Mestres quase nobres

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História da Educação no Brasil
Mestres quase nobres
História da Educação no Brasil
Ana Ligia Scachetti
O ensino se torna estatal e os professores são muito cobrados, mas pouco
recompensados
O marquês de Pombal criou as aulas régias, mas demorou até organizar a seleção
de professores
O método mútuo, inspirado no sistema fabril inglês, não deu certo no Brasil
Os jesuítas lideraram as primeiras experiências de ensino no
Brasil entre os séculos 16 e 18, mas foram expulsos de Portugal
e da colônia em 1759. Responsável por essa determinação,
Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), o marquês de
Pombal, iniciou uma reforma da Educação com o objetivo de
modernizar o reino de dom José I (1714-1777). Para substituir os
padres, ele criou as aulas régias, mas os efeitos concretos só
foram sentidos alguns anos depois.
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Em 1760, foi realizado o primeiro concurso para professores públicos (ou régios),
em Recife (leia a linha do tempo na página seguinte), mas as nomeações
demoraram e o início oficial das aulas só ocorreu em 1774, no Rio de Janeiro.
Diante disso, quem tinha condições recorria a professores particulares.
Depois que o ensino engrenou, a etapa inicial, chamada de "estudos menores",
era formada pelas aulas de ler, escrever, contar e humanidades (gramática latina,
grego etc.). Era a primeira vez que a Educação era responsabilidade estatal e
objetivava ser laica, mas o catolicismo ainda continuava muito presente. Para se
tornar professor, não havia uma formação específica. Por isso, eram selecionados
os que tinham alguma instrução, muitas vezes padres.
Tereza Fachada Levy Cardoso, doutora em História e docente do Centro de
Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet), no Rio de Janeiro, conta
que os professores ganhavam um título de nobreza, que dava direito a alguns
benefícios, como a isenção de certos impostos. Mas a atividade era penosa e nem
sempre compensadora. As aulas régias aconteciam na casa dos educadores,
previamente liberadas pelos inspetores. Eram frequentes as solicitações por
melhores salários, especialmente porque havia muita diferença entre o que era
pago dependendo do nível em que o educador atuava.
As orientações de Pombal valeram até a morte de dom José I, em 1777. Quando
dona Maria I (1734-1816) assumiu o trono, demitiu o marquês. Apesar da
mudança política, no início não houve uma ruptura no sistema de ensino. As
aulas deixaram de ser denominadas régias e passaram a ser chamadas de
públicas, mas só o nome mudou.
Dona Maria I reinou até 1792, quando seu filho dom João VI (1767-1826) assumiu
o poder. A vinda da família real para o Brasil, em 1808, impulsionou o
desenvolvimento cultural. Logo surgiram a Imprensa Régia e alguns jornais
impressos, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e o Museu Real. Enquanto isso, as
ideias que levariam à independência já se alastravam pelo país e ela se tornou
real em 1822.
"A civilização é obra da escola e a escola é obra do professor. Se quereis elevar a
escola e a civilização, começai por elevar o professor à altura da sua missão e lhe dar
nas vantagens do seu ofício a coragem, o gosto, a energia e a força que ele
demanda."
Antônio de Almeida Oliveira
Diverso, mas semelhante
A Constituição de 1824 estabeleceu que a Educação deveria ser gratuita para
todos os cidadãos. Para cumprir essa determinação, deputados e senadores
aprovaram uma lei em 15 de outubro de 1827 que marcou o Dia do Professor e
indicou que fossem criadas escolas de primeiras letras em todas as cidades e
vilas. Na prática, o ensino permaneceu sem mudanças estruturais até 1834. Nessa
data, um ato adicional alterou a Constituição e deu poder para cada província,
entre outros aspectos, definir as regras educacionais em seu território. "Elas
começaram a criar escolas, mas as diretrizes educacionais eram muito
semelhantes", afirma André Paulo Castanha, professor de História da Educação
da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e pesquisador do
período. "Os presidentes das províncias eram nomeados pelo imperador. Vários
circularam por mais de uma região. Então, as medidas eram adotadas em um
lugar e, depois, levadas para outros."
Como parte do esforço de criar mais escolas, o Colégio Pedro II foi fundado em
1837, no Rio de Janeiro, para ser um modelo para o ensino secundário. E para
quem iniciava os estudos havia as escolas de primeiras letras. Nelas, as aulas
abordavam temas como a leitura, a escrita e as operações matemáticas e
adotavam o método mútuo ou lancasteriano, criado na Inglaterra e muito usado
por aqui na primeira metade do século 19. Diana Vidal, professora da
Universidade de São Paulo (USP), lembra que ele foi inspirado no sistema fabril.
Cada docente tinha vários monitores - estudantes mais experientes que instruíam
os demais. "Uma única instituição poderia alfabetizar mil alunos ao mesmo
tempo." Castanha enfatiza que esse método foi aplicado aqui porque era o que
havia de mais moderno na Europa, mas não deu certo porque muitas famílias
não viam a necessidade de colocar os filhos na escola. "A Inglaterra tinha uma
população escolar considerável, mas no Brasil as turmas eram pequenas, e isso
descaracterizava o método."
Linha do tempo
1760 É realizado o primeiro concurso para professores públicos.
1808 A vinda da família real para o Brasil incentiva a cultura no país.
1822 Dom Pedro I (1798-1834) assume o trono após a independência.
1834 As províncias passam a definir as regras educacionais.
1889 A República é decretada e surge um novo modelo de escola.
Fonte História da Educação
Exemplo de moral e bons costumes
Quem desejava ser professor no período imperial tinha de atender a muitas
exigências. Os conteúdos cobrados nos concursos públicos eram tantos que em
alguns momentos foi difícil encontrar quem passasse nas provas. Diante disso, o
Estado foi obrigado a aceitar docentes sem habilitação, que recebiam um salário
menor.
Apesar do rigor na seleção, as primeiras escolas normais voltadas à formação dos
docentes surgiram a partir de 1835 (leia a questão de concurso abaixo). E apenas
em 1860 as leis começaram a prever vantagens para quem passava por essas
instituições. Mesmo assim, a formação em si não era o principal requisito. "O
foco estava no caráter do professor. Ele tinha de ser um exemplo dos valores
morais e religiosos e de respeito à ordem", avalia Castanha.
Após passar pelo rigoroso processo de contratação, o educador poderia
conquistar o direito vitalício ao cargo. Mas a remuneração era baixíssima e
continuava sendo fonte de reclamação. No artigo Os Professores e Seu Papel na
Sociedade Imperial, Castanha e Marisa Bittar, professora da Universidade Federal
de São Carlos (Ufscar), resgatam uma análise de Antônio de Almeida Oliveira
(1843-1887), que foi deputado federal e presidente da província de Santa
Catarina, sobre a importância da valorização desse profissional (leia um trecho do
documento na primeira página).
Na segunda metade do século 19, várias reformas tentaram dar um rumo mais
profícuo para a Educação. Outros métodos foram utilizados, como o simultâneo,
em que o professor se dirige a grupos de alunos reunidos pelo tema a ser
estudado, e o intuitivo, que propunha o uso dos cinco sentidos para o
aprendizado. A reforma instituída na corte em 1854 estabeleceu que aos 5 anos
as crianças poderiam ingressar na escola, mas isso não era seguido. Como
resultado, adolescentes de até 15 anos chegavam para as primeiras aulas e o
docente tinha de lidar com isso. "Era comum que quando a criança aprendesse a
ler e escrever os pais a tirassem da escola, porque, naquele contexto de um país
ainda excessivamente agrário e escravocrata, a Educação não era uma
necessidade de fato", completa o pesquisador.
Mesmo com tantas iniciativas e várias mudanças, o desejo de ampliar o nível de
instrução da população não foi bem-sucedido durante o Império. Maria Lúcia de
Arruda Aranha apresenta no livro História da Educação (256 págs., Ed. Moderna,
tel. 0800-7707-653, 65,90 reais) alguns indicadores desse fracasso: em 1867, só
cerca de 10% da população em idade escolar estava matriculada e, em 1890, no
início da República, a taxa de analfabetismo chegava a 67,2%.
À época, o político e escritor Rui Barbosa (1849-1923) se debruçou sobre esses e
outros números e produziu pareceres em que concluía que "somos um povo de
analfabetos, e que a massa deles, se decresce, é numa proporção
desesperadoramente lenta", como Najla Mehanna Mormul e Maria Cristina
Gomes Machado apresentam no artigo Rui Barbosa e a Educação Brasileira - Os
Pareceres de 1882. A avaliação negativa ocorreu no momento em que o país
passava por grandes transformações, como a abolição da escravatura. O
processo para a proclamação da República ganhava força e com ele chegaria a
discussão de um modelo de escola mais parecido com o que existe atualmente,
tema do próximo capítulo.
Questão de concurso
Prefeitura Municipal de São Mateus do Sul, PR, 2012.
Prova para professor
A respeito da história da organização da Educação brasileira é correto afirmar
que:
(A) As primeiras escolas de ler e escrever brasileiras foram criadas pelos
missionários protestantes que chegaram ao Brasil;
(B) O ensino jesuítico visou um ensino baseado em aulas régias;
(C) No período imperial, são criadas as primeiras escolas normais para a
formação de professores;
(D) No período da ditadura militar, a política da Educação brasileira primava por
um ensino libertador e crítico;
(E) A LDB 9394/96 é a quinta LDB promulgada no Brasil.
Resposta correta: C
Comentário A primeira escola normal foi criada no Rio de Janeiro em 1835. Nela, um
único professor atendia apenas alunos homens. Na década de 1870, havia
instituições masculinas e femininas e nos anos seguintes elas se tornaram mistas.
Consultoria André Paulo Castanha
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Publicado em NOVA ESCOLA Edição 264, 01 de Agosto de 2013
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