa leitura, Paulo nos coloca com clareza uma lição: o cristão, aquele que foi batizado, assumiu o compromisso de ter como referência para seu comportamento não as tendências ou ditames da “carne”, mas do Espírito manifestos em Jesus Cristo. Não “viver segundo a carne”, quer dizer não assumir como medida, ou critério de escolhas, seus instintos naturais (impulsos egoístas): tudo deve estar submisso ao critério da Caridade (cf. Rm 14,20) para com o próximo e liberdade responsável para consigo mesmo evitando a escravidão (cf. Gl 5,13). Nossa Vida É forte na atualidade os estímulos incessantes da “cultura carne”: o hedonismo (ideologia que coloca o prazer como princípio supremo da felicidade) gera graves consequências na vida das pessoas submetendo-as ao critério da libido, da pulsão sexual, do prazer a todo custo, da ditadura da aparência, do desejo de sucesso, da vaidade, dos instintos... o consumismo impõe à pessoa a falsa idéia de que ela vale quanto consome... quanto mais compra e consome mais se impõe perante os outros! Essa mentalidade concorre para que o outro seja concebido como mero instrumento de consumo. Nesse contexto o outro desaparece como sujeito que interage e que tem valor em si mesmo, mas vale enquanto alimenta sensações, enquanto serve para algo (utlilitarismo)... Uma vida sob o domínio da carne – dos seus recursos limitados – leva a pessoa, como diz Paulo, a não pertencer a Cristo (cf. Rm 8,9) pelo fato de não deixar espaço para a experiência da Caridade, que tem como consequência, a prática da virtude, do esforço, do sacrifício, do autodomínio, da generosidade, da misericórdia, da renúncia, da paciência... Quem vive segundo a carne, está voltado para a compensação imediata, egocêntrica. Quando animados pela, a dinâmica relação entre “corpo e espírito”, se converte para nós numa contínua busca de promoção do nosso próprio equilíbrio (harmonia). Essa é a nossa permanente luta. A fé potencia nossa vontade, favorecendo o autodomínio e a autoeducação... No mundo hoje, marcado por tantos vícios, animados pela espiritualidade cristã, somos convidados a ser profetas do equilíbrio promovendo a educação daqueles que vivem em dramáticas situações existenciais. 3ª. EVANGELHO: Jo 11, 1-45 NA AMIZADE COM JESUS A VIDA SUPERA A MORTE Estamos diante de uma narração unicamente presente no evangelho João. O evangelista continua sua exposição sobre os “sinais” (milagres) de Jesus que o revelam como o Filho de Deus. Este é o sétimo milagre que o revela como o Senhor da Vida, vencedor da morte e, portanto, única Esperança para o ser humano. Essa série de sete milagres colocados por João tem por finalidade despertar a fé: “para que o povo creia que tu me enviaste” (Jo 11,42). Para João a fé é consequente do encontro com Jesus que gera transformação. O centro do ensinamento deste capítulo é a declaração da identidade de Jesus: “eu sou a Ressurreição e a Vida” – Jesus se declara garante da Vida Eterna, personificação da imortalidade! A lista dos “sinais” culmina com a ressurreição de Lázaro para demonstrar, com maior evidência, que Jesus é o Senhor da Vida - “quem crê em mim, mesmo que esteja morto viverá e todo aquele que vive e crê em mim não morrerá jamais” (Jo 11,25). Ele é a Vida Eterna e tudo está submisso a Ele, portanto, tem poder sobre a morte. A fé, por conseguinte, como envolvimento com a pessoa e a mentalidade de Jesus, tem com resultado a garantia da Vida Eterna. “Viver e Crer”, são verbos complementares: o viver de uma determinada forma é consequência do “crer”; por sua vez, do “crer” decorre um agir qualificado. Viver e crer em Jesus implica sintonia com o seu projeto de Vida, e dinâmica da Vida do seu Reino. Quem é Lázaro? Lázaro representa todos os crentes que, apesar da relativa amizade com Jesus, fazem experiência da morte física. Lázaro é também símbolo do ser humano, que abalado pela doença – fragilidades - acaba no túmulo, deixando para trás o vazio, o choro, o lamento, a dor, a lembrança. Todavia, essa dinâmica muda-se com a intervenção de Jesus. A amizade com Jesus gera outro Lázaro: aquele que vence a morte, aquele que sai do túmulo, aquele que é libertado. É símbolo do batizado! O “Lázaro que morre” representa o ser humano na sua natural dinâmica de vida composta de saúde, doença e morte... pessoa sem fé! O “Lázaro que ressuscita” representa o homem amparado pela fé, o batizado, enxertado em cristo, promovendo-lhe Vida Nova (cf. Rm 11,24-25), que vai além da morte e por isso não tem sua trajetória existencial concluída no sepulcro. A amizade de Lázaro com Jesus lhe assegurou a continuação da vida: “Lázaro, vem para fora”! Da mesma forma quem é “amigo” de Jesus, apesar da morte física continuará vivendo! Como os ossos na I leitura representavam o fracasso humano, no evangelho temos os “quatro dias passados” e o “mau cheiro”. São imagens que querem nos dizer que a esperança humana acabou e que só Deus, senhor da Vida pode reverter essa realidade. Nossa Vida Essa narração nos oferece muitas mensagens. A primeira que se apresenta é o fato da amizade entre Jesus e Lázaro. Lázaro não aparece isolado, mas inserido em uma comunidade, sua família (Marta e Maria). Esses dois aspectos não são acidentais. A fé é amizade com Jesus e a vivenciamos inseridos em uma comunidade concreta na qual fazemos a experiência da Caridade: perdão, solidariedade, diálogo, etc. A relação com Jesus não faz tanta diferença na essência de sua vida terrena (ele adoece, sofre e morre), mas depois da morte tudo é diferente! A morte desaparece! Jesus salva seus amigos! Os cristãos não são super-homens! Uma segunda mensagem significativa que aparece é a responsabilidade da comunidade de fé (os batizados) em prol da libertação daqueles que estão envolvidos em sinais de morte. Ao obedecer à voz de Deus, Lázaro ressuscita, sai do túmulo, mas com mãos e pés atados e o rosto coberto (cf. Jo 11,44). Não basta a ação divina (a essência da vida) é necessário que os homens façam a sua parte. A libertação é um processo! “Mãos e pés atados” simbolizam a falta de dinamismo, de ação transformadora... “mãos e pés atados” representam a paralisia, a falta de expressão, de comunicação, falta de identidade (“rosto coberto”). O “rosto coberto” é a falta de reconhecimento do outro como irmão(ã); é símbolo de ausência de acolhida, de fraternidade, de justiça, da falta de perdão que favorece o anonimato do outro. Esse é desafio para o batizado, que saiu do túmulo do paganismo, da falta do Salvador. Em fim, com esta narração o evangelista João quer nos ensinar que sem a fé o homem está perdido, sem esperança, acabando seus recursos próprios (tecnologia e ciência) vai ao túmulo onde tudo termina. Mas somos chamados à fé, como amizade com Jesus o Senhor da vida que nos fará participar da perspectiva de Vida Eterna. Com a Ressurreição de Lázaro Jesus nos convida a sermos biófilos, ou seja, amantes, promotores e defensores da vida. Vivemos numa cultura fortemente marcada por sinais de morte: corrupção, assaltos, furtos, homicídios, descaso para com a saúde pública, aborto, eutanásia, suicídio, agressão ao meio ambiente... A fé nos estimula a sermos promotores da cultura da vida que implica, necessariamente, a denúncia dos sinais de morte. Dessa forma nos tornamos promotores da cultura da vida. MENSAGENS E COMPROMISSOS 1. Animados pelo Espírito de Deus superamos os sinais de morte. 2. A fé implica educação da vontade pessoal, autodomínio, auto-educação... A fé nos ajuda a superar o instinto que gera morte! 3. A fé é experiência da Amizade com Jesus; dessa relação nasce a Esperança. Sem a Esperança, o ser humano está falido e tudo termina no túmulo. Jesus nos convida a sermos promotores da cultura da Vida. Antônio de Assis Ribeiro (Pe.Bira)