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 [Bienal do Mercosul - Porto Alegre]
2006
De Residuu às Nympheas
Paulo Sergio Duarte
Residuu foi um trabalho in situ de grandes dimensões, constituído de diversos ambientes
articulados entre si que ocupou todo o subsolo do Paço dos Açorianos durante a 5ª Bienal do
Mercusul (Porto Alegre, 30 de setembro a 4 de dezembro de 2005). Essa totalidade era
constituída de partes relativamente autônomas que agora, inteiramente emancipadas, se mostram
em alguns de seus elementos como esculturas magistrais na mostra Nymphéas na Galeria Artur
Fidalgo. Aqui segue o pequeno texto que escrevi sobre Residuu para o catálogo da 5ª Bienal do
Mercosul.
Já narrei, num trecho de uma resenha de um livro de Argan, a minha descoberta de uma cidade,
na madrugada, pelo ruído das águas de suas fontes. É claro, tratava-se de Roma. Jovem, depois
da maioria dos romanos irem para a cama, era ótimo percorrer a cidade a pé se guiando pelo
ruído das águas de suas fontes, da mais singela bica até a mais suntuosa fonte barroca. Roma se
revelava, sem o burburinho das multidões e o barulho do trânsito. Esse passeio se estendia no
tempo, atravessando as pontes, até o Trastevere, entrava na baixa Idade Média. De noite, eu
sabia que o mosaico do banho de Maria recém-nascida – O Nascimento da Virgem de Cavallini –
estava lá dentro da igreja de Santa Maria, mas a cidade com sua arquitetura e seus sons noturnos
me interessavam mais. O naturalismo da mulher que experimenta a temperatura da água antes do
banho da futura Mãe de Deus, não me atraia tanto como hoje. A delicada aventura do caminhar
nas ruas continuava nos tons ocres, tijolos e verdes da cidade iluminada cuidadosamente por
lâmpadas ainda incandescentes e seus tons quentes; era tudo que eu queria, a cidade era
mostrada para mim guiada pelo cair de suas águas. Tive a sorte de repetir diversas vezes essa
experiência. Era uma cidade de formas e sons.
Hoje, no porão do Paço dos Açorianos, sede da Prefeitura de Porto Alegre, ao lado do Mercado
Municipal, experimento de outra forma as mesmas sensações: a descoberta de espaços que me
são relevados pela arquitetura e pelo som, por ruídos e por espaços. Residuu de Paulo Vivacqua
é quem me propicia essa experiência; a diferença começa pelo som, não são ruídos: aqui são
múltiplas músicas e minha cidade é um porão. Mas tudo parece na medida certa como uma
perfeita adequação, tal qual minha Roma de madrugada. Vou me abaixando para atravessar os
arcos baixos do porão e descubro outros sons espalhados pelos diversos espaços. Mas não basta
isso. As unidades técnicas, subwoofers, alto-falantes e tweeters estão funcionalmente distribuídos
com interesse plástico. São várias esculturas sonoras que se distribuem nos diversos espaços do
porão. Não conto os elementos isolados, como os alto-falantes cobertos com vidros que
sutilmente espelham as discretas lâmpadas funcionais. Penso mais naquelas fortes esculturas dos
vidros superpostos e seus tweeters organizados para nos dar prazer acústico e visual, como
aquelas sobre chapas metálicas, cada uma pensada plástica e acusticamente, além do ambiente
escuro das Palavras Cruzadas no qual uma cartilha do futuro se faz presente para nos ensinar as
primeiras palavras. Quero essa memória e o prazer do presente que Residuu nos propicia na
cidade possível: um porão. 
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