Nádia Regina do Nascimento, Cristiane Michelon, Guilherme

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VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero-Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
Dinâmicas da matéria orgânica e do lençol freático suspenso: evolução
geomorfológica de uma paisagem podzolizada – Espinhaço Meridional –
MG. Brasil*
Nádia Regina do Nascimento (1); Cristiane Michelon (1); Guilherme Taitson Bueno
(2); Rosely Pacheco Dias (3); Aline de Aquino (1); Daniela Beato (3); Alisson Duarte
Diniz (1)
(1)Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Av. 24 A, no.1515,Rio Claro,
SP, Brasil, (2) Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, (3) Universidade de São
Paulo, SP, Brasil.*Financiamento: FAPESP
[email protected]; [email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
Introdução
A acumulação das matérias orgânicas, em áreas naturais, depende da textura,
vegetação e clima. A textura argilosa, por suas características, é importante, pois,
protege a matéria orgânica do acesso dos micro-organismos decompositores,
enquanto o clima, afeta as quantidades de carbono orgânico dos solos pela sua
interferência na decomposição e no turnover de C. O clima está diretamente ligado
com a topografia e os solos, que em conjunto, definem o comportamento hídrico dos
solos. Em ambiente melhor drenado as matérias orgânicas são rapidamente
decompostas e mineralizadas, enquanto nos ambientes hidromórficos a sua
acumulação leva a altos estoques de matéria orgânica e conseqüentemente de C.
A dinâmica da matéria orgânica dos solos é fator importante na diferenciação dos
horizontes. O processo de podzolização é um dos mais característicos em relação à
essa dinâmica. Pela sua morfologia singular e forte contraste na diferenciação vertical
de seus horizontes diagnósticos os podzóis são rapidamente reconhecidos. Os
mecanismos, freqüentemente invocados, quando da podzolização (e.g. Gustafsson et
al, 1999; Lundström et al, 2000, van Hees & Lundström, 2000) são: 1) a produção de
compostos orgânicos ácidos e a alteração dos minerais; 2) a formação, a transferência
e a acumulação de complexos organo-metálicos (principalmente Fe e Al) e, 3) na maior
parte dos casos, a precipitação de fases inorgânicas fracamente cristalizadas
(ferrohidrita e produtos alofânicos). Para que o processo de podzolização possa ser
considerado os solos devem apresentar horizontes espódicos abaixo dos eluviais
organo-minerais (A, AE), ou minerais (E), e mostrar evidências de acumulação de
1
Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais
matéria orgânica e de metais (Lundström et al., 2000). Buurman & Jongmans (2005) e
Bardy et al. (2008) mostram que evidências macro e micro-morfológicas podem ser
indicadoras da transferência e deposição de matérias orgânicas. Nos horizontes
eluviais os resíduos orgânicos estão nitidamente dissociados dos quartzos brancos,
formando horizontes do tipo Mor, cujo aspecto resultante é como «pimenta e sal».
Entretanto, nos horizontes espódicos, as substâncias orgânicas, sempre assimiladas
aos humos de fraco ou alto peso molecular (ácidos fúlvicos, ácidos húmicos e humina),
recobrem os grãos de quartzo. Os horizontes iluviais são ricos em humus e metais
(Duchaufur, 1982; Petersen, 1984). Nos podzóis pouco evoluídos os horizontes organominerais (A, AE) estão diretamente assentados sobre os espódicos; são cripto-podzois
(Duchaufour, 1972) ou podzóis húmicos (Thompson, 1992). Nos podzóis com lençol, a
diferenciação de cor entre os horizontes é pequena. As condições redutoras,
provocadas por um lençol de baixa profundidade, permitem uma grande mobilidade
do Fe, seja na forma dissolvida, seja em associação com os compostos orgânicos,
quando dos escoamentos hídricos laterais (Nascimento et al., 2004, 2008). Em função
disto, as águas superficiais e dos lençóis que drenam as áreas podzolizadas são negras
e atribuídas à presença de ácidos fúlvicos e colóides orgânicos em suspensão (FAO,
1998; Allard et al., 2004).
Neste trabalho combinaram-se investigações sobre a matéria orgânica, a
morfologia, a mineralogia, dos solos e sedimentos recentes, com dados hidro-químicos
para entender a diferenciação vertical e lateral dos solos dentro do contexto de uma
evolução geomorfológica multi-temporal.
Sítio de Estudo
A Serra do Espinhaço Meridional faz parte de uma faixa orogênica pré-cambriana
que se estende por cerca de 1200 Km na direção N-S, desde Minas Gerais à Bahia,
compõe-se de rochas do paleo/-mesoproterozóico, e constitui um importante
elemento de referência para o entendimento da evolução geológica e geomorfológica
do sudeste e centro-leste do Brasil (Almeida-Abreu P. A. & Renger, F. E., 2002). Na área
de estudo paisagens elevadas (até 1800 m de altitude), compostas por um conjunto de
serras e superfícies aplainadas são balizadas por rochas do mesoproterozóico,
metamorfizadas em baixo grau, predominantemente, quartzitos. O relevo tem
superfícies escalonadas, sub-horizontais e conformam glacis com vertentes longas de
baixa declividade, interrompidas por vales fluviais encaixados e por cristas quartzíticas
que podem apresentar aspecto ruiniforme, e colinas. Aí distribuem solos rasos e
profundos lateritizados, arenosos, podzolizados ou não.
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Nessa área um sítio, localizado na bacia do alto Rio Preto (7984 a 7996 KmN e 668 a
680 KmE), foi escolhido para o estudo. Devido às altitudes elevadas, as temperaturas
são moderadas. As médias anuais variam entre 14,8 e 23,7°C, respectivamente, no
inverno e no verão, e a precipitação pluviométrica média anual é de cerca de 1200
mm/ano (INMET, 2002). A bacia do alto Rio Preto faz parte de uma morfo-estrutura
dobrada, metasedimentar, do mesoproterozóico, é constituída basicamente pela
Formação Sopa- Brumadinho (Supergrupo Espinhaço) constituída por metarenitos,
metaconglomerados polimíticos, metapelitos e localmente metabrechas quartzíticas
de matriz pelítica, filitos hematíticos e xistos verdes, formados a partir da deposição de
sedimentos continentais (Almeida-Abreu P. A. & Renger, F. E., 2002). Na alta bacia tal
morfo-estrutura é formada por relevos residuais como inselbergues ou maciços
rochosos, seguidos por amplos glacis levemente dissecados que se conformam em
espigões entre as drenagens. Tais espigões perdem suas continuidades à medida que a
dissecação aumenta na direção da jusante, dando lugar a relevos de colinas. Os
inselbergues e maciços têm dois níveis altimétricos nítidos, um entre 1450 a
aproximadamente 1700 m que pode ser traçado pela presença de remanescentes de
uma couraça ferruginosa laterítica e outro acima de 1800 m. Os espigões apresentam
altitudes entre 1300 a 1400 m e são capeados por solo residual, litodependentes das
rochas aflorantes, entremeados por zonas deprimidas embrejadas contendo
organossolos. As colinas, abaixo de 1300 m, são capeadas por materiais diversos desde
solos desenvolvidos sobre materiais transportados a solos desenvolvidos sobre a rocha
local. Uma topossequência de solos em uma colina “tipo” foi estudada em detalhe e
constitui o modelo para o desenvolvimento das interpretações apresentadas neste
artigo.
Materiais e Métodos
O estudo, realizado em topossequência, teve como base a Análise Estrutural dos
Solos (Boulet et al. 1984). Acoplaram-se aos estudos morfológicos os dados da
mineralogia dos solos e sedimentos e os de caracterização das matérias orgânicas. Tais
dados foram obtidos por espectroscopia de infra-vermelho, com transformada de
Fourrier (IRFT), usando de um aparelho Varian, 640-IR, FT-IR - spectrometer. O
conteúdo de matéria orgânica foi determinado pelo método de Walkley-Black,
segundo o procedimento usado no Laboratório de solos da Universidade Federal de
Viçosa. O pH foi medido em KCl e em água.
3
Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais
Água de tensão zero está sendo coletada, uma vez por mês no período de dois anos,
usando de dispositivo (recipientes coletores de água) introduzido nos horizontes dos
solos em uma topossequência paralela e localizada a 2 metros da estudada em
detalhe. Estão sendo analisadas por ICP–AES, para dosagem dos elementos Al, Fe e Si.
Distribuição dos Solos na Vertente: complexidade dos materiais de origem;
podzolização dos organossolos e dos solos lateritizados
A figura 1 representa a topossequência de solos estudada em uma vertente
convexizada, na montante, e levemente côncava, na jusante. A legenda da figura trás
os dados da descrição morfológica de campo.
Na montante da vertente, compartimento I, a sequência de horizontes, pelas suas
características de campo, indica tratar-se de solos com características lateríticas,
embora, o desenvolvimento dos perfis, à primeira vista, não seja revelador deste tipo
de pedogênese. Tal compartimento revela uma complexidade quanto aos materiais de
origem dos solos. Na base, dois tipos de rocha estão presentes: filito e metarenito.
Tanto o filito como o metarenito têm material de alteração avermelhado indicando um
ambiente oxidante. Os cascalhos que aparecem dentro desse nível de alteração fazem
parte de um veio de quartzo, preservado em Tr1, mas, cujas faces dos blocos estão
fortemente ferruginisadas. De montante para a direção da jusante do compartimento
os cascalhos desse nível tornam-se cada vez mais finos, seja pela fragmentação do veio
ou pela realimentação em fragmentos menores, quartzosos, de pequenos veios
presentes no metarenito, até desaparecerem após Tr4. Trata-se, portanto, de uma
relíquia de uma alteração ferruginisante importante, pelo menos, na montante do
compartimento. Um segundo nível de cascalhos tem composição e tamanhos
heterogêneos: quartzos ferruginisados, fragmentos de couraça ferruginosa, quartzos
não ferruginisados, quartzito, revelando o caráter alóctone do material. Essa
cascalheira assenta-se sobre o plano de alteração das duas litologias o que indica
eventos de erosão, anterior, que cortou dois padrões litológicos e estruturais
diferentes. Tal cascalheira aflora na superfície, entre T3 e T5, e desaparece antes de
Tr4. Sobre a cascalheira um material de textura mais fina remete ao final da fase
erosiva e de deposição. Todos esses materiais, tanto as rochas como os depósitos,
constituem, então os materiais de origem para os solos do compartimento I. Em Tr3
horizontes eluviais (Ae) na superfície dos solos, e um Bhs em T11, anunciam o próximo
compartimento.
O compartimento II inicia-se na Tr4 e segue até a Tr9. Trata-se de uma transição.
Tem características de I e de III. A distribuição dos horizontes é peculiar. A descrição
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morfológica de campo, apresentada na figura 1, dá conta de uma sequência com
características lateríticas, intercalados por horizontes com características espódicas, e
ausência de eluviação entre os espódicos da base do compartimento. Na base a
alteração do metarenito fornece um material variegado esbranquiçado e amarelado
claro indicando hidromorfia; de fato, foi constatada a presença de lençol freático.
Nesse nível, em Tr4, a matéria orgânica ocupa o espaço entre as bandas do material
alterado. Na direção da jusante do compartimento, tal matéria orgânica impregna o
material alterado adjacente constituindo uma sequência de horizontes CBh. Na direção
do topo dos perfis, os fortemente impregnados pela matéria orgânica, são sucedidos
por horizontes de alteração ou por B de características lateríticas, que, por sua vez, são
sucedidos por Bh, B, Bhs e horizontes eluviais no topo dos solos. A distribuição da
matéria orgânica é discordante das estruturas do solo com características lateríticas e
os superimpõe. Na Tr6 o B assenta-se diretamente sobre o Bh2, o que traduz uma
gênese um pouco mais complexa do Bh2 em relação ao Bhs localizado abaixo dos
horizontes Ae da superfície. Não há horizonte “E”, indicação de processos eluviais
intensos nos solos, acima de Bh2, como também, sobre os C/Bh. A sequência vertical
de horizontes, marcada pela ausência de tal horizonte, permite afirmar que os solos
são cripto-podzóis, no sentido de Duchaufour (1972), ou podzóis húmicos no sentido
de Thompson (1992). Essa podzolização que se superimpõe aos solos com
características lateríticas é, portanto, uma etapa inicial na formação e evolução dos
solos podzóis. As matérias orgânicas que impregnam os horizontes têm aspectos
diferenciados. Na parte superior dos perfis a matéria orgânica é do tipo mor e o
horizonte tem aspecto pimenta e sal. Em C/Bh e Bh ela recobre os grãos de quartzo o
que dá um aspecto maciço aos horizontes; tal característica morfológica é indicadora
da eluviação e iluviação dos compostos orgâno-metálicos, humos de fraco ou alto peso
molecular que recobrem os grãos de quartzo nos horizontes, tal como revelaram
Buurman & Jongmans (2005) e Bardy et al. (2008). Entretanto, a ausência do horizonte
eluvial introduz a questão sobre a origem dos horizontes impregnados de matéria
orgânica (Bh2 e C/Bh) da base desse compartimento. A hipótese é que essa matéria
orgânica tem sua origem por mobilização lateral.
O compartimento III representa um conjunto de Horizontes fortemente
impregnados por matéria orgânica, intercalados por níveis eluviais, descontínuos.
Diferentemente dos compartimentos anteriores os perfis de solo desse
compartimento têm uma profundidade 268+cm, sublinhada por tronco de árvore (Tr8).
Acima do tronco observa-se um horizonte C com estrutura bandada plano-paralela
5
Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais
formado por uma série de bandas de material arenoso quartzoso lavado, e orgânomineral. O tronco e tal morfologia bandada não deixam dúvidas quanto à aloctonia do
material de origem dos solos do compartimento. Entretanto, está em discordância
sobre esse sedimento, e o impregna, material orgânico de cor preta (Bh3), com limite
interdigitado com o depósito. O Bh3 tem distribuição de matéria orgânica recobrindo
os grãos de quartzo, indicação de iluviação, o que dá ao horizonte aspecto maciço. A
partir do horizonte IIIC/E, em direção do topo do perfil, sucede-se de maneira
alternada, com horizontes álbicos descontínuos, dois horizontes espódicos (Bh1,
Bh/Bhs). A distribuição da matéria orgânica nos horizontes álbicos tem aspecto
“pimenta e sal”, enquanto no Bh1 e Bh/Bhs o aspecto é contínuo, a matéria orgânica
forma película nos grãos de areia, mas tem grânulos de matéria orgânica como nos
horizontes álbicos. O primeiro aspecto (pimenta e sal) reflete o caráter eluvial. O
segundo (maciço com grânulos de matéria orgânica), reflete, por um lado, o caráter de
dissolução e mobilidade (película nos grãos) e, de outra maneira, uma acumulação da
matéria orgânica, seja aquela agregada ao sedimento de origem, ou, posteriormente,
quando da pedogênese que deu origem aos solos. A água do lençol, de cor preta,
reafirma a dissolução e mobilidade da matéria orgânica. A acumulação importante,
dessa, ao longo de todo o compartimento; a eluviação incompleta (horizontes eluviais
descontínuos), ratificada pelo caráter de transição do horizonte Bh/E, e a formação
dos horizontes espódicos, revelam uma podzolização incipiente sobre organossolos. As
características morfológicas do compartimento remetem, então, a três eventos
principais para a sua gênese: 1) a sedimentação, provavelmente fluvial, que por si só
agregou matéria orgânica ao depósito; 2) evento de acumulação de matéria orgânica
sobre os sedimentos, e que deu origem ao organossolo e 3) podzolização incipiente,
atual, sobre os organossolos.
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Figura 1. Morfologia da topossequência de solos – Bacia do Rio Preto - MG
Dados Analíticos de Laboratório: dissolução e mobilização de matéria orgânica, dissolução
de caolinita e gbsita
A avaliação da mineralogia, obtida por espectrometria ao IR-FT, dos solos dos três
compartimentos, apresentada na figura 2a, b, c, é simples: caolinita e gbisita. O que
diferencia cada compartimento é a intensidade dos picos e a cristalização dos argilominerais.
Do compartimento III ao I há o incremento dos picos; naturalmente, está ligado ao
maior conteúdo de argila dos perfis em direção da montante da topossequência. A
configuração evidenciada na figura 2 está estreitamente ligada com a distribuição
lateral dos horizontes na topossequência. No compartimento III os mineraris de argila
(caolinita e traços de gbisita no horizonte superior, Fig. 2a) se apresentam em menor
quantidade uma vez que o material original, sedimentos fluviais, de partida, já eram
arenosos quartzosos e, praticamente, esvaziados de componentes finos de mineralogia
diferente do quartzo (possivelmente caolinita). Os picos que representam as caolinitas
variam, de menor a maior intensidade, segundo os horizontes, mas, a tendência geral
é o incremento gradual, na direção do topo, significando que a pedogênese propiciou
tal diferenciação vertical.
7
Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais
Compartimento III
Compartimento I
1
1
Compartimento II
1
K
G
G
K
0.8
B2 (43-51cm)
0.8
Ae2 (0,4-14cm)
0.8
K
0.6
0.6
Bhs (14-61cm)
Cascalho de Veio
(51-63cm)
0.6
Ae2 (2-11cm)
B1 e Bh2
(71-90cm)
0.4
Bh1 (11-51cm)
0.4
0.4
Bh/Bhs
(73-128cm)
0.2
Bh3
(183-189cm)
2CBh
(91-133cm)
0.2
IIC/E (189-215cm)
IIC3
(1,06-1,22cm)
IIC (139+cm)
0
0
0
3700
3600
3500
-1
Wavenumber/cm
a: compartimento III
3400
IIC2 (66-85cm)
0.2
3300
3700
3600
3500
-1
Wavenumber/cm
b: compartimento II
3400
3300
3700
3600
3500
3400
3300
-1
Wavenumber/cm
c: compartimento I
IIIIIIcompartimen
to III 2. Espectros IR-FT dos perfis Tr4 (compartimento I); Tr6 (Compartimento II); Tr8
Figura
Compartimento III. K: caolinita; G: Gbisita
No compartimento II, o possível desenvolvimento dos solos a partir da alteração da
rocha local que, embora arenosa, possui minerais micáceos na sua composição,
permitiu a diferenciação dos horizontes e a formação de caolinita e gbisita. Os
espectros mostram (Fig. 2b) que a intensidade dos picos e a cristalinidade da caolinita
têm tendência a decrescer na direção do topo. Entretanto, as intensidades menores
estão nos horizontes espódicos, indício de dissolução dos minerais argilosos. A gbisita
que não existe na alteração da rocha, por ser um meio hidromórfico, incrementa-se na
direção do topo e, como para a caolinita, nos horizontes espódicos tem picos menores,
indicando dissolução.
O compartimento I tem uma seqüência de espectros cujos picos e cristalinidade da
caolinita, diminuem da base, a partir do IIC2, para o topo do perfil (Fig. 2c). A gbsita
aparece, apenas, a partir do horizonte com cascalhos, e se incrementa até o topo do
perfil (Fig. 2c). A configuração dos espectros difere da dos compartimentos II e III o que
revela diferença de pedogênese destes compartimentos. De fato, a configuração vista
no compartimento I refere-se a uma pedogênese laterítica, enquanto nos demais a
podzolização já é atuante e superimpõe às características lateríticas dos solos do
compartimento II.
A análise da mineralogia permitiu, portanto, reafirmar dois tipos de pedogênese e
mostrar que nos horizontes espódicos tanto a gbisita como a caolinita estão sendo
dissolvidas.
Na figura 3 estão apresentados os teores de matéria orgânica dos solos. À exceção
do perfil 1 no compartimento I, que tem distribuição de matéria orgânica decrescente
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na direção da profundidade, nos demais perfis do compartimentos II e III essa
distribuição é irregular, indicando que a acumulação de matéria orgânica nos níveis
menos superficiais dos solos já acontece a partir de Tr2. Em Tr2 e Tr4 ela ocorre nos
níveis de cascalho e, em Tr4, inicia-se a acumulação nos horizontes de alteração que
incrementa-se na direção de jusante até a Tr8, não só na alteração como também nos
horizontes Bh. Como o aumento dos teores de matéria orgânica na direção de jusante
e o fato de não haver horizontes álbicos sobrejacentes aos espódicos da base dos
perfis, acredita-se que a mobilização de tal matéria orgânica se deu de jusante para a
m a té r i a o r g â n i c a (d a g / K g )
direção de montante da topossequência.
4
T r1
T r2
3
T r4
T r6
2
T r9
T r7
1
T r8
0
0
20
40
60
80
100 120 140 160 180 200 220
p ro fu n d id a d e (m )
Figura 3. Distribuição da matéria orgânica na topossequência
Comparando os teores de matéria orgânica dos solos com o conteúdo de Al nas
águas dos solos e com o pH (Tabela 1) verifica-se uma relação positiva entre eles.
Quanto mais ácido o ambiente do horizonte (pH do solo e da água) e maior o teor de
matéria orgânica nos horizontes, maior é a concentração de Al na água. Essa relação
confirma não só que há dissolução e mobilidade da matéria orgânica, mas também,
que esta é suficientemente eficaz para atacar os minerais de argila, complexar os
metais e mobilizá-los, como é o caso do Al. De fato, os espectros IR-FT mostram a
diminuição maior dos picos de gbisita e de caolinita nos horizontes espódicos, em
contraposição aos dos horizontes lateríticos, o que confirma a dissolução destes
minerais em ambiente podzolizante.
A caracterização morfológica da topossequência revela que a cor dos horizontes A e
Bh de superfície é diferente daquela dos horizontes espódicos de subsuperfície dos
compartimentos I e II. Na superfície as cores são pretas acinzentadas e na
subsuperfície a cor é predominantemente preta o que mostra diferenças entre as
9
Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais
matérias orgânicas dos dois conjuntos de horizontes. Por outro lado, essa fase preta
acinzentada é discordante sobre os horizontes espódicos da base da Tr9, indicando a
anterioridade desta fase em relação à preta. Acredita-se, portanto, que houveram dois
eventos de acumulação de matéria orgânica. A primeira que se restringia, apenas, ao
compartimento III após a sedimentação, e uma fase posterior, mais abrangente, que
atingiu todos os compartimentos a partir da Tr3 até a Tr8, responsável pela
podzolização dos horizontes de superfície. Com os dados disponíveis não é possível
precisar a qual fase de acumulação de matéria orgânica corresponde a mobilização
lateral de matéria orgânica de jusante para a direção de montante, que impregnou a
base dos perfis dos compartimentos I e II.
Conclusão: evolução de uma paisagem multitemporal
Os dados apresentados e as interpretaçãoes elaboradas dão conta de uma
topossequência de solos com uma gênese complexa. Tal complexidade está ligada: 1)
aos materiais de origem diferenciados ao longo da vertente que denotam processos
erosivos sobre a paisagem anterior à elaboração da vertente, como ela se apresenta
no presente; 2) aos três tipos de pedogênese ao longo do tempo, sendo que a última
(podzolização) se superimpõe às duas anteriores (lateritização e formação dos
organossolos do compartimento III); 3) à dinâmica, complexa, da matéria orgânica
ligada a ambientes confinados, anteriores à instalação da drenagem atual. Todos esses
fatores deram forma à vertente representada na figura 1.
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Tabela 1. Matéria orgânica nos solos, Al dissolvido na água e pH
Trincheiras,
Matéria
horizontes dos Orgânica
solos,
(dag/Kg)
profundidade
Tr4-IIC2-Bh
(66-85)
Tr4- IIC3-Bh
(85-129)
Al (mg/l) Al (mg/l)
na H2O
na H2O;
26/1/01 27/1/010
0
0,38
pH dos
solos
(KCl)
pH
das
águas
coleta de
água
profundidade
(m)
4,69
0,03
0,03
0,01
0,52
4,33
0,39
4,34
0,90
4,14
0,13
4,16
0,13
5,48
GD115 – Tr4
5,24
GC188 – Tr6
4,96
GB182 –TR7
4,88
GA276 – Tr8
4,59
0,04
0,06
0,03
0,52
4,40
1,81
4,28
2,58
4,08
1,03
4,28
0,06
Tr8-Bh1
(150-158
Tr8-Bh/E
(158-183)
Tr8-Bh3
(183-189)
Tr8-IIIC/E
+
(189-268
Al (mg/l)
na H2O;
30/1/010
4,25
0,09
Tr7-E (106117)
Tr7-Bhs (117149)
Tr7-Bh3
(149-165)
Tr7- Bh/E
+
(165 )
Al (mg/l)
na H2O;
29/1/010
0,26
0,03
Tr6-Bh2 (8090)
Tr6-IIC/B (90109)
Tr6-IIC/Bh
(109-133)
Tr6-Bh/IIC
(!33-139)
Tr6-IIC (139146)
Al (mg/l)
na H2O;
28/1/010
0,09
0,08
0,07
0,08
1,16
4,05
0,90
4,04
2,45
3,94
0,26
4,32
0,09
0,09
0,09
0,09
0,09
11
Tema 3 – Geodinâmicas: entre os processos naturais e socioambientais
Referências Bibliográficas
Allard T., Menguy N., Salomon J., Calligaro T., Weber T., Calas G., Benedetti M. F. 2004,
Revealing forms of iron in river-borne material from major tropical rivers of the
Amazon Basin (Brazil). Geochimica et Cosmochimica Acta. 68, 14, 3079-3094.
Almeida-Abreu P.A. & Renger F.E. 2002. Serra do Espinhaço meridional: um orógeno
de colisão do Mesoproterozóico. Rev. Bras. Geoc., 32(1):1-14.
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