leonardo bispo de jesus junior - Repositório da Produção Científica

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LEONARDO BISPO DE JESUS JUNIOR
Petrobras, intervenção governamental e maximização do
valor para o acionista: uma sugestão de interpretação
Campinas
2015
i
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
LEONARDO BISPO DE JESUS JUNIOR
Petrobras, intervenção governamental e maximização do
valor para o acionista: uma sugestão de interpretação
Prof. Dr. Fernando Sarti– Orientador
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas,
área de concentração: Teoria Econômica, do Instituto de Economia da Universidade Estadual
de Campinas para obtenção do título de doutor em Ciências Econômicas, na área de
concentração: Teoria Econômica.
iii
iv
TESE DE DOUTORADO
LEONARDO BISPO DE JESUS JUNIOR
Petrobras, intervenção governamental e maximização do
valor para o acionista: uma sugestão de interpretação
Defendida em 27/02/2015
v
RESUMO
A Petrobras é, indiscutivelmente, o grupo empresarial de maior relevância no Brasil em termos
de investimentos diretos e indiretos. Porém, nos últimos anos, a delicada situação econômicofinanceira da companhia, evidenciada na forte perda de valor no mercado acionário e na reduzida
lucratividade, vem se acentuando e determinando o rebaixamento e a previsão de deterioração de
suas métricas de crédito pelas agências de rating. Estas agências têm apontado como fatores
determinantes para a referida situação o agressivo programa de investimentos da empresa e sua
exposição à interferência política local, evidenciada no represamento dos preços dos produtos
refinados e na exigência de cumprimento de metas de conteúdo local. As metas de conteúdo local
nos critérios para seleção dos leilões de áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural
foram incorporadas devido à preocupação da ANP com o destino da indústria e dos fornecedores
locais, após o fim do monopólio da Petrobras. Esses critérios se fizeram presentes desde o
processo de licitação dos primeiros blocos exploratórios, na Rodada 1, em 1999, porém, é apenas
na Rodada 4, em 2003, que a ANP fixa um nível mínimo de conteúdo local a ser observado pelo
concessionário, na Fase de Exploração e na Etapa de Desenvolvimento. Considerando esse pano
de fundo, o objetivo geral da tese é analisar por que a intervenção governamental,
especificamente a política de conteúdo local implementada para o desenvolvimento da Indústria
Para-Petrolífera brasileira, está na contramão da perspectiva de maximização de valor para os
acionistas da Petrobras, mas não do escopo de atuação de uma empresa com a sua natureza
jurídica. A principal conclusão é que a ineficiência gerada pelo direcionamento das aquisições da
Petrobras, com a política de conteúdo local, é inconsistente com a dinâmica de acumulação das
grandes corporações, num contexto de forte globalização financeira e produtiva em que impera a
lógica curto prazista da maximização do valor para o acionista. Mas, não é inconsistente com o
escopo de atuação de uma empresa com a natureza jurídica da Petrobras, cuja criação se justifica,
apenas, pela necessidade de atender aos imperativos de segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo.
Palavras Chaves: Petrobras; Intervenção Governamental; Política de Conteúdo Local;
Maximização do Valor para o Acionista; Teoria dos Stakeholders.
vii
ABSTRACT
Petrobras is arguably the most relevant business group in Brazil in terms of direct and indirect
investments. However, in recent years, the delicate financial position of the company, evidenced
in the strong loss of value in the stock market and reduced profitability has been increasing and
determining relegation and the prediction of deterioration of credit metrics for the rating
agencies. These agencies have identified as crucial to the situation the aggressive investment
program of the company and its exposure to local political interference, evidenced in damming
the price of refined products and the requirement of targeted local content. The goals of local
content on the criteria for selection of auctions areas of exploration and production of oil and gas
is incorporated due to concern of the ANP about the fate of industry and local suppliers, with the
end of Petrobras' monopoly. These criteria were present from the bidding process of the first
exploratory blocks in Round 1, 1999, however, is only in Round 4, in 2003, the ANP sets a
minimum level of local content to be noticed by the dealer in Exploration Phase and
Development Phase. Considering this background, the overall aim of the thesis is to analyze why
the government intervention, specifically the local content policy implemented for the
development of national suppliers of goods and services to the oil and gas industry, is counter to
the perspective of maximization shareholder value Petrobras, but not of the scope of operations of
a company with its legal nature. The main conclusion is that the inefficiency generated by
directing of the acquisitions of Petrobras, with local content policy is inconsistent with the
dynamics of accumulation of large corporations in a context of strong productive and financial
globalization, in which prevailing the short-term logic of maximization of shareholder value. But,
is not inconsistent with the scope of activity of a company with the legal nature of Petrobras,
whose creation is only justified by the need to meet the imperatives of national security or the
relevant collective interest.
Key words: Petrobras; Government intervention; Local Content Policy; Maximization
Shareholder Value; Stakeholders theory.
ix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................. 1
1
1.1
1.2
1.3
1.4
PETROBRAS: ALGUNS FATOS ESTILIZADOS ................................................................................... 5
EVOLUÇÃO DOS INDICADORES OPERACIONAIS, ECONÔMICOS E FINANCEIROS .................... 5
RESPOSTA DO MERCADO DE AÇÕES .................................................................................................. 17
IMPACTO NO CREDIT RATING DA PETROBRAS ................................................................................. 21
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................................... 29
2
MAXIMIZAÇÃO DO VALOR PARA O ACIONISTA, FIRMA INOVADORA E PERFORMANCE
ECONÔMICA............................................................................................................................................. 31
2.1 GOVERNANÇA CORPORATIVA SOB A ÉGIDE DA MAXIMIZAÇÃO DO VALOR PARA O
ACIONISTA ................................................................................................................................................. 32
2.1.1 A origem do princípio de maximização do valor para o acionista .......................................................... 32
2.1.2 Por que maximizar valor para o acionista? .............................................................................................. 36
2.2 FIRMA MAXIMIZADORA X FIRMA INOVADORA .............................................................................. 46
2.3 CONDIÇÕES SOCIAIS DA EMPRESA INOVADORA E PERFORMANCE ECONÔMICA ................. 50
2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................ 60
3
3.1
3.2
3.3
3.4
AS INDÚSTRIAS PETROLÍFERA E PARA-PETROLÍFERA: UMA CARACTERIZAÇÃO
GERAL ........................................................................................................................................................ 63
A INDÚSTRIA PETROLÍFERA (IP) .......................................................................................................... 63
A INDÚSTRIA PARA-PETROLÍFERA (IPP) ............................................................................................ 82
INTERVENÇÃO GOVERNAMENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA INDÚSTRIA
PARA-PETROLÍFERA NACIONAL .......................................................................................................... 93
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................ 96
4
PETROBRAS E A INDÚSTRIA PARA-PETROLÍFERA NACIONAL ............................................ 101
4.1 PETROBRAS E A IPP NACIONAL: PERÍODO PRÉ-LIBERALIZAÇÃO ECONÔMICA .................... 101
4.2 PETROBRAS E A IPP NACIONAL: PERÍODO LOGO APÓS LIBERALIZAÇÃO ECONÔMICA ..... 109
4.3 POLÍTICA DE CONTEÚDO LOCAL PARA FORTALECIMENTO DA IPP ......................................... 118
4.3.1 Evolução da exigência de conteúdo local ................................................................................................. 119
4.3.2 Consequências do não cumprimento do compromisso de conteúdo local ............................................ 124
4.3.3 Política de conteúdo local no contexto da lei do pré-sal......................................................................... 126
4.4 PROMINP E A COMPETITIVIDADE DA IPP BRASILEIRA ................................................................ 131
4.4.1 PROMINP ................................................................................................................................................. 131
4.4.2 Competitividade da IPP brasileira .......................................................................................................... 134
4.5 CONSIDERAÇÕE FINAIS ....................................................................................................................... 139
5
5.1
5.2
5.3
5.4
PETROBRAS: NATUREZA JURÍDICA, GOVERNANÇA CORPORATIVA E DESEMPENHO 141
PETROBRAS: NATUREZA JURÍDICA................................................................................................... 143
PETROBRAS: NATUREZA JURÍDICA E GOVERNANÇA CORPORATIVA ..................................... 148
PETROBRAS: NATUREZA JURÍDICA, GOVERNANÇA CORPORATIVA E DESEMPENHO......... 152
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................................... 158
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................... 161
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 167
xi
AGRADECIMENTOS
A concretização deste trabalho se deve, além do esforço pessoal, as colaborações
institucionais e de um grupo de pessoas.
Ao professor Fernando Sarti, agradeço pela orientação. Suas contribuições foram de
fundamental importância na concepção e concretização deste trabalho. Foi na disciplina
ministrada por este, juntamente com o professor Célio Hiratuka – Estratégias e dinâmica de
acumulação das grandes corporações no capitalismo contemporâneo – que reuni o aporte teórico
necessário para confecção da tese.
Aos professores Renato de Castro Garcia e Célio Hiratuka que, além do professor
Fernando Sarti, participaram da minha banca de qualificação. Os elementos que faltavam para
fechamento da tese foram apontados por estes.
Ao professor Hamilton de Moura Ferreira Júnior, meu principal interlocutor em
Salvador-Ba e coordenador da Unidade de Estudos Setoriais (UNES-FE/UFBA), onde boa parte
deste trabalho foi escrito. A este devo, além do estímulo, a ampla disponibilidade para
discussões. Aliás, algumas das versões preliminares deste trabalho foram apresentadas e
discutidas nas disciplinas sob sua responsabilidade no Programa de Pós-Graduação em Economia
(PPGE),da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Ao professor Adilson de Oliveira, convidado para esta banca não por acaso. O projeto
apresentado na seleção para o Doutorado na Unicamp foi concebido durante minha participação
no projeto Política Tecnológica para a Indústria de Petróleo e Gás Natural, sob sua coordenação
geral.Do projeto para Tese muito mudou.
À todos os professores da Unicamp, em especial ao Fracalanza, ao José Maria, ao
José Carlos Braga, à Simone De Deos, à Ana Rosa, à Adriana Nunes, ao Júlio Gomes, ao David
Dequech, ao Rodolfo Hoffman, ao Ricardo Carneiro... Enfim, a tese nasceu neste Instituto.
Aos funcionários do Instituto de Economia, que sempre se mostraram prestativos
quando solicitados. Nesse quesito um agradecimento especial à Lorenza Bertoldo, à Fátima Dias
e à Geisa Aguiari.
Aos amigos do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Economia da Unicamp
pelos importantes momentos de descontração. Essências para suportar a saudade de casa.
xiii
Aos amigos da Faculdade de Economia da UFBA e da UNES e aos professores do
PPGE-UFBA. Muitos foram essencialmente importantes; seja ouvindo, lendo, discutindo ou
fazendo recomendações.
Aos meus pais, Leonardo (in memoriam) e Neide e,minha irmã, Priscila, pela
convivência, dedicação e apoio nessa difícil trajetória. À Tatiane, pela compreensão e paciência
com a distância. À Breno, pelo estímulo a prosseguir. Muito obrigado!
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo
apoio financeiro concedido.
xiv
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Defasagem média dos preços da gasolina – paridade de importação. ....................... 8
Figura 2 - Preços de gasolina ao consumidor, sem tributos (US$/litro): Brasil x OCDE. ......... 9
Figura 3 - Preços de diesel ao consumidor, sem tributos (US$/litro): Brasil x OCDE. ............. 9
Figura 4 - Investimento em P&D da Petrobras – 2006-2013 (em US$ milhões). .................... 11
Figura 5 - Análise da financiabilidade (PNG: 2014-2018)....................................................... 12
Figura 6 – Investimento PNG2014-2018.................................................................................. 12
Figura 7 - Investimentos da Petrobras em Exploração e Produção. ......................................... 13
Figura 8 - Exploração e Produção (2006-2013) - mil barris/dia (petróleo e LGN e gás natural).
.................................................................................................................................................. 16
Figura 9 - Dividendos pagos por ações (em R$) pela Petrobras 2006 – 2013. ........................ 17
Figura 10 - Ação Petrobras (PETR4.SA) x índice AMEXOil(^XOI) – jan 2006 a mar 2014. 18
Figura 11 - Valor de mercado da Petrobras e patrimônio líquido (2006-2013). ...................... 18
Figura 12 - Referência das agências de rating para classificação de risco............................... 22
Figura 13 - Rating Petrobras e PIFCO versus rating soberano (Moody’s).............................. 26
Figura 14 - Rating Petrobras e PIFCO versus rating soberano(Standard & Poor’s). .............. 27
Figura 15 - Rating Petrobras e PIFCO versus rating soberano (Fitch). ................................... 28
Figura 16 - Cadeia de atividades da indústria de petróleo e gás natural. ................................. 60
Figura 17 - Estágios do investimento em um projeto petrolífero, custos das mudanças no
projeto e capacidade de influir nos custos. ............................................................................... 62
Figura 18 - Consumo mundial e preços de petróleo entre 1965 e 2013. .................................. 73
Figura 19 - Investimentos, produção, preço do óleo cru e valor da produção (ano base 1978).
.................................................................................................................................................. 74
Figura 20 - Caracterização da cadeia de fornecimento de bens e serviços offshore. ............... 83
Figura 21 - Fornecedores de serviços e equipamentos de E&P e suas receitas, em 2007. ....... 87
Figura 22 - Relação da Petrobras com o mercado fornecedor nacional. ................................ 107
Figura 23 - Conteúdo local médio relativo às etapas de exploração e desenvolvimento das
propostas vencedoras nas dez rodadas de licitação. ............................................................... 116
Figura 24 - Estrutura de governança corporativa da Petrobras. ............................................. 143
xv
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Classificações deratings. ........................................................................................ 22
Quadro 2 - Principais empresas petrolíferas mundiais (2009). ................................................ 74
Quadro 3 - Classificação das empresas de serviços e equipamentos de E&P segundo a
participação em cada um dos segmentos. ................................................................................. 87
Quadro 4 - Economias de escala e especialização da unidade fabril...................................... 136
Quadro 5 - Competitividade da indústria nacional de equipamentos. .................................... 137
xvii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Evolução de indicadores financeiros do grupo Petrobras (valores constantes de
dez/2012). ................................................................................................................................... 5
Tabela 2 - Lucro líquido e resultados por áreas de negócios da Petrobras, 2006-2013 (em R$
milhões, valores constantes dez/2012). ...................................................................................... 7
Tabela 3 - Investimentos do Grupo Petrobras por áreas de negócios, 2006-2013 (em R$
milhões, valores constantes dez/2012). .................................................................................... 10
Tabela 4 – ROIC por segmento de negócio. ............................................................................. 14
Tabela 5 - Endividamento consolidado (em R$ milhões, valores constantes dez/2012). ........ 15
Tabela 6 - Evolução dos principais indicadores operacionais da Petrobras. ............................ 16
Tabela 7 -Evolução no ranking das companhias petrolíferas listadas entre as cem maiores do
mundo. ...................................................................................................................................... 21
Tabela 8 - Empresas líderes da IP (PIW 2013) – participação estatal (%). .............................. 75
Tabela 9- A importância relativa das principais empresas na IMP (2013). ............................. 76
Tabela 10 - Comparação entre grandes grupos petrolíferos e para-petrolíferos: receita total
(US$ bilhões), lucros (US$ milhões) e número de empregados (2013). .................................. 84
Tabela 11 - Metas globais de conteúdo local – rodada 7 à 10. ............................................... 121
Tabela 12 - Petrobras, composição do capital social. ............................................................. 142
xix
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABDIB
ABIMAQ
ABRAPET
ADR
ANM-H
ANP
BCSS
BEP
BNDES
BOVESPA
CBIE
CENPES
CGPAR
CMN
CNPE
CNRS
CTPetro
DEST
E&P
EBITDA
ENA
EPC
F&A
FFO
HEM
IBP
IMP
IOCs
IP
IPGN
IPO
IPP
ISI
JIPs
LAJIDA
LDA
MF
MME
MPOG
NEBM
NOCs
NYSE
Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base
Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos
Associação Brasileira dos Perfuradores de Petróleo
American Depositary Receipts
Árvore de Natal Molhada Horizontal
Agência Nacional do Petróleo
Bomba Centrífuga Submersível
Barris Equivalentes de Petróleo
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
Bolsa de Valores de São Paulo
Centro Brasileiro de Infraestrutura
Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de
Mello
Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração
de Participações Societárias da União
Conselho Monetário Nacional
Conselho Nacional de Política Energética
Centre Nationale de Recherche Scientifique
Fundo Setorial do Petróleo
Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais
Exploração e Produção
Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization
École National d’Administration
Engineering, Procurement and Construction
Fusões e Aquisições
Funds From Operations
Hipótese da Eficiência de Mercado
Instituto Brasileiro do Petróleo
Indústria Mundial do Petróleo
International Oil Companies
Indústria Petrolífera
Indústria de Petróleo e Gás Natural
Initial Public Offering
Indústria Para-Petrolífera
Industrialização por Substituição de Importações
Joint Industry Projects
Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização
Lâmina D’água
Ministério da Fazenda
Ministério de Minas e Energia
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
New Economy Business Model
National Oil Companies
New York Stock Exchange
xxi
OCDE
OEBM
ON
ONIP
OPEP
P&D
P&G
P,D&EB
PETROBRAS S.A.
PIW
PN
PNDs
PNG
PPSA
PROCAP
PROMINP
PROSAL
PSC
R/P
REPETRO
ROIC
S.A.
SEC
SERMAT
SMS
SPF
STN
TICs
TLD
VASP
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
Old Economy Business Model
Ações Ordinárias
Organização Nacional da Indústria do Petróleo
Organização dos Países Exportadores de Petróleo
Pesquisa e Desenvolvimento
Petróleo e Gás Natural
Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia Básica
Petróleo Brasileiro S. A.
Petroleum Intelligence Weekly
Ações Preferenciais
Planos Nacionais de Desenvolvimento
Plano de Negócio e Gestão
Pré-Sal Petróleo S/A
Programa de Capacitação Tecnológica para Águas Profundas
Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo e Gás Natural
Programa Tecnológico para o Desenvolvimento da Produção dos
Reservatórios do Pré-Sal
Production Sharing Contract
Reserva/Produção
Regime Aduaneiro Especial para a Indústria do Petróleo
Return on Invested Capital
Sociedade Anônima
Securities and Exchange Comission
Serviço de Materiais
Saúde, Meio Ambiente e Segurança
Sistema de Produção Flutuante
Secretaria do Tesouro Nacional
Tecnologias da Informação e Comunicação
Teste de Longa Duração
Sistema de Bombeamento e Separação Multifásica
xxii
INTRODUÇÃO
A Petróleo Brasileiro S. A. (Petrobras S.A.), em termos de investimentos diretos e
indiretos, é, indiscutivelmente, o grupo empresarial de maior relevância no Brasil, com
expressivo potencial multiplicador para a economia como um todo. Com ações negociadas na
Bolsa de Nova Yorque (ADRs), reservas de petróleo suficientes para os próximos quinze anos e
capacidade tecnológica reconhecida internacionalmente, esta empresa se consolidou entre as
cinco maiores petrolíferas com participação majoritária dos Estados Nacionais.
Porém, nos últimos anos, a delicada situação econômico-financeira da Petrobras, que
se evidencia na forte perda de valor no mercado acionário e na reduzida lucratividade, refletindo
no corte de dividendos, tanto das ações ordinárias- ON (PETR3), quanto das ações preferenciaisPN (PETR4), vem se acentuando; determinando o rebaixamento e a previsão de deterioração de
suas métricas de crédito pelas agências de rating.
Estas agências de rating apontam como fatores determinantes para a referida
situação: (i) seu agressivo programa de investimentos e (ii) sua exposição à interferência política
local, que, têm (a) influenciado seu déficit comercial atual - dada a crescente necessidade de
importar produtos refinados, vendidos a preços abaixo da sua paridade internacional -, e (b)
dificultado o atendimento de suas metas de produção - dado o nível de equipamentos críticos
necessários para exploração e produção nas áreas do pré-sal e a exigência de cumprimento das
metas de conteúdo local.
As discrepâncias entre preços internos e externos de combustíveis podem ser
verificadas quando se comparam os preços da gasolina, com tributos, no Brasil e nos países da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em dezembro de 2013,
por exemplo, o preço da gasolina praticado no Brasil ficou acima apenas dos preços praticados
nos Estados Unidos e no Canadá, sendo que a distância para os preços praticados no Canadá,
entre os anos de 2008 e 2013, reduziu bastante.
Já a exigência de cumprimento das metas de conteúdo local foi formatada com
referência no modelo de exploração e produção, criado pela Lei 9.478/97, que pôs fim ao
monopólio estatal neste setor. No período anterior à referida Lei, a participação de empresas
brasileiras no suprimento de equipamentos e insumos para a exploração, produção e refino de
petróleo e gás no país, decorria da política de compras da Petrobras, refletindo objetivos e
estratégias desta corporação, assim como orientações vindas do governo.
1
Com o fim do monopólio, a participação de empresas brasileiras na oferta de bens e
serviços para a atividade petrolífera no país passou a ser assegurada pela imposição aos
investidores privados de participação relevante dos fornecedores locais. Esses critérios se fizeram
presentes desde o processo de licitação dos primeiros blocos exploratórios, em 1999, mas, apenas
em 2003 a Agência Nacional do Petróleo (ANP) fixa um nível mínimo de conteúdo local. Em
2010, com o estabelecimento de um novo marco regulatório, a companhia passa a ser operadora
de todos os blocos licitados, respondendo pelo cumprimento da exigência de conteúdo local
fixada no contrato de partilha da produção.
Caso se tratasse de uma empresa privada, o desempenho apresentado pela Petrobras
nos últimos anos resultaria, muito provavelmente, em alterações e correções em sua rota e/ou
direção. Porém, sua natureza híbrida – listada em bolsa de valores e de economia mista – garantea peculiaridade e diferenciação frente a outras companhias de capital aberto, também sujeitas à
governança de mercado. Nas palavras de Barbosa (2013), além de satisfazer as exigências de um
mercado de capitais que lhe cobra racionalidade, eficiência e lucratividade, a empresa deve, ao
mesmo tempo, conviver com as imposições de seu acionista majoritário, a União.
Considerando esse pano de fundo, e tendo ciência dos múltiplos e diversos fatores
que podem explicar a piora nos fundamentos da Petrobras, assim como os diferentes momentos
em que cada um desses fatores pode ter atuado de forma mais ou menos intensa nesse processo, o
objetivo geral da tese é analisar por que a intervenção governamental, especificamente a política
industrial implementada para o desenvolvimento da Indústria Para-Petrolífera (IPP) brasileira,
está na contramão da perspectiva de maximazação de valor para os acionistas da Petrobras, mas
não do escopo de atuação de uma empresa com a sua natureza jurídica.
Além do objetivo geral, pretende-se atender, ainda, aos seguintes objetivos
específicos: (i) analisar a relação existente entre o princípio de maximização do valor para o
acionista e a firma inovativa; (ii) discutir a formatação da indústria petrolífera (IP) e da IPP
mundiais; (iii) descrever a relação da Petrobras com a IPP; e (iv) discutir a natureza jurídica da
Petrobras e a implicação desta em sua função objetivo.
A hipótese aqui sustentada é que a ineficiência gerada pelo direcionamento das
aquisições da Petrobras, com a política de conteúdo local - adotada pelo governo brasileiro para o
desenvolvimento de uma indústria para-petrolífera nacional -, é inconsistente com a dinâmica de
acumulação das grandes corporações, num contexto de forte globalização financeira e produtiva,
2
em que impera a lógica curto prazista da maximização do valor para o acionista. Mas, não é
inconsistente com o escopo de atuação de uma empresa com a natureza jurídica da Petrobras,
cuja criação se justifica, apenas, pela necessidade de atender aos imperativos de segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo.
Para atender aos objetivos propostos, a tese foi dividida em cinco capítulos, não
incluindo a introdução e a conclusão.
O primeiro capítulo apresenta a delicada situação econômico-financeira vivida pela
Petrobras nos últimos anos (2006 - 2013), analisando qual parte desta situação pode ser atribuída
à interferência política local. Ele está dividido em quatro seções, a saber: a seção 1.1 mostra a
evolução dos indicadores operacionais, econômicos e financeiros da companhia; a seção 1.2
apresenta a resposta do mercado de ações frente aos indicadores apresentados na seção anterior; a
seção 1.3 discute como as agências de credit rating têm avaliado a situação econômico-financeira
da Petrobras; e a seção 1.4 traz as considerações finais.
No segundo capítulo, dividido em quatro seções, apresenta-se o arcabouço teórico
utilizado como base para análise das questões tratadas na tese. Na seção 2.1 se introduz a
discussão sobre o princípio de maximização do valor para o acionista. Na seção 2.2 analisa-se
esse princípio e sua relação com a firma inovativa. Na seção 2.3 discute-se como a diferença nas
condições sociais da empresa inovadora implica em distintas performances econômicas. Na seção
2.4 são apresentadas as considerações finais.
No capítulo três, dividido em quatro seções, são descritas as principais características
da IP e da IPP, com o intuito de analisar como a estrutura destas indústrias impacta na formatação
de uma política efetiva de conteúdo nacional. A seção 3.1 apresenta a IP mundial; suas
características centrais, agentes e dinâmica de investimento. Na seção 3.2, a IPP é apresentada,
juntamente com a relação que esta mantém com a IP e a interferência desta última na dinâmica de
concorrência da IPP. Na seção 3.3 discute-se o papel desempenhado pela intervenção
governamental no desenvolvimento das indústrias para-petrolíferas nacionais, para, na seção 3.4,
apresentarem-se as considerações finais.
O quarto capítulo, dividido em cinco seções, descreve a história da Indústria de
Petróleo e Gás Natural (IPGN) brasileira, com enfoque na relação da Petrobras com sua rede de
fornecedores nacionais. Nas seções 4.1 e 4.2 esta relação é descrita para os períodos pré e logo
após liberalização econômica, respectivamente. Na seção 4.3 analisa-se a política de conteúdo
3
local implementada pelo governo brasileiro para o fortalecimento de sua IPP. Na seção 4.4
descreve-se, sumariamente, o Programa de Mobilização para a Indústria de Petróleo e Gás
Natural (PROMINP) e analisa-se a competitividade da IPP brasileira. Na seção 4.5 fazem-se as
considerações finais.
O quinto capítulo discute a implicação da natureza jurídica da Petrobras em sua
função objetivo, com o propósito de verificar se a utilização desta empresa para encampar o
desenvolvimento da indústria para-petrolífera brasileira é compatível com sua formatação
jurídica. Este capítulo está dividido em quatro seções: a seção 5.1 descreve a formatação jurídica
da Petrobras, para, nas seções 5.2 e 5.3, discutirem-se, respectivamente, as implicações desta
formatação em sua governança corporativa e em sua função objetivo. Na seção 5.4 fazem-se as
considerações finais.
Por fim, são apresentadas as considerações finais da tese, além da proposição de uma
agenda de pesquisa para as próximas incursões ao tema.
4
1
PETROBRAS: ALGUNS FATOS ESTILIZADOS
A falta de liquidez no auge da crise de 2008/2009, as dificuldades na gestão
operacional e de projetos, o maior endividamento e as políticas que prejudicam a rentabilidade
dos negócios, segundo Barbosa (2013), explicam a delicada situação econômico-financeira vivida
pela Petrobras nos últimos anos. O objetivo dessa seção é justamente alcançar uma visão
detalhada sobre essa situação.
1.1
EVOLUÇÃO DOS INDICADORES OPERACIONAIS, ECONÔMICOS
E FINANCEIROS1
A evolução recente dos indicadores econômicos e financeiros e operacionais da
Petrobras tem sido objeto de intensos debates. Quanto à evolução dos indicadores financeiros, a
Tabela 1, a seguir, apresenta quatro deles: liquidez, rentabilidade, endividamento e geração de
caixa.
Tabela 1 - Evolução de indicadores financeiros do grupo Petrobras (valores constantes de
Dez/2012).
Indicadores
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
Liquidez Geral
0,80
0,69
0,56
0,56
0,69
0,61
0,50
0,41
76,94
47,50
63,57
40,96
46,86
45,64
24,91
22,03
ROIC (Lucro/Investimento) (%)
Alavancagem (Endividamento/Lucro
Líquido) (%)
2
179,81 184,74 190,81 346,18 329,29 469,81 936,66 1164,08
EBITDA
70.068 66.300 71.192 71.562 67.996 65.881 53.439
Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007).
59.453
Todos os indicadores apresentaram deterioração no período, com o EBITDA tendo
uma pequena recuperação em 2013, quando comparado com 2012. Essa recuperação pode ser
explicada pelos maiores preços de venda de combustíveis, pelo aumento significativo da
produção de derivados, pelos resultados alcançados com a redução de custos e aumento da
produtividade, assim como pelos ganhos obtidos com o programa de desinvestimentos
(PETROBRAS, 2014b).
1
As tabelas utilizadas nesta seção foram baseadas em Barbosa (2013), o que não significa a não existência de discrepâncias entre
as análises.
2
EBITDA (earnings before interest, taxes, depreciation, and amortization), sigla em inglês para lucro antes de juros, impostos,
depreciação e amortização (LAJIDA).
5
O indicador de rentabilidade – Return On Invested Capital (ROIC) - apresentou
declínio significante entre os anos de 2006 e 2013, atribuído, entre outros fatores, a aspectos
operacionais e de mercado, que se encontram na raiz desse desempenho, conforme salienta
Barbosa (2013), a saber: (i) capitalização da empresa, que gerou novas obrigações de exploração;
(ii) defasagem entre preços internos e externos de derivados de petróleo; (iii) elevados
investimentos em refinarias; e (iv) políticas de conteúdo local mínimo.
Para mensurar a evolução do endividamento da companhia vis-à-vis sua capacidade
de liquidação, considera-se o indicador de alavancagem: proporção entre endividamento bruto
total e o resultado (lucro) líquido a cada ano. Percebe-se que no período analisado houve uma
deterioração desse indicador, evidenciando um crescimento acentuado da dívida ou uma brusca
redução do lucro, ou, até mesmo, a combinação de ambos. No ano de 2013, o índice de
alavancagem foi 547% superior ao de 2006.
A capacidade de geração de caixa pode ser avaliada por meio do indicador EBITDA.
Influenciado pela evolução errática do lucro líquido e do caixa utilizado em investimentos, este
indicador apresentou forte oscilação no período. Entre os anos de 2006 e 2013, observou-se um
declínio aproximado de 15,15%.
Com a análise por segmentos de negócios, é possível identificar as áreas responsáveis
pela considerável deterioração dos indicadores apresentados, entre os anos de 2006 e 2013. A
Tabela 2, a seguir, mostra a evolução dos resultados líquidos por segmentos de negócio da
Petrobras nesse período. A série de resultados consolidados em valores constantes revela que os
dois negócios que mais influenciaram as oscilações ocorridas no período da análise foram
Exploração e Produção (E&P) e Abastecimento.
6
Tabela 2 - Lucro líquido e resultados por áreas de negócios da Petrobras, 2006-2013 (em
R$milhões, valores constantes Dez/2012).
Resultado por área de negócio
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
34111
35379
45653
23400
33318
42945
45452
39907
Abastecimento
8417
7792
-5021
15915
4286
-10552
-22931
-16790
Gás e energia
-1637
-1821
-351
1091
1403
3321
1733
1310
0
0
0
0
-104
-166
-218
-240
Distribuição
806
1047
1535
1497
1429
1244
1793
1740
Internacional
485
-1349
-2068
-263
1645
2082
1436
3564
-5764
-10753
1977
-5847
-542
-1538
-5391
-7566
-714
-1927
508
-1194
-1071
-2291
-915
-203
Lucro líquido consolidado
35705
28369 42233 34599
Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007).
40364
35044
20959
21723
Exploração e produção
Biocombustiveis
Corporativo
Eliminações e ajustes
A E&P tem sido a atividade mais lucrativa da Petrobras, sob o ponto de vista da
geração de resultados. O preço crescente da commodity, somado à maior capacidade de
exploração e produção da companhia tem colaborado para esse resultado3.
O mesmo não tem acontecido com a área de abastecimento, que passou de um lucro
médio de R$ 15,92 bilhões, em 2009, para um lucro de 4,29 bilhões, em 2010, e prejuízos
acumulados de, aproximadamente, R$ 50,27 bilhões, entre 2011 e 2013 - R$ 10,55, em 2011, R$
22,93, em 2012, e R$ 16,79 bilhões, em 2013. A política de subsídio para o preço da gasolina,
diesel e gás liquefeito de petróleo, estabelecido pelo governo, por decreto, no fim de 2010, com o
objetivo de controlar a inflação, é apontada como a explicação para esse resultado. Essa
constatação se torna ainda mais preocupante quando se percebe o crescimento da dependência
externa brasileira em relação à importação dos derivados de petróleo4.
As discrepâncias entre preços internos e externos de combustíveis se tornam visíveis
na Figura 1, a seguir, elaborada pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Percebe-se, entre
os anos de 2008 e 2010, a ocorrência de defasagens entre o preço médio da gasolina praticado
3
Em 2009, a redução do lucro líquido foi reflexo da mudança no patamar das internacionais do petróleo e, conforme acordo entre
a Petrobras e ANP, da despesa extraordinária com participação especial do campo de Marlim (PETROBRAS, 2010). Já em
20011, a redução do lucro líquido se deveu ao menor volume de produção de petróleo e LGN (2%), em função do declínio natural
dos campos, e do aumento dos custos com depreciação de equipamentos, afretamento de plataformas, pessoal e manutenção e
intervenção de poços (PETROBRAS, 2014).
4
Essa situação é magnificada com o impacto do câmbio sobre o caixa da companhia, que apenas poderá ser minimizado ou com a
valorização cambial, ou com o aumento dos preços dos combustíveis. Para conseguir evitar que a exposição cambial reduzisse seu
resultado financeiro, a Petrobras passou a adotar, desde maio de 2013, o hedge cambial. Conforme Barbosa (2013), a estratégia de
adoção de “contabilidade criativa”tem causado prejuízos tanto para a análise independente de seus números quanto para a sua
própria credibilidade.
7
pela Petrobras e o preço médio da gasolina no Golfo americano. A partir de 2010, esta defasagem
começou a crescer, estabilizando-se numa média em torno de 25% (BARBOSA, 2013).
Figura 1 - Defasagem média dos preços da gasolina – paridade de importação.
Fonte: Pires, apud Barbosa (2013).
A defasagem pode ser verificada, também, quando se comparam os preços da gasolina,
sem tributos, no Brasil e nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Em dezembro de 2013, o preço da gasolina praticado no Brasil ficou acima
apenas dos preços praticados nos Estados Unidos e no Canadá, sendo que a distância para os
preços praticados no Canadá reduziu bastante entre os anos de 2008 e 2013.
8
Figura 2 - Preços de gasolina ao consumidor, sem tributos (US$/Litro): Brasil x OCDE.
França
Espanha
Canadá
Alemanha
Reino Unido
Estados Unidos
Itália
Japão
Brasil
Fonte: Ministério de Minas e Energia (2014).
Quando a comparação é feita com os preços do diesel, sem tributos, no Brasil e nos
países da OCDE, percebe-se que o preço no Brasil, em dezembro de 2013, ficou abaixo de todos
os preços praticados pela OCDE.
Figura 3 - Preços de diesel ao consumidor, sem tributos (US$/Litro): Brasil x OCDE.
França
Espanha
Canadá
Alemanha
Reino Unido
Estados Unidos
Fonte: Ministério de Minas e Energia (2014).
Itália
Japão
Brasil
9
Mesmo com os últimos aumentos de preços de produtos refinados, estes não foram
suficientes para alinhar preços domésticos e internacionais e eliminar as perdas no segmento de
refino (FITCHRATINGS, 2014).
O resultado negativo da área de abastecimento, em 2013, agravou-se devido a
autorização dada pela Receita Federal à Petrobras para registrar volume considerável das suas
importações de 2012 apenas no primeiro semestre de 2013, com o objetivo de melhorar os
números da Balança Comercial daquele ano.
Os maus resultados alcançados pela Petrobras ocorrem justamente num período em
que a necessidade de ampliação dos investimentos é premente, em função da descoberta da nova
fronteira petrolífera do pré-sal. Conforme Tabela 3, a seguir, o total de investimentos da
companhia por áreas de negócios, entre os anos de 2006 e 2013, apresentou uma tendência
crescente, a exceção foi apenas o ano de 2011, quando houve uma redução de, aproximadamente,
8,7%, quando comparado ao ano de 2010.
Tabela 3 - Investimentos do Grupo Petrobras por áreas de negócios, 2006-2013 (em R$
milhões, valores constantes Dez/2012).
Investimento (Em R$ Milhões)
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Exploração e produção
21357 24530 29877 34481 35116 35680 42970 57270
Abastecimento
5831 12829 12249 18469 30330 28248 28860 29345
Gás e energia
2184 2152 4629 7342 5289 4009 4166 5650
Internacional
9987 8756 7430 7645 5167 4625 5098 4894
Distribuição
895 2224
676
710
969
104 1307 1069
Biocombustiveis
0
0
0
0
0
524
299
307
Corporativo
1262 1165 1503 2580 2868 1281 1437 1141
• Sociedades de Propósito Específico 4891 7861 6839 6225 3011
0
0
0
• Empreendimentos em Negociação
570
796 1427 1712
0
0
0
0
• Projetos Estruturados
1
0
0
0
0
0
0
0
Total de investimentos
46979 60313 64630 79164 82749 75572 84137 99676
Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007).
A área de negócio E&P possui a maior participação relativa do total de investimentos.
Desde o ano de 2010 essa participação cresce, chegando, em 2013, a 57,45% do total de
investimentos. A área de abastecimento é a segunda, porém, desde 2011, sua participação tem se
reduzido; saindo de 37,38% para 29,44%, em 2013. Dentre os principais fatores para o
crescimento da área de E&P no total de investimentos diretos está a necessidade de exploração da
nova província do Pré-Sal.
10
Essa tendência crescente no total de investimentos da companhia, entre os anos de
2006 e 2013, refletiu-se, também, no aumento do investimento da Petrobras em Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D), conforme Figura 4, a seguir. O investimento da Petrobras em P&D
neste período se elevou em 55,07%. Em 2013, a Petrobras foi, entre as grandes empresas de
energia, a que, proporcionalmente à receita líquida anual, mais investiu em P&D (0,80%).
Figura 4 - Investimento em P&D da Petrobras – 2006-2013 (em US$ milhões).
Fonte: Petrobras (2014c).
O plano de negócio e gestão (PNG) da Petrobras 2014 - 2018 prevê, ainda, um
investimento de US$ 220,6 bilhões. Deste, 206,8 bilhões nas carteiras em implantação e em
processo de licitação e 13,8 bilhões na carteira em avaliação. A carteira em implantação
contempla os projetos em execução (obras), os projetos já licitados e os recursos para estudos dos
projetos em avaliação. Na carteira em processo de licitação, inserem-se os projetos em E&P no
Brasil, que ainda passarão pelo processo de contratação de suas unidades, e as refinarias Premium
I e Premium II, cujos processos licitatórios serão conduzidos em 2014. Já na carteira em
avaliação estão os projetos em estudos nas fases I (Identificação da Oportunidade), II (Projeto
Conceitual), ou III (Projeto Básico) (exceto E&P no Brasil)5 (PETROBRAS, 2014a).
5
Nas premissas do planejamento financeiro da companhia, além da não emissão de novas ações e a manutenção da classificação
de grau de investimento, prevêem-se, em moedas constantes, a partir de 2014: (i) preço do Brent (US$/bbl) em 105, em 2014,
reduzindo-se para 100, até 2017, e para 95 no longo prazo; (ii) taxa de câmbio média (R$/US$) de 2,23, em 2014, valorizando-se
para 1,92 no longo prazo; (iii) alavancagem decrescente, porém ultrapassando limite em 2014 (limite < 35%); (iv) dívida
líquida/EBITDA: ultrapassando limite, em 2014, e permanecendo abaixo de 2,5x, a partir de 2015, e abaixo de 2,0x, no fim do
período (limite < 2,5x); (v) preços dos derivados no Brasil convergindo para as referências internacionais, conforme política de
preços de diesel e gasolina apreciada pelo seu Conselho de Administração, em 29 de novembro de 2013.
11
Na análise de financiabilidade, que considera a necessidade de capitais para as
Carteiras em Implantação e em Processo de Licitação (US$ 206,8 bilhões) e para as
Amortizações (US$ 54, 9 bilhões), 69,62% destes capitais, conforme Figura 5, a seguir, advirão
de fluxo de caixa operacional (após dividendos) e desinvestimentos, 23,12% de captações
(dívida),
3,48%
de
uso
do
caixa,
e
3,78%
de
reestruturações
no
modelo
de
negócios(PETROBRAS, 2014a).
Figura 5 - Análise da financiabilidade (PNG: 2014-2018).
Fonte: Petrobras (2014a)
Figura 4: Análise de Financiabilidade (PNG: 2014-2018)
Do total de investimento previsto entre os anos de 2014-2018, US$ 153,9 bilhões
serão destinados para a área de E&P, o que representa 70%. Além do investimento da Petrobras,
cogita-se mais 44,8 bilhões de investimento, nesta área, de parceiros da companhia
(PETROBRAS, 2014a).
12
Figura 6 - Investimentos PNG 2014-2018.
Fonte: Petrobras (2014a).
Do investimento da Petrobras em E&P, US$ 82 bilhões serão direcionados para a
área do pré-sal, o que representa 60% do total, e US$ 53,9 bilhões para a área do pós-sal, 40% do
total (PETROBRAS, 2014a).
Figura 7 - Investimentos da Petrobras em Exploração e Produção.
Fonte: Petrobras (2014a).
Porém, a contradição presente entre a necessidade de expansão dos investimentos e o
excesso de intervenção do governo é apontada, por muitos analistas, como a causa da piora na
13
geração de caixa e ROIC, conforme se verifica na Tabela 4. O excesso de intervenção
governamental, seja através da política de preços dos combustíveis, que distorcem os preços
relativos, com efeitos amplificados num cenário de desvalorização cambial, seja na determinação
de conteúdos locais mínimos, impõe baixo retorno e resultados à companhia.
Tabela 4 - ROIC por segmento de negócio.
ROI por área de negócio
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
Exploração & produção
1,60
1,44
1,53
0,68
0,95
1,20
1,06
0,70
Abastecimento
1,44
0,61
-0,41
0,86
0,14
-0,37
-0,79
-0,57
Gás & energia
-0,75
-0,85
-0,08
0,15
0,27
0,83
0,42
0,23
Biocombustiveis
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
-0,32
-0,73
-0,78
Distribuição
0,90
0,47
2,27
2,11
1,47 11,94
1,37
1,63
Internacional
0,05
-0,15
-0,28
-0,03
0,32
0,45
0,28
0,73
Corporativo
-4,57
-9,23
1,32
-2,27
-0,19
-1,20
-3,75
-6,63
ROI consolidado
0,88 0,59 0,74 0,50 0,52
Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007).
0,50
0,26
0,22
Com este cenário, o endividamento bruto total da companhia tem crescido de forma
vertiginosa. Em 2006, esse era de R$ 64,2 bilhões, passando para R$ 252,9 bilhões, em 2013; o
que representou um crescimento de, aproximadamente, 294% em apenas sete anos, conforme se
verifica na Tabela 5, a seguir. Ressalta-se que, à medida que o endividamento de curto prazo
reduziu em, aproximadamente, 1,5%, entre esses anos, o endividamento de longo prazo cresceu
cerca de 409%, em conformidade com o perfil dos projetos de E&P.
14
Tabela 5 - Endividamento consolidado (em R$ milhões, valores constantes dez/2012).
Endividamento Consolidado Em R$ Milhões Constantes
Dez/2012, usando IPCA
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
Endividamento Curto Prazo (1)
18010
11816
17258
18238
17661
20074
15320
17734
Endividamento Longo Prazo (1)
46191
40592
63327
101536 115252 144565 180994 235141
Total
64201
52408
80585
119774 132913 164638 196314 252875
-18
54
49
11
24
19
29
38336
17237
19786
34377
34180
37835
27628
35098
Endividamento líquido (2) (4)
25865
Endividamento
líquido/(endividamento líquido +
patrimônio líquido) (1)
16
35171
60799
85397
69962
109038 147817 209199
19
26
31
17
24
Taxa de Crescimento Anual
Disponibilidades
30
39
Passivo total líquido (1) (3) (5)
255190 289582 345767 378213 523156 578540 629219 667274
Estrutura de capital (capital de
terceiros líquido / passivo total
líquido
47
48
50
50
33
39
45
51
Parcela das Disponibilidades
(%) comprometido pelo
Endividamento Curto Prazo
47
69
87
53
52
53
55
51
(1) Inclui endividamento contraído através de contratos de leasing.
(2) Endividamento total – disponibilidades.
(3) Passivo total líquido de caixa/aplicações financeiras.
(4) Somente para 2011, 2012 e 2013 - o endividamento líquido não foi calculado segundo as normas internacionais
de Contabilidade (IFRS) e não deve ser considerado isoladamente ou em substituição ao endividamento total de
longo prazo, calculado de acordo com IFRS. O cálculo do endividamento líquido não deve ser base de comparação
com o endividamento líquido de outras empresas. A administração da Petrobras acredita que a dívida líquida é uma
informação suplementar que ajuda os investidores avaliarem a liquidez da companhia e auxilia na gestão pela busca
de melhorias na alavancagem.
(5) Somente para 2012 e 2013 - passivo total líquido das disponibilidades ajustadas.
Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007).
No que se refere ao aspecto operacional, a Figura 8, a seguir, mostra a evolução da
quantidade produzida de petróleo e LGN e gás natural (mil barris/dia) entre os anos de 2006 e
2013. Observa-se, nesta, uma queda na produção de 2011 para 2012, explicada pelo maior
número de perdas operacionais e da interrupção da produção em Frade, e uma outra queda de
2012 para 2013, explicada pelo declínio natural dos campos e da venda de 50% da participação
societária das empresas na Nigéria, além da redução da produção de gás natural na Argentina6.
6
Apesar da queda na produção total (Petróleo e LGN e Gás natural), em 2012, quando comparada a 2011, esta se manteve dentro
da meta estipulada pelo PNG (2012-2016). Em 2013 a produção total, também, manteve-se na meta estipulada pelo PNG (20122016 e 2013-2017), porém a produção de petróleo e LGN não.
15
Figura 8 - Exploração e Produção (2006-2013) - mil barris/dia (Petróleo e LGN e Gás
Natural).
3000
2500
Produção total
(Petróleo e
LGN)
2000
Produção total
(Gás Natural)
1500
1000
Produção total
(Petróleo e LGN
e Gás Natural)
500
0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007).
Outros aspectos operacionais são mostrados na Tabela 6, a seguir, em que se verifica
a evolução dos principais indicadores para empresas atuantes na E&P de petróleo e gás natural
(reservas provadas, reservas sobre produção e índice de reposição das reservas).
Tabela 6 - Evolução dos principais indicadores operacionais da Petrobras.
Indicador
2006
Reservas provadas (em bilhões de boe,
critério SPE/ANP)
13,75
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
13,92
14,09
14,87
15,99
16,41
16,44
16,57
Reserva sobre produção (em anos)
19,60
18,90
17,00
18,40
18,50
18,60
19,20
19,50
Índice de reposição das reservas (%)
173,90 123,60 123,00 75,00 229,00 148,00 103,30 114,00
Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007).
Embora se verifique, ao longo do período analisado, uma consistência nas séries de
reservas provadas e de reserva sobre produção, o indicador de reposição das reservas apresenta
uma tendência declinante. Um baixo índice de reposição das reservas pode colocar em risco a
própria capacidade de crescimento sustentado da empresa.
Aos fatos descritos nesta seção, atribuem-se o fraco desempenho bursátil da
Petrobras, abaixo do restante da economia brasileira, assim como o rebaixamento das suas notas
de crédito pelas agências de ratings, conforme se verificará nas próximas seções.
16
1.2
RESPOSTA DO MERCADO DE AÇÕES
A política de dividendos da Petrobras, prevista em seu estatuto, determina que o valor
mínimo a ser distribuído é de 25% do lucro líquido ajustado, tanto para ações ordinárias (ON),
quanto preferenciais (PN). Sendo dada prioridade às ações preferenciais no caso de reembolso do
capital e no recebimento dos dividendos de, no mínimo, 5% calculado sobre parcela do capital
representada por essa categoria de ações, ou de 3% do valor do patrimônio líquido da ação,
preponderando sempre o maior. Desde o ano 2000, embora o estatuto da companhia garanta (i)
maior dividendos para as ações preferenciais, os pagamentos eram idênticos para ambas as
categorias, e (ii) um valor mínimo a ser distribuído, a remuneração se dava de forma mais
generosa do que a prevista.
Nos anos de 2012 e 2013, conforme se apresenta na Figura 9, a seguir, o pagamento
de dividendos se deu de modo diferenciado entre as ações ordinárias e preferenciais. A empresa
distribuiu o mínimo exigido de dividendos tanto para as ações ON, quanto para as ações PN,
sendo que o mínimo da PN é superior ao da ON. Essa redução na distribuição de dividendos foi
justificada pela tentativa da companhia manter caixa para conseguir cumprir seu plano de
investimentos, mesmo com a redução do lucro.
Figura 9 - Dividendos pagos por ações (em R$) pela Petrobras 2006 – 2013.
2,00
1,80
1,60
1,40
1,20
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
2006
2007
2008
2009
Valor por ação ON (em R$)
2010
2011
2012
2013
Valor por ação PN (em R$)
Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007).
17
Refletindo o corte de dividendos, tanto as ações ON (PETR3), quanto as ações PN
(PETR4), despencaram. A evolução do valor da ação PN da Petrobras, a menos afetada, versus a
evolução do Índice AMEX Oil, entre os anos de 2006 e 2013, é mostrada na Figura 10, a seguir.
Nesse período, o comportamento da ação PN da Petrobras na Bolsa de Valores de São Paulo
(PETR4. SA), quando comparado ao índice AMEX OIL (^XOI), pode ser dividido, como o faz
Barbosa (2013), em quatro fases e quatro marcos definidores. Como marcos definidores, tem-se:
(1) o anúncio da descoberta do Pré-Sal, em setembro de 2007; (2) a quebra do Banco Lenman
Brothers, em setembro de 2008; (3) a capitalização da Petrobras, em agosto de 2010; e (4) a
apresentação dos resultados da Petrobras referentes ao ano de 2010, no primeiro trimestre de
20117.
Figura 10 - Ação Petrobras (PETR4.SA) X índice AMEX Oil(^XOI) – Jan 2006 a Mar 2014.
Fonte: Yahoo Finance.
A primeira fase, que se estende de 2006 até quase o fim de 2007, é marcada pela
“aderência” entre a ação da Petrobras e o índice AMEX Oil. O relativamente elevado preço do
petróleo cru e o crescimento econômico mundial generalizado justificou essa evolução positiva e
aderente da PETRO4.SA e do índice norte-americano (BARBOSA, 2013).
7
O AMEX Oil é um índice da Bolsa de Nova Iorque, utilizado pela Petrobras para fins de comparação em seus relatórios anuais.
Éste é composto pelas ações, em ordem decrescente de participação no índice, das seguintes empresas: Hess Corporation,
Chevron Corporation, Conoco Phillips, OccidentaLPetroleum, ExxonMobil, Total S.A., AnadarkoPetroleum Corporation, Royal
Dutch Shell, BP, Marathon, Valero Energy Corporation, Repsol YPF e Sunoco (BARBOSA, 2013).
18
Na segunda fase, do final de 2007 ao fim de 2008, o valor da ação da Petrobras
supera o do índice AMEX Oil em, aproximadamente, 60% em média. Essa valorização acentuada
da PETRO4.SA, que a deslocou significativamente do índice norte-americano, foi produzida pelo
anúncio da grande descoberta de reservas de hidrocarbonetos do Pré-Sal. Em 19 de maio de 2008,
o valor da ação da companhia atingiu seu pico de R$ 50,56 por ação, levando seu valor de
mercado à R$ 473 bilhões nesse dia (BARBOSA, 2013).
Na terceira fase, do fim de 2008 ao início de 2011, a ação se manteve
consideravelmente acima do índice. Sendo que, influenciada pela quebra do Banco norteamericano Lehman Brothers, em setembro de 2008, que deflagrou a crise financeira
internacional, tanto a ação da Petrobras quanto o índice AMEX Oil perderam valor de forma
acentuada e rápida; com a ação perdendo valor de maneira mais acentuada. A tendência de
crescimento se restabeleceu em 2009, tanto para ação, quanto para o índice, e permaneceu até o
fim de 2009 para a PETRO4.SA. A partir de 2010, a ação da Petrobras seguiu tendência
declinante, enquanto do índice AMEX Oil seguiu tendência ascendente (BARBOSA, 2013).
Na quarta fase, do começo de 2011 até o momento atual (março de 2014), a ação da
Petrobras se distancia cada vez mais do índice AMEX Oil; este índice segue uma trajetória
ascendente, estando, aproximadamente, 40% acima do nível de 2006, enquanto a ação apresenta
trajetória declinante, estando mais de 20% abaixo do nível inicial de 2006 (BARBOSA, 2013).
A trajetória declinante da ação da Petrobras fez com que houvesse uma redução de
seu valor de mercado. No fechamento de 30 de dezembro de 2013, em valores de 2012, o valor
de mercado da empresa era de R$ 202.708 milhões, correspondente a 61,46% do valor do
patrimônio líquido de R$ 329.840 milhões. Na Figura 11, a seguir, é possível verificar como
evoluiu o valor de mercado da Petrobras, desde 2006, assim como seu patrimônio líquido.
19
Figura 11 - Valor de mercado da Petrobras e patrimônio líquido (2006-2013).
600.000
500.000
400.000
300.000
200.000
100.000
0
2006
2007
2008
2009
Valor de mercado (em milhões)
2010
2011
2012
2013
Patrimônio líquido (em milhões)
Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007).
Apesar da queda do valor de mercado da companhia, a Petrobras ainda continua entre
as cem maiores empresas do mundo em capitalização, segundo o ranking da PWC (2013). Entre
as dezesseis empresas petrolíferas presentes neste ranking, conforme se verifica na Tabela 7, a
seguir, houve uma queda generalizada de posições, com exceção da Chevron, dos Estados
Unidos, e da CNOOC, de Hong Kong. Porém, a Petrobras, que saiu da décima segunda (12a)
posição, em 31 de março de 2008, para a quadragésima nona (49ª), em 31 de março de 2013,
perdendo 37 posições, foi a quarta que mais perdeu posições, depois da Gazprom, da Rússia, da
ConocoPhillips, dos Estados Unidos, e da ENI, da Itália8.
8
A fonte de dados e a classificação da indústria são da Bloomberg. As classificações não levam em consideração as mudanças nas
taxas de câmbio (PWC, 2013).
20
Tabela 7 - Evolução no ranking das companhias petrolíferas listadas entre as
cemmaiores domundo.
31 Mar. 2013
Cap. Mercado
Rank
($ Bilhões)
31 Mar. 2008
Cap. Mercado
Rank
($ Bilhões)
Nome da
companhia
Nacionalidade
Rank +/-
Exxon Mobil
Estados Unidos
-1
2
404
1
453
Petrochina
China
-3
5
255
2
424
Chevron
Estados Unidos
7
12
231
19
177
Royal Dutch Shell
Reino Unido
-6
16
209
10
216
BP
Reino Unido
-21
37
134
16
192
Ecopetrol
Colômbia
n/a
47
114
n/ top 150
46
Total
França
-30
48
113
18
178
Petrobras
Brasil
-37
49
113
12
208
China Petroleum
China
-15
54
106
39
135
Gazprom
Rússia
-54
58
102
4
302
Schlumberger
Estados Unidos
-2
60
100
58
104
CNOOC
Hong Kong
29
72
86
101
66
ENI
Itália
-41
79
82
38
137
Rosneft
Rússia
-15
81
81
66
95
Statoil
Noruega
-21
86
77
65
96
-49
94
73
45
119
ConocoPhillips
Estados Unidos
Fonte: PWC (2013).
A hipótese defendida por Cabral (2013b) para o desempenho bursátil da Petrobras
abaixo do restante da economia brasileira é que:
Ao se asfixiar o preço das ações, aumenta-se a relação entre endividamento e
capitalização. Por sua vez essa medida é importante para a reavaliação de classificação
de risco conferida por agências internacionais. Na eventualidade da Petrobrás ser
rebaixada, são esperadas implicações negativas sobre as taxas de juros a serem pagas no
futuro. Com isso, produz-se transferência de riqueza de acionistas (Estado e
minoritários) para fundos de investimento administrados pelos mesmos bancos.
Na próxima seção se verificará o impacto que o baixo desempenho bursátil da
Petrobras teve na classificação de risco da companhia, conferida por agências internacionais.
1.3
IMPACTO NO CREDIT RATING DA PETROBRAS
A Petrobras, nos últimos anos, vem sofrendo com o rebaixamento de suas notas de
crédito pelas agências de ratings Moody’s, Fitch e Standard & Poor’s. No Quadro 1, a seguir,
apresenta-se a última revisão, do ano de 2014, das notas atribuídas à Petrobras.
21
Quadro 1 - Classificações de ratings.
Agência de
ratings
Última
revisão
Global
moeda
local
Global
Nacional
moeda
moeda
estrangeira local
Panorama
Negativo
Moody’s
30/04/2014 Baa1
Baa1
Standard & Poor's
24/03/2014 BBB-
BBB-
Fitch
26/03/2014 BBB
Fonte: Petrobras (2014b).
BBB
Aaa
Estável
AAA
Estável
Já na Figura 12, apresenta-se a referência utilizada por estas agências para
classificação de risco de crédito atribuída a um emissor (país ou empresa).
Figura 12 - Referência das agências de rating para classificação de risco.
Fonte: O Globo (2014).
Mas, o que são estas agências de rating?
As agências de ratings, desde o início do século XX, com as primeiras classificações
destinadas às companhias ferroviárias dos EUA,passaram a fazer parte do mercado financeiro
internacional. Nos últimos trinta anos, com a nova arquitetura do mercado financeiro, tem sido
recomendado pela Securities and Exchange Comission (SEC) aos emitentes de dívida, que
desejam se lançar no mercado norte americano, um rating. Nesse contexto, principalmente para
22
empresas e países em desenvolvimento, as emissões de ratings se tornaram importantes9 (BONE,
2004).
Segundo Moody’sapud Bone (2004, p. 17), rating se refere a “[...] uma opinião
sobre a capacidade futura, a responsabilidade jurídica, e a vontade de um emitente de efetuar,
dentro do prazo, pagamentos do principal e juros de um título específico de renda fixa[...]”. Ele
se desdobra em curto e longo prazo e em moeda doméstica e estrangeira, e direciona-se ao
emitente e à emissão, dada a possibilidade de capacidade de pagamento diferenciada ao longo do
tempo. O emitente pode ser um governo nacional ou subnacional, que recebe um rating soberano,
ou empresas, que recebem um rating corporativo (BONE, 2004).
Enquanto o rating de crédito soberano ou o rating soberano leva em consideração a
capacidade e a disposição dos governos em honrar suas dívidas em moeda doméstica e
estrangeira, o corporativo é uma opinião sobre a capacidade de pagamento de empresas emitentes
de dívida em ambas as moedas. As escalas que expressam a capacidade de pagamento, conforme
se verifica na Figura 12, são: (i) a mais alta, referindo-se ao grau de investimento; (ii) a
intermediária, ao grau especulativo; e (iii) a mais baixa, ao grau de default ou junk Bond (BONE,
2004).
As agências de ratings deveriam ser, para o mercado, o terceiro membro da relação
tomador/emprestador, responsáveis pela avaliação independente da real situação financeira do
emitente da dívida. Estas não teriam incentivos em manipular a situação financeira futura da
empresa tomadora de recursos, dado que uma opinião equivocada acerca desta situação
implicaria na redução da demanda por seus serviços; o rating vale quando é crível. Em
contrapartida, em virtude do seu caráter opinativo, não existem custos legais de um rating
errôneo; pelo preceito constitucional de liberdade de expressão, as agências de ratings possuem
imunidade legal contra as ações de perdas e danos (BONE, 2004).
Muitas críticas têm sido dirigidas a estas agências, principalmente após as últimas
crises financeiras internacionais. Estas críticas se apoiam na falta de transparência sobre as
verdadeiras variáveis relevantes no processo de classificação. Os analistas afirmam que os
downgrades recebidos são sempre antecipados, enquanto os upgrades, quando recebidos, são
atrasados. Além disso, alega-se que as agências de ratings tendem a seguir o risco sistemático, de
9
ÀSEC, estabelecida pelo Congresso dos Estados Unidos em 1934, atribui-se a responsabilidade primária pela aplicação das leis
de títulos federais e a regulação do setor de valores mobiliários, as ações da nação e opções de câmbio, e outros mercados de
valores eletrônicos norte-americanos.
23
mercado, ao invés do risco específico do governo soberano ou da empresa, dado o elevado custo
de uma busca por informações pormenorizadas sobre os emitentes da dívida. Neste sentido, os
ratings emitidos passam a ser previsíveis, não possuindo conteúdo informacional; reproduzindo
apenas a sensibilidade do mercado (BONE, 2004).
Para os ratings soberanos, a falta de transparência se encontra nos fundamentos e nos
respectivos pesos dados aos parâmetros, que são diferenciados pelo país analisado e pelo
conteúdo subjetivo do risco político. No processo de avaliação destes ratings estão englobadas
variáveis quantitativas e qualitativas. Como variáveis quantitativas, citam-se: taxa de crescimento
do PIB real, dívida líquida do setor público sobre o PIB, necessidade de financiamento do setor
público sobre o PIB, superávit primário sobre o PIB, inflação, transações correntes sobre o PIB,
dívida externa líquida do setor público sobre as exportações e dívida externa líquida do setor
público sobre as reservas internacionais. Já como variáveis qualitativas se destacam: história de
default e renegociação da dívida com credores (BONE, 2004).
Já os ratings corporativos, quando comparados aos soberanos, não possuem variáveis
excessivamente subjetivas, o que torna sua classificação menos difícil. As variáveis mais
utilizadas para classificação são: cobertura financeira, estrutura de capital, medidas de
lucratividade e tamanho. Apesar da alegação de menor dificuldade de classificação dos ratings
corporativos, as agências são, também, acusadas de antecipar os downgrades e atrasar os
upgrades (BONE, 2004).
Tradicionalmente, o limite máximo para o rating corporativo é o rating soberano do
país domicílio. Denominado de teto soberano – sovereign ceiling -, este limite pode ocorrer para
os ratings corporativos em moeda doméstica, condicionado ao grau de impedimento ao acesso à
moeda no mercado interno, e moeda estrangeira, que reflete a capacidade do emitente de geração
(de) ou acesso (aos) recursos em moeda estrangeira, com o objetivo de pagamento das dívidas,
mesmo sob controle de capitais (BONE, 2004).
Porém, a obtenção por muitas empresas, quando comparadas aos governos soberanos,
de uma maior capacidade de honrar com seus compromissos financeiros tem colocado a
necessidade de revisão na delimitação do teto soberano para os domiciliados no país. Um pedido
de default por empresas deste nível, justamente por pertencer a uma classe produtiva privilegiada,
caracterizada pelo seu porte expressivo e reconhecimento internacional quanto ao acesso ao
mercado de capitais, causaria danos incalculáveis à economia nacional (BONE, 2004).
24
A Petrobras S.A é uma empresa que se enquadra neste perfil.
A análise dos ratings da Petrobras, assim como das demais empresas petrolíferas, dáse de maneira similar às empresas industriais – que levam em consideração na análise o conjunto
da situação financeira da empresa e seus potenciais fluxos de caixa futuros -, com exceção dos
indicadores de produção e reservas, construídos obedecendo às particularidades da commodity;
tida como um recurso natural não renovável (BONE, 2004).
A companhia recebeu da Moody’s, em abril de 2014, classificações Baa1 em moeda
local e em moeda estrangeira. Estas classificações, segundo a agência, foram reflexos da alta
alavancagem financeira da empresa, com expectativa de continuidade desta, devido a seu
programa de exploração e desenvolvimento offshore, um dos maiores do mundo. Os riscos
envolvidos na E&P da nova fronteira geológica, as perdas no downstream, causadas pelo
aumento das importações de produtos refinados, e a prática de preços máximos sobre estes
produtos no Brasil também foram levados em consideração. Como fatores positivos que
influenciaram as classificações, destacam-se: (i) a posição dominante da Petrobras no setor de
energia brasileiro, com reservas de hidrocarbonetos e produção offshore de petróleo e gás natural
que se destacam mundialmente; e (ii) sua posição de liderança na aplicação de tecnologias para
E&P em áreas offshore10.
O elevado suporte governamental, que se intensificou com as mudanças regulatórias
ocorridas nos últimos anos, discutido na seção 4, tem representado, segundo a agência, mais um
fator de risco para deterioração das métricas de crédito da companhia. O governo brasileiro tem
desempenhado um papel cada vez maior na gestão da Petrobras e do setor petrolífero, incluindo o
desenvolvimento offshore, direcionamento estratégico e política de conteúdo local, visando o
desenvolvimento de uma indústria para-petrolífera nacional (MOODY’S, 2014a; MOODY’S,
2014b). Quanto à política de conteúdo local, a Moody’s (2014b, p. 2) salienta:
Petrobras, like all producers in Brazil, is required to meet contractual local content
mandates as the government promotes the establishment of a local shipbuilding and
services industry. Local content could become an impediment to the pace of offshore
developments as Brazil develops more of an indigenous shipping/rig and services
industry. It remains to be seen what sort of flexibility will evolve for Petrobras and the
industry if meeting local content becomes a bottleneck, or what accommodations
Petrobras could have to make with drilling contractors, operators and other service
providers if the development program is delayed.
10
Em 21/10/2014, a agência de classificação de risco Moody’s rebaixou a nota de crédito em moeda nacional e estrangeira da
Petrobras, de Baa1 para Baa2 (O GLOBO, 2014).
25
A perspectiva de ratings da Petrobras é negativa, em função da possibilidade de não
cumprimento das metas de investimento e crescimento da produção e piora do índice de
alavancagem financeira. O aumento da ligação com o governo pode resultar na convergência das
classificações dos ratings corporativos com os soberanos (MOODY’S, 2014a; MOODY’S,
2014b). A Figura 13, a seguir, demonstra a evolução dos ratings dados à Petrobras pela agência
Moody’s.
Figura 13 - Rating Petrobras e PIFCO versus rating soberano (Moody’s).
Fonte: Petrobras (2014b).
Já a Standard & Poor’s rebaixou os ratings de crédito corporativo da Petrobras de
‘BBB’ para ‘BBB-’. Como justificativa, aponta-se: (i) o suporte governamental extraordinário à
companhia, dado o seu importante papel como a principal empresa da indústria petrolífera e
como a maior distribuidora de combustível do país, com efeito sobre os índices de inflação; e (b)
o seu forte vínculo com o governo, detentor de 50,2% do capital votante da empresa; quando
consideradas as entidades vinculadas ao governo, como o BNDES, o Fundo Soberano do Brasil e
outras, esse percentual se eleva para mais de 60%(STANDARD & POOR’S, 2014).
Estas notas refletem o perfil de risco de negócios satisfatório da companhia, em
função de suas atividades de E&P, e sua posição de liderança em todos os aspectos na indústria
petrolífera brasileira. Além disso, é um espelho do seu perfil de risco financeiro, com a relação
entre índice de dívida ajustada líquida total e EBITDA em torno de 3,0x a 4,0x e entre a geração
interna de caixa (Funds From Operations - FFO, em inglês) e a dívida ajustada líquida entre 20%
26
a 25% (deduzindo-se 75% das reservas de caixa da dívida bruta) (STANDARD & POOR’S,
2014).
Os ratings em moeda local e em moeda estrangeira da Petrobras continuam limitados
ao mesmo nível do soberano. A expectativa da Standard & Poor’s (2014) é que isto não mude no
curto prazo. A Figura 14, a seguir, demonstra a evolução dos ratings dados à Petrobras pela
agência.
Figura 14 - Rating Petrobras e PIFCO versus rating soberano (Standard & Poor’s).
Fonte: Petrobras (2014b).
A Fitch, constatando a posição de liderança da Petrobras no mercado de energia
brasileiro, sua reconhecida experiência em E&P offshore e sua importância estratégica para o
país, manteve as métricas de crédito da companhia, tanto para moeda estrangeira, quanto para
moeda doméstica, em BBB. Além desses quesitos, contou para avaliação da agência o agressivo
programa de investimento da companhia, sua exposição à interferência política local, sua
vulnerabilidade às flutuações dos preços internacionais de commodities, os riscos cambiais e a
concentração de renda no mercado doméstico (FITCHRATINGS, 2014).
A referida agência prevê que essas métricas se deteriorarão no decorrer dos próximos
dois ou três anos, em função do aumento da necessidade de financiamento para atender a um
agressivo programa de investimento, e do déficit comercial atual, resultado da crescente
necessidade de importar produtos refinados, vendidos a preços abaixo da paridade internacional.
Além destas dificuldades, a agência espera que a empresa enfrente problemas para (i) atingir suas
metas de produção, dado o nível de equipamentos críticos necessários para exploração e
27
produção das áreas do pré-sal, (ii) cumprir as metas de conteúdo local, e (iii) obter financiamento
externo (FITCHRATINGS, 2014).
Os ratings da Petrobras acompanham os soberanos, em função do controle
governamental da maioria do seu capital votante, sua importância estratégica para o Brasil, como
principal fornecedor de combustíveis, assim como do apoio governamental no financiamento da
companhia (a dívida da Petrobras com o BNDES, em dezembro de 2013, representou,
aproximadamente, 16% do total de sua dívida). Além desses aspectos, a agência destacou o
aumento da participação do governo na Petrobras, com as mudanças na regulação do setor
ocorridas nos últimos anos, como um reforço na ligação entre os ratings corporativo e soberano
(FITCHRATINGS, 2014). A Figura 15, a seguir, mostra a evolução dos ratings dados à Petrobras
pela agência Fitch.
Figura 15 - Rating Petrobras PIFCO versus rating soberano (Fitch).
Fonte: Petrobras (2014b).
Vale ressaltar que a elevação do credit rating da Petrobras à categoria de investment
grade pela Moody’s, em 2005, e pelas agências Standard & Poor’s e Fitch, em 2007,
possibilitou-a ter acesso à financiamento com menores spreads, o que lhe permitiu aumentar seus
investimentos. A elevação para categoria de investment grade, da Petrobras, deu-se antes mesmo
do Brasil como título soberano (BARBOSA, 2013).
28
1.4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evolução dos indicadores operacionais, econômicos e financeiros da Petrobras tem
sido objeto de intensos debates nos últimos anos. Todos os indicadores econômicos e financeiros,
nos anos de 2006 à 2013 - liquidez, rentabilidade, endividamento e geração de caixa -,
apresentaram deterioração. Quanto aos principais indicadores operacionais para empresas
atuantes na E&P de petróleo e gás natural, apesar de se observar uma consistência nas séries de
reservas provadas e de reserva sobre produção, o indicador de reposição das reservas apresentou
uma tendência declinante.
Esses fatos têm contribuído para um desempenho bursátil da Petrobras abaixo do
restante da economia brasileira, assim como num rebaixamento de suas notas de crédito pelas
agências de ratings. Como fatores determinantes para o rebaixamento e para previsão de
deterioração das métricas de crédito da empresa se destacam: seu agressivo programa de
investimento e sua exposição à interferência política local, que, segundo as agências, tem
influenciado seu déficit comercial atual, dada a crescente necessidade de importar produtos
refinados, vendidos a preços abaixo da sua paridade internacional, e dificultado o atendimento de
suas metas de produção, dado o nível de equipamentos críticos necessários para E&P das áreas
do pré-sal e a exigência de cumprimento das metas de conteúdo local.
Apesar das muitas críticas dirigidas a estas agências, apoiadas, principalmente, na
falta de transparência sobre as variáveis relevantes no processo de classificação, a elevação do
credit rating da Petrobras à categoria de investment grade a possibilitou ter acesso à
financiamento com menores spreads. Logo, o rebaixamento destas notas de crédito pode ter
conseqüências negativas no que tange a perspectivas de financiamento dos projetos de
investimento da companhia.
No próximo capítulo serão discutidas as consequências das mudanças na dinâmica de
acumulação das grandes corporações, ocorridas nos anos de 1980, nos Estados Unidos, quando as
agências de rating ganharam importância como mais um agente do sistema financeiro.
29
30
2
MAXIMIZAÇÃO DO VALOR PARA O ACIONISTA, FIRMA
INOVADORA E PERFORMANCE ECONÔMICA
O progressivo desgaste das regras monetárias e cambiais concertadas em Bretton
Woods foi causado pela rápida recuperação das economias europeias e o espetacular crescimento
do Japão, assim como pelo fluxo continuado de investimentos americanos diretos para o resto do
mundo e pelos gastos da Guerra Fria. A “crise” do sistema, que já se anunciava na segunda
metade da década de 1950, culminou com a desvinculação do dólar com o ouro, em 1971, no
primeiro choque do petróleo e na introdução do regime de taxas de câmbio flutuantes, em 1973
(BELLUZZO, 2006).
A instabilidade cambial e as tensões decorrentes da subida das taxas de inflação, por
toda parte, foram características marcantes da década de 1970, enfrentadas com o “choque de
juros”, deflagrado pelo Federal Reserve, em 1979. A supervalorização do dólar inverteu a
posição externa dos EUA, passando da posição de credor para devedor internacional. Este
desequilíbrio foi decisivo para o aprofundamento dos processos de “securitização” das operações
de emissão de dívidas e para o avanço da “desregulamentação” dos mercados, intensificando a
chamada globalização financeira (BELLUZZO, 2006; TAVARES; BELLUZZO, 2005).
Com este contexto, a vantagem da grande corporação multidivisional, crescentemente
multinacional, com uma extensa hierarquia gerencial e verticalmente integrada, dominante no
estudo da Organização Industrial até meados dos anos 1980 - baseada em (i) menores custos de
transação no interior da firma, pela melhor rotinização de suas atividades, (ii) informação sobre
preço e oferta mais acurada, quando transmitida no interior da firma, e (iii) melhor utilização das
plantas e equipamentos e rendimentos crescente, pela melhor coordenação de insumos e produtos
- não se sustentou (STURGEON, 2002).
O objetivo deste capítulo é discutir como a globalização financeira afetou a dinâmica
de acumulação das grandes corporações no período recente (pós década de 1980). Para isso, ele
foi dividido em quatro seções. Na primeira, a intenção é discutir o novo princípio de governança
corporativa baseado na maximização do valor para o acionista. Na segunda, o objetivo é analisar
a influência do atendimento à tal princípio na empresa inovadora. Na terceira, discute-se a
relação existente entre esse princípio e a performance econômica. Na quarta, fazem-se as
considerações finais.
31
2.1
GOVERNANÇA
CORPORATIVA
SOB
A
MAXIMIZAÇÃO DO VALOR PARA O ACIONISTA
ÉGIDE
DA
O período de intensa conglomeração e declínio no desempenho corporativo norteamericano, nos anos 1960 e 1970, é utilizado, na perspectiva da teoria da agência, como
evidência de desperdício de recursos das empresas pelos gerentes em diversificações mal
sucedidas. Já a recuperação do desempenho das empresas estadunidenses, na década de 1990, é
utilizada como evidência de acerto das reformas empreendidas a partir dos anos de 1980,
alinhadas com a perspectiva de maximização de valor para o acionista (KERSTENETZKY,
2007). O objetivo desta seção é, justamente, discutir essa perspectiva.
2.1.1
A origem do princípio de maximização do valor para o acionista
Foi na década de 1980 que os argumentos a favor de administrar corporações para
gerar valor para os acionistas entraram nos Estados Unidos. Ao longo do século XX, a economia
estadunidense foi dominada por um número relativamente pequeno de grandes corporações, que
empregavam milhares de pessoas. O princípio de governança corporativa utilizado para alocação
das receitas dessas corporações era denominado de ‘reter e reinvestir’. Segundo esse princípio, as
empresas retinham os lucros e os empregados; os lucros eram reinvestidos em capital físico e
recursos humanos complementares. Retenções de ganhos e reinvestimento em capital proveram
as fundações financeiras para o crescimento corporativo, enquanto a construção de capacidade
gerencial para desenvolver e utilizar recursos produtivos permitiu investimentos bem sucedidos
em instalações, equipamentos e pessoal (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000).
No entanto, nos anos de 1960 e 1970, o princípio do “reter e reinvestir” incorreu em
problemas, por dois motivos: excessivo crescimento das empresas e surgimento de novos
concorrentes. A expansão excessiva das corporações, a ponto de lhes impor dificuldades de
coordenação, tornou mais complexo o entendimento de quais estratégias inovadoras deveriam ser
perseguidas e se as organizações possuíam capacidades de implementá-las (LAZONICK;
O’SULLIVAN, 2000).
Conforme aponta Kerstenetzky (2007), até os anos de 1970, os grandes
conglomerados estiveram associados a uma concepção de firma em que sinergias econômicas
favoreceriam a aplicação de técnicas de gerenciamento a uma combinação de negócios
32
heterogêneos. A firma conglomerada seria, deste modo, um conjunto de ativos - um portfolio de
ativos com diferentes linhas de produtos – dispostos e rearranjados pelos gerentes através da
compra e venda de unidades. Neste sentido, este tipo de organização industrial favorecia: (i) a
suavização dos ciclos, pela diversificação; (ii) a gestão dos ativos do portfólio, com o emprego de
modernas técnicas de gestão, informação e acesso à mercados financeiros; e (iii) o
acompanhamento do desempenho dos investimentos, com aquisições e vendas. O fraco
desempenho dos conglomerados se tornou parte das explicações para o declínio das corporações
norte-americanas na década de 1970.
A outra parte foi creditada ao ambiente macroeconômico instável e a ascensão de
uma nova concorrência internacional, especialmente do Japão. O Japão passou a desafiar os
Estados Unidos em indústrias e setores - produção em massa de automóveis, eletrônicos de
consumo e nos setores de máquinas e eletrônicos que forneciam bens de capital para essas
indústrias de consumo duráveis - em que empresas norte-americanas tinham sido líderes
mundiais e que tinham sido essenciais para a prosperidade dessa economia desde os anos de
1920(LAZONICK, 2006; LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000)
Diferentemente das empresas norte-americanas - que utilizavam suas organizações
gerenciais para desenvolver e utilizar tecnologias que lhes possibilitassem dispensar
trabalhadores de chão de fábrica e que priorizavam a utilização de fornecedores e distribuidores,
mesmo que isso significasse um menor envolvimento com o processo inovativo -, as empresas
japonesas instituíramo emprego permanente, que permitiu um novo modelo de integração
hierárquica e funcional - integração das capacidades das pessoas com uma gama mais ampla de
especialidades funcionais e uma matriz de responsabilidades hierárquicas mais profundas -, e
possibilitou o envolvimento destas na aprendizagem coletiva e inovativa(LAZONICK, 2006;
LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000).
Foi nesse contexto que a abordagem de governança corporativa, conhecida como
teoria da agência, é resgatada e reinventada por Michael Jensen e William Meckling, ambos da
Universidade de Rochester. Essa discussão, iniciada no século XVII, na Holanda e Inglaterra,
com a criação das sociedades anônimas modernas, caracterizadas pela dispersão dos acionistas
cuja responsabilidade pelas dívidas da empresa estava limitada ao valor de suas ações, foi tratada
por Adam Smith, em 1776, em A Riqueza das Nações (FOX, 2010). Na época, Smith criticava as
sociedades anônimas com o seguinte argumento:
33
The directors of such companies,…being the managers of other people’s money than of
their own, it cannot well be expected, that they should watch over it with the same
anxious vigilance with which the partners in a private copartnery frequently watch over
their own. Negligence and profusion, therefore, must always prevail, more or less, in the
management of the affairs of such a company (FOX, 2010, p. 154; JENSEN;
MECKLING, 1976, p. 305).
Segundo a abordagem da teoria da agência, o fraco desempenho das empresas norteamericanas na década de 1970 era devido à falta de disciplina dos gerentes corporativos, que,
oportunisticamente, usavam seu controle sobre a alocação de recursos para alcançar objetivos
próprios, ou pelo menos que eram contrários aos interesses dos acionistas. Nesse sentido, fazia-se
necessário um mercado de aquisição que, funcionando como um mercado para controle
corporativo, poderia disciplinar os gestores que gerenciavam mal suas empresas. A taxa de
retorno sobre as ações da empresa seria sua medida de desempenho e a maximização de valor
para os acionistas seu credo (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000).
Tal abordagem tem implicado, desde a década de 1980, em estratégias comerciais e
financeiras que buscam aumentar a taxa bruta de retorno econômico sobre o capital empregado.
Esse aumento tem sido alcançado pela combinação de dois métodos, a saber: (i) redução do custo
do trabalho, que eleva a participação dos lucros; e, (ii) poupança de capital produtivo, que reduz a
relação capital/produto. Neste sentido, a divisão do trabalho tem sido remodelada por estratégias
relacionadas à terceirização, subcontratação, spin-offs, dentre outras (WILLIAMS, 2000;
AGLIETTA, 2000).
O foco nestas estratégias tem reorientado a hierarquia de objetivos gerenciais numa
direção em que, além de organizar processos e atender consumidores, as empresas devem
satisfazer, também, gestores de fundos e atender as expectativas do mercado de capitais. O
resultado disso é uma nova forma de concorrência em que as empresas de capital aberto
competem, como um investimento, em termos de desempenho financeiro (WILLIAMS, 2000).
Esse princípio de governança corporativa encontrou nos investidores institucionais o
suporte necessário. A transferência de participação acionária das famílias para instituições como
fundos mútuos, fundos de pensão e companhias de seguro de vida, proporcionou maior poder
para os acionistas influenciarem os rendimentos e valores de mercado das ações. As mudanças
ocorridas no setor financeiro, na década de 1970, possibilitaram a inclusão de ações corporativas
nas carteiras de investimento de companhias de seguro de vida e fundos de pensão. Nos anos de
34
1960 e 1970 esse tipo de procedimento possuía restrições legais (LAZONICK; O’SULLIVAN,
2000).
Essas mudanças, que promoveu o crescimento do investimento institucional baseado
em ações, foram conseqüência, (i) da mudança de foco de empresas financeiras de Wall Street, da
compra e venda de empresas durante a mania do conglomerado dos anos de 1960, para o apoio à
atividades de investimento de longo prazo (principalmente através de emissões de obrigações),
visando a geração de ganhos de capital através de negociação de títulos corporativos e
governamentais; e (ii) da evolução da tecnologia de computação, que possibilitou essas empresas
lidarem com volumes mais elevados de comércio(LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000).
Os investidores institucionais foram participantes centrais do movimento de
aquisições hostis ocorrido na década de 1980 (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000). A
possibilidade de uma aquisição hostil evitaria, em tese, que executivos adotassem
comportamentos muitos desviantes dos interesses dos acionistas, e aumentaria a eficiência
alocativa dos recursos da economia, na medida em que empresas mal gerenciadas seriam
adquiridas11(RABELO; SILVEIRA, 1999).
As aquisições hostis, sob a alegação de que foram benéficas para as empresas
envolvidas e para a economia dos EUA como um todo, encontraram o apoio necessário no
surgimento de um poderoso mercado para controle corporativo. Essas aquisições, além de colocar
à frente das empresas gestores dispostos a maximizar valor para o acionista, obrigavam-os a
demitir trabalhadores e vender ativos físicos, caso isso fosse necessário para atender as novas
obrigações financeiras da corporação e, de fato, empurrar para cima o valor das ações
(LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000).
A não adesão aos critérios financeiros na tomada de decisões e na reorganização das
firmas passou a ser negativamente avaliado pelo mercado, provocando queda no valor das ações e
obrigando à reestruturação, ou resultando na perda de controle. Os custos sociais provocados pela
adesão aos critérios mencionados, fechamento de plantas e perda líquida de postos de trabalho,
passaram a ser creditados à situação de sobreinvestimento e sobreemprego em que estava
operando a economia, associados a falhas nos sistemas de controle (KERSTENETZKY, 2007).
11
Porém, com base em estudos empíricos, existem poucas evidências de que as mudanças de controle com as aquisições
representam uma resposta ao mau desempenho dos executivos. Apesar do mercado de aquisições ser um mecanismo utilizado
para disciplinar os gestores nos países anglo-saxões, é possível encontrar a mesma intensidade de rotação de gestores em nações
cujo modelo de governança corporativa é diferente do anglo-saxão (CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001).
35
Sobre o argumento de que os mercados de capitais desempenham, no capitalismo, um papel
importante na eliminação da capacidade ociosa, Kerstenetzky (2007, p. 229) acrescenta:
[...] a queima de capital produtivo da década de 1980 e o downsizing não seriam
diferentes da racionalização do final do século XIX, em que ondas de trustificação
queimaram capacidade ociosa e selecionaram plantas de maior produtividade. Fusão de
empresas e fechamento de plantas seriam recorrentes na história do capitalismo,
periodicamente assolado por sobreinvestimento e excessiva multiplicação de unidades de
produção sob os efeitos da mudança tecnológica, da redução de custos e de novas
oportunidades lucrativas. Ao sobreinvestimento se seguiria um processo de
racionalização e enxugamento do excesso, com seleção de plantas com base na
produtividade e rearranjo eficiente. O resultado final seria de vasto aumento de
produtividade e bem-estar, mas com períodos marcados pela presença de obsolescência
de capital humano e físico, cuja solução apresenta custos, amargor, incompreensão e
tempos difíceis. No caso de uma economia de corporações, o correspondente da falência
da firma familiar é a reestruturação operada pelo mercado de capitais.
Porém, a partir deste argumento, poderia se pensar que, da mesma maneira que o
movimento de aquisições hostis da década de 1980 influenciou a reforma da governança
corporativa, que passaria a ser regida pelo princípio da criação de valor para o acionista, o crash
do mercado norte-americano de ações, de 1987, poderia ter colocado fim a esse princípio. Em vez
disso, o mercado de ações se recuperou rapidamente e, durante toda a década de 1990, as
corporações norte-americanas foram extremamente hábeis em reproduzir esse princípio de
governança (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000).
Em nome da criação de valor para o acionista, a orientação estratégica dos gestores na
alocação de recursos mudou de lógica; do ‘reter e reinvestir’ para o ‘reduzir e distribuir’. Sob
essa lógica, o tamanho das empresas foi reduzido, com corte, inclusive, de força de trabalho,
numa tentativa de aumentar o retorno sobre o patrimônio líquido e distribuí-lo para os acionistas
(LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000).
2.1.2
Por que maximizar valor para o acionista?
A fundamentação teórica do princípio de governança corporativa de maximização de
valor para o acionista está baseada na ideia de que a existência de mercados perfeitos de capital,
trabalho e produto, nas economias de mercado, assegura a melhor alocação possível dos recursos
escassos para atingir o desempenho econômico mais eficiente possível (BERNSTEIN, 2007;
LAZONICK, 2006).
36
Portanto, a existência de mercados de capitais eficientes impõe que o valor de
mercado da firma reflita seus fluxos de caixa líquido esperados, incluindo os fluxos de caixa das
oportunidades de investimentos futuros (JENSEN; SMITH, 1984). Ou seja, pressupõe-se que as
informações atendam as exigências legais e as expectativas dos participantes deste mercado, de
modo que uma nova informação seja incorporada rapidamente, com o concomitante ajuste nos
preços dos títulos (PROCIANOY; ANTUNES, 2003).
A Hipótese da Eficiência de Mercado (HEM), cuja evolução empírica e teórica
ocorreu no decorrer do século XX, principalmente a partir do desenvolvimento de modelos
econômicos ao longo da década de 1960, remonta estudos realizados em 1900, quando passou a
ser desenvolvida a ideia do comportamento aleatório dos preços. Esta ideia pressupunha a
inexistência de padrão nos preços históricos; estes não eram úteis para prever mudanças futuras
(CAMARGOS; BARBOSA, 2003).
Jensen (1978) afirma que a HEM se tornou amplamente aceitável nos anos de 1950 e
1960, quando apareceu sob o nome de Random Walk Theory, na literatura de Finanças, e de
“Teoria das Expectativas Racionais”, no mainstream da literatura de Economia. Segundo o
mesmo autor, a HEM é uma extensão da condição de equilíbrio competitivo da teoria dos preços
clássica para o comportamento dinâmico de preços nos mercados especulativos em condições de
incerteza.
As condições para que a HEM se verifique, segundo Fama (1970), são: (i)
inexistência de custos de transação nas negociações de títulos; (ii) disponibilização de todas as
informações sem custos para todos os participantes do mercado; e (iii) conformação das
expectativas dos investidores no que se refere aos efeitos das informações sobre os preços atuais
das ações, assim como suas distribuições futuras.
Diversas versões da HEM tem sido amplamente discutida e testada na literatura,
estando a diferença entre estas associadas, principalmente, a definição do conjunto de
informações usada nos testes. As três grandes versões desenvolvidas são: (i) a forma fraca da
HEM, em que o preço das ações reflete toda a informação contida no histórico de preços passado;
(ii) a forma semi-forte, em que toda informação disponível ao público se reflete nos preços dos
ativos; e (iii) a forma forte, em que todas as informações se reflete no preço das ações, seja
informações privadas ou confidenciais ou internas à empresa, ou informações públicas (JENSEN,
1978).
37
A HEM tem inúmeras implicações importantes para finanças corporativas. A
principal delas é a não existência de ambiguidade sobre a função objetivo da firma; que é a
maximização do seu valor de mercado atual (JENSEN; SMITH, 1984).
No entanto, ao se admitir a existência de “imperfeições de mercado” – a existência de
especificidade de ativos, por exemplo -, o que exige controle gerencial sobre a alocação de
recursos, surge um "problema de agência" para os "principais”, que fizeram investimentos na
firma. Duas limitações sobre a habilidade humana de tomar decisões sobre a alocação de
recursos, uma cognitiva e outra comportamental, derivam o problema de agência (LAZONICK,
2006).
A limitação cognitiva é a informação oculta (também conhecida como seleção
adversa ou racionalidade limitada), que impossibilita os investidores (principais) de saberem, a
priori, se os gerentes contratados (agentes) serão bons ou maus alocadores de recursos. A
limitação comportamental é a ação oculta (também conhecida como risco moral ou oportunismo),
que reflete a propensão, inerente a uma sociedade individualista, dos agentes utilizarem sua
posição como alocadores de recursos para maximizarem sua função utilidade, em detrimento da
função utilidade dos principais. Segundo Lazonick (2006, p. 3-4):
These managers may allocate corporate resources to build their own personal empires
regardless of whether the investments they make and the people they employ generate
sufficient profits for the firm. Or they may hoard surplus cash or near-liquid assets
within the corporation, thus maintaining control over uninvested resources, rather than
distributing these extra revenues to those who have invested in the company. Or they
may simply use their control over resource allocation to line their own pockets.
Diante da suposição de que a “boa governança corporativa” significa maximizar valor
para o acionista, a questão que fica é saber por que o acionista é beneficiado e não, por exemplo,
os credores, tornando suas aplicações financeiras mais seguras, ou os empregados, via maiores
salários e benefícios. Os simpatizantes da teoria argumentam que entre todos os stakeholders da
corporação empresarial, somente os shareholders são os “residual claimants”. Ou seja, dentre as
partes interessadas, apenas os acionistas não têm direitos contratuais garantidos; seu retorno, caso
haja, depende do que sobra depois de terem sido pagas às partes suas contribuições produtivas
(LAZONICK, 2006; CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001).
Conforme aponta Fama e Jensen (1983), os riscos assumidos pela maioria dos
agentes são limitados pelas estruturas de contrato das diferentes formas de organização. Quem
38
suporta o risco residual – diferença entre a entrada de recursos e os pagamentos prometidos aos
agentes – são aqueles que contratam os direitos aos fluxos de caixa líquido, chamados
reclamantes residuais ou portadores de risco residual.
Sobre este aspecto, Charreaux e Desbriéres (2001) acrescentam que o fato de os
acionistas desempenharem um papel secundário no processo de criação de valor justifica, de certa
maneira, sua remuneração incerta; no caso de uma situação econômica favorável, os acionistas
são remunerados, por outro lado, caso a situação econômica seja desfavorável, são estes que
suportam a maior parte dos prejuízos.
O fato deste grupo de agentes suportar a maior parcela da incerteza o obriga a
monitorar os gerentes para assegurar que estes aloquem recursos da forma mais eficiente
possível; o que reduz os custos incorridos para o monitoramento dos contratos com outros grupos
de agentes (FAMA; JENSEN, 1983). Ou seja, como a posse de uma ação não implica qualquer
tipo de direito contratual, facultando ao acionista a realocação de seus investimentos financeiros,
eles são considerados os participantes da economia que estão mais bem situados para realocar
recursos para usos mais eficientes (LAZONICK, 2006).
Contratos que direcionam as decisões para o atendimento dos interesses dos
requerentes residuais contribuem para geração de valor para as organizações. Pois, da mesma
forma que produzir a um baixo custo, por exemplo, está alinhado aos interesses dos reclamantes
residuais, pelo fato de aumentar o fluxo de caixa líquido, contribui para sobrevivência da
empresa, ao permitir que produtos sejam vendidos a preços menores (FAMA; JENSEN, 1983).
Para Jensen (2010), esta perspectiva é, também, benéfica para a sociedade como um
todo. Pois, numa perspectiva rival, a stakeholder theory, a não indicação da solução de conflitos
entre os diferentes interesses e dos princípios que devem guiar a tomada de decisões liberaria os
gerentes, sem responsabilidades, à seguirem seus próprios interesses.
Neste sentido, a maximização de lucros e sua distribuição à quem fez o investimento
se constitui num critério claro de decisão sobre o emprego do dinheiro, estando a ligação entre o
interesse do acionista e do restante da sociedade na valorização de cada unidade gasta.
Consumidores, trabalhadores e fornecedores, além de contribuírem com a valorização, podem,
também,assumir os riscos e o controle comprando ações (KERSTENETZKY, 2007).
Porém, como os interesses dos gestores podem estar associados à consolidação de
suas posições através da solidez e produtividade alcançadas com a coalizão organizacional, o
39
alinhamento com os interesses dos acionistas pode não se constituir na única preocupação destes.
A desconexão com a evolução das remunerações dos acionistas e/ou empregados poderia causar
conflitos – desestímulos dos empregados, por exemplo - e levar a uma redução do stakeholder
value12 (CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001).
Além disso, a análise do processo de criação de valor, relacionado ao sistema de
governança corporativa, não pode ser reduzido às transações entre empresas e acionistas e ao
estudo da influência destes no controle sobre os gestores. A importância destes fatores, tanto para
a literatura sobre criação de valor, quanto para aquela relacionada à governança corporativa,
deve-se à prevalência do modelo anglo-saxão em relação aos modelos europeus e japoneses,
baseados, conforme Charreaux e Desbriéres (2001), numa abordagem mais plural da firma13.
Os gestores criam valor quando a diferença entre os preços de venda e os custos de
produção, incluindo o custo de oportunidade, é positiva. A escassez de produtos e serviços
oferecidos pela empresa e o quão dependentes os clientes são destes determinam o nível de
preços. Neste sentido, um produto/serviço inovador, por exemplo, pode se configurar como uma
importante fonte de criação de valor. Da mesma maneira que, ao reduzir o custo de oportunidade,
uma menor remuneração exigida pelos credores financeiros - devido a diminuição do risco -, ou
um acordo de parceria com os fornecedores, ao reduzir o risco de oportunismo (CHARREAUX;
DESBRIÉRES, 2001).
Neste sentido, o processo de criação de valor não pode ser analisado
independentemente do processo de distribuição, sendo que este não deve se resumir à geração de
valor para o acionista. Uma distribuição favorável aos trabalhadores, com pagamentos de salários
superiores aos seus custos de oportunidade, por exemplo, induz um melhor desempenho destes,
resultando na melhoria da qualidade dos produtos produzidos (CHARREAUX; DESBRIÉRES,
2001).
12
Sobre este aspecto, Penrose (1959), já analisando o conflito de interesses evidenciado pela separação entre propriedade e
controle, argumentava que os administradores assalariados ganhavam pouco, ou nada, pela distribuição de dividendos além do
necessário para evitar reclamações em grande número de acionistas, para atração de capital adicional necessário e, de modo geral,
para formação ou manutenção da reputação da firma como um bom investimento. Segundo a autora, a retenção e reinversão dos
fundos gerados pela firma garantiriam um prestígio e satisfação pessoal à estes administradores maior do que a distribuição de
dividendos para além dos limites necessários para conservar a felicidade dos investidores.
13
De maneira mais ampla do que aqueles que definem governança corporativa como o estudo dos processos pelos quais os
fornecedores de recursos – reduzidos aos únicos investidores financeiros - garantem a rentabilidade do seu investimento,
Charreaux e Desbriéres (2001) a definem como mecanismos que governam o comportamento dos gestores, atores centrais (mas
não os únicos) no processo de criação de valor, e delineiam seu poder discricionário.
40
Uma análise precisa do processo de distribuição revela, ainda, que os atributos
utilizados pelos demais stakeholders, que não os acionistas, para criação de valor, são, em sua
maioria, intransferíveis. Um trabalhador, que recebe a parcela do valor criado correspondente a
sua contribuição específica, por exemplo, não é capaz de mobilizar esse valor no mercado. A
possibilidade dos acionistas transferirem seus recursos, através do mercado de ações, constitui a
melhor proteção do capital investido;o que contrapõe o argumento de que estes sejam os únicos
“residual claimants” (CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001).
O mercado de ações, dentro do paradigma do shareholder, é a instituição de
governança corporativa pelo qual o problema de agência pode ser resolvido e a alocação eficiente
de recursos da economia pode ser alcançada; as decisões internas quanto à alocação de fluxos de
caixa futuros e correntes se refletem nos preços das ações (LAZONICK, 2006; AGLIETTA,
2000; FAMA; JENSEN, 1983).
Portanto, o mercado de ações pode funcionar, especificamernte, como um mercado de
controle corporativo, que permite aos shareholders ‘disgorge the free cash flow’ (LAZONICK,
2006; FAMA; JENSEN, 1983). Fluxo de caixa livre ou líquido, conforme já definido, éo fluxo de
caixaque
excede
o
necessário
para
ofinanciamento
detodos
osprojetos
comvalores
presenteslíquidos positivos,quandoos custosrelevantesdecapital forem descontados. Os graves
conflitos de interesses entre acionistas e gestores, gerados pela obtenção defluxo de caixa livre
substancial, impõem a necessidade de motivar os últimos à distribuir fluxo de caixa livre aos
primeiros, ao invés de investi-lo a baixo custo de capital ou desperdiçá-locom ineficiências
organizacionais (JENSEN, 1986).
Exceto para firmas com projetos de investimentos não rentáveis, a teoria do fluxo de
caixa livre supõe que os preços das ações sobem com aumentos inesperados de pagamentos aos
acionistas (ou promessa de aumentos) e caem com a redução de pagamentos ou nova requisição
de fundos (ou perspectiva de reduções de pagamentos futuros) (JENSEN, 1986).
A possibilidade dos investidores venderem suas ações, realocando seus recursos para
usos mais eficientes, motiva os gerentes a maximizar valor para os acionistas. Pois, a venda de
ações reduz o preço das ações da empresa, que, por sua vez, facilita a aquisição por acionistas
que podem colocar no lugar gestores que estejam mais dispostos à distribuir fluxos de caixa livre
(LAZONICK, 2006).
41
A maximização do valor para o acionista, como novo princípiode governança
corporativa, nos anos de 1980 e 1990, elevou os rendimentos reais sobre ações corporativas dos
EUA como um todo, que tinham sido corroídos pela inflação durante a década de 1970. A
elevação dos rendimentos foi reflexo, conforme salienta Lazonick (2006), de uma combinação de
três forças distintas da economia corporativa norte-americana, a saber:
(i) redistribuição das receitas corporativas, principalmente das companhias da “Velha
Economia” (Old Economy Business Model - OEBM) -, que se originaram no final do século XIX
-, com a redução da força de trabalho e a distribuição de fluxo de caixa livre para os acionistas.
Isso representou uma reversão do regime “reter e reinvestir”, que tinha caracterizado as decisões
de alocação de recursos dessas companhias nas décadas do pós-Segunda Guerra Mundial, quando
a renda corporativa era retida para reinvestimentos na organização, com expansão da força de
trabalho;
(ii) maior lucro por ação, impulsionado pela inovação, especialmente por empresas
da “Nova Economia” (New Economy Business Model - NEBM) - empresas de tecnologia da
informação e comunicação(TICs), fundadas a partir de 1955, não estabelecidas a partir de um
spin-off de uma empresa da “Velha Economia” e que não se expandiu por meio de uma fusão
(com) ou aquisição (de) uma empresa da “Velha Economia” -, tais como Intel, Microsoft, Cisco
Systems, Sun Microsystems e Oracle. O significante crescimento experimentado, tanto nas
rendas de capital, quanto nas de trabalho, durante os anos de 1980 e 1990, foi resultado do regime
de alocação “reter e reinvestir”. A retenção de rendas corporativas se deu pela pouca distribuição
de dividendos e reinvestimentos em produtos e processos inovativos; foi o sucesso inovativo
dessas corporações que resultou no aumento de preços de suas ações;
A diferença entre as companhias da nova e da velha economia é que na primeira foi a
criação de valor pelo processo de inovação que justificou o aumento dos preços das ações, ao
passo que, na segunda foi o processo de redistribuição que transferiu valor das rendas de trabalho
para as rendas de capital, aumentando o preço das ações, mesmo sem a criação de novo valor.
(iii) especulação pelos investidores no mercado de ações, incentivados, ao menos
inicialmente, pelo aumento dos preços das ações, devido à redistribuição e/ou inovação. Apesar
da combinação da redistribuição da “Velha Economia” e da inovação da “Nova Economia” ter
provido um sólido alicerce para o crescimento dos preços das ações, em certos períodos a
especulação se tornou um fator importante no aumento desses preços, com profissionais que
42
detinham informações privilegiadas, no interior das corporações e em Wall Street, ganhando com
essa especulação.
Apesar do exposto, as falhas existentes na teoria da agência, algumas delas já
comentadas, deixam sérias dúvidas sobre sua utilidade para analisar a relação existente entre
governança corporativa e performance econômica. Essas falhas, conforme argumenta Lazonick
(2006), podem ser assim sumarizadas:
(i) falta de explicação sobre como as corporações passaram a controlar a alocação de
significantes recursos da economia. A teoria da agência surge num contexto de intensa
competição estrangeira enfrentada pelas corporações norte-americanas, caracterizadas por uma
separaçãoentre propriedade e controle gerencial. Como resposta a essa competição, as
corporações estadunidenses, guiadas pela perspectiva da maximização do valor para o acionista,
passaram a incentivar seus gerentes a aumentar o preço das ações de suas companhias, mesmo se
isso fosse acompanhado por uma redistribuição de rendas corporativas, da renda do trabalho para
renda do capital, minando a efetividade da capacidade produtiva acumulada por essas;
(ii) a forma de mensuração, em algum ponto do tempo, do fluxo de caixa livre.A
teoria não trata de como se pode prever o fluxo de ganhos futurosquando uma empresa tem de
investir em inovação para se manter competitiva. Pois, uma estratégia inovadora enfrenta três
tipos de incertezas: a incerteza tecnológica, a incerteza de mercado e a incerteza competitiva. A
incerteza tecnológica surge da impossibilidade de prever se a empresa desenvolverá processos e
produtos de maior qualidade. A incerteza de mercado nasce da possibilidade de redução dos
retornos dos investimentos, caso hajam futuras quedas nos preços dos produtos e aumentos nos
preços dos fatores. A incerteza competitiva é reflexo da possibilidade de um investimento em
uma determinada estratégia, por uma empresa inovadora concorrente, gerar um produto de
melhor qualidade e/ou menor custo. Pode-se concluir, com o exposto, que se os gerentes
buscarem maximizar valor para o acionista, elesnão serão incentivados à investir em projetos
inovadores, que têm retornos altamente incerteza14. Sobre este aspecto, Kerstenetzky (2007, p.
232) argumenta:
[...] embora o progresso técnico recente faça parte do ambiente no qual se desenvolve a
perspectiva da agência e seja mesmo por ela valorizado, esta perspectiva não apresenta
14
O termo incerteza está aqui inserido nos termos utilizados por Keynes (1937), que a define não apenas como a distinção entre o
que é conhecido e o que é apenas provável, mas como a inexistência de base científica que balize a formação de qualquer
probabilidade calculável.
43
elementos teóricos para que se possa avaliar de que forma decisões maximizadoras são
tomadas quando mudança e progresso técnico estão presentes, como é o caso da
atualidade e do passado recente. Como tratar eficiência em uma conjuntura de mudança,
eis algo que ainda está por sistematizar.
(iii) a alegação de que apenas os acionistas são os “residual claimant”.Numa
economia de mercado se assume que cada insumo do processo produtivo é pago pelo preço de
mercado, que reflete sua contribuição produtiva e pode ser especificado num contrato. Esse é o
caso, por exemplo, quando uma empresa compra de outra, em um mercado aberto e competitivo,
uma mercadoria física como insumo produtivo. Porém, não se pode supor que esse seja o caso
quando os insumos são disponibilizados pelo Estado ou na forma de serviços do trabalho dos
empregados.
O último ponto pode ser ilustrado a partir dos seguintes argumentos:
Primeiro, a análise do papel da empresa no desenvolvimento econômico não pode
prescindir do reconhecimento da relevância do Estado(ou, mais precisamente, de seus
contribuintes) naoferta de infraestrutura, que, dado os investimentos necessários e a natureza
incerta dos resultados, não seria disponibilizada por outro agente. Embora as empresas paguem
taxas pela utilização da infraestrutura ofertada pelo Estado, não existe um nexo de contratos que
garanta a esse um retorno sobre seus investimentos, baseado na contribuição produtiva desses
investimentos para as empresas que os utilizam (LAZONICK, 2006).
Segundo, os trabalhadores também podem argumentar que realizam investimentos em
capacidades produtivas, que serão fornecidas às empresas, sem nenhum retorno contratual
garantido. O investimento em capital humano específico por determinada empresa magnifica a
dependência dos trabalhadores, em relação ao empregador, na geração de retornos sobre os
investimentos; a especificidade do capital humano limita a mobilidade interfirmas dos
trabalhadores, aumentando os riscos que eles carregam. A especificidade do investimento pode
ser estabelecido pelo envolvimento dos empregados em processos de aprendizagem
organizacional para desenvolver novos produtos e processos, que, se bem sucedido, dotará a
empresa de propriedade intelectual, sem qualquer garantia contratual de que esses empregados se
apropriarão de uma parcela dos retornos. Nesse sentido, os trabalhadores, assim como os
acionistas, também deveriam receber o status de residual claimants (BLAIR; STOUT, 2006).
Contra o segundo argumento, um executivo, ao promover um downsizing, poderia
justificar que as capacidades produtivas dos trabalhadores mais antigos se tornaram
44
ultrapassadas, em virtude da concorrência promovida pelos trabahadores mais jovens e da
mudança tecnológica. Assim, como qualquer investidor que assumiu riscos no passado, os
trabalhadores que realizaram investimentos em capital humano específicoteriam de aceitar a
perda de valor de mercado desse capital (LAZONICK, 2006).
Da mesma forma, os trabalhadores poderiam contra-argumentar que, ao fazer uma
análise correta das condições tecnológicas, de mercado e da concorrência, suas capacidades
continuam essenciais para o processo de inovação. E que a opção pelo downsizing é uma ação
oportunista dos executivos, que, por terem opções de ações, alinham seus interesses com os dos
acionistas, e não uma reestruturação da força de trabalho com o propósito de inovação
(LAZONICK, 2006). Sob a perspectiva da maximização de valor para o acionista, os executivos
empreendem políticas de curto prazo, mesmos que estas estejam na contramão da geração de
valor para os demais stakeholders, que desempenham determinante papel no processo de criação
de valor(CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001).
Com isto, os simpatizantes da stakeholders theory salientam que, do ponto de vista da
eficiência global, o problema não estaria em disciplinar os gestores para nãoatuarem no
atendimento de seus próprios interesses, mas, protegê-los de pressões que os obrigam a aplicar
políticas de curto prazo. A mobilidade do capital financeiro protege os acionistas, porém, em
contrapartida, impõe uma disciplina que pode ser contraproducente para os gerentes
(CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001).
Isso não significa a isenção dos gestores de obrigações de performance, todavia, que
estes sejam avaliados não apenas pela taxa de retorno sobre investimento, mas, pela criação de
valor às partes interessadas, também (CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001). A suposição de
curto prazo proposta pela shareholder theory implica num sacrifício dos investimentos em
inovação; mais rentáveis para geração de valor e produtividade (SINGH; SINGH; WEISSE,
2002; CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001).
Dessa maneira, os acionistas públicos não desempenham papel algum no processo de
inovação. Pois, com a finalidade de minimizar o risco, eles diversificam seus investimentos, não
dispondo de tempo e/ou esforço para analisar as capacidades inovadoras das empresas cujas
ações são titulares. E, caso não confiem na estratégia de investimento dessas empresas, eles
vendem as ações; é o quea existência deum mercado de açõesde alta liquidez lhes permitemfazer
(LAZONICK, 2006).
45
É nesse sentido que Aglietta (2000) argumenta que o princípio de maximização do
valor para o acionista ajuda a legitimar a proeminência de shareholders em detrimento de outros
stakeholders, e a predominância da visão de mercado de capital da firma em relação à visão
industrial; o que reflete na distribuição do produto global de fatores gerado pela empresa. Na
próxima seção discutir-se-á, justamente, como o princípio de maximização do valor para o
acionista favorece a visão de mercado de capital da firma, em detrimento da visão industrial.
2.2
FIRMA MAXIMIZADORA X FIRMA INOVADORA
O desprezo pela análise de como deve ser exercido o controle estratégico sobre a
alocação de recursos das empresas, quais tipos de investimentos em capacidades inovadoras
devem ser feitos e como os retornos dos investimentos que derivaram inovação devem ser
distribuídos justificam o argumento dos teóricos simpatizantes da teoria da agência de que o
desempenho econômico superior só pode ser alcançado através da maximização do valor para os
acionistas (LAZONICK, 2006).
Porém, como o objetivo da firma é transformar recursos produtivos em bens e
serviços que podem ser vendidos para geração de receitas, uma teoria da firma deve, portanto, dar
explicações sobre como ocorre essa transformação produtiva e como as receitas são obtidas.
Essas explicações devem estar pautadas nas seguintes atividades genéricas: elaboração de
estratégia, organização e financiamento. Segundo Lazonick (2006, p. 15),
Strategizing allocates resources to investments in developing human and physical
capabilities that, it is hoped, will enable the firm to compete for chosen product markets.
Organizing transforms technologies and accesses markets, and thereby develops and
utilizes the value-creating capabilities of these resources to generate products that
buyers want at prices that they are willing to pay. Financing sustains the process of
developing technologies and accessing markets from the time at which investments in
productive resources are made to the time at which financial returns are generated
through the sale of products.
Sobre as referidas atividades genéricas, a teoria tradicional, aquela encontrada nos
livros textos de microeconomia, coloca que: (i) dada as restrições tecnológicas e de mercado, a
elaboração de estratégia para competir na indústria e a quantidade a ser produzida é determinada
pela regra de maximização de lucro. A condição de desequilíbrio inicial (a existência de lucros
anormais) determina em qual setor o recurso será alocado; (ii) a organização da empresa para
competição é determinada pela função de produção e preços de fatores, que são exógenos
46
(LAZONICK, 2006); e (iii) o financiamento para transformar recursos produtivos em produtos
geradores de receitas não se configura num problema, dado o pressuposto de que, a qualquer
momento, a empresa pode contrair empréstimos de capital a taxa de mercado vigente e vender
toda a produção que maximiza seus lucros, cobrindo o custo de capital (BERNSTEIN, 2007;
LAZONICK, 2006).
Mas, porque a empresa maximizadora de lucro, da teoria microeconômica tradicional,
é supostamente não inovadora? Primeiro, porque, diferentemente do papel desempenhado pelo
empresário na teoria da firma inovadora, esse não desempenha papel algum na criação da
condição de desequilíbrio, que desencadeia a realocação de recursos de um setor para o outro;
Segundo, porque o princípio da maximização do lucro não pressupõe a necessidade de
conhecimentos especiais para competição em um setor, em detrimento do outro (LAZONICK,
2006; TIGRE, 2005).
Uma vez escolhidaa indústria de atuação, enquanto a teoria tradicional assume a
existência de certos custos fixos, que tem de ser suportados por todas as firmas que escolhem
competir nessa indústria e são determinados exogenamente pela tecnologia existente e preços de
fatores predominantes, na teoria da firma inovativa o nível de custos fixos se configura numa
decisão estratégica de fazer investimentos destinados a dotar a firma com capacidade produtiva
distintiva, comparada com seus competidores na indústria (LAZONICK, 2006).
O pressuposto de que a tecnologia é dadae livre resulta numa produtividade média
declinante; curva de custo em formato de U. Supondo que o fator variável chave é o trabalho,
duas razões contribuem para esse resultado: (i) a adição de fatores variáveis aos fatores fixos
reduz a produtividade dos fatores variáveis; e (ii) a adição de mais trabalhadores no processo
produtivo dificulta a supervisão e monitoramento, pelo empresário, como fator fixo, do
desenvolvimento das atividades produtivas (LAZONICK, 2006; TIGRE, 2005). Na teoria da
firma inovadora a suposição restritiva de que o empresário aceita passivamente a condição de
aumento de custos, e otimiza sujeito a esta, não é aceita. Os investimentos em organização e
tecnologia são feitos justamente para mudar essa situação (LAZONICK, 2006).
No que se refere ao financiamento dos investimentos, a incerteza inerente ao processo
inovativo é central na análise. A teoria da firma inovativa assume que antes mesmo do retorno
desses investimentos poder ser gerado e sua taxa de retorno conhecida, os investimentos devem
ser realizados e utilizados ao longo do tempo (O’SULLIVAN, 2000). O fato da empresa
47
maximizadora apenas financiar investimentos para os quais já existe um retorno esperado cria
oportunidades para as empresas inovadoras superá-las, caso o investimento seja bem sucedido
(LAZONICK, 2006).
O sucesso desses investimentos é incorporado em produtos, processos e pessoas, que
passam a ter capacidades produtivas superiores. Porém, os altos custos fixos atrelados a esses
investimentos, explicados pelo tempo necessário para desenvolver recursos produtivos que
resultem em produtos de alta qualidade e baixo custo, colocam a firma em desvantagem
competitiva, até o momento que as tecnologias desenvolvidas e o acesso aos mercados comecem
a gerar retornos(LAZONICK, 2006).Conforme argumenta Lazonick (2006, p. 23): “An
innovative strategy that can eventually enable the firm to develop superior productive
capabilities may place that firm at a cost disadvantage because such strategies tend to entail
higher fixed costs than the fixed costs incurred by rivals that choose to optimize subject to given
constraints”.
A captura progressiva de diferentes segmentos de mercado, com base em diferentes
níveis de renda dos compradores é, também, permitida pela dinâmica do processo inovativo. A
maior participação em diferentes segmentos de mercado ajuda na prevenção, presente e futura, do
acesso à consumidores pelos rivais, fazendo com que esses (consumidores) se tornem clientes
que repetem suas compras e atualizam sua demanda, e aumenta a experiência de aprendizagem
das empresas inovadoras (LAZONICK, 2006).
Da mesma forma que os ganhos promovidos pela inovação permitem a melhora da
remuneração dos empregados, como forma de motivar um desempenho superior, o
compartilhamento de ganhos com colaboradores pode ser fundamental para garantir sua
cooperação na implementação de uma estratégia de investimento inovador. Portanto, uma boa
remuneração pode ser vista, na perspectiva dinâmica, como fonte e resultado de vantagem
competitiva (LAZONICK, 2006).
Contrastando com o modelo de monopólio tradicional, o pressuposto para a
dominância da firma inovativa é a transformação da estrutura de custos da indústria, produzindo
um maior volume e vendendo a preços mais acessíveis do que as empresas maximizadoras.
Portanto, conforme conclui Lazonick (2006, p. 27):
The innovation process, that is, can potentially overcome the ‘constrained-optimization’
trade-offs between consumption and production in the allocation of resources as well as
48
between capital and labor, and even between enterprise and society, in the allocation of
returns. It is for this reason that innovation forms the foundation of economic
development.
Cabe acrescentar que além de incerto, como já comentado, o processo de inovação se
revela coletivo e cumulativo. Ou seja, além do resultado do processo não poder ser previsto no
momento da realização dos investimentos, a transformação dos investimentos em inovação não
pode ser feito nem por uma única pessoa, nem de uma só vez (O’SULLIVAN, 2000). O caráter
incerto desse processo obriga os tomadores de decisão a terem uma compreensão apurada da
tecnologia, do mercado e das condições competitivas da indústria na qual estão inseridos, e um
incentivo para o enfrentamento da incerteza, em vez de evitá-la. O caráter coletivo impõe como
pressuposto para a inovação o investimento em habilidades integradas, que podem se envolver
em aprendizagem organizacional. Por fim, o caráter cumulativo impõe a continuidade de
investimentos, mesmo sem a obtenção dos retornos esperados dos investimentos anteriores,tanto
para sustentar o financiamento de processos de inovação ainda em andamento, quanto para
financiar novas estratégias inovadoras (LAZONICK, 2006).
Em sendo assim, numa teoria da firma inovadora, uma estrutura para analisar as
interações de estratégia, organização e finanças, na geração de produtos de melhor qualidade e
menor custo, é exigida. A estratégia surge como forma de enfrentar a incerteza, a organização
para gerar aprendizado coletivo e o financiamento para sustentar a aprendizagem cumulativa
(LAZONICK, 2006).
Specifically, strategic control determines how strategic decision makers choose to build
on ‘asset positions’; organizational integration determines the structure of incentives
that characterize ‘organizational processes’ that can transform individual actions and
individual capabilities (including those of strategic managers) into collective learning;
and financial commitment determines whether the enterprise will have the resources
available to it to persist along an ‘evolutionary path’ to the point where its accumulation
of innovative capability can generate financial returns (LAZONICK, 2006, P. 29).
Porém, não se pode perder de vista que os tipos de organizações que geram inovação,
além de variar entre indústria e nação, podem variar dentro de uma determinada indústria e
nação, ao longo do tempo. É nesse sentido que a inovação se configura num processo social, que
se apoia em certas épocas e lugares por aquilo que pode ser denominado de "condições sociais da
empresa inovadora". Ou seja, a base de competências utilizadas pelas empresas para transformar
as tecnologias e acessar mercados podem variar de forma significativa de um ambiente
49
institucional para outro – inclusive, namesmaatividadeindustrial,na mesma nação e durante o
mesmo período histórico-, justamente pela dependência da empresa inovadora das condições
sociais (LAZONICK, 2006). Na próxima seção discutir-se-á essas condições e sua relação com a
performance econômica.
2.3
CONDIÇÕES SOCIAIS DA
PERFORMANCE ECONÔMICA
EMPRESA
INOVADORA
E
A análise comparativa dessas diferentes condições sociais da empresa inovadora pode
ser iniciada utilizando como parâmetro o modelo de negócio da Velha Economia dos EUA,
dominante na competição global no pós-Segunda Guerra Mundial. A característica base desse
modelo era a separação entre propriedade e gestão.Os gerentes “de topo” eram motivados a
agirem conforme o interesse organizacional, dada existência de uma cultura de permanência no
cargo por um longo período; o sucesso profissional dependia do sucesso da empresa. Seus
salários eram limitados pelas estruturas salariais hierárquicas das companhias(LAZONICK,
2006).
Esse modelo era, também, caracterizado por uma segmentação organizacional, em
que se observava, na parte superior da hierarquia, gerentes cuja formação e experiência as
companhias fizeram vultosos investimentos, e trabalhadores “horistas”, que, embora dedicassem
boa parte de sua vida à empresa, poucos eram os investimentos, por serem considerados
mercadorias intercambiáveis. Enquanto os gerentes assalariados possuíam alta escolaridade,
possibilitada por um sistema educacional apoiado pelo governo, cujo currículo era moldado
segundo as necessidades das corporações, os trabalhadores “horistas” possuíam apenas ensino
médio. Apesar da baixa qualificação profissional, a necessidade de se estabelecer uma relação de
confiança e o sucesso do modelo garantiram a esses bons salários e benefícios (LAZONICK,
2006).
Estruturas gerenciais coesas, incentivadoras da integração funcional das capacidades
dos especialistas técnicos e administrativos e que se dedicavam ao desenvolvimento e
asseguravam a utilização dos recursos produtivos da empresa, acrescentadas a planos de carreiras
que permitiam uma mobilidade na hierarquia corporativa e um apoio financeiro considerável do
governo para o desenvolvimento de tecnologias, contribuíram para geração de inovação
(LAZONICK, 2006).
50
O financiamento governamental, que contava com a capacidade de pesquisa das
corporações, configurava-se fundamental, dado tamanho e duração dos investimentos envolvidos,
que, mesmo para grandes corporações, ou eram inviáveis ou faltava disposição para que esses
fossem realizados por conta própria(GRAHAM, 2010; LAZONICK, 2006).Como fonte de fundos
para investimentos, as empresas utilizavam empréstimos bancários, fazendo uso limitado do
mercado de ações (LAZONICK, 2006).
O modelo de negócio da Velha Economia dos EUA, nos anos de 1970 e 1980,
fraquejou ao enfrentar a concorrência japosesa - que integrava os trabalhadores “horistas” nos
processos de aprendizagem organizacional -, tendo a coesão interna de suas organizações de
gestão enfraquecida, particularmente pelo crescimento e diversificação, e por uma forte
segmentação de seus principais executivos em relação ao resto da organização gerencial. O
pagamento dos altos executivos deixou de ser feito a partir de uma estrutura de recompensa
hierárquica integrativa e os trabalhadores “horistas” se tornaram menos dependentes da busca de
carreiras na hierarquia no interior da Velha Economia. A maximização do valor para os acionistas
se tornou o objetivo predominante (LAZONICK, 2006).
O poder inovador do modelo de negócio da “Velha Economia” dos EUA, que vigorou
no pós-Segunda Guerra, tornava-se evidente quando comparado com o modelo britânico, muito
mais hierárquico e funcionalmente segmentado. A Grã-Bretanha, que no início do período do
pós-Segunda Guerra marcava presença nos principais mercados consumidores e indústrias de
bens de capital, não conseguiu manter suas empresas competitivas nos mercados
globais(GODLEY; CASSON, 2010; LAZONICK, 2006).A maior hierarquização e segmentação
organizacional, tanto dos executivos com relação ao resto da organização, quanto dos
especialistas técnicos entre si, configuravam-se como a principal razão. Essa segmentação, que
prejudicou a realização de investimentos em capacidades organizacionais em resposta aos
desafios inovadores, teve sua origem histórica na interação entre o controle de empresas
industriais britânicas e a estrutura de sua sociedade durante a primeira metade do século
XX(LAZONICK, 2006).
Os industriais, formados por famílias que permaneceram no controle das empresas,
não se constituíam uma classe social de elite, capazes de reformular as instituições econômicas
britânicas para apoiar a inovação. A aristocracia, formada principalmente por financistas,
controlava as instituições de elite à epoca e não tinha necessidade de um sistema educacional que
51
formasse tecnólogos; o estudo da ciência era valorizado como um ramo de conhecimento
sofisticado, portanto, não existia interesse na adequação das instituições educacionais para
aplicação na indústria. Até mesmo os industriais bem-sucedidos não estavam preocupados em
desafiar o viés anti-tecnológico do sistema educacional, mas sim elevar sua posição social
(LAZONICK, 2006).
A estrutura segmentada da organização empresarial britânica permaneceu até os anos
de 1950 e 1960, quando um movimento de aquisições hostis e nacionalizações desafiaram a
persistência do controle familiar. Essas aquisições foram enfrentadas com o aumento do
pagamento de dividendos aos executivos. Apesar do aumento relativo do pagamento de
dividendos, quando comparado a outros países desenvolvidos, incluindo os Estados Unidos, o
desempenho das empresas industriais britânicas continuou fraco. Pois, a comunidade financeira
da Grã-Bretanha estava muito mais preocupada em se apropriar dos retornos dos investimentos
realizados, por suas corporações empresariais, do que fornecer a essas empresas recursos para o
desenvolvimento de estratégias de investimento inovativo, que poderiam gerar novas fontes de
retorno no futuro (LAZONICK, 2006).
As deficiências competitivas dessa indústria só foram atenuadas com as políticas
monetárias durante a era Thatcher, que forçou o encerramento de muitas empresas organizadas
segundo o modelo britânico. O investimento direto estrangeiro, principalmente de empresas
japonesas e coreanas, ajudou na renovação dos métodos de gestão de empresas daGrã-Bretanha
(GODLEY; CASSON, 2010; LAZONICK, 2006).
O modelo de negócios japonês, nos anos de 1970 e 1980, desafiou o modelo da
“Velha Economia” dos EUA em setores industriais que, até os anos de 1960, empresas
americanas pareciam ter vantagens competitivas insuperáveis. O sucesso do modelo de negócios
japonês, refletido no aumento das exportações japonesas para os EUA, na última metade da
década de 1970, foi atribuído, inicialmente, à salários mais baixos e mais horas trabalhadas. O
aumento dos salários reais, até o início da década de 1980, comprovou que a vantagem
competitiva japonesa estava baseada em capacidades superiores na geração de produtos de
melhor qualidade e menor custo (LAZONICK, 2006).
O sistema de governança corporativa no Japão se caracteriza pela existência de
propiedade cruzadade ações entre corporações; os proprietários de uma empresa possuem
participação acionária em outras. Uma holding controla indiretamente uma miríade de outras
52
empresas a jusante da cadeia. Além de eliminar as aquisições hostis, este sistema reduz as
pressões sobre os gestores do mercado para controle corporativo. No período pré-Segunda
Guerra, quando o sistema era denominado Zaibatsu, o controle da holding era exercido por uma
família, sendo, no período pós-Guerra, quando o sistema passou a ser chamado Keiretsu,
substituída por gestores profissionais. Outra distinção importante entre os sistemas era que no
Keiretsu a coerência era alcançada através da cooperação voluntária e da coordenação entre os
seus membros, enquanto no Zaibatsu as famílias administravam suas empresas de maneira
bastante autoritária (MORCK; NAKAMURA, 2003).
Além das características mencionadas, as condições sociais para o sucesso japonês
podem ser atribuídas à três características, a saber: (i) participação acionária estável dos
executivos de “topo” das empresas industriais japonesas, que os possibilitaram ter a autonomia
necessária para fazer investimentos inovadores em indústrias, que, na década de 1950, não
possuíam o potencial necessário para serem bem sucedidas na competição internacional; (ii) o
emprego permanente permitiu um novo modelo de integração hierárquica e funcional às
empresas envolvidas, possibilitando a participação dessas na aprendizagem coletiva e inovativa,
diferenciando-as de seus concorrentes internacionais; e (iii) empréstimos bancários permitiram o
crescimento rápido e sustentado do processo inovativo das empresas, até que estas pudessem
gerar retornos, primeiro internamente, e depois nos mercados de produtos estrangeiros
(LAZONICK, 2006; MORCK; NAKAMURA, 2003).
A participação acionária estável de gerentes corporativos permitiu, desde os anos de
1950, a construção de organizações caracterizadas pela, já referida, integração hierárquica e
funcional. Essa integração apenas se tornou possível com os investimentos do governo japonês,
desde as últimas décadas do século XIX, na educação de sua força de trabalho, permitindo o
desenvolvimento de habilidades de chão de fábrica como parte de uma estratégia de
aprendizagem organizacional, que integrava as capacidades dos gestores à dos trabalhadores.
Estratégia que contrastava com os objetivos da aprendizagem gerencial norte-americana, que
objetivava desenvolver tecnologias que pudessem substituir os trabalhadores de chão de fábrica
(LAZONICK, 2006).
As bases sociais para a integração hierárquica dos trabalhadores de chão de fábrica
foram aumentadas pela ascensão dos sindicatos. O movimento sindical, que reunia empregados
de white-collar (técnicos e administrativos) e blue-collar(operário), surge durante a última
53
metade da década de 1940, motivado pelas péssimas condições econômicas e iniciativas de
democratização. O emprego permanente, até a aposentadoria, tanto para os white-collar, quanto
para os blue-collar, foi a conquista mais importante do sindicalismo. Essa segurança no emprego
criou compromisso dos trabalhadores com as empresas, permitindo a essas desenvolverem as
capacidades produtivas dos trabalhadores (LAZONICK, 2006).
O Estado japonês teve um papel no desenvolvimento, também, a partir do campo das
finanças, não tanto da tecnologia, como aconteceu nos Estados Unidos, estruturando o sistema
bancário para financiar o crescimento das empresas industriais durante as décadas do pósSegunda Guerra. Cada grande empresa industrial possuía um ‘main bank’, cujo trabalho era
convencer outros bancos a realizarem empréstimos e assumirem a liderança da sua
reestruturação, caso tivesse atravessando dificuldades financeiras (LAZONICK, 2006).
Sob a lei japonesa, o recebimento de depósitos e a concessão de empréstimos eram
autorizados, apenas, aos bancos, sem que estas autorizações fossem estendidas à emissão de
títulos. O bom funcionamento deste sistema se devia ao fácil acesso dos bancos à um expressivo
volume de capital a baixo custo, viabilizado por uma taxa de poupança extremamente elevada,
quando comparada a de outros países industrializados. Isto permitiu um forte envolvimento dos
bancos japoneses na governança corporativa das empresas (MORCK; NAKAMURA, 2003).
Diante desse aspecto, muitos economistas do Japão e do Ocidente, durante a década
de 1980, identificaram, incorretamente, o sistema bancário como instituição central de
governança corporativa. Para esses, os ‘main bank’, como os principais, deveriam monitorar o
compotamento dos gestores. Porém, apesar de desempenharem um importante papel no
financiamento das empresas industriais, os bancos japoneses não possuíam recursos suficientes
para monitorar essas empresas (LAZONICK, 2006).
Com o exposto, pode-se afirmar que a garantia de que os executivos de “topo” de
empresas japonesas exerceriam o controle estratégico para o benefício da empresa, e não para o
seu próprio, não era dado pelo conselho de administração, que era quase inteiramente composto
por executivos internos. Como no modelo de negócio inovador da “Velha Economia” norteamericana, o comportamento dos gestores de “topo” japoneses foi moldado por organizações
coesas e, em particular, mesmo sem nenhuma garantia contratual, pela instituição do emprego
permanente, que imputava aos trabalhadores a responsabilidade de manter a competitividade da
empresa (LAZONICK, 2006).
54
A comparação entre os modelos de negócios dos EUA, Grã-Bretanha e Japão revela
um grande número de distintas “variedades de capitalismo”.Isso não acontece apenas em escala
global, mas, como se verá, ocorre em países relativamente próximos. Na Europa Ocidental, por
exemplo, dois modelos não poderiam ser mais diferentes que aqueles que caracterizam as
economias alemã e francesa. Como se não bastasse, os modelos de negócios que caracterizam as
economias nacionais estão sujeitos a mudanças, como aconteceu nos EUA durante o último meio
século (LAZONICK, 2006).
Assim como nos grupos Zaibatsu e Keiretsu japoneses, o sistema de governança
alemão se caracteriza pela existência depropriedade cruzada de ações entre empresas. Esse
sistema, conforme salienta Fohlin (2005), fortalece a unidade, aumenta a cooperação e melhoraa
coordenação. Neste sistema não se espera que o gerente maximize a riqueza dos acionistas, mas
que cuide do bem-estar de todas as partes interessadas, incluindo o público em geral e o Estado
alemão (FOHLIN, 2005).
Além destes aspectos, o elevado grau de integração hierárquica e considerável
segmentação funcional caracterizam o modelo de negócio alemão, que evoluiu nas décadas do
pós-Segunda Guerra. As empresas do país, desde o início da década de 1950, são governadas por
um sistema de co-gestão, que garante aos trabalhadores participação nas decisões relacionadas
àremuneração, condições de trabalho, estratégia de investimento, entre outras(LAZONICK,
2006).
As empresas alemãs se caracterizam, também, pelo alto nível de qualificação de seus
funcionários, tanto de chão de fábrica, quanto administrativo, proporcionado pela combinação de
uma educação formal e uma especialização particular para o desempenho laboral. Colaboram
para esse sistema associações de empregadores e empregados, e o Estado. Por ter uma maior
capacidade de financiamento, os maiores empregadores subsidiam o treinamento de funcionários
para pequenas e médias empresas(LAZONICK, 2006).
A elevada capacitação dos funcionários, inclusive daqueles de chão de fábrica,
permitiu que esses desenvolvessem e utilizassem suas habilidades no decorrer de suas carreiras e,
a partir de sua área de especialização, alcançassem um nível hierárquico maior. Nesse sentido, o
elevado grau de integração hierárquica propiciou a liderança global alemã na fabricação de alta
qualidade, embora com maior custo. Ao mesmo tempo que a especialização funcional permitiu
um elevado nível de integração hierárquica, incentivou a segmentação funcional, que deixou suas
55
empresas, principalmente aquelas de engenharia mecânica e elétrica, vulneráveis aos desafios da
concorrência de empresas mais organizacionalmente integradas (LAZONICK, 2006).
Já no que se refere ao financiamento das empresas alemãs, os bancos têm exercido
um papel importante, sendo, inclusive, para muitos historiadores econômicos, os responsáveis
pela rápida industrialização do país e crescimento de suas empresas, a ponto de as tornarem
gigantes internacionais (LAZONICK, 2006; FOHLIN, 2005; WILLIAMS, 2000). Além deprover
financiamento de longo prazo, estes bancos têm se destacado, também, no fornecimento de
serviços de governança corporativa para seus parceiros industriais15(FOHLIN, 2005).
Os bancos têm se envolvido na governança das empresas industriais de duas
maneiras: (i) participação acionária significativa, o que lhes asseguram direitos à assentos nos
conselhos de administração; e (ii) manutenção de ações de clientes, com autorização à exercerem,
por estes, seus direitos à voto. Apesar do poder exercido pelos bancos no sistema de governança
corporativa alemão, este tem sido, por vezes, superestimado (FOHLIN, 2005; PROWSE , 1994).
Em comparação com a elevada dependência do financiamento bancário para o crescimento das
empresas industriais japonesas, as empresasalemãs têm sido capazes de crescer com uma menor
dependência de seu sistema bancário16(LAZONICK, 2006).
O caso da França oferece outra distinção pelo fato de que, entre todas as principais
economias desenvolvidas, o seu desenvolvimento foi, na última metade do século XX, o mais
explicitamente liderado pelo Estado. Esse país, nas décadas pós-Segunda Guerra, construiu um
sistema nacional de inovação baseado em laboratórios de pesquisa nacional(Centre Nationale de
Recherche Scientifique - CNRS), tendo o Estado como patrocinador de um número considerável
de empresas industriais capazes de transformar pesquisas em produtos comerciais e militares
(GODLEY; CASSON, 2010; LAZONICK, 2006).
O setor estatal e as empresas industriais se constituem uma elite de poder desde a era
napoleônica. Os futuros líderes do governo e das empresas industriais francesas eram os
admitidos, através de um concurso nacional, nas “grandes écoles”, principalmente na École
Polytechnique, para engenheiros, e ÉcoleNational d’Administration (ENA), para gestores. A
existência dessa elite foi fundamental para o processo de reestruturação massiva da indústria de
15
Diferentemento do que acontece nos Estados Unidos, na Alemanha bancos comerciais e de investimentos não são separados,
estando autorizados, inclusive, a deter participações em empresas não-financeiras (FOHLIN, 2005).
16
Segundo Fohlin (2005), as explicações tradicionais quanto à significativa intervenção dos bancos nas decisões de investimento e
acompanhamento dircto dos contratos de dívida encontram pouco apoio na análise empírica disponível.
56
alta tecnologia promovida pelo Estado Francês, na década de 1980, que incluiu um programa de
nacionalização (LAZONICK, 2006).
Mesmo com a série de privatizações ocorridas, a partir de 1986, a tomada de decisões
estratégicas continuou a cargo da elite, com a celebração de um sistema de participações
cruzadas, que criou um núcleo de acionistas estáveis (CHARREAUX; WIRTZ,2007;
LAZONICK, 2006). O relativo desmonte desse sistema, na década de 1990, além de reduzir as
participações diretamente controladas pelas famílias, possibilitou o aumento da presença de
investidores institucionais, especialmente os não residentes. A forte presença destes investidores
não significou, contudo, um aumento de participação acionária que os permitissem controlar as
corporações; a maior parte das empresas francesas listadas em bolsa permanece sob o controle da
família fundadora (CHARREAUX; WIRTZ,2007).
O enfraquecimento do sistema de participações cruzadas não modificou a forma de
recrutamento dos altos executivos das grandes empresas francesas. A perpetuação desse sistema
estabelece, além de uma segmentação funcional, uma segmentação hierárquica entre os
executivos “de topo” e o resto da organização empresarial; mesmo com o aumento da mobilidade
hierárquica na década de 1990. Em função da forte militância da classe trabalhadora, a elevada
segmentação hierárquica e funcional não impediu a predominância de altos níveis salariais,
mesmo para trabalhadores pouco qualificados (LAZONICK, 2006).
No que tange à estratégia de financiamento, o sistema de financiamento bancário das
empresas industriais mais explicitamente apoiado pelo Estado, talvez esteja na França. O parcial
desmonte do sistema de participações cruzadas e a compra de quantidades significativas de ações
de empresas francesas por investidores institucionais estrangeiros, apesar de ter deixado essas
empresas mais vulneráveis à perda de controle estratégico, não respresentou uma dependência do
capital estrangeiro. Empresas francesas utilizaram a efervescência do mercado de ações para
fazer uso de suas ações como moeda de troca para aquisição de empresas estrangeiras, como
parte de uma estratégia de expansão global (LAZONICK, 2006; WILLIAMS, 2000).
Logo, apesar das profundas transformações ocorridas no sistema de governança
corporativa francês, com a emergência dos investidores institucionais estrangeiros, o forte caráter
familiar na administração das corporações foi mantido e as transações no mercado de controle
corporativo raramente são hostis. Acrescenta-se, ainda, que o ativismo dos acionistas minoritários
57
continua modesto, embora tenha ocorrido um reforço nos seus direitos (CHARREAUX;
WIRTZ,2007).
Nos EUA, enquanto empresas japonesas desafiavam corporações americanas
estabelecidas, ressurgiram, durante os anos de 1970 e 1980, indústrias de tecnologia da
informação e comunicação (TICs), que forneceram a base para o que ficou conhecido, na última
metade da década de 1990, de “Nova Economia”. Subjacente ao surgimento do NEBM, enormes
investimentos no desenvolvimento de tecnologias de informação e comunicação foram realizados
pelo governo norte-americano, em colaboração com universidades e empresas industriais
(MAZZUCATO, 2013; LAZONICK, 2006; LAZONICK, 2005).
O esforço do investimento combinado empresa-estado, até o final da década de 1950,
resultou não apenas na primeira geração de computadores, sendo a IBM a principal empresa,
mas, também, na capacidade de encaixar circuitos eletrônicos integrados em um chip de silício. A
partir da segunda metade da década de 1960, a criação de startups de semicondutores foi
induzida pela crescente variedade de oportunidades comerciais.Clusters de startups de
semicondutores, apoiados por uma nova classe de capitalistas de risco, muitos deles com
experiência de gestão ou técnica na indústria de semicondutores, foram formados no entorno da
Universidade de Stanford, sendo apelidado, no início dos anos de 1970, de “Silicon Valley”17
(LAZONICK, 2006; LAZONICK, 2005).
Contribuíram, também, para o sucesso do “Silicon Valley”,as intensas e, muitas
vezes, informais, redes de aprendizado que transcendiam os limites das empresas. Além da
aprendizagem organizacional ocorrer entre empresas, esta se deu, fundamentalmente, dentro das
empresas, com a utilização das habilidades integradas de pessoal altamente qualificado, incluindo
os gestores profissionais, geralmente com conhecimento em engenharia, que exerciam o controle
estratégico (LAZONICK, 2006; LAZONICK, 2005).
À estes gestores,contratados pelos capitalistas de risco, eram dadas ações, juntamente
com opções de ações, para compartilhar a gestão estratégica da empresa. Esse tipo de
remuneração, que se estendeu para uma base ampla de funcionários não-executivos, característica
17
Mazzucato (2013) reforça que, apesar de pemanecer no imaginário coletivo dos formuladores de políticas que o “Silicon Valley”
foi um lugar em que o capital de risco fez uma revolução, a sua atual configuração deve-se, principalmente, a padrões de gastos
governamentais em inovação, para atender os pressupostos e prioridades dos militares. Isto porque o Estado, quando comparado
ao setor privado, tem maior predisposição de enfrentar o ambiente de incertezas existente nos estágios iniciais do
desenvolvimento de novas tecnologias.
58
distintiva das empresas do NEBM, deu um poderoso incentivo financeiro para que os gestores
desenvolvessem as capacidades inovadoras das empresas ao ponto de se fazer um Initial Public
Offering(IPO) ou uma venda privada para uma empresa estabelecida. Sendo as ações da empresa
transacionadas publicamente, os funcionários que exerciam suas opções de ações poderiam
facilmente transformá-las em dinheiro. Além de uma forma de remureração, as ações foram
utilizadas, também, durante a década de 1990, por algumas empresas do NEBM, para aquisição
de outras empresas, menores e geralmente mais novas, com o objetivo de ter acesso à novas
tecnologias e mercados (LAZONICK, 2006; LAZONICK, 2005).
Outra tendência das empresas inovadodas do NEBMé o crescimento, atualizando e
expandindo suas ofertas de produtos em atividades chaves, não se engajando numa diversificação
indiscriminada, que minou o desempenho de muitas empresas líderes do OEBM, nos anos de
1960 e 1970 (LAZONICK, 2006; LAZONICK, 2005). Uma consequência desse fato é que
empresas do NEBM se tornaram menos verticalmente integradas, quando comparadas as
empresas do OEBM, justamente porque:
[..] equipment manufacturers […] have focused their investment strategies on activities
that require organizational learning in their core competencies, while outsourcing
activities […] are too expensive and complex to be done in-house, or, alternatively, […],
have become routine (LAZONICK, 2006, p. 54).
Esse processo foi facilitado pelo número crescente de estrangeiros, principalmente da
Ásia, durante as décadas de 1980 e 1990, que obtiveram pós-graduação em ciências e tecnologia
nas universidades estadunidenses. Muitos deles, em seguida, entraram na força de trabalho dos
EUA, obtendo o status de residentes permanentes. Além disso, um grande número de
estrangeiros, durante a década de 1990, ganhou experiência na produção em indústrias de alta
tecnologia desse país, sob programas de visto de não-imigrantes. Uma grande quantidade desses
imigrantes continuou a trabalhar nos Estados Unidos, tornando-se residentes permanentes, mas,
boa parte retornou para seus países de origem. A disponibilidade dessa oferta de trabalho
altamente qualificada e experiente se constituiu na principal razão para que companhias norteamericanas, a partir dos anos 2000,deslocassem cada vez mais atividades, não apenas as
rotineiras, mas, também, aquelas que exigem um alto nível de aprendizagem ornanizacional,
realizadas anteriormente no país, para Índia e China, principalmente (LAZONICK, 2006;
LAZONICK, 2005).
59
Portanto, com a análise realizada nesta subseção, percebe-se a existência de distintas
“variedades de capitalismo”, tanto em escala global, quanto entre países relativamente próximos,
existindo a possibilidade, ainda, dos modelos de negócio que caracterizam as economias
nacionais mudarem. Segundo Berglof e Von Thadden (1999), o foco da análise sobre a proteção
dos acionistas minoritários se configura muito estreita, na medida em que se referencia
unicamente na questão da proteção das entidades de financiamento externo, excluindo as demais
partes da empresa. Em particular, não existe qualquer menção sobre as leis trabalhistas ou as
relações igualmente vitais entre trabalhadores e gestores, fornecedores e proprietários/gestores,
comunidades locais e corporação, bem como entre governo e corporação. Assim, as estruturas em
que a empresa está inserida e que determina seu desempenho e competitividade são expurgadas
da análise, colocando um peso desproporcional para um pequeno aspecto.
Além disso, não existe comprovação empírica de que o sistema anglo-saxão de
governança corporativa é o mais eficiente para obtenção de um melhor desempenho. Uma
constatação que magnifica este argumento é que Japão, Alemanha e França, mesmo não sendo
regido por este sistema, obtiveram, durante o século passado, crescimento econômico maior, para
o caso dos dois primeiros países, e comparável, para o caso do último país, ao das economias
anglo-saxões (SINGH; SINGH; WEISSE, 2002).
Quanto aos países em desenvolvimento, a aplicação do sistema anglo-saxão de
governança corporativa seria factível, apenas, para economias em transição, dado que a proteção
aos acionistas minoritários pode ser muito útil para atrair capital externo para a realização da
reestruturação. Porém, não se pode perder de vista que esta fonte de recursos é altamente volátil e
não deve ser a peça central de um programa de desenvolvimento. Além disso, para a maioria dos
países em desenvolvimento, o problema de governança corporativa mais importante não é a
proteção legal dos acionistas minoritários, mas, problemas de sucessão familiar e manutenção do
controle da família (BERGLOF; VON THADDEN, 1999).
2.4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse capítulo se discutiu como a intensificação do processo de globalização
financeira da década de 1970 afetou a dinâmica de acumulação das grandes corporações no
período pós-década de 1980, quando os argumentos a favor de administrar corporações para gerar
valor para os acionistas entraram nos Estados Unidos. Resgatada e reinventada por Michael
60
Jensen e William Meckling, ambos da Universidade de Rochester, essa abordagem ficou
conhecida como teoria da agência.
A teoria da agência ganhou evidência com o fracasso das grandes corporações dos
EUA, atribuído ao princípio do “reter e investir”. Segundo esse princípio, as empresas retinham
os lucros e os empregados, sendo os lucros reinvestidos em capital físico e recursos humanos.
Retenção de ganhos e reinvestimento em capital proveram as fundações financeiras para o
crescimento corporativo, o que dificultou o processo de coordenação, resultando num fraco
desempenho das corporações na década de 1970. O ambiente macroeconômico instável e a
ascensão de uma nova concorrência, especialmente a japonesa, agravaram essa situação.
Com isso, o princípio do “reter e reinvestir” foi substituído pelo “reduzir e distribuir”
- o tamanho das empresas é reduzido, com corte, inclusive, de força de trabalho, e o fluxo de
caixa livre distribuído para os acionistas. Esse princípio é justificado pela ideia de que os
acionistas, entre todos os stakeholders, são os únicos quenão possuem direitos contratuais
garantidos;seu retorno, caso haja, depende do que sobra depois de terem sido pagas, às partes,
suas contribuições produtivas. Logo, os acionistas (principais) seriam os únicos com interesse em
monitorar os gerentes (agentes) para assegurar que estes aloquem recursos da forma mais
eficiente possível.
Porém, sob uma perspectiva rival, a stakeholders theory, agumenta-se que outros
agentes poderiam receber o status de residual claimants. Os trabalhadores, por exemplo, realizam
investimentos em capacidades produtivas específicasque serão fornecidas às empresas, sem
nenhum retorno contratual garantido. A especificidade do investimento, que pode ser
estabelecido pelo envolvimento dos empregados em procedimentos de aprendizagem
organizacional para desenvolver novos produtos e processos, caso bem sucedido, dotará a
empresa de propriedade intelectual, sem qualquer garantia contratual de que esses empregados se
apropriarão de uma parcela dos retornos.
Sob a perspectiva da teoria da agência, desempenho econômico superiornão,
necessariamente, resulta em inovação. Como o investimento em inovação envolve um confronto
estratégico coma incerteza tecnológica, de mercado e competitiva, os acionistas públicos não
desempenham papel algum no processo inovativo. Estes, com a finalidade de minimizar o risco,
diversificam seus investimentos, não dispondo de tempo e/ou esforço para analisar as
capacidades inovadoras das empresas cujas ações são titulares. É nesse sentido que se argumenta
61
que o princípio de maximização do valor para o acionista ajuda a legitimar a predominância da
visão de mercado de capital da firma, em detrimento da visão industrial.
Na medida em que o foco da análise se estabelece unicamente na questão da proteção
das entidades de financiamento externo, excluindo as demais partes da empresa - mercado de
trabalho, organização interna do trabalho das firmas, instituições de mercado, ambiente legal e
regulatório, entre outras –, conclui-se que o modelo anglo-saxão de governança corporativa não,
necessariamente,é o mais eficiente para obtenção de uma performance econômica superior. Esta
constatação pode ser sustentada, ainda, pelo fato de que Japão, Alemanha e França obtiveram,
durante o século passado, crescimento econômico superior ou comparável ao das economias
anglo-saxões.
No próximo capítulo, para subsidiar a discussão do capítulo quatro e atender a uma
parte do objetivo geral do trabalho - que é analisar por que a política de conteúdo local instituída
pelo governo brasileiro para o desenvolvimento de uma indústria para-petrolífera nacional está na
contramão da perspectiva de maximização do valor para o acionista da Petrobras -, serão
apresentadas as principais características das indústrias petrolífera e para-petrolífera mundiais.
62
3
AS INDÚSTRIAS PETROLÍFERA E PARA-PETROLÍFERA:
UMA CARACTERIZAÇÃO GERAL
O objetivo desse capítulo é apresentar as principais características das indústrias
petrolífera e para-petrolífera, com o intuito de subsidiar a análise que será realizada no próximo
capítulo, acerca da relação da Petrobras com a indústria para-petrolífera nacional. Para cumprir o
objetivo proposto, o capítulo foi dividido em quatro seções. Na primeira, discute-se a indústria
petrolífera (IP); suas características centrais, agentes e dinâmica de investimentos. Na segunda,
apresentam-se as principais características da indústria para-petrolífera (IPP), assim como as
relações intersetoriais entre essa indústria e a indústria petrolífera e o impacto destas relações na
dinâmica de concorrência na indústria para-petrolífera. Na terceira, discute-se o papel
desempenhado pela intervenção governamental no desenvolvimento das indústrias parapetrolíferas nacionais. Na quarta, fazem-se as considerações finais.
3.1
A INDÚSTRIA PETROLÍFERA (IP)
A indústria mundial do petróleo (IMP) é um oligopólio internacional formado por
grandes empresas muito competitivas, que atuam com escalas elevadas, tecnologia avançada e
significativo poder financeiro. A intensidade do capital e os elevados investimentos em cada elo
de seu sistema produtivo fazem dos ganhos de escala e do tamanho dos grupos econômicos uma
das principais questões na definição de vantagens competitivas dessa indústria (RUAS, 2012;
VALENTE, 2009).
A IMP, que se originou nos anos de 1860, quando foram inauguradas as atividades de
produção comercial nos Estados Unidos (YERGIN, 1991), envolve um conjunto de atividades
que podem ser separadas em três principais segmentos: a) prospecção, exploração, perfuração e
completação; b) produção; e c) transporte, refino e distribuição. Conforme se verifica na Figura
16, a seguir, os dois primeiros são os segmentos que atuam a montante (upstream) da cadeia; o
último atua a jusante (downstream).
63
Figura 16 - Cadeia de atividades da indústria de petróleo e gás natural.
Upstream
Exploração
Produção
Downstream
Transporte e refino
Distribuição
Petroquímica
Fonte: TEIXEIRA; GUERRA, 2003
Nas atividades de transporte e refino, o óleo cru e o gás natural são conduzidos até as
plantas de refino para serem processados e transformados em derivados. Comparadas com as
atividades de E&P, estas apresentam um menor dinamismo tecnológico, apesar dos grandes
investimentos realizados nos últimos tempos em novas tecnologias, para sua adequação à
legislação ambiental e às condições de demanda. Já a atividade de distribuição está vinculada à
comercialização de derivados, sem grandes desafios tecnológicos. Tanto nas atividades de
transporte e refino, quanto nas de distribuição, as vantagens de escala se relacionam,
basicamente, ao desenvolvimento de processos e ao tamanho dos mercados (RUAS, 2012;
PINTO JÚNIOR, 2007).
Nas atividades de E&P são realizados levantamentos geológicos e estudos
necessários para verificar a existência de combustíveis fósseis, para avaliar as áreas descobertas,
para identificar as jazidas e para viabilizar as atividades de extração de petróleo e gás natural
(P&G). A atividade de produção, tanto pode ocorrer na terra, onshore, quanto no mar,
offshore18(PINTO JÚNIOR, 2007).
Segundo Ortiz Neto (2006) e Ortiz Neto e Shima (2008), as atividades offshore
apareceram apenas na última década do século XIX – em águas ultrarrasas (swallow water, até 30
metros) -, conduzidas pela Gulf Oil, nas proximidades da costa da Califórnia. Inicialmente, essas
atividades eram desenvolvidas de maneira bastante rudimentar e com pouco aparato científico.
As dificuldades tecnológicas eram superadas de maneira empírica, pelo método learning-bytrying, com a utilização do mesmo padrão tecnológico do segmento onshore.
18
Além das explorações convencionais (onshore e offshore), Viegas (2013) classifica como não convencionais as explorações de
xisto, petróleo pesado, areias betuminosas e tight oil. A diferença básica entre as explorações convencionais e não convencionais é
que nas últimas o petróleo ou é de alta viscosidade (o tight ou shale tem baixa viscosidade) ou é encontrado depositado em rochas
de pouca permeabilidade.
64
O abandono do padrão tecnológico utilizado no segmento onshore e a busca por uma
trajetória tecnológica que viabilizasse a exploração offshore se tornaram possível, apenas, com a
ampliação das descobertas e o consequente aumento das dificuldades operacionais impostas pela
exploração em águas mais profundas e distantes da costa. Dois eventos marcaram essa transição:
(i) a descoberta de importantes jazidas na região de Maracaibo, no final da década de 1920, na
Venezuela, que deu maior consistência às atividades offshore; e (ii) o desenvolvimento do
primeiro poço marítimo, na década de 1930, no Golfo do México, que favoreceu o surgimento de
técnicas voltadas à E&P nessas regiões19 (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006).
As atividades upstream se destacam por envolver elevados riscos de investimentos,
compensados pela possibilidade de aquisição de grandes lucros. As diferenças de custos estão na
origem da formação e da apropriação de rendas econômicas disputadas entre empresas, governos
e consumidores. Conforme sua procedência, as rendas diferenciais encontradas na IMP podem
ser distinguidas e classificadas da seguinte forma: (i) rendas de posição, cuja diferenciação das
jazidas se dá segundo o grau de dificuldade de acesso (por exemplo, águas profundas ou terra);
(ii) rendas de localização, cuja origem está na maior ou menor proximidade geográfica das
reservas com relação aos centros consumidores, desfrutando as jazidas próximas de uma
vantagem comparativa; (iii) rendas de qualidade, relacionadas aos atributos comerciais das
reservas, como os óleos leves, por exemplo; e (iv) rendas tecnológicas, vinculadas as vantagens
competitivas dos produtores que utilizam as tecnologias mais eficientes (PINTO JÚNIOR, 2007).
Os riscos, assim como a incerteza, são bastante freqüentes na atividade petrolífera. Os
riscos de investimentos nesta atividade variam como uma função tanto da incerteza, quanto do
capital investido. Os riscos de exploração, por exemplo, tendem a ser altos devido à incerteza
geológica, apesar de uma modesta exposição de capital, enquanto os riscos de desenvolvimento
são altos porque, apesar da reduzida incerteza – o petróleo já foi descoberto–, essa etapa requer
significativo aporte de capital.
A Figura 17, a seguir, representa bem estes aspectos. Nas fases iniciais de
planejamento se encontram as melhores oportunidades de redução de custos. Enquanto no início
as empresas gozam de uma grande capacidade de influenciarem os custos, ao longo do ciclo de
vida de grandes projetos esta capacidade decresce (ERNST & YOUNG, 2011). O crescimento do
19
Foi com os acentuados avanços em P&D em diversas áreas do conhecimento, principalmente aquelas reconhecidas como big
tree (sísmica, perfuração e plataformas com seus equipamentos), que se chegou, na década de 1990, aos campos ultraprofundos
(com profundidade superior a 1500 m de LDA).
65
volume de investimentos ocorre em ritmo semelhante ao aumento dos custos de eventuais
mudanças. Quanto mais se aproxima a fase final de execução do projeto, mais caro fica, por
exemplo, reparar um trabalho ou alterar as especificações de um equipamento (VIEGAS, 2013).
Figura 17 - Estágios do investimento em um projeto petrolífero, custos das mudanças no projeto
e capacidade de influir nos custos.
Fonte: Viegas (2013).
A maturidade do programa de E&P representa, também, um forte atributo para
definição da magnitude do risco; com redução da incerteza à medida que o conhecimento e a
experiência são adquiridos20(NOLAN; THURBER, 2010).
As incertezas relevantes não são apenas geológicas, mas relacionadas, em grande
medida, com aspectos políticos - associados às mudanças no regime de propriedade, nos tributos
ou nas relações contratuais - e com as condições futuras do mercado - as decisões de
investimentos estão pautadas no julgamento sobre os custos e os preços futuros do petróleo e gás
natural. Quanto ao risco, destacam-se o risco comercial - possibilidade de não concretização da
demanda ou não disponibilidade da infraestrutura necessária para conectar a oferta à demanda -, e
20
A incerteza é aqui definida como um estado em que os resultados não são conhecidos. A incerteza também pode ser discutida
em termos de grau, com a incerteza sendo menor, onde estimativas mais precisas de resultados são possíveis. Existe risco quando
alguns dos possíveis resultados incertos envolvem uma perda. O risco é maior quando os resultados negativos são mais prováveis
ou as perdas associadas a estes resultados mais elevadas (NOLAN; THURBER, 2010).
66
o risco de fornecimento - possibilidade de um investimento a jusante, em uma refinaria, por
exemplo, não receber fluxo de hidrocarbonetos suficiente para garantir o retorno do investimento
(NOLAN; THURBER, 2010).
No gerenciamento de risco, uma empresa petrolífera, seja ela uma empresa estatal ou
privada, não leva em consideração apenas a maximização do valor esperado das rendas líquidas
entre todos os investimentos. A redução da exposição de capital a perdas é, também, observada.
Isto pode ser alcançado através (i) da escolha de projetos com reduzida incerteza, (ii) do
investimento em uma carteira de projetos, para diversificação do risco, e (iii) da redução do
capital exposto em projetos com alto grau de incerteza. Uma maneira de reduzir a exposição do
capital às perdas é através da inovação, que diminui custos. Estados produtores de petróleo criam
incentivos para os agentes envolvidos na indústria inovarem e, consequentemente, reduzirem
custos. Esses incentivos podem ser criados nos processos licitatórios para concessão de campos a
serem explorados,na avaliação de desempenho dos agentes, etc. (NOLAN; THURBER, 2010).
Uma característica importante da IMP, que se deve muito às condições de risco
enfatizadas acima, é a verticalização das atividades, com o objetivo de distribuição dos riscos e
dos custos entre os diversos segmentos da cadeia industrial e de obtenção de um risco/custo
médio que compense os diferenciais de custo e aumente os ganhos ao longo dos segmentos da
indústria. A disponibilidade de recursos para produzir um fluxo de renda suficientemente amplo e
estável, de forma a sustentar o investimento na descoberta de novas reservas no ritmo necessário
à preservação de um horizonte de longo prazo em E&P, objetivando manter e incrementar
posições competitivas na indústria, é apenas garantida às firmas integradas (PINTO JÚNIOR,
2007; STEVENS, 1998).
Porém, o que não se pode perder de vista é que integração vertical é uma questão de
grau. Da mesma maneira que uma empresa pode possuir um elevado grau de integração, porque
atua em todos os elos de cada etapa da cadeia, outra pode não atuar em parte desses elos, sendo
menos integrada. Uma empresa pode, ainda, especializar-se em apenas algumas atividades das
diferentes etapas da cadeia (VIEGAS, 2013).
A integração vertical pode ser definida em termos financeiros, quando o controle dos
fluxos de caixa é realizado por filiais em diferentes estágios da indústria, ou operacionais, quando
a produção de uma filial serve de insumo para outra filial localizada a jusante da cadeia. A
integração vertical financeira é um pré-requisito para existência de integração vertical produtiva.
67
Dada a possibilidade das filiais optarem em utilizar os mercados – a filial que produz petróleo cru
vende no mercado de cru e a filial que refina vende no mercado de derivados-, a integração
vertical operacional não, necessariamente, é uma consequência da integração vertical financeira
(STEVENS, 1998).
A esse respeito, Stevens (1998, p. 8-9) comenta:
Until the 1970, the major oil companies were both financially and operationally
vertically integrated. This had an added bonus of providing very significant barriers to
entry, thereby restricting competition. To be a refiner required a crude slate. If all the
crude was moving on an inter-affiliate basis, then no crude slate was available, unless
secured directly by the would-be refiner. Operational vertical integration also enabled
price discrimination, whereby the company could vertically integrate into the demandelastic (hence low-price) market to prevent resale into the inelastic (high-price) market.
To some extent, the process encouraging operational vertical integration was selffeeding. Widespread operational vertical integration meant very limited arms-length
offering. This made the crude market small and inefficient, generating high transaction
costs if the market was used. In turn, this gave ever-greater logic to being vertically
operational, further reducing arms-length offering, reducing market size and efficiency,
and increasing transactions costs .
Tendo a IMP um elevado grau de integração vertical, os custos fixos exercem uma
enorme influência na estrutura de custos das empresas, o que torna a forte irreversibilidade das
decisões de investimento outro aspecto importante dessa indústria. Essa condição é derivada do
elevado montante de investimento comprometido para o início da produção e do relativamente
reduzido nível de dispêndio operacional necessário para manter a atividade mineral. Esse elevado
grau de custos fixos, aliado à relativa rigidez técnica das atividades de extração de petróleo,
obriga a empresa colocar no mercado toda produção baseada na capacidade corrente, perdendo
uma das principais forças no interior de uma estrutura de mercado oligopolística; seu poder de
decisão no que se refere a capacidade utilizada (STEVENS, 1998).
O manejo da capacidade ociosa da IMP fica sob responsabilidade da Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (OPEP) ou, mais precisamente, da Arábia Saudita, membro desta
organização e maior produtor mundial. Dessa maneira, pode-se afirmar que a coordenação
oligopolística da indústria passa, necessariamente, pela via da concertação política entre os
países-sede das empresas líderes e os países membros da OPEP (VALENTE, 2009).
A necessidade das empresas de sustentar um elevado nível de autofinanciamento se
configura, também, como uma das conseqüências econômicas mais importantes da natureza
altamente arriscada e dos elevados custos fixos presentes da IMP. Em função disso, a capacidade
68
de acumulação interna dos lucros adquire importância fundamental, atribuindo às empresas
melhores situadas na indústria uma poderosa vantagem competitiva (PINTO JÚNIOR, 2007).
A internacionalização das atividades, que pode estar relacionada à localização
geográfica das reservas e aos mercados consumidores, é outra estratégia de sucesso para
diversificação de risco amplamente utilizada pelas empresas líderes. Essa estratégia foi
intensificada no período pós-Primeira Guerra Mundial, quando a produção norte-americana perde
importância na oferta mundial e as grandes descobertas passam a acontecer em outras regiões,
sobretudo no Oriente Médio. Um dos grandes casos de internacionalização produtiva dessa
indústria, com rápido desenvolvimento da produção na Arábia Saudita, Irã, Iraque e Kuwait por
empresas ocidentais, foi construído através das vantagens de verticalização de atividades, do
interesse geopolítico-militar e do pioneirismo de grupos americanos e europeus (PINTO
JÚNIOR, 2007).
O processo de internacionalização, por possibilitar um rápido avanço da utilização de
tecnologias ligadas ao consumo de derivados, intensa acumulação de capital e formação de
grandes grupos mundializados, pode ser considerado um dos pilares do crescimento industrial do
pós-Guerra. As empresas que lideraram esse processo, Royal Dutch Shell, Anglo Persian Oil
Company (BP), Standard Oil of New Jersey (Esso), Standard Oil of New York (Socony/Mobil),
Standard Oil of Califórnia (Chevron), Texaco e Gulf Oil, foramdenominadas de “SeteIrmãs”
(PINTO JÚNIOR, 2007).
O grande crescimento da IP no pós-Segunda Guerra Mundial motivou a entrada de
novas empresas, tanto de países desenvolvidos, quanto de países em desenvolvimento, grandes
produtores ou não. Esse movimento se intensificou nos anos de 1960 e se completou nos anos de
1970, com os choques do petróleo, quando ocorreu uma grande onda de nacionalizações e
fortalecimento de empresas de países produtores (PINTO JÚNIOR, 2007).
A estrutura atual de distribuição de recursos da IP, em que se observa a progressiva
exclusão dos grandes grupos de petróleo, como as antigas Sete Irmãs, das grandes províncias,
especialmente aquelas controladas pelos países da OPEP, é derivada, justamente, dos
movimentos iniciados nesse período. Assim, percebe-se nas décadas subsequentes uma trajetória
de queda da relação reservas/produção dessas empresas, mesmo com a ampliação de sua atuação
69
em outras províncias, principalmente no offshore profundo21. Por outro lado, as empresas ligadas
aos países produtores, que tiveram a sua disposição reservas abundantes, cresceram em
importância, passando a ter controle sobre as decisões de preço do petróleo, de produção e de
investimentos em reposição de reservas (VIEGAS, 2013; NOLAN; THURBER, 2010).
Estas empresas, denominadas de National Oil Companies (NOCs), são compostas por
empresas estatais, controladas por Estados consumidores ou produtores, que passaram a crescer
de forma expressiva na segunda metade do século XX(STEVENS, 2008). As NOCs de países
produtores, quando comparadas com as Majors, possuem menor capacitação tecnológica,
reduzidos ativos no downstream, menor internacionalização e acesso aos mercados centrais,
apesar das vantagens de acesso às reservas as permitirem, nas últimas décadas, especialmente nos
períodos de elevação dos preços do petróleo, importante capacidade de acumulação e
crescimento(RUAS, 2012).
Além da busca pelo lucro, as NOCs têm a necessidade de responder aos objetivos do
governo. Em sendo assim, a forma de atuação de uma NOC varia bastante, dependendo da forma
como o governo quer controlar e beneficiar o setor de petróleo. Nas palavras de Nolan e Thurber
(2010, p. 20):
Some NOCs serve regulatory functions in the oil sector (as, for example, in the case of
Angola’s Sonangol), some become broader development agencies (as in the case of
Venezuela’s PDVSA), and some play the role of administrative vehicles for state
participation in oil (Nigeria’s NNPC has this character to a large extent).
Diferentemente de uma empresa privada, as NOCs possuem uma restrição
orçamentária mais suave, não sendo expostas aos riscos de aquisição e/ou falência. Porém, essas
empresas estão sujeitas a pressões políticas em um grau maior. Essas condições básicas têm
implicações fundamentais na capacidade de gerenciamento de riscos. Primeiro, porque o link
entre elas e o governo pode restringir suas capacidades de levantar capital de risco ou executar
outras operações para o gerenciamento do risco. Com isso, a maior parte das NOCs continua
dependente de seu próprio fluxo de caixa, ou do governo, para o financiamento de seus projetos
de exploração e desenvolvimento (NOLAN; THURBER, 2010).
21
A extração de petróleo em águas profundas está concentrada no Mar do Norte, nos Estados Unidos, na África e no Brasil; sendo
as três últimas províncias conhecidas como o Triângulo de Ouro. Em 2009, tinham como produção relevante apenas oito
empresas (VIEGAS, 2013).
70
Segundo, pelo fato da relativa ausência de pressões competitivas reduzir o incentivo
dessas no desenvolvimento de capacidades de gestão de risco, que seriam essenciais para
sobrevivência em um ambiente mais competitivo. Em alguns casos, as NOCs podem assumir
certos riscos tecnológicos, que, caso tivessem inseridas num ambiente competitivo, não
assumiriam. Por exemplo, a agressividade dos investimentos da Petrobras no desenvolvimento de
tecnologias offshores e justifica por sua posição de monopólio e reduzida restrição orçamentária
(NOLAN; THURBER, 2010); formalmente, o monopólio da Petrobras foi quebrado pela Lei
9.478, de 1997.
Terceiro, as pressões políticas e sua posição privilegiada no mercado doméstico se
configuram como incentivos para que as NOCs não se internacionalizem, reduzindo o risco de
atuação num mercado global (NOLAN; THURBER, 2010).
O aumento da participação das NOCs na produção mundial de petróleo, assim como
no provimento da infraestrutura necessária para E&P de petróleo e gás natural, muitas vezes veio
acompanhado, embora com bastantes variações, da transformação destas companhias; de
entidades burocráticas e dominadas exclusivamente pelo Estado, dependentes de uma posição
monopolista em seu país de origem, em empresas de economia mista, com modificações
correspondentes em seus mecanismos de governança. Além disso, com a aceleração do processo
de globalização, no início da década de 1990, e acesso a capital, tecnologia e conhecimento,
muitas dessas empresas têm expandido suas operações globalmente, tanto no upstream, visando
diversificar seu portfólio geográfico, quanto no downstream (em petroquímicas, refinarias e
distribuição), para atingir diretamente consumidores. Enquanto essas transformações reduziram a
diferença de performance das NOCs, quando comparadas às Majors do setor, distinções
perduram em outras áreas, como questões referentes à soberania e ao papel que o setor petrolífero
pode desempenhar no desenvolvimento e sustentação de economias nacionais (GOLDSTEIN,
2010).
Dentro do grupo das NOCs, as empresas pertencentes aos países exportadores
líquidos de petróleo, membros da OPEP, destacam-se. Essas empresas, além de serem
responsáveis por grande parte da produção do óleo cru do planeta, detêm as maiores
concentrações de reservas. Uma série de atributos particulares justifica seu grande poder na
indústria: (i) baixo custo relativo de produção, dada a estrutura geológica de seus campos
produtores; (ii) capacidade de oferta flexível; (iii) proximidade de grandes centros consumidores;
71
e (iv) atuação em cartel. A importância realmente decisiva dessas empresas apenas se revelou ao
mundo nos choques do petróleo na década de 1970 (VALENTE, 2009).
A partir de sua política própria, no que se refere às quotas de produção, o grupo da
OPEP ainda é o principal responsável pelas diretrizes de formação de preços, mesmo na fase
atual da indústria, na qual os preços são livremente estipulados pelos mercados à vista e futuro de
petróleo. Dentro de patamares mínimos (que garanta rentabilidade aceitável sobre o óleo
produzido e feche o balanço de pagamentos desses países) e máximos de preços (para não atrair
novos entrantes e estimular a produção de bens substitutos ao petróleo), sua função objetivo é
alinhar sua margem de manobra sobre a capacidade de oferta da indústria. Essa função objetivo
não foi atingida em muitos momentos da história recente da indústria, devido a grande
heterogeneidade de seus membros, o que torna a coordenação interna do grupo bastante
problemática (VALENTE, 2009).
Diferentemente das NOCs, as Majors, também conhecidas como International Oil
Companies (IOCs), possuem maior dificuldade de acesso às reservas de boa qualidade. Elas são
lideradas por empresas formadas a partir das antigas Sete Irmãs. Apesar de maiores restrições de
acesso às reservas, a ampla experiência na indústria, oriunda do pioneirismo e liderança histórica,
possibilitam essas empresas alcançarem uma maior eficiência operacional, acumularem
capacitações para o desenvolvimento de tecnologias, ampliarem infra-estrutura no downstream,
internacionalizarem-se e acessarem aos grandes mercados, marcas e produtos consolidados.
Outra característica marcante dessas empresas é sua forte atuação nas indústrias correlatas do gás
natural e petroquímica, e nos setores elétricos e de energia alternativa, assumindo a alcunha de
“empresas de energia”. O amplo apoio político e militar dos governos de seus países se soma a
essas vantagens e confere às referidas empresas, individualmente, a capacidade de auferir as
maiores receitas e lucros da indústria mundial (RUAS, 2012; VALENTE, 2009).
A maximização dos lucros é o principal foco destas companhias. Com o objetivo de
maximização do lucro, elas competem pela oportunidade de investir, para atrair e reter capital
intelectual e por capital de risco. A oportunidade de investir na exploração e desenvolvimento é
garantida pela promessa ao Estado detentor das reservas de que gerará maior valor para ele, seja
através de pagamentos em dinheiro não reembolsáveis, seja através de um programa de trabalho
mínimo maior do que a concorrência. Para cumprir essa promessa,a empresa deve ser capaz de
72
gerar mais valor que seus concorrentes, através de um maior nível de extração e recuperação de
petróleo e desenvolvimento de tecnologias redutoras de custos (NOLAN; THURBER, 2010).
As habilidades desenvolvidas por essas empresas para sobreviver no mercado,
tornam-as mais capacitadas para gerenciar risco, quando comparadas com as NOCs. Primeiro,
incentivos comerciais as impulsionam à refinar sua capacidade de previsão de resultados incertos,
através da aplicação da Geociência. Segundo, inovações em soluções de engenharia aumentam os
lucros, reduzindo o capital colocado em risco. Terceiro, o desenvolvimento de um portfólio
global de empreendimentos reduz drasticamente a variância da rentabilidade (NOLAN;
THURBER, 2010).
A segmentação das petrolíferas em dois grandes grupos – NOCs e IOCs -, conforme
salienta Valente (2009), apesar do poder de síntese, não permite classificar alguns conjuntos
distintos de firmas, a saber:
(i) empresas estatais de países consumidores, cujo principal interesse do controle
público é a garantia de segurança energética do país. Por estarem mais preocupadas em garantir o
abastecimento de seus países, estas são mais obstáculos para expansão das Majors - apesar de em
muitos casos serem parceiras, por uma questão de dependência tecnológica e financeira, na E&P
de petróleo –, que concorrentes. Essas empresas foram importantes até os anos de 1980 e 1990,
quando privatizações transformaram seu perfil patrimonial, que, sem controle direto do Estado,
passaram a adotar estratégias semelhantes às IOCs;
(ii) empresas mistas, que, apesar de preservar boa parte do controle estratégico nas
mãos do Estado, possuem uma maior orientação à prática de mercado, com capacitações
tecnológicas superiores às NOCs e investimentos em P&D, em alguns casos, próximos às IOCs.
Com acesso privilegiado às reservas e grandes mercados consumidores estão, cada vez mais,
desafiando a coordenação oligopolística mais ou menos estável das Majors e das empresas
OPEP; e
(iii) empresas independentes, assim definidas por não participarem da coordenação
oligopolística da indústria, sendo essencialmente seguidoras das Majors e NOCs. Atuam
geralmente nos mercados prêmios: Estados Unidos, Europa e Japão. Foram importantes
historicamente na formação da indústria e com crescimento substancial nos últimos trinta anos.
Caracterizam-se por um menor nível de integração vertical, com alguns casos de especialização
em E&P ou refino.
73
O Quadro 2, a seguir, apresenta a segmentação descrita acima com as cinqüenta
maiores empresas da IP, segundo o ranking da Petroleum Intelligence Weekly (PIW), referente ao
ano de 2013, que leva em consideração a performance em seis métricas operacionais (reservas e
produção de petróleo e gás natural, vendas de produtos e capacidade de destilação das refinarias).
Com o objetivo de diferenciar as estratégias de investimentos, separaram-se as NOCs ligadas à
OPEP das de outros países - o direcionamento estratégico das empresas de países da OPEP é
parcialmente vinculado às decisões do cartel, diferentemente de outras NOCs; além disso, as
outras NOCs alcançam destaque apenas regional, com reduzida importância no comércio global.
Quadro 2 - Principais empresas petrolíferas mundiais (2009).
Majors (IOCs)
ExxonMobil
BP
Royal Dutch Shell
Chevron
Total
Eni
ConocoPhillips
Repsol
Mistas
Gazprom
Petrobras
Lukoil
Rosneft
Sinopec
Statoil
ONGC
CNOOC
OMV
Independentes
OPEP
Surgutneftegas Saudi Aramco
TNK-BP‡
NIOC
Novatek
PDV
BG
KPC
Apache
Sonatrach
Devon Energy
QP
Occidental
Adnoc
Anadarko
INOC†
Suncor
NNPC
BHP Billiton
Pertamina
Chesapeake
Libya NOC
CNR
Fonte: Elaboração própria. Dados PetroleumIntelligenceWeekly (2013).
NOCs
CNPC
Pemex
Petronas
EGPC
Kazmunaigas
PDO
Socar
Uzbekneftegas
Ecopetrol
PTT
A grande participação estatal (incluindo empresas OPEP e Mistas) na estrutura
patrimonial dos grandes grupos da IP pode ser ilustrada com a Tabela 8, a seguir, confeccionada
a partir do ranking da Petroleum Intelligence Weekly (PIW).
A emergência das NOCs e das empresas mistas deu à intervenção estatal contornos
particulares. O direcionamento de seus gastos para o mercado nacional e, em alguns casos, a
configuração de redes de aprendizado tecnológico locais potencializaram a formação de
indústrias nacionais de fornecedores. É preciso destacar, contudo, que poucos foram os governos
que esboçaram preocupação com a formação de players nacionais na IPP, estando as políticas de
nacionalização de encomendas geralmente associadas à atração de IDE e instalação de filiais de
empresas para-petrolíferas de países centrais, pelo menos no que se refere aos segmentos mais
complexos da indústria (RUAS, 2012).
74
Tabela 8 - Empresas líderes da IP (PIW 2013) – participação estatal (%).
Rank 2013
Empresa
País
Part. Estatal (%)
1
Saudi Aramco
Arabia Saudita
100
2
NIOC
Irã
100
3
ExxonMobil
EUA
4
CNPC
China
100
5
PDV
Venezuela
100
6
BP
Reino Unido
7
Royal Dutch Shell
Holanda
8
Gazprom
Rússia
50,002
9
Chevron
EUA
10
Total
França
11
KPC
Kuwait
100
11
Pemex
México
100
13
Petrobras
Brasil
28,7
14
Sonatrach
Argélia
100
15
Lukoil
Rússia
16
Rosneft
Rússia
75,16
17
QP
Catar
100
18
Adnoc
Emirados Árabes
100
19
Sinopec
China
75,79
20
Petronas
Malásia
100
21
Eni
Italia
30,1
21
INOC
Iraque
100
23
NNPC
Nigéria
100
24
EGPC
Egito
100
25
Statoil
Noruega
67
26
Surgutneftegas
Rússia
27
TNK-BP
Rússia
28
ONGC
Índia
69,23
28
Pertamina
Indonésia
30
Libya NOC
Líbia
31
ConocoPhillips
EUA
32
CNOOC
China
100
33
Kazmunaigas
Cazaquistão
100
34
PDO
Oman
60
35
Socar
Azerbaijão
100
36
Repsol
Espanha
37
Novatek
Rússia
38
BG
Reino Unido
39
Uzbekneftegas
Uzbequistão
100
39
Apache
EUA
41
Devon Energy
EUA
42
Ecopetrol
Colombia
88,49
42
Occidental
EUA
44
Anadarko
EUA
45
Suncor
Canadá
46
BHP Billiton
Austrália
47
Chesapeake
EUA
48
CNR
Canadá
49
OMV
Áustria
31,5
50
PTT
Tailândia
51,1
Fonte: Elaboração própria. Dados PetroleumIntelligenceWeekly (2013).
75
A estrutura exposta na Tabela 8, além de refletir o crescimento de empresas de países
com acesso privilegiado à reservas, apresenta o resultado do intenso processo de fusões e
aquisições, que será discutido mais adiante, que, entre os anos de 1998-2001 e 2005-2008,
promoveu concentração de capitais e ascensão das denominadas “Mega-Majors”. A ascensão
desse grupo não ofusca a ampliação mais do que proporcional das NOCs e das companhias de
capital misto (VALENTE, 2009).
Ainda seguindo os dados do anuário da PIW (2013), pode-se verificar a importância
relativa, para a dinâmica de concorrência da indústria, de cada um dos grupos descritos.
Conforme os dados para produção de petróleo, volume de reservas provadas em poder das
empresas, capacidade de refino e venda de produtos derivados do petróleo, a Tabela 9, a seguir,
destaca as participações relativas de cada grupo.
Tabela 9 - A importância relativa das principais empresas na IMP (2013).
Produção de Petróleo
(000 b/d)
Reservas (000 b/d)
Capacidade de Refino
(000 b/d)
Vendas de Produto (000
b/d)
Majors
(IOCs)
Mistas (1)
Independentes
OPEP (2)
NOCs (3)
1+2+3
16,28
16,69
7,82
45,97
13,24
75,90
3,88
4,95
2,59
84,36
4,23
93,54
32,83
24,67
2,53
22,71
17,26
64,64
21,50
11,90
54,75
43,10
21,35
2,15
Fonte: Elaboração própria. Dados Petroleum Intelligence Weekly (2013).
Dos dados apresentados, cabem destacar: (i) a reduzida participação das Majors nas
reservas mundiais de petróleo, mesmo com os enormes volumes de investimentos para aumentar
sua relação reserva/produção (R/P); (ii) predominância das Majors no downstream, tanto em
termos de capacidade de refino, quanto em volume de produtos vendidos; (iii) posição
hegemônica do grupo da OPEP no total da produção mundial de petróleo; e (iv) a enorme
concentração das reservas sob controle do grupo das NOCs, principalmente daquelas ligadas à
OPEP, o que garante a sustentação do poder e das vantagens competitivas desse grupo.
A grande onda de nacionalizações e fortalecimento de empresas de países produtores,
completada nos anos de 1970, não são os únicos desdobramentos das transformações políticas na
indústria ocorridas nesse período. Com o segundo choque do petróleo e a elevação dos juros
americanos, um grande período de crescimento da indústria, iniciado no pós-Segunda Guerra, foi
76
interrompido, como pode ser verificado na Figura 18; uma forte inflexão na demanda ocorre no
final da década de 1970, atingindo, em 1983, volumes 10% inferiores aos verificados em 1979. O
crescimento do consumo mundial apenas é retomado após 1985, com o contrachoque de preços,
causado pela alteração na política de cotas da OPEP e pela elevação da oferta da Arábia Saudita.
Figura 18 - Consumo mundial e preços de petróleo entre 1965 e 2013.
100000
120,00
90000
100,00
80000
70000
80,00
60000
50000
60,00
40000
40,00
30000
20000
20,00
10000
-
0,00
Consumo Mundial (Mbd)
U$ por barril (dólar de 2012)
Fonte: Elaboração Própria. Dados BP Statistical Review of World Energy (2013).
Apesar da retomada do crescimento do consumo mundial de petróleo, esse passa a
ocorrer com taxas substancialmente menores, passando de uma taxa média de 5,47% a.a, entre
1965 e 1979, para uma taxa média de 1,52% a.a, entre 1984 e 2012. Além da redução das taxas
de crescimento do consumo, percebe-se, entre os anos de 1985 e 2003, a manutenção do patamar
de preços de petróleo num nível bastante reduzido, atingindo, em dezembro de 1998, valor mais
de US$ 10 inferior ao do ano anterior. Conforme salienta Pinto Júnior e Nunes (2001), entre os
principais fatores que contribuíram para o movimento de queda dos preços ao nível do ano de
1998 se destacam: (i) a crise econômica dos países do sudeste asiático, a partir do segundo
semestre de 1997, ocorrida em função de problemas macroeconômicos; (ii) a crise financeira no
Japão, iniciada no primeiro semestre de 1998, e a redução do seu produto industrial, o que
ocasionou a redução da demanda por petróleo neste país; (iii) a redução da demanda por petróleo
nos EUA e em outros países industrializados, em função da cada vez mais rigorosa retrição
ambiental, do crescimento da eficiência na utilização das fontes de energia e pelo
desenvolvimento de substitutos para alguns usos do petróleo; e (iv) o gap formado entre oferta e
demanda, devido aos fatores acima citados.
77
Nos anos que se seguiram ao de 2003, observou-se um crescimento contínuo dos
preços, até o agravamento da crise econômica internacional, com a falência do banco norteamericano Lehman Brothers, em setembro de 2008. De novembro de 2008 à outubro de 2009, o
preço médio do barril se situou bem abaixo dos verificados nos doze meses anteriores
(MENCHEN, 2010).
Além de interferir na rentabilidade das empresas, mudanças estáveis no patamar de
preços, assim como nas expectativas de sua evolução futura, são decisivas na tomada de decisões
sobre gasto na IP. Essa constatação pode ser ilustrada com a Figura 19, em que se observa uma
queda significativa nos investimentos em nova capacidade produtiva, no último grande período
de baixos preços de petróleo, retomando apenas nos anos 2000, com a elevação dos preços
internacionais.
Figura 19 - Investimentos, produção, preço do óleo cru e valor da produção (ano base 1978).
Fonte: IFP Énergies nouvelles (2013).
A tendência de crescimento do gasto dos anos de 1970 é revertida na década de 1980.
Os investimentos mantiveram patamar reduzido após o contrachoque e, entre 1996 e 2003, a
reversão nos pequenos ciclos de elevação de preços interrompeu dois biênios de expansão no
gasto. Os reduzidos investimentos em E&P nesse período, ainda que a queda mais acentuada
tenha ocorrido no downstream, provocaram progressiva exaustão dos poços em operação, o que
se configurou como um dos elementos a interferir sobre as expectativas de preços de petróleo
(RUAS, 2012).
78
Sobre essa relação entre preços do petróleo e investimentos, Nolan e Thurber (2010,
p. 24) argumentam:
[…] oil price can play an important role in shifting the boundary between high-risk and
low-risk ventures for resource-rich states. When oil prices rise, minimization of
uncertainty and cost becomes a less important part of assuring the desired revenue
collection, and resource-rich governments also tend to be more flush with cash that they
can pour back into oil (and non-oil) activities. Under these circumstances, a
government’s desire for direct control of hydrocarbons is less constrained by
considerations of risk, and an NOC is more likely to be the agent of choice. When oil
prices drop, on the other hand, governments wishing to maximize revenues will be more
likely to need the risk-minimizing talents of IOCs, which in general can offer lower costs
and improved odds of success in resource development. Such a dynamic could in theory
lead to a kind of “backward-bending supply curve” for oil, in which higher oil prices
actually decrease the rate at which hydrocarbons are found and extracted worldwide.
A redução do crescimento setorial e do espaço de acumulação dos agentes, com o
estabelecimento dos preços em patamares reduzidos nos anos de 1980, fizeram com que as
Majors passassem a implementar estratégias de reestruturação que se concentraram em três
frentes principais, a saber: (i) redução dos custos operacionais e administrativos, buscando a
elevação da eficiência produtiva; (ii) adoção de novas estratégias de relacionamento com outras
empresas, privilegiando novas formas de cooperação horizontal junto a outras petrolíferas; e (iii)
implemento de novas políticas de contratação junto as empresas para-petrolíferas. Essas
estratégias definiram mudanças relevantes no ambiente competitivo sob o qual atuam essas
empresas (IOOTTY, 2004).
Primeiro, pelo abandono da estratégia de privilegiar fornecedores locais em benefício
de uma política global de compras, o que favoreceu as relações de compra com fornecedores
integrados. Essa estratégia é justificada pela elevada complexidade tecnológica imposta pela
exploração de determinadas fronteiras geológicas e geofísicas (como Mar do Norte, Alasca e
México), e pela necessidade de diferenciação pelo custo de descobrimento e desenvolvimento das
reservas (o que tornava o custo da contratação de produtos e serviços um aspecto fundamental
para a sua competitividade)(IOOTTY, 2004).
Nas relações de compra com fornecedores integrados, as petrolíferas se relacionam
com contratantes principais, os main-contractors, ou EPCistas, que passam a integrar os projetos
turn-key. Os contratos são firmados no formato Engineering, Procurement and Construction
(EPC), daí a palavra EPCista, em que atividades são centralizadas, inclusive aquelas relacionadas
à negociação de preços e controle de qualidade dos diferentes equipamentos que integram o
79
projeto, e outras firmas fornecedoras de equipamentos e serviços subcontratadas pelo maincontractor. A consagração desses tipos de contratos estabelece que a EPCista, ao se
responsabilizar pela execução do conjunto do projeto, deve estar capacitada para integrar
eficazmente as diferentes partes deste, além de executá-lo de forma coordenada (FURTADO ET
ALLI, 2003).Nesse contexto, a capacidade de ofertar uma ampla gama de produtos e serviços em
grande escala, para atender operações num nível global, tornou-se condição relevante de
sobrevivência para as empresas para-petrolíferas (IOOTTY, 2004).
Segundo, pela redução dos esforços em P&D interno das grandes companhias
privadas de petróleo, diante da necessidade de redução de custos na busca pela eficiência. A
percepção de que as operações de P&D, anteriormente realizadas em grande parte
endogenamente à firma, poderiam ser reduzidas por meio da “externalização” desses esforços,
começou a emergir como uma nova concepção de política tecnológica por parte dessas empresas.
Nesse sentido, estabelece-se uma nova divisão de responsabilidades no interior da cadeia de
criação e utilização de inovação do setor, em que as Majors assumem um papel de supervisão
numa rede de cooperação e contratação de fontes externas de conhecimento (IOOTTY, 2004).
A redução dos gastos em P&D das petrolíferas culminou na manutenção e até
aumento de sua produção de conhecimento. Essa evolução, aparentemente contraditória, pode ser
entendida a partir do argumento de que a inovação resulta de um aprendizado cumulativo
específico, facilitado pela cooperação inter-firmas (JACQUIER-ROUX; BOURGEOIS, 2002).
Portanto, com a nova forma de contratação de empresas para-petrolíferas e a maior
participação dessas nas atividades de P&D, os limites entre firmas operadoras e fornecedoras de
equipamentos e serviços mudaram. Parte dessa mudança é reflexo da alteração da relevância e
complexidade de materiais, equipamentos e atividades de produção. A outra parte se deve a
interpretação das companhias sobre qual é o seu domínio competitivo. O domínio competitivo
das companhias operadoras se encontra na identificação e aquisição de províncias de petróleo e
gás natural lucrativas, no gerenciamento efetivo dos reservatórios e na logística de transporte e
distribuição – não é a tecnologia que transmite a vantagem estratégica, mas, o conhecimento
sobre como e onde aplicá-la. Já o das empresas fornecedoras se assemelha mais a de outras
empresas de bens de capital e de engenharia, cujo foco da competição está nos novos
equipamentos e materiais específicos, assim como nos serviços (ACHA; CUSMANO, 2005).
80
Após todo um esforço de adaptação ao novo padrão de concorrência e ao reduzido
patamar das margens de lucro, impostos pelos patamares reduzidos dos preços do petróleo nos
anos de 1980 - que incluiu, conforme comentado, redução dos custos operacionais e
administrativos, adoção de novas estratégias de relacionamento com outras empresas e
implemento de novas políticas de contratação junto às empresas para-petrolíferas -, não se
mostrar suficiente para reconfigurar a própria estrutura da indústria e recompor os níveis das
margens de lucro, as operações de fusões e aquisições (F&A) se tornaram imperativas.
Dentro dos movimentos médios de F&A da indústria, destacam-se dois períodos –
1998-2001 e 2005-2008 -, com perfil de transações específico. O perfil das operações ocorridas
entre os anos de 1998 e 2001 é o esperado para uma onda de reestruturação, já que, em sua
maioria, deram-se entre as empresas líderes da indústria. A formação dessa onda é o resultado da
adoção de uma estratégia defensiva das empresas diante de um resultado pífio das margens de
lucro, que atingiu um nível negativo em 1998, reflexo de uma conjuntura particular de queda na
demanda mundial, em função da crise financeira asiática, e dos sinais contrários enviados pela
Venezuela e Arábia Saudita pelo lado da oferta. Nesse momento, os preços do petróleo e as
margens de refino atingiram seu nível mais baixo desde o choque de 1973. Após a onda de
reestruturação, o ajuste das posições relativas das empresas no mercado recompôs os níveis das
margens de lucro apropriadas à sequência do processo de acumulação das empresas líderes,
elevando, porém, o grau de concentração da indústria (VALENTE, 2009).
A segunda onda de fusões e aquisições, entre os anos de 2005 e 2008, foi resultado de
um choque externo positivo e inesperado no ambiente competitivo das empresas. A causa desse
choque se deve à mudança no parâmetro de elasticidade-preço da demanda, causada pela taxa de
crescimento das importações de petróleo - enquanto a taxa de crescimento da demanda entre
2000 e 2005 foi de 1,7% a.a, a taxa de crescimento das importações mundiais foi quase o dobro,
com 3,2% a.a (PINTO JÚNIOR, 2007) -, o que impulsionou de forma extraordinária a
acumulação interna das empresas, dada seqüência de lucros líquidos recordes capitalizados. A
aceleração das importações pode ser explicada pelo aumento na demanda causado pelo rápido
crescimento americano e chinês e de muitos países em desenvolvimento. Além disso, as
incertezas quanto as condições de oferta, em especial após a guerra do Iraque, e do horizonte de
esgotamento da capacidade de produção ociosa da OPEP, são aspectos que devem ser levados em
consideração (VALENTE, 2009).
81
Nesse sentido, pode-se afirmar que, em suas características fundamentais, a segunda
onda de F&A seguiu as premissas de uma onda de consolidação. Esse argumento pode ser
sustentado pelos indícios de que, no intuito de realizar seu potencial de crescimento, num
contexto generalizado de alta no ritmo de acumulação de capital e de alta pressão competitiva, as
grandes empresas da indústria engoliram as pequenas. A maior parte das F&A do período esteve
concentrada no segmento upstream, o que se justifica pela busca das empresas por acesso à
reservas para manutenção de seu ritmo acelerado de crescimento (VALENTE, 2009).
A elevação dos investimentos, que se seguiu ao contínuo período de crescimento dos
preços correntes e futuros de petróleo, tem significado uma mudança fundamental para os
fornecedores da IP, que passaram a dispor de um mercado em grande expansão no decorrer da
presente década (RUAS, 2012). Na próxima seção serão investigadas as principais características
da IPP, assim como as relações inter-setoriais entre esta e a IP e os impactos destas relações na
dinâmica de concorrência na IPP.
3.2
A INDÚSTRIA PARA-PETROLÍFERA (IPP)
Enquanto o papel das empresas petrolíferas, seja estatal ou privada, é saber onde
explorar, desenvolver e produzir petróleo, o papel das empresas para-petrolíferas é fornecer as
tecnologias necessárias para executar essas atividades. Por exemplo, a localização de um
reservatório em potencial é prevista pela companhia de petróleo, mas é o equipamento de
perfuração, fornecido pela IPP, que testa fisicamente a previsão. Diferentemente das petrolíferas,
as para-petrolíferas não fazem quaisquer previsão ou promessa a respeito do resultado de um
empreendimento de exploração ou de produção e não investem capital próprio nos resultados
altamente incertos (NOLAN; THURBER, 2010).
Anteriormente, como já comentado, grande parte dos equipamentos essenciais para
exploração, desenvolvimento e produção era desenvolvido pelas companhias petrolíferas,
atualmente essas funções são realizadas pelas empresas para-petrolíferas, dada a pouca vantagem
competitiva obtida com a internalização destas. As Majors competem convencendo os Estados
detentores de reservas de sua capacidade na gestão de risco e de recursos esgotáveis, enquanto as
para-petrolíferas competem convencendo as petrolíferas de sua capacidade em oferecer as
82
melhores ferramentas para o enfrentamento das novas fronteiras geológicas e com os menores
custos (NOLAN; THURBER, 2010).
A estratégia de externalização da produção desses equipamentos foi primeiro adotada
pelas operadoras independentes dos Estados Unidos, no desenvolvimento de campos do Golfo do
México. O mesmo modelo foi utilizado por operadoras maiores e com uma bagagem maior em
atividades marítimas para viabilizar a produção de petróleo em águas profundas (SILVA, 2009).
Portanto, com o pioneirismo dos EUA e o rápido crescimento da importância da produção em
suas províncias, entre o final do século XIX e início do século XX, a formação e a evolução da
IPP, apesar do destaque de alguns grupos europeus no avanço da IP do pós-Segunda Guerra,
passaram a ser confundidas com a história dos fornecedores americanos (RUAS, 2012).
Atualmente, a IPP tem desempenhado um importante papel no desenvolvimento das
companhias de petróleo nacionais, ao permitir que estas tenham acesso às melhores tecnologias
de E&P, ainda que as IOCs mantenham sua vantagem na gestão de riscos (NOLAN; THURBER,
2010).
O setor para-petrolífero, desde sua criação, é extremamente dependente do setor
petrolífero. Três razões principais, segundo Iootty (2004), explicam essa constatação:
(i) a natureza das atividades da IPP depende da composição da demanda
encomendada pelas empresas petrolíferas. Enquanto estas, historicamente, concentram-se nas
atividades de produção, refino e distribuição, devido às grandes rendas minerais adquiridas,
externalizam as atividades de exploração, desenvolvimento e manutenção. A extrema
complexidade dessas atividades torna algumas para-petrolíferas fornecedoras especializadas do
setor petrolífero;
(ii) o nível das atividades das empresas para-petrolíferas depende do volume dos
investimentos em E&P efetuados pelas empresas petrolíferas, que é essencialmente cíclico, em
função da instabilidade de preços do petróleo. Os investimentos no upstream das empresas
petrolíferas, sobretudo das Majors, por serem projetos de longo prazo de maturação, com elevada
necessidade de autofinanciamento, têm sua rentabilidade atrelada à evolução dos preços do
petróleo. Constata-se, dessa maneira, uma forte correlação entre os preços do petróleo, os
investimentos das empresas petrolíferas em E&P, e, por conseguinte, o nível de demanda de
serviços e produtos da IPP. Além disso, as condições de captação de recursos para investimento
são definidas, para parte das empresas fornecedoras, pela confirmação de contratos ou de
83
investimentos junto a IP, e o financiamento de fornecedores, ou a composição de sua estrutura
patrimonial, é realizado, muitas vezes, pelas petrolíferas; e
(iii) o elevado poder de mercado das empresas de petróleo, que se reflete na
negociação de contratos e planejamento de seus investimentos, obriga as para-petrolíferas
obedecerem aos elevados padrões de qualidade exigidos e a ofertarem em condições favoráveis.
O desenvolvimento de mecanismos para internacionalização de suas vendas, seja através de
exportações ou internacionalização produtiva, representa uma resposta destas empresas a essa
condição estrutural.
Portanto, a grande diferença de porte econômico dos grupos e sua importância nas
estratégias industriais nacionais são marcas da interação entre os agentes da IPP e da IP. As
empresas petrolíferas, conforme se verifica na Tabela 10, apresentam receitas muito superiores ao
dos grupos para-petrolíferos. Segundo o ranking Fortune 500, dentre as 10 maiores empresas do
mundo em receita, no ano de 2013, quatro são petrolíferas, enquanto, nesse mesmo ano, a parapetrolífera melhor classificada é a Halliburton, na 106a posição. No que se refere à lucratividade,
a Exxon Mobil apresentou, em 2013, lucro quase seis vezes superior à soma dos lucros das cinco
para-petrolíferas melhores ranqueadas.
Parapetrolíferas
Petrolíferas
Tabela 10 - Comparação entre grandes grupos petrolíferos e para-petrolíferos: receitatotal (US$
bilhões), lucros (US$ milhões) e número de empregados (2013).
Rank
2
3
4
9
33
106
Empresa
Exxon Mobil
Chevron
Phillips 66
Valero Energy
MarathonPetroleum
Halliburton
Receita ($b) Lucros ($mm) Número de empregados
449,90
44.880,00
88.000
233,90
26.179,00
62.000
169,60
4.124,00
13.500
138,30
2.083,00
21.671
76,80
3.389,00
25.985
28,50
2.635,00
73.000
135 Baker Hughes
21,40
1.311,00
58.800
144 NationalOilwellVarco
20,00
2.491,00
55.948
310 Cameron International
8,50
750,50
417 FMC Technologies
6,20
430,00
Fonte: Elaboração própria. Dados Fortune Global 500 (2013).
27.000
18.400
Além do descrito, a diferença de importância política da IP e da IPP nas estratégias
nacionais é outra variável que merece destaque. A produção de petróleo e gás natural e a venda
de derivados, além de serem historicamente importante na expansão das fronteiras de acumulação
84
internacionais dos blocos de capital de grandes potências, compõem aspecto infraestrutural para o
desenvolvimento da indústria nacional. A distinção de interesses de empresas petrolíferas e parapetrolíferas pode subjugar ou mesmo inviabilizar a estratégia de desenvolvimento de uma IPP
local (RUAS, 2012).
Em termos gerais, a IPP é composta por um amplo conjunto de segmentos e empresas
responsáveis pela oferta de equipamentos e serviços de suporte às atividades da indústria
petrolífera; o que constata sua heterogeneidade estrutural. Essa heterogeneidade começa, em
primeiro lugar, pelo tamanho dos grupos econômicos e por sua capacidade de acumulação de
capital e, em segundo, pela diversidade de bases tecnológicas, associadas a produtos e serviços
com distintas funções na estrutura de produção da IP, e que constituem diversas fronteiras
setoriais específicas (RUAS, 2012).
A partir da análise da indústria de equipamentos e serviços offshore, que pode ser
estendida para a cadeia como um todo, Hansen apud Ruas (2012), adota a seguinte segmentação
para a IPP:
(i) fornecedores de insumos localmente determinados (locally determinated inputs).
Caracterizados pela fabricação de ativos complementares e conhecimento tecnológico de
aplicação genérica, tais como metalurgia, usinagem, automação, indústria naval, sistemas
elétricos e de comunicação, serviços de construção, transporte,gerenciamento e análise de dados e
financiamento. Capacitados para ofertar aos dois segmentos da IP (upstream edownstream), além
de outras indústrias de energia, material de transporte, química e outros segmentos de processo
produtivo contínuo. Pouco dependentes do conhecimento acumulado na IP, ainda que
certificações e controles estritos de processo produtivo, alguns típicos dessa indústria,
constituam-se indispensáveis para garantia de prazos, preços e qualidade dos produtos e serviços
ofertados. Essa reduzida dependência das redes de conhecimento da IP atrela suas vantagens
competitivas à eficiência em processos, seja via escala de produção e capacidade de investimento
e gestão, seja via economias de escopo relacionadas à possibilidade de ofertar equipamentos e
serviços para outras cadeias produtivas;
(ii) fornecedores de tecnologias centrais para a IP (core technology). Relacionados
ao desenvolvimento histórico de fronteiras tecnológicas particulares à IP, englobam os
fornecedores de equipamentos específicos para E&P (prospecção, perfilagem, revestimento,
cimentação, fluidos de perfuração e produção, equipamentos subsea), ou de serviços
85
especializados (instalação e operações diretas em segmentos da indústria, consultorias
especializadas, empresas de apoio logístico especializado). Esses fornecedores, em algum
instante do desenvolvimento da indústria, valeram-se das redes de conhecimento como indutoras
da inovação de produto (equipamentos e serviços). Suas vantagens competitivas estão associadas:
(a) às economias de escala, que viabilizam a posse de ativos complementares específicos, e às
relações de confiança desenvolvidas entre empresas no setor, que, apesar de potencializarem a
internacionalização, via exportações ou através de filiais em grandes províncias petrolíferas,
geralmente acompanhando seus principais clientes na IP, estão associadas à oferta de produtos
com baixo nível de oportunidades de inovação; e (b) à capacidade de inovação, associada ao
conhecimento acumulado e à inserção nas redes de pesquisa de empresas petrolíferas, e
encontrada em empresas de perfis distintos em termos de porte econômico; e
(iii) empresas de engenharia, contratação e montagem (EPCistas). Responsáveis pela
construção de infraestrutura produtiva da IP, portanto, associadas à indústria naval e de produção
de plataformas, à construção de estruturas de transporte e refinarias. As atividades desenvolvidas
por essas empresas estão relacionadas à capacidade de gestão de operações complexas, garantia
de qualidade e prazo de entrega. Em geral, essas empresas reúnem capacitações que as permitem
atuar como fornecedores de outras indústrias. Nos países desenvolvidos, a existência de escala de
operações, que proporciona vantagens em preço e capacidade de financiar investimentos em
equipamentos e estruturas produtivas mais modernas, tornam-as capazes de ofertar à fontes
diversas. Já nos países em desenvolvimento, a falta de competitividade é, geralmente,
compensada com algum tipo de proteção inicial, através do direcionamento das encomendas, por
exemplo.
Bain e Company e Tozzini Freire Advogados (2009), de acordo com a abrangência
dos segmentos atendidos, conforme se verifica no Quadro 3, classificam as empresas da seguinte
maneira: (i) integradores: empresas com bastante tradição, que, a partir da aquisição de outras
empresas, passaram a marcar presença em vários segmentos do setor, concentrando-se no
fornecimento de serviços de maior conteúdo tecnológico; (ii) drillers: empresas que se dedicam
ao fornecimento de serviços de perfuração; (iii) EPCistas: empresas que atuam fornecendo
serviços de engenharia, compras e construção; (iv) fabricantes de equipamentos: empresas que se
dedicam à manufatura de equipamentos e consumíveis e fornecimento de serviços relacionados a
esses; (v) empresas de apoio logístico: empresas dedicadas ao fornecimento de serviços de
86
transporte marítimo, aéreo ou terrestre de insumos e equipamentos; e (vi) empresas de nicho:
empresas focadas em mercados bastante específicos, por exemplo, fornecedores de serviços de
exploração e sísmica.
Quadro 3 - Classificação das empresas de serviços e equipamentos de E&P segundo
aparticipação em cada um dos segmentos22.
Informação de
Reservatórios
Contratação
de
perfuração
Serviços e
equipamentos
de perfuração
Revestimento e
completação
Infraestruturae
instalações
Produção e
manutenção
Descomissio
namento
Apoio
logístico
Integradores
Drillers
EPCistas
Fabricantes
de
equipamento
Empresas de
nicho
Empresas de
apoio
logístico
Fonte: Bain e Company e Tozzini Freire Advogados (2009).
Outra segmentação, ilustrada na Figura 20, é apresentada pela ONIP (2011).
22
A descrição dos referidos segmentos pode ser encontrado em Bain e Company e Tozzini Freire Advogados (2009).
87
Figura 20 - Caracterização da cadeia de fornecimento de bens e serviços offshore.
Fonte: ONIP (2011).
A primeira camada reflete os elos diretos do ciclo produtivo da IP, e é formada
tipicamente pelos fornecedores diretos do operador – sísmica, prestadores de serviços de campos
e poços, estaleiros, instalações e equipamentos submarinos e atividades de apoio logístico. Nas
duas camadas que se seguem, observam-se integradores, sistemistas e fornecedores de
equipamentos, que tanto atendem diretamente ao operador, quanto aos seus fornecedores diretos.
As três primeiras camadas representam o núcleo da cadeia de fornecimento stricto sensu do setor.
Além do núcleo, a cadeia é suprida por componentes básicos, movimentando processos
industriais e serviços de larga aplicação em atividades produtivas. Ao final, a cadeia é constituída
por insumos industriais básicos, como produtos siderúrgicos, petroquímicos e energia (ONIP,
2011).
Mudanças importantes ocorreram nas últimas décadas na IPP mundial, catalisadas
pela queda dos preços do petróleo nos anos de 1980 e 1990, pela busca por redução de custos
(operacionais e de transação) das empresas petrolíferas e pela maior participação de empresas
mistas, de países OPEP, e outras NOCs no upstream da indústria – com menor capacitação
88
tecnológica e conhecimento para liderar atividades de P&D e investimentos mais complexos
(RUAS, 2012; SILVA, 2009).
Essas mudanças trouxeram consequências importantes para as empresas parapetrolíferas, ao impor-lhes novas e maiores responsabilidades. Esse novo contexto, determinado
pelas estratégias de reestruturação das petrolíferas, de uma forma geral, começou a delinear para
as empresas para-petrolíferas, como já comentado, a necessidade de: (i) ampliar o escopo de
oferta de bens e serviços; e (ii) realizar um maior esforço formal de P&D, permitindo a
atualização tecnológica e a integração das, agora necessárias, múltiplas competências (IOOTTY,
2004).
É importante mencionar que a maior participação das empresas para-petrolíferas nas
atividades inovativas, apesar da necessidade conjuntural de redução de custos da IP desempenhar
papel importante, foi determinada, também, pela própria evolução dos regimes tecnológicos
dessas empresas. A consolidação de um maior controle sobre a atividade inovativa por estas foi
possibilitada pelo acúmulo de capacitações desde os anos de 1970, período em que a indústria
sofreu importantes modificações em seus paradigmas tecnológicos, com a transformação da
natureza da evolução tecnológica em conjuntos relevantes de produtos (equipamentos e serviços)
e com a operação em mercados de produtos mais dinâmicos (RUAS, 2012).
A compreensão do processo de desenvolvimento de inovações, assim como de suas
implicações sobre a dinâmica de concorrência na IPP, passa pela caracterização das redes de
aprendizado, suas motivações e o papel dos agentes envolvidos. São variados os arranjos
possíveis para as redes de aprendizado, sendo os mais comuns: mecanismos de transferência de
informação, intercâmbio de pesquisadores/funcionários e infraestrutura, acordos de cooperação,
Joint IndustryProjects(JIPs) e joint ventures. Incluem-se nesses arranjos, a participação de
agentes como empresas concorrentes na IP, empresas para-petrolíferas, institutos de pesquisa,
universidades e laboratórios (RUAS, 2012).
As empresas de petróleo buscam nesses agentes a disponibilidade de recursos e
capacitações para auxiliar no aprimoramento de seu processo produtivo, com o desenvolvimento
de novos produtos e serviços por meio da coordenação de redes de aprendizado interativo. Essas
estruturas podem ser consideradas indispensáveis, também, sob o ponto de vista dos
fornecedores, pois, mesmo possuindo capacitações decisivas para a inovação relacionada aos seus
segmentos de atuação, a interação e o feedback com as empresas petrolíferas são indispensáveis
89
para o contínuo acúmulo de conhecimento e prosseguimento das trajetórias tecnológicas setoriais.
Nesse sentido, a importância das redes de aprendizado para os fornecedores está associada,
também, às típicas formas de cooperação das relações usuário-produtor, centrais para o
aperfeiçoamento e consolidação de novas tecnologias (ACHA; CUSMANO, 2005).
A formação de redes, além da busca por redução de custos ou articulação eficiente de
capacitações para aprendizado, representa um poderoso instrumento na construção de relações de
confiança entre agentes e de mútuo fortalecimento na disputa por espaços de valorização no
interior da cadeia produtiva em sentido amplo (RUAS, 2012).
Em suma, percebe-se que os padrões de participação das companhias de petróleo no
processo de mudança têm envolvido, cada vez mais, ação crítica do conjunto de seus
fornecedores mais importantes. Mas, apesar da redução no desempenho do papel de
desenvolvedor de inovações, os operadores se encontram em junções estratégicas da rede,
ligando organizações de diferentes tipos e subcampos de pesquisa. Conforme argumenta Acha e
Cusmano (2005, p. 19):
This is consistent with their competitive incentive to maintain a wide awareness of new
technologies and techniques, since their competitive domain is in the application –
rather than in the development – of technology. As operators need to ‘know more than
they do’ (Brusoniet al., 2001), the participation to multi-disciplinary R&D projects with
a differentiated range of specialised actors represent a fundamental source of
complementary knowledge, whose processing, however, rests on maintaining diversified
in-house capabilities.
As referidas mudanças, que obrigaram as empresas para-petrolíferas ampliarem o
escopo de oferta de bens e serviços e realizarem um maior esforço formal de P&D, culminaram
no surgimento de grupos para-petrolíferos com atuação significativamente internacionalizada e
diversificada, com grande escala de operações e atividades de P&D. Como forma de viabilizar a
trajetória de multi-produção, as empresas do setor realizaram inúmeras operações de fusões e
aquisições (IOOTTY, 2004).
As F&A foram utilizadas não apenas como meio de obter ganhos de poder de
mercado e eficiência - decorrentes da realização de economias de escala de produção,
aproveitamento de recursos indivisíveis e acesso à recursos financeiros – mas, também, como
uma forma de imprimir um caminho de diversificação tecnológica, ao possibilitar acesso a
competências não incorporadas, necessárias para a integração de novos conhecimentos, e,
90
paralelamente, a dissolução dos riscos relacionados aos custos crescentes de P&D e aos
investimentos em atualização tecnológica (IOOTTY, 2004).
Assim, desde meados dos anos de 1980, até o final da década de 1990, ainda que com
diferenças importantes entre os segmentos da IPP, um intenso processo de compra e venda de
ativos ocorreu no setor, revelando um expressivo movimento de concentração da estrutura
produtiva (IOOTTY, 2004). O referido movimento patrimonial permitiu a consolidação de
grandes grupos e a reestruturação de suas atividades; ou viabilizando realização do potencial de
acumulação interna, com ampliações de sua participação de mercado, ou possibilitando vendas de
ativos de baixo desempenho ou compras de ativos complementares ao seu conjunto principal de
atividades (RUAS, 2012; SILVA, 2009).
O processo de F&A, em muitos casos, ocorreu entre grandes grupos, como a já
destacada fusão entre as norte-americanas Halliburton e Dresser (1998), as aquisições das,
também, norte-americanas Schlumberger (Sedco e GECO, na segunda metade dos anos 1980, e
Smith, em 2010), e Baker Hughes (BJ Services, em 2010), e da britânica Transocean (Aker
Drilling, em 2011), a fusão entre Baker International & Hughes Tool (1987),e entre as
norueguesas Aker e Kvaerner (2001). As empresas que se originaram dessa estratégia, e que
passaram a atuar em diversos mercados de produtos e serviços para petróleo, foram denominadas
“para-petrolíferas integradas” (VIEGAS, 2013; RUAS, 2012).
Tais empresas, pela ampliação da internacionalização e da escala global de operações,
bem como pela sua participação no total de P&D relacionado ao setor de petróleo, tornaram-se
centrais para o desenvolvimento tecnológico do setor e para a organização da cadeia de
fornecedores, pois passaram a comandar grandes contratos; “pacotes completos”23 (RUAS, 2012).
A vasta gama de bens e serviços ofertados por esse tipo de empresa pode ser
ilustrada na Figura 21, a seguir, em que se apresentam os grandes fornecedores de serviços e
equipamentos de E&P e suas receitas, em 2007. No eixo vertical da figura se apresenta a
participação relativa de cada empresa nos segmentos existentes, enquanto no eixo horizontal
mostra-se a importância de cada segmento no total de receitas da indústria (VIEGAS, 2013).
Com a análise da figura, percebe-se a peculiaridade da indústria para-petrolífera, que
é, ao mesmo tempo, fragmentada e concentrada. Framentada pela alta especialização de muitas
23
Referem-se a “pacotes completos” de equipamentos e serviços,que incluem serviços para instalação, operação, manutenção e
descomissionamento (desativação) de estruturas.
91
empresas e concentrada pelo elevado market share das líderes de cada segmento. Quanto às
receitas da indústria, as seis maiores empresas, em 2007, apresentaram os seguintes market share:
Schlumberger (9%), Halliburton (6,5%), Baker Hughes (4,5%), Transocean (4%), Weatherford
(3%) e Smith International (3%) (VIEGAS, 2013).
Figura 21 - Fornecedores de serviços e equipamentos de E&P e suas receitas, em 2007.
Fonte: Bain e Company e Tozzini Freire Advogados (2009).
Cabe destacar a existência de novas evidências nos anos 2000, quando se observam a
redução da externalização de algumas atividades e da “compra de pacotes completos”. Essas
evidências representam maiores oportunidades para os fornecedores especializados (RUAS,
2012).
Apesar dessas evidências, as “para-petrolíferas integradas” continuam com elevada
participação de mercado. É possível observar, nas últimas décadas, a coexistência dessas
estruturas, estando sua formatação associada ao tipo de investimentos (upstream ou downstream),
ao perfil do contratante e sua capacitação tecnológica, ao perfil das instituições no momento
histórico específico, aos preços de petróleo e as oportunidades de acumulação na cadeia
92
petrolífera como um todo. Porém, a recente retomada do maior controle das petrolíferas sobre as
estruturas de mercado na IPP e sobre o direcionamento das encomendas favorece a entrada de
novas empresas e o fortalecimento da IPP em novos países, ao menos em alguns nichos (RUAS,
2012). Na próxima seção discutir-se-á como o Estado tem atuado para o fortalecimento da IPP
local.
3.3
INTERVENÇÃO
GOVERNAMENTAL
PARA
DESENVOLVIMENTO
DE
UMA
INDÚSTRIA
PETROLÍFERA NACIONAL
O
PARA-
Conforme descrito, tanto as companhias petrolíferas, quanto muitas das firmas líderes
da IPP operam internacionalmente. O contexto internacionalizado da IPP representa uma
dificuldade para a apropriação local de renda na IP. Nesse sentido, a intervenção governamental,
através de políticas de desenvolvimento produtivo e tecnológico, pode ser justificada pela
necessidade de garantia da segurança energética, indispensável para o desenvolvimento
industrial, e pela possibilidade de ampliação da apropriação de renda24. Portanto, pode-se afirmar
que a evolução da “desconfiança” em relação ao mercado e sua capacidade de conduzir os
interesses nacionais estão no cerne das ondas de nacionalismo energético. Sendo nacionalismo
energético definido, a partir de dois processos: limitação de acesso às IOCs e ampliação do
controle sobre a exploração dos recursos naturais por Estados produtores25 (STEVENS, 2008).
Diversos métodos de intervenção governamental têm sido utilizados para favorecer a
IPP local, com o objetivo de construir uma capacidade nacional de produção e exportação
(HALLWOOD, 1993). Dentre esses métodos, segundo Hallwood (1993), destacam-se: (i)
cláusulas sobre joint ventures obrigatórias, transferência de tecnologia e engenharia de
petróleo e programas de treinamento para o pessoal do país detentor das reservas podem estar
contidas em leis de petróleo danação; (ii) companhias nacionais de petróleo podem ser
direcionadas/obrigadas à atender cláusulas de conteúdo local - Brasil, Noruega e Venezuela
têm utilizado com frequência esse dispositivo; (iii) licenciamento de produção pode exigir que
24
No início, as intervenções eram justificadas (i) pela importância militar do petróleo, com ampla utilização de derivados, no
decorrer da Segunda Guerra Mundial, para mobilizar tropas e grandes frotas (navios, veículos terrestres e aviões), e (ii) pela
percepção, alguns anos após o conflito, de insuficiência das reservas americanas para o atendimento da crescente demanda, o que
motivava posturas mais ativas dos governos europeus e americano para garantir acesso à reservas no Oriente Médio (YERGIN,
1991).
25
O termo políticas de desenvolvimento produtivo e tecnológico foi utilizado em substituição ao termo políticas protecionistas,
em função do objetivo dos governos com a adoção desses tipos de políticas não se limitar à proteção da indústria nacional em
relação aos produtos importados, mas, por exemplo, incentivar a inovação tecnológica por empresas nacionais.
93
as empresas petrolíferas favoreçam a realização de atividades por empresas locais, como na
China e na Noruega, por exemplo; e (iv) licenças de importação, tarifas e limitação da
propriedade estrangeira restringem a concorrência e aumentam os preços no mercado interno,
permitindo, assim, fornecedores locais ganharem posição.
Alguns benefícios imediatos são garantidos com a adoção desses tipos de políticas,
como, por exemplo, incremento no emprego doméstico e crescimento da participação nacional
no valor adicionado da produção de petróleo. Contudo, a existência de barreiras à entrada
agudas na indústria pode dificultar o acesso de fornecedores locais nos mercados
internacionais (HALLWOOD, 1993). Hallwood (1993, p. 92) argumenta:
The larger the necessary initial investment, the higher the risk-adjusted discount rate,
the smaller the future annual expected net benefits and the shorter the period over
which these benefits are enjoyed, the smaller will be the return on an investment (and
it may be negative). Entry costs into many industries are likely to be high because
the existence of TNCs may be argued to depend upon the possession of firmspecific advantages. In the OOSI, positive net benefits are unlikely to materialize
because of the impermanence of the domestic market and the (revealed) difficulty of
penetrating export markets. Other industries in which net benefits may be small can
be classified first as new products or services in which domestic demand is
especially uncertain (translating into a high discount rate); secondly, as other
depletable natural-resource industries, especially when deposits are small, or when
international markets are difficult to penetrate; and, thirdly, as industries subject
to rapid technological change, unless the new entrant can sustain high rates of
expenditure on research and development — otherwise indigenous enterprises face
near exclusion from international markets and even risk loss of the home market.
A presença de empresa estatal, com capacidade operacional, amplia as possibilidades
e formas de intervenção governamental na atividade petrolífera. Primeiro, por permitir
apropriação direta da renda petrolífera, maior controle das encomendas e das atividades de
desenvolvimento tecnológico; a empresa, em alguns casos, dada a capacidade gerencial e
informações disponíveis, assume papel central no planejamento energético. Segundo, mesmo não
sendo monopolista, a existência de uma empresa estatal possibilita ao seu governo um maior
conhecimento sobre a atividade, ampliando sua capacidade de negociação com empresas privadas
e execução do planejamento energético e setorial (STEVENS, 2008).
Um dos mecanismos de intervenção mais utilizados por países que apresentam
abertura à operação de empresas estrangeiras na IP, como é o caso do Brasil, que também possui
uma empresa estatal, é a utilização de critérios de conteúdo local nas aquisições. Os argumentos a
favor desse instrumento vão desde a ampliação do emprego doméstico, à possibilidade de
94
transferência tecnológica, objetivando redução do gap tecnológico, e, consequentemente, dos
custos por parte da IP. O gap tecnológico pode ser superado com aprendizado, aproximando os
custos de produção local aos padrões internacionais no médio e longo prazo. Assim, poderiam ser
maximizados os impactos sobre o desenvolvimento industrial nacional, além da geração de novos
empregos no país (NORDAS; VATNE; HEUM, 2003).
As possibilidades de diminuição dessa defasagem estão associadas à escala de
operações da IP e a base industrial prévia do país. A existência de uma base industrial menos
desenvolvida dificulta as empresas petrolíferas atingirem os requisitos de conteúdo local. Mesmo
quando esses requisitos são atendidos, grande parte das encomendas se restringe aos produtos de
baixo conteúdo tecnológico, limitando a capacidade de aprendizado (RUAS, 2012).
O principal problema, apontado pelos críticos, dos critérios de conteúdo local nas
aquisições é a diferença de preços praticados por fornecedores globais e locais, favorecidos por
reservas de mercado. Além da redução de investimentos na IP, a ineficiência gerada pelo
direcionamento das aquisições pode provocar, segundo Nordas, Vatne e Heum (2003):
(i) seleção adversa na atração de IDE. Quando comparadas a empresas mais
eficientes, as ineficientes seriam menos afetadas pelo diferencial de custos, uma vez que a
diferença entre os custos antes e depois do cumprimento das exigências de conteúdo local
seriamenor;
(ii) redução dos lucros das empresas e, consequentemente, dos tributos sobre
rendimentos coletados pelo governo. Nesse caso, a receita petrolífera seria deslocada do governo
(e dos beneficiários das despesas do governo) para a indústria para-petrolífera local.
As pressões para redução dos custos de investimentos na IP e as dificuldades no
desenvolvimento e/ou capacitação de fornecedores locais são as principais motivações para
ampliação do acesso à fornecedores de produtos/equipamentos estrangeiros. Por esses motivos,
os critérios de conteúdo local, na maior parte das províncias petrolíferas, são adotados,
simultaneamente, as políticas de atração de investimentos direto estrangeiro de grandes grupos
para-petrolíferos, que viabilizam, em tese, equipamentos com preços e qualidade mais favoráveis.
Entretanto, a presença desses grupos pode limitar os benefícios do direcionamento das
encomendas (NORDÅS; VATNE; HEUM, 2003; HALLWOOD, 1993).
É nesse sentido, como argumenta Hallwood (1993, p. 93), que o contexto global da
concorrência na IPP se configura como um grande dilema para o governo local. Já que:
95
An open-door (or laissez-faire) policy towards foreign supply companies risks the
non-development of indigenous enterprises. Protectionism, however, risks high input
costs that reduce the profits from oil production (in which host Governments share
through taxation), as well as a loss of markets when domestic oil production begins
to decline. There are two possible solutions. One is to accept the fact that reliance on
foreign TNCs may make the entry by indigenous enterprises very difficult, but enjoy
competitive prices and the advanced technological solutions provided by the international oil-supplies industry. The other is to develop indigenous interests in a way
that will make them truly competitive in international markets. Unless competitiveness
is achieved, foreign markets will not be won without subsidies, which are costly and,
in any event, likely to be illegal under GATT rules. There would also have to be
planning for the day when oil-production activities decline.
Caso a competitividade local não seja ampliada pelos arranjos produtivos
desenvolvidos, a produção doméstica da IPP pode ser reduzida rapidamente com a diminuição da
demanda da IP nacional. Por esse motivo, a introdução de mecanismos para transferência de
tecnologias e aprendizado local se torna indispensável para realização do potencial de
desenvolvimento doméstico e inserção competitiva na concorrência global (HALLWOOD,
1993).
O estímulo à formação de grupos locais sofreu diversas tentativas de restrição em
acordos de investimentos, de propriedade intelectual e compras governamentais. Porém, tanto em
âmbito multilateral, quanto na esfera bilateral de negociações, poucos foram os efeitos surtidos
sobre sua efetiva aplicação. As políticas para transferência de tecnologia e de direcionamento
estratégico do investimento direto estrangeiro, como principais alvos das tentativas de bloqueio,
mantiveram-se importantes ao longo das últimas décadas e permanecem sendo utilizadas por
diversos governos, mesmos que com algumas adaptações (RUAS, 2012).
3.4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A indústria mundial do petróleo (IMP) é formada por grandes empresas muito
competitivas, que atuam com escalas elevadas, tecnologia avançada e significativo poder
financeiro. Essa indústria envolve dois segmentos, um que atua a montante (upstream) e outro
que atua a jusante (downstream) da cadeia.
As atividades upstream se destacam por envolver elevados riscos de investimentos,
compensados pela possibilidade de aquisição de grandes lucros. Uma característica importante da
IMP é a verticalização das atividades, com o objetivo de distribuição dos riscos e dos custos entre
os diversos segmentos da cadeia industrial e de obtenção de um risco/custo médio que compense
os diferenciais de custo e aumente os ganhos ao longo dos segmentos da indústria. A
96
internacionalização das atividades, intensificada no período pós-Primeira Guerra Mundial, que
pode estar relacionada a localização geográfica das reservas e mercados consumidores, é outra
estratégia de sucesso para diversificação de risco, amplamente utilizada pelas empresas líderes da
indústria.
O crescimento da IP no pós-Segunda Guerra Mundial motivou o movimento de
entrada de novas empresas, tanto de países desenvolvidos, quanto de países em desenvolvimento,
grandes produtores ou não. Esse movimento se intensificou nos anos de 1960 e se completou nos
anos de 1970, com os choques do petróleo, quando ocorreu uma grande onda de nacionalizações
e fortalecimento de empresas de países produtores.
Essas empresas, denominadas de National Oil Companies (NOCs), quando
comparadas com as Majors, possuem menor capacitação tecnológica, reduzidos ativos no
downstream, menor internacionalização e acesso aos mercados centrais, apesar das vantagens de
acesso às reservas as permitirem, nas últimas décadas, especialmente nos períodos de elevação
dos preços do petróleo, importante capacidade de acumulação e crescimento. Além da busca pelo
lucro, as NOCs apresentam como característica principal a necessidade de responder aos
objetivos do governo.
Diferentemente das NOCs, as Majors, também conhecidas como International Oil
Companies (IOCs), possuem maior dificuldade de acesso à reservas de boa qualidade. Apesar
desta restrição, a ampla experiência na indústria as possibilitam alcançar uma maior eficiência
operacional, acumular capacitações para o desenvolvimento de tecnologias, ampliar infraestrutura
no downstream, internacionalizar-se e acessar aos grandes mercados, marcas e produtos
consolidados. Outra característica marcante dessas empresas é sua forte atuação nas indústrias
correlatas do gás natural e petroquímica, e nos setores elétricos e de energia alternativa,
assumindo a alcunha de “empresas de energia”. Diferentemente das NOCs, a maximização dos
lucros é o principal foco das IOCs. Com esse foco, elas competem pela oportunidade de investir,
para atrair e reter capital intelectual e por capital de risco.
Empresas
estatais
de
países consumidores, empresas
mistas e
empresas
independentes, além das NOCs e IOCs, também se fazem presentes na IMP.
Além da grande onda de nacionalizações e fortalecimento de empresas de países
produtores, completada nos anos de 1970, destaca-se como desdobramento das transformações
políticas na indústria ocorridas nesse período uma forte inflexão na demanda. O crescimento do
97
consumo mundial é retomado, apenas, após 1985, com o contrachoque de preços do petróleo,
causado pela alteração na política de cotas da OPEP e pela elevação da oferta da Arábia Saudita.
A redução do crescimento setorial e do espaço de acumulação dos agentes, com o
estabelecimento dos preços em patamares reduzidos nos anos de 1980, fizeram com que as
Majors passassem a implementar estratégias de reestruturação, que se concentraram em três
frentes principais: redução dos custos operacionais e administrativos, adoção de novas estratégias
de relacionamento com outras empresas e implemento de novas políticas de contratação junto às
empresas para-petrolíferas.
Essas estratégias definiram mudanças relevantes no ambiente competitivo sob o qual
atuam essas empresas. Primeiro, pelo abandono da estratégia de privilegiar fornecedores locais
em benefício de uma política global de compras, o que favoreceu as relações de compra com
fornecedores integrados. Segundo, pela redução dos esforços em P&D interno das grandes
companhias privadas de petróleo, diante da necessidade de redução de custos na busca pela
eficiência.
Com
isso,
as
empresas
para-petrolíferas
passaram
a
assumir
maiores
responsabilidades, inclusive, com maior participação nas atividades de P&D.
Atualmente, enquanto as Majors competem convencendo os Estados detentores de
reservas de sua capacidade na gestão de risco e de recursos esgotáveis, as para-petrolíferas
competem convencendo as petrolíferas de sua capacidade em oferecer as melhores ferramentas
para o enfrentamento das novas fronteiras geológicas e com os menores custos. A indústria parapetrolífera tem desempenhado um importante papel no desenvolvimento das companhias de
petróleo nacionais, ao permitir que estas tenham acesso às melhores tecnologias de exploração e
produção, ainda que as IOCs mantenham sua vantagem na gestão de risco.
Mesmo com a extrema dependência da IP, a ampliação do escopo de oferta de bens e
serviços e o maior esforço formal de P&D culminaram no surgimento de grupos para-petrolíferos
com atuação significativamente internacionalizada e diversificada, com grande escala de
operações e atividades de P&D.
O contexto internacionalizado da IPP representa uma dificuldade para a apropriação
local de renda. É justamente essa apropriação, além da necessidade de garantia da segurança
energética, que justifica a intervenção governamental através de políticas de desenvolvimento
produtivo e tecnológico. Um dos mecanismos de intervenção mais utilizados por países que
apresentam abertura à operação de empresas estrangeiras na IP, como é o caso do Brasil, é a
98
utilização de critérios de conteúdo local nas aquisições. Os argumentos a favor desse instrumento
vão desde a ampliação do emprego doméstico à possibilidade de transferência tecnológica. Como
principais problemas se destacam a redução de investimentos na IP, a seleção adversa na atração
de IDE e a redução dos lucros das empresas e, consequentemente, dos tributos sobre rendimentos
coletados pelo governo.
Neste sentido, o contexto global da concorrência na IPP se configura como um
grande dilema para o governo local; se, por um lado, uma política de portas abertas torna o
desenvolvimento de uma indústria local mais difícil, por outro, uma política de conteúdo local,
por exemplo, eleva os custos dos insumos, o que reduz os lucros empresariais. Duas soluções se
apresentam para esse dilema: (i) aceitar que a IPP é um oligopólio internacional, o que representa
uma grande barreira para o desenvolvimento de uma indústria local com capacidade de competir
internacionalmente, e usufruir dos preços competitivos e da tecnologia de ponta fornecidos pelas
empresas internacionais; ou, (ii) adotar políticas efetivas o suficiente para garantir
competitividade internacional de empresas fornecedoras locais; lembrando que a efetividade das
políticas não pode ser diagnosticada sem um prazo de maturação (ex-ante).
No Brasil, a preocupação com o destino da IPP nacional, com o fim do monopólio da
Petrobras, estabelecido pela Lei 9.478/97, fez com que fosse incorporado índices de
nacionalização nos critérios para seleção dos leilões de áreas de E&P de petróleo e gás natural.
Em 2010, o modelo de E&P de petróleo e gás natural criado pela referida Lei foi parcialmente
abandonado, estabelecendo-se um novo marco regulatório, que trouxe consequências do ponto de
vista da política de conteúdo local
O estabelecimento de cláusulas de conteúdo local tem sido apontado, pelas agências
de ratings, conforme se verificou no Capítulo 1, como um dos motivos para o rebaixamento das
notas de crédito da Petrobras. No próximo capítulo analisar-se-á porque essa política está na
contramão da perspectiva de maximização de valor para os acionistas desta companhia.
99
4
PETROBRAS
NACIONAL
E
A
INDÚSTRIA
PARA-PETROLÍFERA
A história da indústria de petróleo e gás natural (IPGN) passou por diversas
transformações. No Brasil, esta tem sido um reflexo de estratégias institucionais defensivas, para
lidar com as forças do mercado internacional de petróleo, e ativas, para enfrentar a
vulnerabilidade de sua economia, a partir da descoberta de petróleo. Essa história ganhou impulso
após a criação, em 1953, de uma companhia estatal, a Petrobras, com direitos de monopólio na
exploração, produção e refino de petróleo.
A Petrobras, apesar de exercer, desde sua criação, uma influência significativa no
desenvolvimento de uma rede de fornecedores de equipamentos e serviços, não teve sua dinâmica
de aprendizado seguida por essa rede. Enquanto a estratégia tecnológica da companhia tem sido
fortemente influenciada pelos preços do petróleo, fixados internacionalmente, a estratégia dos
fornecedores foi determinada pelas condições da política industrial doméstica. Portanto, a história
da IPGN brasileira selou diferentes destinos para a Petrobras e sua rede de fornecedores.
Esta história será contada nesse capítulo, que está dividido em cinco seções. Na
primeira seção será discutida a relação da Petrobras com a IPP nacional no período préliberalização econômica, enquanto na segunda seção essa discussão será tratada para o período
logo após a liberalização econômica. Na terceira seção a discussão está centrada na política de
conteúdo local para o fortalecimento da IPP e suas mudanças no decorrer das diversas rodadas de
licitações. Na quarta seção será descrito o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de
Petróleo e Gás Natural (PROMINP) e analisada a competitividade da IPP brasileira, para, na
quinta seção, fazerem-se as considerações finais.
4.1
PETROBRAS E A IPP NACIONAL:
LIBERALIZAÇÃO ECONÔMICA
PERÍODO
PRÉ-
A IPGN foi um dos pilares do modelo de Industrialização por Substituição de
Importações (ISI). A Petrobras, principal agente dessa indústria, foi criada, em 1953, para operar
ao longo de toda cadeia de petróleo e gás no país, exceto distribuição e comercialização,
objetivando reduzir as restrições à industrialização, associadas a uma base pobre de recursos
petrolíferos. A estatal, durante as três primeiras décadas de sua existência (1953-1983),
encampou as diretrizes políticas do Estado brasileiro, centradas no desenvolvimento da indústria
101
doméstica, a partir da adoção de uma política de substituição de importações (SILVA, 2009;
SILVA; FURTADO, 2006).
No primeiro momento (1954-1979), conforme salientam Freitas (1999), Ortiz Neto
(2006) e Ortiz Neto e Shima (2008), a companhia utilizou seu volume de investimentos para
fomentar a indústria local na área de refino e transporte, downstream. O reduzido preço do barril
de petróleo, em relação ao elevado preço de seus derivados, até 1972, explica o investimento
majoritário da Petrobras na área de refino.
Além dos preços internacionais de hidrocarbonetos e de seus derivados, Oliveira
(2010, p. 7-8) acrescenta outros fatores determinantes da oferta destes, a saber:
No upsteam, as variáveis determinantes do comportamento da oferta de hidrocarbonetos
sãos as oportunidades oferecidas pela geologia e os preços praticados no mercado
internacional. Já no downstream, as variáveis chaves são a demografia, a taxa de
crescimento econômico e os preços para os consumidores finais. No caso das refinarias,
a expansão da capacidade instalada é fundamentalmente determinada pela demanda de
diesel, dado que as refinarias brasileiras estão estruturadas para maximizar a oferta desse
combustível, com o objetivo de minimizar a dependência de importações desse derivado.
A inauguração da nacionalização de equipamentos de petróleo, que nesse período se
constituía de compras em larga escala junto a empresas que operavam com padrões tecnológicos
inferiores aos encontrados na indústria, aconteceu com as primeiras encomendas realizadas
durante a construção de Mataripe (Refinaria Landulpho Alves), na Bahia. A realização de
encomendas pioneiras,além de maiores custos, significava assumir riscos de atrasos e problemas
de fabricação (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006; FREITAS, 1999).
Foi nesse período, como enfatiza Alonso (2004), que a indústria de bens de capital
brasileira foi consolidada. Além dos projetos de construção de refinarias, empresas nacionais
participaram dos projetos de construção de infraestrutura de produção, transporte e distribuição
de petróleo e derivados.
A política de compras da Petrobras atuou em três frentes, a saber: (i) estímulo à
transferência tecnológica, com firmas brasileiras participando, inclusive, em projetos conjuntos
com firmas estrangeiras; (ii) incentivo à criação da Associação Brasileira da Infraestrutura e
Indústria de Base (ABDIB), cuja atribuição principal era difundir normas e procedimentos de
controle de qualidade; e (iii) criação, em seu Serviço de Materiais (SERMAT), de um sistema de
pré-qualificação de fornecedores que, além de verificar a capacidade financeira e gerencial
102
destes, fornecia à eles orientação e assistência técnica necessária para o desenvolvimento de
capacitação tecnológica (ALONSO, 2004).
Na década de 1970 e início da década de 1980, os investimentos na indústria
nacional, que repercutiram positivamente na IPGN brasileira, foram alavancados pelos Planos
Nacionais de Desenvolvimento (PNDs). Editados pelos governos militares, os PNDs abarcavam
um período de cinco anos e tinham como foco a substituição de importações, proibindo ou
impondo barreiras à importação de tudo que pudesse ser fabricado no Brasil ou que tivesse
similar nacional. Mesmo com a comprovação da não existência de um determinado item para
fornecimento no país, exigiam-se justificativas cada vez mais detalhadas para autorizar a
importação (SOUZA, 1997).
A Petrobras, no referido período, pela sua capacidade de referenciar o mercado, já
havia desenvolvido critérios próprios de escolha de seus fornecedores através da criação de um
sistema de normas técnicas e métodos de controle de qualidade, independente da ABDIB. A
partir de sua posição de monopsionista na compra de equipamentos, a companhia adotou
mecanismos de capacitação de fornecedores locais, que compreendiam o domínio tecnológico na
produção de tecnologias complexas e a absorção de tecnologias geradas em seu centro de
pesquisa (Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello –Cenpes)
(SILVA; FURTADO, 2006).
A partir do segundo choque do petróleo, em 1979, as iniciativas em direção à
nacionalização de equipamentos de E&P, upstream, passam a ser mais efetivas, apesar destas
ocorrerem desde o ano de 1968, quando se iniciou a exploração de petróleo offshore no Brasil, no
Campo de Guaricema, na Bacia de Sergipe. As mudanças das condições de mercado com o
segundo choque e o consequente aumento dos preços do petróleo, elevaram não apenas os
investimentos em E&P, mas a participação desse segmento nos investimentos totais da empresa.
Enquanto em 1979 estes correspondiam a 54,4%, em 1981 eles representaram 83,2% (ORTIZ
NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006; FREITAS, 1999).
O esforço tecnológico da Petrobras reduziu o impacto dos choques do petróleo,
provendo o país de importantes reservas petrolíferas. Dentre essas se destacaram o campo da
Garoupa, descoberto em 1974, à lâmina d’água (LDA) de 120 metros de profundidade, que
representou um marco histórico para o setor petrolífero nacional, os campos de Badejo (1975),
103
Namorado (1975), Enchova (1976) e Cherne (1977), todos na Bacia de Campos (SILVA, 2009;
SILVA; FURTADO, 2006).
Apesar do modelo de ISI marcar a primeira fase da política de compras da Petrobras
para seu seguimento offshore (1970 até a primeira metade da década de 1990), a capacitação
tecnológica da IPP brasileira em áreas de fronteira do conhecimento era fraca. Nos equipamentos
que demandavam maior complexidade técnica predominavam a utilização de tecnologia externa.
A limitação tecnológica das empresas nacionais era atribuída: (i) ao elevado custo de fabricação
das tecnologias; e (ii) as elevadas oscilações da demanda, que aumentavam o grau de incerteza
quanto ao retorno dos investimentos em P&D (FREITAS, 1999).
Quanto ao segundo ponto, observou-se que apesar da Petrobras adotar, em alguns
momentos, uma política objetiva e efetiva de nacionalização - tanto através da organização do
setor de compras, com a definição de prioridades e cadastramento de fornecedores, quanto por
uma maior relação com a indústria nacional -, em outros, essa política esteve associada,
simplesmente, às dificuldades conjunturais para importação. Apesar da oferta das empresas locais
conseguir se adequar gradualmente ao volume de compras da estatal, mesmo com uma oscilação
destas, a oferta não veio acompanhada por um investimento em atividades de P&D, tornando as
empresas locais dependentes tecnologicamente das empresas que licenciavam o conhecimento
(FREITAS, 1999).
Diante das limitações acima mencionadas, o início da E&P das formações geológicas
recém-descobertas foi realizado a partir de equipamentos, materiais e serviços encomendados de
empresas estrangeiras. Este fator fez com que o índice de compras da Petrobras, dentro do país,
oscilasse para baixo, chegando à 52%, em 1980 (ANP, 1999).
Em 1983, no período da crise da dívida brasileira, a Petrobras descobriu campos
petrolíferos gigantes na costa do Brasil - Albacora (1984), Marlim (1985) e Albacora Leste
(1986) -, com mais de 1,5 bilhão de barris equivalentes de petróleo (BEP) e situados em
profundidades entre 300 m e 2.100 m de LDA. A descoberta desses campos, além de indicar, pela
primeira vez, a possibilidade de uma considerável redução da dependência do petróleo
importado, oportunizou a saída do desempacotamento e adaptação tecnológica, para o
desenvolvimento, em bases locais, de uma nova trajetória tecnológica para exploração de
petróleo offshore em águas profundas, não existente no mercado (DANTAS; BELL, 2011;
ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006).
104
Mesmo
diante
dessa
excelente
oportunidade
econômica,
a
rotina
de
desempacotamento de tecnologias prontas não foi suplantada, muito em função da
disponibilidade de reservas em águas rasas e do elevado custo do petróleo importado, que
viabilizava a produção, mesmo que ineficaz. Em sendo assim, o aprendizado da Petrobras é
consolidado, na primeira metade da década de 1980, mediante o desempacotamento de
tecnologias (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006).
As capacitações desenvolvidas (de desempacotar tecnologias) foram rapidamente
absorvidas pelos fornecedores nacionais, aumentando, em 1983, para, aproximadamente, 80% o
percentual de compras da Petrobras no país. Foi a partir dessa nova fase da política de compras
da companhia, sobretudo, que grande parte das empresas fornecedoras estabelecidas fora do país
ou buscou constituir parcerias com empresas brasileiras ou abriu filiais no país (ANP, 1999).
A essa altura, uma rede de conhecimento embrionária já começava a se formar ao
redor da Petrobras.As atividades de acumulação tecnológica da companhia, associadas com a
referida rede, estavam centradas na assimilação de métodos adquiridos, de equipamentos, de
serviços e de operação. Portanto, o fluxo de conhecimento se restringia ao operacional, sendo as
firmas fornecedoras a principal fonte – poucas outras organizações tiveram um papel significante
na rede26 (DANTAS; BELL, 2009).
O sucesso parcial da política assistemática de compras de produtos no mercado
nacional – em que se observou o desenvolvimento com sucesso de alguns processos relacionados
à aprendizagem pelo uso (learning by using), porém com uma limitada aprendizagem interativa
usuário-fornecedor (learning by interacting), justamente pela sazonalidade da política de compras
- e a descoberta de jazidas gigantes em águas profundas impuseram à Petrobras a proposição de
um programa de nacionalização mais eficaz, que incentivasse as atividades de P&D nas empresas
nacionais (FREITAS, 1999).
O lançamento desse programa, cujo objetivo seria a sistematização de esforços
visando o desenvolvimento tecnológico offshore em profundidades até 1000 m, com base no
Sistema de Produção Flutuante (SPF), ocorreu apenas em 1986, com o contrachoque da Arábia
26
No desenvolvimento destes reservatórios, a Petrobras utilizou o Early Production Systems (EPS), conceito adotado por
companhias de petróleo internacionais nos campos do Mar do Norte. O movimento de sua curva de aprendizado de águas rasas
para águas profundas deu-se, primeiramente, com a assimilação de tecnologias padrões, para o posterior desenvolvimento do
conceito de Floating Production Storage and Offloading (FPSO), amplamente utilizado pela Petrobras nos dias atuais
(OLIVEIRA E RUBIANO, 2011).
105
Saudita, maior produtor/exportador de petróleo do mundo27 (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008;
ORTIZ NETO, 2006).
Esse país, com o objetivo de punir os demais membros da OPEP pelo desrespeito ao
sistema de quotas estabelecido, elevou sua produção a um nível que fez reduzir o preço do barril
do petróleo em mais de 20 dólares em poucos meses. Os altos custos (e os riscos elevados) dos
empreendimentos relacionados à fronteira das águas profundas obrigaram o encerramento de
várias experiências e aplicações efetivas, exceto a brasileira, realizadas no mundo, com destaque
para as do Golfo do México, do Mar do Norte e do Mediterrâneo (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008;
ORTIZ NETO, 2006; DANTAS, 1999).
O valor absoluto não foi a única restrição à continuidade desses empreendimentos.
Soma-se a esse aspecto a existência de alternativas de produção, que se mostravam mais
adequadas às principais companhias petrolíferas, elevando o custo de oportunidade da produção
de petróleo em águas profundas (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006; DANTAS,
1999).
No Brasil, a necessidade de redução imediata dos custos e aumento da produção
interna, devido às restrições de divisas e a importância da conta petróleo, foram impostas à
Petrobras, sob pena de um desestímulo à produção offshore local, caso se fizesse a opção pela
importação. É nesse contexto que o Programa de Capacitação Tecnológica para Águas Profundas
(PROCAP) é lançado (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006; DANTAS, 1999).
O PROCAP 1000 (1986-1992) foi formado por um portfólio de 64 projetos, mas,
durante sua implementação, com o surgimento de novos desafios, terminou englobando o
desenvolvimento de 116 projetos, divididos em projetos de curto, médio e longo prazo (ORTIZ
NETO E SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006). Esses projetos foram decompostos em cinco
linhas de pesquisas, a saber: (i) equipamentos e instalações subsea; (ii) plataformas semisubmersíveis e embarcações; (iii) veículo de operação remota; (iv) ampliação da base de dados
sobre a Bacia de Campos, na busca por novos campos; e (v) plataformas fixas (FREITAS, 1999).
O PROCAP 1000 representou uma nova fase do aprendizado da Petrobras na medida
em que o simples aprendizado operacional, relativo ao desempacotamento e operacionalização da
27
A escolha pela trajetória SPF se justificava pelo relativo conhecimento adquirido, desde 1977, com a operação e concepção de
sistemas de produção antecipada (ORTIZ E NETO, 2006).
106
tecnologia importada, deu lugar a um aprendizado voltado para a endogenização das inovações
(ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006).
O programa foi um híbrido entre a estratégia de desenvolvimento tecnológico
endógeno, que teve uma maior ênfase, e a estratégia de desenvolvimento tecnológico
cooperativo. Na estratégia de desenvolvimento endógeno, a Petrobras realizava a maior parte dos
esforços de pesquisa, com pouca cooperação externa, e o propósito era o domínio de
determinadas tecnologias pela companhia (FREITAS, 1999).
A princípio, procurou-se consolidar a experiência operacional da companhia,
principalmente aquela acumulada com os Sistemas de Produção Flutuantes (SPF), utilizados em
profundidades menores.Portanto, destacaram-se no programa conhecimentos técnicos mais
convencionais estendidos para até 1000 m de LDA, e, em menor medida, o desenvolvimento de
projetos mais inovadores. O principal impasse dessa estratégia foi o reduzido envolvimento de
fornecedores locais no desenvolvimento de inovações, o que limitou a obtenção, numa fase
posterior, de parceiros capazes de fabricar componentes e/ou equipamentos (FREITAS, 1999).
Na estratégia de desenvolvimento cooperativo, segundo Freitas (1999), destacaram-se
três características:
(i) envolvimento de participantes externos. Na comparação entre a estratégia
cooperativa e a estratégia endógena, percebeu-se uma ampliação da parceria externa, com o
aumento da importância das empresas internacionais de engenharia e das universidades nacionais
no processo de desenvolvimento de conhecimento tecnológico de fronteira;
(ii) contratos multiclientes. A difusão de projetos multiclientes na IP internacional
foi propiciada pelos seguintes fatores: (a) viabilização de estudos em novas áreas de
conhecimento tecnológico, onde o risco e a incerteza costumam ser bastante elevados; (b)
redução dos custos de acesso ao novo conhecimento; (c) identificação (das) e relacionamento
(com) companhias petrolíferas internacionais interessadas no desenvolvimento de novos sistemas
tecnológicos offshoree no conhecimento voltado para áreas de especialização restritas, que
resultaram em processos de transferência tecnológica de equipamentos, peças e componentes e
sistemas de E&P; e
(iii) aprendizagem organizacional. A utilização de consórcio de pesquisa contribuiu
para o processo de absorção de novos conhecimentos, reforçando a aprendizagem tecnológica da
companhia, visto que integrou múltiplos agentes, formando redes de inovação.
107
Com a implementação do PROCAP 1000 houve, portanto, uma extensão da
participação da Petrobras na produção de conhecimento. No período de 1985-1991, a companhia
desenvolveu intenções mais ativas de utilizar a rede de conhecimento para alcançar objetivos
relacionados ao aprendizado, não meramente para adquirir conhecimento passivo com a
aquisição de bens e serviços (DANTAS; BELL, 2009).
A acumulação de atividades tecnológicas se desenvolveu através de arranjos
colaborativos com: (i) universidades e centros de pesquisa, no desenvolvimento de projetos
voltados à criação de conhecimento científico; (ii) universidades, centros de pesquisa e empresas
de engenharia, nos projetos relacionados ao desenvolvimento de conhecimento aplicado inédito;
(iii) empresas de engenharia, na adaptação de tecnologias; e (iv) firmas classificadoras, na
classificação e publicação do nível de excelência dos conceitos desenvolvidos pelos diversos
parceiros (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006).
Sobre esse aspecto, Freitas (1999, p. 140) salienta:
O PROCAP 1000 sinaliza a transição para uma nova filosofia quanto ao processo de
elaborar conhecimento, o que pode ser ilustrado pela divisão do trabalho tecnológico em
torno das tarefas estabelecidas no programa. Durante sua execução, a empresa passou a
delegar partes da atividade de pesquisa tecnológica a diversos agentes, as quais antes
realizadas pelo CENPES. A diversidade de parcerias formadas pelo Centro de PD&EB
com universidades, empresas de engenharia, empresas petrolíferas, entre outras, aponta
para uma postura mais interativa, promotora de um arranjo institucional em forma de
rede de inovação, particularmente no desafio offshore.
Mas, apesar de uma maior participação da Petrobras na produção de conhecimento,
devido a mudança da sistemática de integração, em que seus fornecedores passaram a ser
parceiros de pesquisa, ultrapassando o caráter comercial do simples fornecimento de bens e
serviços, a divisão do trabalho continuava acontecendo de maneira assimétrica; a Petrobras
aprendia com os parceiros (DANTAS; BELL, 2009; ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ
NETO, 2006).
O que se percebe, portanto, é que a descoberta dos campos offshore, ao tornar as
tecnologias exigidas para E&P cada vez mais complexas - o que requeria uma maior
customização destas, para lidar com a diversidade geológica, marinha, de hidrocarbonetos e
meteorológica -, alterou, fundamentalmente, os desafios enfrentados pelas empresas de petróleo,
exigindo interações com fornecedores para atender a demandas personalizadas (DANTAS;
BELL, 2011).
108
Contudo, os fortes incentivos para inovação na Petrobras, apesar da crise dos anos de
1980, conforme comentado, objetivando desenvolver as reservas offshore identificadas na bacia
de Campos - isto se justificava pela inserção da companhia no projeto desenvolvimentista
brasileiro, que incluía a substituição de importação de petróleo -, não se replicaram para os
fornecedores domésticos de equipamentos e serviços, que, até o momento da crise, recebiam
fortes incentivos da Petrobras e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) (OLIVEIRA; RUBIANO, 2011).
A situação dos fornecedores domésticos de equipamentos e serviços piorou no início
da década de 1990, quando os programas de nacionalização perdiam força e o discurso
governamental voltava-se à competitividade e exposição da indústria nacional à concorrência
estrangeira.Nessa nova trajetória, apesar do aumento da capacidade de fornecimento local de
petróleo, foi dada pouca atenção à capacitação tecnológica para inovar dos fornecedores. Na
maior parte das vezes que eram solicitados, limitavam-se a demonstrar que possuíam capacitação
tecnológica para replicar tecnologias desenvolvidas pela Petrobras ou por empresas estrangeiras.
Dificilmente a companhia encomendava a um fornecedor local o desenvolvimento de um produto
ou sistema que não se encontrasse na “prateleira” (SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006).
Contribuíram para a reversão do discurso, a abertura da economia brasileira ao
mercado externo e o advento da Lei 8.666/93, que previa, nos processos licitatórios, o regime de
concorrência pública.Em paralelo a esses fatores, a quebra do monopólio da Petrobras, em 1997,
remetia a companhia à uma revisão do papel social de indutora do desenvolvimento nacional que
sempre exerceu(SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006). A partir desse quadro, discutir-se-á,
na próxima seção, como se estabeleceu a relação entre a Petrobras e a IPP nacional.
4.2
PETROBRAS E A IPP NACIONAL: PERÍODO LOGO APÓS
LIBERALIZAÇÃO ECONÔMICA
A revisão das políticas para o setor energético brasileiro se deu com a emergência de
um novo consenso mundial nos anos de 1990. Especificamente para o caso da IPGN brasileira,
foram promovidas mudanças no plano institucional, jurídico e macroeconômico, que
ocasionoucerto abalo nos elos existentes entre a Petrobras e a IPP nacional, com a redução do seu
índice de nacionalização das compras. No plano institucional e jurídico se destacaram a lei de
109
concessões de serviços públicos (Lei 8.987/95) e a quebra do monopólio legal da Petrobras (Lei
9.478/97) (SILVA; FURTADO, 2006).
A Lei 8.987/95 estabeleceu a base jurídica para a concorrência e para a atuação, em
projetos energéticos, da iniciativa privada. A Petrobras, que gozava de liberdade na aquisição de
produtos e serviços, passou a ser obrigada a abrir participação nas licitações, dependendo do
volume da obra e dos seus requisitos técnicos, à empresas do país e do exterior. Em sendo assim,
a indústria nacional perdeu em competitividade nas licitações internacionais para grandes obras
(construção de plataformas, navios, unidades de processo em refinarias) ou para aquisições de
bens com alto agregado tecnológico, por apresentar uma estrutura de custos extremamente
desfavorável, quando comparada à empresas do exterior(ALONSO, 2004).
Essa lei foi flexibilizada pelo decreto 2.745/98, que possibilitou aquisições de
equipamentos e serviços pelo mecanismo de negociação direta com os fornecedores locais e
estrangeiros, dispensando a realização de licitações. Duas características centrais se destacam
nesse mecanismo: (i) estimula a entrada e qualificação de fornecedores em determinados nichos
de mercado; e (ii) possibilita a apropriação pela Petrobras de parcela significativa dos ganhos de
produtividade dos fornecedores, ao permitir a barganha sistemática de preços. Portanto, apesar
desse decreto possibilitar a operação da Petrobras em ambientes cada vez mais adversos, sem que
esta incorra em custos proibitivos, ele tem implicações nocivas às empresas fornecedoras, ao
reduzir seu fôlego financeiro e, portanto, inovativo (SILVA, 2009).
A Lei 9.478/97 autorizou a contratação pelo Governo Federal de empresas públicas
ou privadas para participação nas atividades econômicas de exploração, produção, refino,
exportação, importação e transporte de bens e derivados de petróleo, anteriormente reservadas à
Petrobras. A partir da aprovação dessa lei, foram criados o Conselho Nacional de Política
Energética (CNPE), cuja atribuição é o assessoramento à Presidência da República na formulação
de políticas e diretrizes para o setor energético brasileiro, a Agência Nacional do Petróleo (ANP),
autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), que tem por atribuição zelar pelo
funcionamento, em bases competitivas, da indústria de petróleo e gás natural e o Fundo Setorial
do Petróleo (CTPetro), cujo objetivo é aumentar a produção e competitividade, reduzir custos e
preços e melhorar a qualidade dos produtos do setor através do estímulo à inovação na cadeia
produtiva de P&G, da formação e qualificação de recursos humanos e do desenvolvimento de
110
projetos em parceria entre empresas e universidades, instituições de ensino superior ou centros de
pesquisa do país (SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006; ORTIZ NETO, 2006).
A relação entre a regulamentação do CTPetro e a Lei 9.478/97 se estabelece pelo fato
de os recursos destinados à esse fundo terem sido definidos a partir da institucionalização, através
dessa lei, dos critérios para os cálculos e cobranças das participações do Governo Federal,
aplicáveis ao upstream da IP. A partir dessa lei, os royalties, que anteriormente eram cobrados
apenas por Estados e Municípios, passaram a ter uma parcela, que varia de 5 a 10% do petróleo
ou gás produzido, conforme os fatores de risco e de expectativa de produção, arrecadados pelo
Governo Federal(ORTIZ NETO, 2006).
No que se refere às mudanças no arcabouço jurídico, destaca-se a implementação do
Regime Aduaneiro Especial para a Indústria do Petróleo (Repetro), novo regime tributário, criado
em 1999, que estabelecia que a importação de equipamentos destinados à E&P offshore estaria
livre de qualquer tributação. Esse regime desfavoreceu a IPP nacional, mesmo com a criação do
sistema de “exportação ficta”, pelo Governo Federal, que, apesar de compensar os fornecedores
locais da concorrência desigual dos produtos importados, com a desoneração dos impostos
federais, não os livravam dos impostos estaduais (SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006).
No plano macroeconômico se observou, nos anos de 1990, a abertura da economia
brasileira ao mercado externo e a sobrevalorização cambial. Esses fatos estimularam a
importação de tecnologias incorporadas e desincorporadas e, em conseqüência, uma diminuição
das encomendas feitas pela Petrobras aos fornecedores locais (SILVA, 2009; SILVA;
FURTADO, 2006).
Outro aspecto que concorreu para a redução do índice de nacionalização das compras
da Petrobras para seu segmento offshore, reflexo do acirramento do processo competitivo, foi a
mudança organizacional implementada a partir dos anos de 1990. A companhia, seguindo a
tendência internacional, passa a externalizar parte significativa das funções que anteriormente
assumia em seus grandes projetos de investimentos. Entre as funções externalizadas, destacam-se
o controle e a integração dos empreendimentos, bem como a parte financeira do projeto
(FURTADO ET ALLI, 2003).
O relacionamento da Petrobras passou a ocorrer com contratantes principais, os maincontractors, que passaram a se integrar aos projetos turn-key. A companhia passou a buscar
contratos no formato Engineering, ProcurementandConstruction (EPC), em que atividades são
111
centralizadas, inclusive aquelas relacionadas à negociação de preços e controle de qualidade dos
diferentes equipamentos que integram o projeto, e outras firmas fornecedoras de equipamentos e
serviços subcontratadas por um main-contractor. A consagração desses tipos de contratos
estabelece que a EPCista, ao se responsabilizar pela execução do conjunto do projeto, deve estar
capacitada para integrar eficazmente as diferentes partes deste, além de executá-lo de forma
coordenada (FURTADO ET ALLI, 2003).
No que se refere às mudanças organizacionais acima mencionadas, Oliveira e
Rubiano (2011, p. 11) comentam:
Petrobras started to use EPC (engineering, procurement and construction) companies
for the supply of its needs of equipment and services. Differently from Petrobras, the
EPC companies have no culture of fostering the NSES. Their single objective is to
minimize costs, searching for the lower supply prices available either domestically or
internationally. Placed in a new innovative, internationally competitive context, the
NSES responded adopting defensive innovation strategies based on the assimilation of
external knowledge embodied in machinery, in spite of the sustained growth of the
domestic oil production. However, the deep offshore demands suppliers able to innovate
based on scientific knowledge. Eventually, Petrobras diminished the ability to
coordinate its supply or equipments and services while the NSES reduced the ability to
supply the technological needs of the BIOG.
A inexistência de empresas brasileiras capacitadas para operar nessa sistemática
favoreceu a contratação de EPCistas estrangeiras de grande porte e integradas verticalmente.
Além disso, o que piora a situação dos fornecedores de bens e serviços nacionais, quando o
projeto de investimento é total ou parcialmente financiado por algum banco estrangeiro, é a
existência de alguma cláusula que exija a compra de equipamentos no país de origem do banco
financiador (ALONSO, 2004).
Dessa maneira, essas mudanças organizacionais têm grande responsabilidade na
transição ocorrida da relação da Petrobras com a IPP nacional. Elasocorreram num momento em
que as indústrias brasileiras de bens de capital e de bens intermediários se encontravam
enfraquecidas. Logo, a redução do índice de nacionalização das compras da Petrobras para seu
segmento offshore pode ser explicada pelo aumento do grau de exigência da companhia em
relação aos seus fornecedores aqui instalados, concomitante a perda de competitividade destes
(SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006).
A este respeito, Silva (2009, p. 107) salienta:
112
A lógica privada passou a determinar as estratégias da operadora nacional, levando-a a
priorizar custos, qualidade e prazo de entrega dos equipamentos e serviços
encomendados em seus projetos, assim como, a remuneração dos acionistas. Logo, na
esteira da diminuição do padrão de intervenção do Estado na economia, a face
empresarial se sobrepôs a face pública da Petrobras, de forma que a indução da indústria
doméstica deixou de fazer parte das prioridades da operadora nacional (SILVA, 2009, P.
107).
A transição ocorrida pode ser evidenciada na Figura 22, a seguir. Nesta, percebe-se a
existência de uma coerência entre a capacidade instalada de refino, a curva de produção de óleo
cru e o ritmo de aquisições nacionais realizadas. Apesar do índice de aquisições de bens no
mercado nacional ter caído, de um patamar de 72%, atingindo um nível mínimo de 45%, na
década de 1980, a maior descontinuidade é observada no início da década de 1990, com a
abertura do mercado às importações (ALONSO, 2004).
Figura 22 - Relação da Petrobras com o mercado fornecedor nacional.
Fonte: Petrobras, apud Alonso (2004).
Esta tendência, na qual os parceiros nacionais dão lugar aos estrangeiros, refletiu-se
no segundo Programa de Capacitação Tecnológica para Águas Profundas (PROCAP 2000),
lançado em 1993. O PROCAP 2000 (1993-1999), impulsionado pelos resultados satisfatórios do
PROCAP 1000, foi criado com o objetivo de desenvolver capacitações que permitissem à
Petrobras o aproveitamento de jazidas de 1000 m à 2000 m de LDA (FREITAS, 1999).
113
A orientação principal do programa pode ser sintetizada a partir das seguintes
recomendações: (i) viabilizar economicamente a E&P de petróleo e gás natural nos campos
localizados entre 1000 m e 2000m de LDA, através de investimentos em projetos de pesquisa que
colocassem a disposição da Petrobras o domínio tecnológico essencial; (ii) otimizar a utilização
dos recursos materiais e humanos existentes no país e no exterior e o dispêndio com pesquisa,
desenvolvimento e engenharia básica (P,D&EB), ampliando as estratégias de desenvolvimento
cooperativo; e (iii) monitorar continuamente o estado da arte do conhecimento offshore
internacional (FREITAS, 1999).
O PROCAP 2000 foi formado por doze linhas sistêmicas de investigação, que
envolveram pouco mais de quarenta projetos sobre temas necessários para operação em águas
profundas. Portanto, percebe-se nesse programa, diferentemente do primeiro, além de uma maior
inserção no processo de desenvolvimento tecnológico internacional – com a melhoria da base de
conhecimento, através do aumento da relação com centros de pesquisas e companhias
internacionais, incentivando a formação de uma rede global de inovação -, uma maior
seletividade, com redução do volume de projetos e áreas tecnológicas (FREITAS, 1999).
Comparando o PROCAP 1000 e o PROCAP 2000, Freitas e Furtado (2001, p.11) salientam:
Os programas tecnológicos ilustram uma mudança na estratégia de inovação da empresa.
No primeiro programa, a orientação da empresa e a forma como se organizava a
pesquisa envolvia poucos agentes e era fortemente orientada para o projeto de
desenvolvimento tecnológico fabril nacionalista (a chamada estratégia endógena). No
segundo programa, a pesquisa reorientou-se para a constituição de redes de inovação e o
processo de desenvolvimento partilhado, estabelecendo maior pluralidade de relações
com firmas de engenharia e fabricantes internacionais.
A importância que a Petrobras passa a dar à produção de inovações consideradas
radicais na IP se constitui num outro aspecto importante desse programa, que o diferencia do
primeiro. Enquanto no PROCAP 1000 os esforços associados ao desenvolvimento de inovações
radicais eram dispersos e acompanhados através de contratos multiclientes, no PROCAP 2000, a
companhia, pelo conhecimento acumulado e capacidade de testá-lo, não apenas participa desses
contratos, mas os coordenam e executam. É nesse sentido que, comparando os dois programas,
percebe-se uma transição gradual da natureza do esforço tecnológico empreendido pela
Petrobras: de um esforço concentrado na absorção de conhecimento e na adaptação e/ou
desenvolvimento incremental, para uma postura mais ativa de um agente com maior
compromisso com o progresso técnico para operação em águas profundas (FREITAS, 1999).
114
As principais inovações e ações desse programa ocorreram em quatro áreas, a saber:
(i) equipamentos subsea: desenvolvimento, instalação e operação de um sistema de
bombeamento centrífugo submarino (Bomba Centrífuga Submersível - BCSS); desenvolvimento
do Sistema de Bombeamento e Separação Multifásica (VASP) e projeto conceitual de Árvore de
Natal Molhada Horizontal (ANM-H); (ii) exploração: desenvolvimento da técnica de perfuração
de petróleo em campos de grande amplitude horizontal e alternativa para facilitar a exploração de
petróleo em águas ultra-profundas – Sistema de Geração de Nitrogênio; (iii) embarcações e
ancoragem: novo sistema de amarração; novos sistemas de ancoragem; estaca torpedo; âncora
vertical; desenvolvimento, instalação e operação do sistema de conexão vertical; e (iv) base de
dados: prosseguimento na aquisição e processamento de dados geológicos e ambientais da Bacia
de Campos em profundidades de até 2000 m (ORTIZ NETO, 2006).
Dantas e Bell (2009), ao discorrer sobre a forma de inserção da Petrobras na rede
global de inovação entre os anos 1992 e 1996, período que o PROCAP 2000 estava em vigência,
salientam que esses anos se caracterizaram por uma divisão do trabalho mais simétrica entre a
petrolífera e seus parceiros. No desenvolvimento de inovações incrementais conjuntas e novos
conceitos, sob a coordenação da companhia, esta e seus parceiros realizaram atividades de P&D
especializadas e complementares. A participação da empresa como uma importante fonte de
conhecimento em ciência e tecnologia para os parceiros da rede cresceu.
No ano de 2000 foi lançado o PROCAP 3000, cujo objetivo era viabilizar a operação
em campos sob LDA de até 3000 m. Apesar das inovações tecnológicas implementadas nesse
programa, encerrado em 2011, mostrarem-se, principalmente, incrementais, pelo fato do
conhecimento acumulado requerer apenas alterações adaptativas para viabilizar os objetivos desta
fase, os novos recursos de simulação da companhia, como a interpretação sísmica mais avançada,
que reduziu significantemente os custos totais de perfuração, representou uma nova e importante
forma de geração de conhecimento em torno de uma trajetória já estabelecida (ORTIZ NETO,
2006).
A este respeito, Ortiz Neto (2006, p. 149) comenta:
[...] a trajetória das inovações durante o PROCAP 3000 tem tido um conteúdo
incremental, mas uma forma radical, diante da criação de novas competências e
instrumentos de projeção. Atrelado a essa forma radical, supõe-se que o conhecimento
nessa fase tem sido ampliado e sofisticado por intermédio de um processo de capacitação
caracterizado pelo aprendizado pela simulação. Entretanto, esta característica não exclui
115
as demais formas de aprendizado, ao contrário, pois a simulação consegue potencializálas [...].
Os resultados auferidos pelos instrumentos de simulação, apesar de não estarem
relacionados diretamente e necessariamente aos projetos do PROCAP, cuja função condiz
especificamente às tecnologias de exploração offshore, são condizentes aos objetivos do
programa na medida em que potencializa o avanço destas tecnologias, através dos instrumentos
de realidade virtual, e permite o avanço da exploração offshore em condições de maior
complexidade, como os campos de grande amplitude horizontal e/ou com rochas salinas (ORTIZ
NETO, 2006).
Os instrumentos de simulação, além da maior capacidade explorativa, tende a ampliar
a viabilidade econômica da exploração offshore, pela utilização de softwares que relacionam
fatores de produção (fluxo e qualidade do hidrocarboneto) com fatores macroeconômicos,
possibilitando a identificação do volume ótimo de produção. Dessa maneira, o PROCAP 3000, ao
conduzir o conhecimento para novas áreas a serem pesquisadas, melhorou o processo tradicional
do aprendizado (ORTIZ NETO, 2006).
Com os três PROCAPs, a participação da Petrobras no desenvolvimento de inovações
aumentou, porém, este aumento não se replicou para os fabricantes nacionais. Enquanto o
PROCAP 1000 envolveu alguns fabricantes nacionais na absorção de tecnologias externas, o
PROCAP 2000 e o PROCAP 3000 não estabeleceram como prioridade a absorção da tecnologia
dos sistemas de E&P. Nesse sentido, boa parte dos esforços tecnológicos da companhia foram
delegados à empresas internacionais que prestam serviços de engenharia e consultoria e fabricam
bens de capital (FREITAS, 1999).
Dantas e Bell (2011) ratificam este aspecto ao verificar a reduzida participação dos
fornecedores nacionais no desenvolvimento de tecnologias críticas. Segundo os autores, a
construção de capacidades para desenvolver inovações complexas e, consequentemente, criar
vantagens competitivas, num contexto de E&P de petróleo em águas cada vez mais profundas,
pressupunha uma intensificação da inserção da Petrobras numa rede global de inovação, não
somente com fornecedores, mas, também, com seus principais competidores, dada a inexistência
de suporte doméstico para inovar.
The company had to increase its capabilities beyond what was necessary for short-term
objectives, and to invest in the development of Strategic Capabilities which would
distinguish it in relation to its competitors. Also important, Petrobras was released from
116
the demand to engage with domestic actors for developmental ends. Thus, only those
suppliers and S&T organizations that already had the necessary capabilities to
contribute to the objectives of the company were included in its projects. These new
conditions were highly conducive to the strengthening of the company’s differentiated
Strategic Networks with global industry partners, including its leading competitors—but
that was only possible because it had already built over the preceding 35 years its
pervasive base of capabilities (DANTAS E BELL, 2011, P. 1582).
A dificuldade dos fornecedores domésticos de equipamentos e serviços em assumir
riscos inovativos dentro do contexto econômico brasileiro das décadas de 1980 e 1990, explica a
reduzida participação de empresas e universidades brasileiras em quartoze (14) projetos
estratégicos de inovação conduzidos pela Petrobras entre os anos de 1980 e 2006. Estes projetos
envolveram 86 instituições, incluindo empresas, institutos de pesquisa e universidades; mas,
brasileiras têm-se, apenas, oito (8) empresas, oito (8) universidades e um (1) instituto de pesquisa
(DANTAS; BELL, 2011).
A partir do final da década de 1990 e início da de 2000, Furtado et alli (2003)
apontam para uma reversão da tendência de parceiros nacionais darem lugar aos estrangeiros apesar do estudo de Dantas e Bell (2011), que engloba o período entre 1960-2006, referindo-se ao
desenvolvimento de tecnologias críticas, não confirmar esta tendência -, com a recuperação do
controle da Petrobras sobre a parte de engenharia de seus projetos. Segundo os autores, essa
reversão tem se justificado pelos problemas enfrentados pela companhia em decorrência dos
atrasos e dificuldades observadas na entrega dos projetos turn-key por parte dos maincontractors.
Nessa nova modalidade de relacionamento, os projetos turn-key são abandonados e a
Petrobras passa a contratar módulos que depois ela se encarrega de integrar. O Departamento de
Engenharia da companhia passa a acompanhar o detalhamento dos projetos e o comissionamento,
que consiste na colocação dos equipamentos em condição de funcionamento. Portanto, a
operadora brasileira passa a ter a responsabilidade de realização de testes dos instrumentos,
acionamento das bombas, integração dos grandes equipamentos e teste do conjunto do sistema
(FURTADO ET ALLI, 2003).
Duas evidências a respeito das ações da Petrobras desempacotar e nacionalizar a
maioria dos seus empreendimentos foram confirmadas com as licitações das plataformas P-51 e
P-52, no ano de 2003, em que se observou uma segmentação dos projetos em vários módulos
117
(geração, compressão, casco/topside) e a estipulação de um conteúdo local cada vez mais elevado
(FURTADO ET ALLI,2003).
Outro aspecto que impeliu a reversão da política de compras da Petrobras foi a
preocupação com o destino da indústria e dos fornecedores locais, que fez com que fosse
incorporado índices de nacionalização nos critérios para seleção dos leilões de áreas de
exploração e produção de petróleo e gás natural. Estes critérios estavam presentes desde o
processo de licitação dos primeiros blocos exploratórios, na Rodada 1, em 1999. Porém, é apenas
na Rodada 4, em 2003, que a ANP fixa um nível mínimo de conteúdo local, a ser observado pelo
concessionário, na Fase de Exploração e na Etapa de Desenvolvimento (GUIMARÃES, 2013;
CNI, 2012).
A preocupação com o destino da indústria e dos fornecedores nacionais foi
responsável, também, pela criação do Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo e Gás
Natural (PROMINP), pelo Governo Federal, com a intenção de promover, com base no poder de
compras da Petrobras, o desenvolvimento da IPP nacional (SILVA, 2009; SILVA; FURTADO,
2006). Estes mecanismos de política serão abordados na próxima seção.
4.3
POLÍTICA DE CONTEÚDO LOCAL PARA FORTALECIMENTO DA
IPP
Associada a uma avaliação de que a participação desejada do mercado doméstico não
seria alcançada pela própria dinâmica mercantil, a Política de Conteúdo Local consiste na
exigência de que uma empresa ou um conjunto de empresas de um setor produtivo realize nesse
mercado uma parcela de suas compras de insumos ou de bens e serviços requeridos por seus
investimentos (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Os objetivos de política econômica que justificam essa intervenção do poder estatal
podem ser: (i) de natureza macroeconômica e de curto prazo, que não se articula necessariamente
a outros instrumentos de política econômica e cujo escopo abrange o fortalecimento da demanda
dirigida ao mercado doméstico e a expansão do emprego; e (ii) de natureza mais específica e com
uma perspectiva de crescimento de longo prazo, dependente da mobilização de outros
instrumentos de política governamental, que induza a emergência e/ou capacitação de oferta local
para o atendimento da demanda que lhe é dirigida pela exigência de conteúdo local e cujo escopo
abrange, portanto, a diversificação do parque manufatureiro, o desenvolvimento de setores
118
intensivos em tecnologia e de elevado potencial de crescimento ou a construção de segmentos
relevantes do ponto de vista da defesa nacional (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
A simultaneidade de objetivos dessa política limita o cumprimento de alguns. Dentre
os limites com os quais essa política se defronta, podem-se citar: (i) o limite imposto por sua
viabilidade, pois, o seu sucesso está atrelado a capacidade da oferta doméstica em assegurar o
cumprimento da exigência de conteúdo local ou da possibilidade de dispor dessa oferta em um
horizonte de tempo previsível; e (ii) o limite de natureza econômica, pelo efeito que tem a
exigência de conteúdo local no custo e prazo de conclusão do investimento e/ou sobre o custo de
produção das empresas afetadas e, por consequência, sobre sua competitividade e viabilidade de
seus investimentos (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
4.3.1
Evolução da exigência de conteúdo local
No setor de petróleo e gás natural brasileiro, a definição de uma política de conteúdo
local, construída ao longo da última década por meio de cláusulas nos contratos de concessão e
de resoluções da ANP, tem como referência o modelo de exploração e produção criado pela Lei
9.478/97, que pôs fim ao monopólio estatal neste setor (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Com o fim do monopólio, a participação de empresas brasileiras no suprimento de
equipamentos e insumos para a exploração, produção e refino de petróleo e gás no país, que
decorria da política de compras da Petrobras, refletindo objetivos e estratégias desta corporação,
assim como orientações vindas do governo, passou a ser assegurada pela imposição aos
investidores privados de participação relevante dos fornecedores locais no suprimento da
demanda de bens e serviços (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Mudanças significativas envolvendo (i) a natureza do instrumento de indução no
aumento do conteúdo local, (ii) a definição de conteúdo local e dos critérios e regras para sua
aferição e (iii) os procedimentos requeridos para a comprovação do cumprimento da exigência de
conteúdo local aconteceram ao longo das doze rodadas de licitação para concessão de blocos
paraE&P de petróleo e gás natural e da primeira licitação de partilha de E&P de petróleo e gás
natural em áreas do pré-sal, realizadas desde o final dos anos de 199028(GUIMARÃES, 2013;
CNI, 2012).
28
As licitações para concessão de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural suspensas desde 2008, quando
aconteceu a décima rodada, foram retomadas no ano de 2013; em maio de 2013, ocorreu a décima primeira rodada, e, em
119
Essas mudanças serão descritas nos parágrafos a seguir. Mas, antes disso, vale
ressaltar que anteriormente a realização da Rodada 1 ocorreu a Rodada Zero, na qual foram
concedidos à Petrobras, mediante contratos de concessão assinados em 1998, 282 campos que se
encontravam em operação. Além disso, foi garantido o direito à exploração, por um período de
três anos, dos blocos nos quais a companhia nacional já tinha realizado investimentos. Nessa
rodada, nenhuma exigência em termos de conteúdo local foi introduzida (SILVA, 2009).
(i) Natureza do instrumento de indução:
Nas rodadas de 1 a 4, realizadas de 1999 a 2002, o requerimento de compromisso
prévio se dava sem o estabelecimento de uma exigência de valor mínimo para o percentual de
conteúdo local dos participantes da licitação. A indicação espontânea da magnitude de seu
compromisso se configurava como um dos critérios de julgamento da licitação (com peso de
15%) (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Nas rodadas 5 e 6, realizadas nos anos de 2003 e 2004, houveram uma fixação, pelo
regulador, de um nível mínimo de conteúdo local, a ser observado pelo concessionário, na Fase
de Exploração e na Etapa de Desenvolvimento (com percentuais diferenciados segundo a
qualificação operacional requerida pelo bloco, variando entre 30% e 50%). Facultava-se, ainda,
além dos percentuais mínimos exigidos, o compromisso espontâneo com percentuais adicionais
específicos para quatro atividades indicadas no edital a ser considerado na determinação da oferta
vencedora (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Nas Rodadas de 7 a 12, realizadas entre os anos de 2005 e 2013, os percentuais de
conteúdo local a serem atingidos compreendiam metas globais para a Fase de Exploração e para a
Etapa de Desenvolvimento, indicadas na Tabela 11, e metas específicas relativas a cada um dos
34 itens e dos 30 subitens. O compromisso dos licitantes com os percentuais relativos a esses
itens podiam ser superiores aos estabelecidos no edital, sendo estes considerados no
julgamento29(GUIMARÃES, 2013; ANP, 2013a; ANP, 2013b; CNI, 2012).
novembro de 2013, teve lugar a décima segunda rodada de licitações da ANP. Em outubro de 2013 ocorreu a primeira licitação de
partilha de exploração e produção de petróleo e gás com a oferta do prospecto de Libra.
29
As metas específicas relativas a cada um dos 34 itens e dos 30 subitens podem ser conferidas em CNI (2012), ANP (2013a),
ANP (2013b).
120
Tabela 11- Metas globais de conteúdo local – Rodada 7 à 10.
Localização do Bloco
Águas Rasas 100m < profundidade ≤ 400m e águas
profundas
Águas Rasas profundidade ≤ 100m
Terra
Fonte: CNI (2012).
Exploração Desenvolvimento
37%
55%
51%
63%
70%
77%
Uma estratégia alternativa a esta de induzir maior participação dos bens e serviços
locais nos investimentos do setor de P&G, por meio de fixação de metas pelo poder concedente,
tem na Noruega seu exemplo mais bem sucedido. Esse país não impôs metas nem requisitos de
conteúdo local mínimo para promover a cadeia de P&G, mas, visando o desenvolvimento
tecnológico e à expansão da capacidade produtiva de fornecedores locais, incentivou os
investidores na superação de metas indicativas realistas e no alcance de níveis mais elevados de
conteúdo local30(GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
[...] a Noruega não impôs metas nem requisitos de conteúdo local mínimo para promover
a cadeia de P&G. As operadoras apenas deveriam fornecer a lista de participantes nas
concorrências, na qual o Ministério de Petróleo e Energia poderia incluir empresas
locais. Como incentivo, as empresas com elevado percentual de conteúdo local eram
favorecidas nas rodadas de licitações subsequentes. Assim, a ênfase da política industrial
da Noruega para a cadeia de fornecedores do setor de P&G esteve voltada para o apoio à
diversificação industrial e à inovação, que contemplava não apenas o aumento do
conteúdo local mas também a internacionalização dessa cadeia produtiva
(GUIMARÃES, 2013, P. 339).
(ii) Definição de conteúdo local e dos critérios e regras para sua aferição:
Na Rodada 1, o conteúdo local esteve associado à localização da empresa fornecedora
da mercadoria ou serviço. Ou seja, o montante de bens e serviços adquiridos de “fornecedores
brasileiros” - empresas cujos bens (ou serviços) vendidos ou fornecidos tenham sido produzidos
(ou realizados) no país - definia a magnitude do conteúdo local (o numerador da percentagem a
que se refere o contrato) (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Na Rodada 2, com a introdução do conceito de “Bem de Produção Nacional” máquina ou equipamento que alcançasse, no mínimo, 60% de índice de nacionalização em valor e “Fornecedor Brasileiro” - empresa cujos bens vendidos ou fornecidos são Bens de Produção
30
Para uma descrição das estratégias de desenvolvimendo da indústria para-petrolífera utilizada por distintos países ver: Bain e
Company e Tozzini Freire Advogados (2009).
121
Nacional -, a associação do conteúdo local se deslocou da empresa fornecedora para o produto
fornecido (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Na Rodada 3, apesar do conceito de conteúdo local continuar atrelado ao produto
fornecido, há uma mudança no conceito de Bens de Produção Nacional - aqueles cujo valor dos
materiais e serviços estrangeiros incorporados ao mesmo não excedesse a 40% do seu preço - e
“Serviços Prestados no País” - aqueles adquiridos no país, cujo valor de materiais e serviços
importados correspondesse a menos de 20% de seu preço de venda (GUIMARÃES, 2013; CNI,
2012).
A partir da Rodada 7, a “Metodologia de Cálculo do Conteúdo Local para o
Fornecedor de Bens e Serviços” passou a ser observada na aferição dos percentuais de conteúdo
local. Nesta metodologia é computada a razão entre a soma do valor dos componentes importados
de todos os bens incorporados e a soma dos preços desses bens, não levando mais em conta se os
diversos bens que os compõem incorporam de material importado mais ou menos de 40%. Essa
metodologia evita uma superestimação do conteúdo local real dos bens finais, fato que ocorria
antes da Rodada 7, quando o bem que tivesse em sua composição menos de 40% de materiais e
serviços estrangeiros, no momento de sua incorporação a outro equipamento, contabilizava-se
como 100% nacional (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Com o descrito, percebe-se a existência de uma distinção conceitual entre o conteúdo
local requerido, a partir da Rodada 7, e o que prevaleceu nas rodadas anteriores, dificultando,
portanto, a realização de comparações entre as rodadas. Ou seja, os níveis de conteúdo local
observados nas regras vigentes até a Rodada 6 não se apresentam como indicadores relevantes
para avaliação da razoabilidade dos percentuais estipulados nas etapas posteriores
(GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Levando esse aspecto em consideração, os dados apresentados na Figura 23 devem
ser analisados com ressalvas. Os dados indicam uma tendência crescente do percentual de
conteúdo local das propostasvencedoras nas dez rodadas de licitação na Fase de Exploração e na
Etapa de Desenvolvimento.
122
Figura 23 - Conteúdo local médio relativo às etapas de exploração e desenvolvimento das
propostas vencedoras nas dez rodadas de licitação.
Fonte: ANP, apud CNI (2012); GUIMARAES (2013).
(iv) Procedimentos requeridos para a comprovação do cumprimento da exigência
deconteúdo local:
Até a Rodada 2, os contratos de concessão continham apenas uma cláusula
requerendo a manutenção de documentos que suportassem a escrituração contábil e que as
demonstrações contábeis indicassem, separadamente, os gastos realizados com Exploração,
Desenvolvimento e Produção, especificando para cada uma dessas atividades os gastos
associados com os respectivos planos e programas de trabalho no contrato; portanto, sem
nenhuma referência à comprovação do compromisso de conteúdo local assumido pelo operador
(GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Concomitantemente à Rodada 3, por meio de uma portaria da ANP regulando a
referida cláusula, a apresentação de Relatório de Gastos Trimestrais, com a classificação dos
gastos realizados em nacionais e estrangeiros, atendendo à metodologia estabelecida em norma
dessa agência, passou a ser requerida (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Em 2003, a partir de uma portaria da ANP, Declaração de Origem fornecida pelo
fornecedor do bem ou serviço caracterizado como locais, com explicitação de que atendem aos
conceitos de Bem de Produção Nacional e Serviço Prestado no Brasil, como definido nos
Contratos de Concessão, passou a ser exigida pelo concessionário (GUIMARÃES, 2013; CNI,
2012).
A partir da Rodada 7, passou a ser exigida a comprovação, por meio de certificados
de conteúdo nacional, obtidos pelos fornecedores de bens e serviços junto a entidades com devida
123
qualificação e credenciadas pela ANP, do cumprimento dos compromissos assumidos quanto ao
conteúdo local. A regulamentação do processo de certificação, ocorrida através de portarias da
ANP, que incluía a certificação de conteúdo local, o credenciamento de entidades para
certificação de conteúdo local e auditoria de certificação de conteúdo local, deu corpo a um
Sistema de Certificação de Conteúdo Local (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
A implementação dessa política suscitou uma série de críticas de parcela de
operadores e fornecedores da indústria. As críticas mais frequentes se referem: (i) a
complexidade do processo e seu impacto sobre a competitividade, ao envolver o custo de
remuneração da certificadora, incluindo o custo de deslocamento de técnicos da certificadora até
a localidade de operação da empresa certificada, e o custo incorrido pelas empresas na gestão
administrativa desse processo; e (ii) a invasão da privacidade das empresas, pelo fato das
empresas certificadoras atenderem, também, as empresas concorrentes (GUIMARÃES, 2013;
CNI, 2012).
4.3.2
Consequências do não cumprimento do compromisso de conteúdo
local
O contrato de concessão prevê aplicação de multa no caso do não cumprimento dos
percentuais de conteúdo local mínimo ou dos percentuais propostos pelo operador no processo
licitatório. A avaliação do cumprimento dos percentuais dar-se-á ao final da Fase de Exploração
do Bloco e ao final da Etapa de Desenvolvimento de Produção do Campo, “(i) em relação ao
conteúdo local mínimo proposto para o bloco e, também, (ii) ao conteúdo local estabelecido (ii-a)
para as quatro atividades indicadas nos contratos das rodadas 5 e 6 ou (ii-b) para os 34 itens e 30
subitens especificados nos contratos das rodadas 7 a 10”. A partir da rodada 7, a fórmula adotada
para o cálculo implica que: se NR<65%, então M=60%; se NR>65%, então M=1,143*NR14,285%31 (GUIMARÃES, 2013, P.343; CNI, 2012).
A existência de punição associada ao não cumprimento de metas encontra oposição
dos operadores, por sua avaliação de que nas multas previstas pelos contratos de concessão não
se observam o princípio da razoabilidade, principalmente quando é considerado que a assunção
31
“Sendo NR o percentual de conteúdo local não realizado e M o percentual da multa a ser aplicada sobre o valor do conteúdo
local não realizado”. Nas rodadas 11 e 12 a referida norma foi mantida (GUIMARÃES, 2013, P.343; ANP, 2013a; ANP, 2013b).
124
de tais compromissos acontecem em um momento em que é impossível avaliar, com certeza, sua
exequibilidade (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
A depender das circunstâncias, punições rigorosas podem causar resultados opostos, a
saber: (i) inibir efetivamente a transgressão da regra, caso eficaz; ou (ii) beneficiar os agentes que
se arrisquem em incorrer numa punição, caso haja dificuldade na implementação. Um cálculo
econômico condiciona o efeito inibidor: caso o valor da multa seja inferior ao investimento
necessário para atender a exigência de conteúdo local e seu prazo de execução, vale a pena
incorrer no risco. Porém, a divulgação da aplicação de multa à determinada empresa pode
impactar negativamente sua reputação (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Apesar do contrato de concessão explicitar penalidades, em caso do não cumprimento
desses percentuais, os contratos, a partir de 2007, passaram a incluir uma cláusula prevendo que,
por solicitação prévia do concessionário, a ANP poderia autorizar a contratação de bem ou
serviço no exterior. A liberação da obrigatoriedade de cumprimento do correspondente percentual
de conteúdo local dá-se, dentre outras razões, caso: (i) os preços para aquisição de bens e serviços
locais sejam excessivamente elevados, quando comparados aos preços praticados no mercado
internacional; (ii) os prazos para entrega dos bens ou execução dos serviços locais sejam muito
superiores aos praticados no mercado internacional, podendo comprometer o cronograma de
atividades proposto; e (iii) na ocasião da licitação, a tecnologia escolhida não esteja sendo
oferecida pelos fornecedores locais (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
A liberação da obrigatoriedade do cumprimento do correspondente percentual de
conteúdo local enfrenta inúmeras dificuldades que podem afetar a eficácia do instrumento.
Algumas dessas dificuldades são de natureza conceitual: (i) pela dificuldade no estabelecimento
de um critério do que seja preço “excessivamente elevado” ou prazo de entrega “muito superior”
ao do produto importado; e, (ii) apesar da autorização para importar reduzir a exigência do
conteúdo local do item ou subitem associado ao produto liberado, ela não tem efeito sobre a
exigência de conteúdo local global relacionada à Fase de Exploração ou à Etapa de
Desenvolvimento. Outras, da possibilidade de demora da ANP na concessão da autorização, que
está condicionada a obtenção de informações, junto a fornecedores locais, sobre preços e prazos,
implicando em consequências do ponto de vista do prazo de execução do processo de
investimento (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
125
4.3.3
Política de conteúdo local no contexto da lei do pré-sal
A partir das descobertas, em 2006, dos campos de Tupi, agora batizado de Lula, e
Yara, na bacia de Santos, e Baleias, na bacia de Campos, o governo anunciou oficialmente, em
2007, a existência de uma nova realidade geológica para a IP brasileira e internacional. A
província do pré-sal, assim denominada por se localizar abaixo da camada de sal, de 5 a 7 mil
metros abaixo do nível do mar, estende-se do norte de Santa Catarina ao sul do Espírito Santo.
Conforme salienta Schutte (2012), até o final de 2011, dos 37 poços perfurados pela
Petrobras na camada do pré-sal, quase todos indicaram a existência de petróleo, o que representa
uma redução significativa das incertezas associadas ao desenvolvimento dos seus reais
potenciais. Aliás, foi este o principal argumento para o início da discussão acerca da necessidade
de mudanças no sistema legal de E&P de petróleo e gás natural, de modo a conformá-lo à um
cenário de reduzida incerteza.
Diferentemente do panorama quando da introdução do sistema de concessão, em que
os preços internacionais tendiam à queda e os custos de produção no Brasil eram relativamente
altos, havendo necessidade de investimentos privados para viabilizar o financiamento da
produção e da exploração diante do risco exploratório, com o pré-sal essas questões são
colocadas em outro patamar. Primeiro, o risco exploratório é baixo. Segundo, os campos são
grandes. Terceiro, ocorreu uma mudança do preço do petróleo. Quarto, diante dessa mudança, a
reavaliação dos marcos regulatório se tornou uma tendência generalizada nos países
produtores(SCHUTTE, 2012).
Após seguidos debates realizados pelo Congresso Brasileiro, o então Presidente da
República, promulgou, em 2010, três leis que estabeleceram o novo marco regulatório para as
atividades de E&P de petróleo e gás natural na camada do pré-sal: a Lei n. 12.276/10 (Cessão
Onerosa), a Lei n. 12.304/10 (Pré-Sal Petróleo S.A - PPSA) e a Lei n. 12.351/10 (regime de
partilha e Fundo Social) (ZACOUR ET ALLI., 2012).
Com a Cessão Onerosa, sancionada em 30 de junho de 2010, a União fica autorizada
a ceder à Petrobras onerosamente até cinco bilhões de barris equivalentes de petróleo, com a
finalidade de capitalizar a empresa para fazer frente à enorme necessidade de investimento.
Concomitantemente à cessão onerosa, houve uma nova emissão de ações pela companhia, que
foram vendidas com privilégio aos atuais (na época) acionistas, inclusive a União. Os recursos
126
obtidos com essa transação foram direcionados para novos investimentos e para o pagamento da
Cessão Onerosa (SCHUTTE, 2012).
A empresa pública, denominada Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e
Gás Natural S/A, Pré-Sal Petróleo S/A (PPSA), sancionada em 2 de agosto de 2010, foi criada
com a responsabilidade de gestão dos contratos (de) partilha de produção celebrados pelo
Ministério de Minas e Energia (MME) e (para) comercialização de petróleo e gás natural da
União(SCHUTTE, 2012; GUIMARÃES, 2012). Nos termos da lei de criação da PPSA, esta
empresa “não assumirá os riscos e não responderá pelos custos e investimentos referentes às
atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de
exploração e produção decorrentes dos contratos de partilha de produção” (art. 8º, parág. 2º)
(GUIMARÃES, 2012, P. 24).
O sistema de partilha, regulamentado pela Lei n. 12.351, de 22 de dezembro de 2010,
foi a principal alteração do novo marco regulatório. Com a opção do governo federal de respeitar
os contratos existentes, apesar da existência de argumentos jurídicos que justificavam a revisão
das outorgas do pré-sal, dado o desconhecimento da existência dessas reservas quando da
contratação das concessões, esse sistema apenas se aplica, em princípio, às novas áreas do présal, ainda não adquiridas nas rodadas de licitação já realizadas, permanecendo o regime de
concessão nas áreas já licitadas e nas áreas fora do pré-sal a serem licitadas. Portanto, a
propriedade da União será restabelecida apenas nas áreas não licitadas (SCHUTTE, 2012).
O regime de partilha da produção (Production Sharing Contract - PSC) foi primeiro
introduzido pelo governo indonésio, em meados da década de 1960. Desde então, foi difundido
para diversos países. O principal motivo para replicação deste regime foi o anseio político,
principalmente nos países em desenvolvimento, de se opor às primeiras licenças, vistas como
juridicamente permissivas e economicamente desequilibradas em favor das petroleiras
internacionais. A percepção dos Estados detentores de reservas era que, com a adoção do PSC, a
atividade de exploração seria alavancada e uma maior renda da extração de hidrocarbonetos seria
obtida (VIEGAS, 2013).
O elemento central deste regime é a propriedade sobre os minerais, quando extraídos,
permanecer estatal. Contudo, para compensar os custos e riscos, assim como os pagamentos
realizados ao governo na forma de participações governamentais e tributos, os volumes
produzidos são repartidos com a petroleira (ou consórcio) contratada para o financiamento e
127
realização das operações. Conforme definido em contrato prévio, a transferência de titularidade
do produto pode ser realizada no ponto de medição da produção ou no ponto de realização da
venda (mercado interno ou no terminal de exportação) (VIEGAS, 2013).
Ou seja, é concedido a petroleira (ou consócio) contratada o direito de realizar, sob
sua responsabilidade, atividades de exploração e produção em uma área específica. Em caso de
descoberta comercial, esta adquire o direito de propriedade (i) dos volumes de óleo
correspondente ao "óleo custo", (ii) do volume da produção correspondente aos royaltiesa serem
pagos, bem como (iii) do volume correspondente ao "óleo lucro", proporcional a sua
participação. À União caberá parte do volume produzido, de acordo com o percentual do "óleo
lucro"(ZACOUR ET ALLI., 2012).
Pode-se afirmar, com isso, que a configuração do regime de partilha está baseada em
alguns conceitos elementares, sendo os dois principais: (i) o “óleo custo”, que cobre os custos
recuperáveis; e (ii) o “óleo lucro”, que é o volume extraído após subtraído o “óleo custo”. Como
demais componentes tem-se os royalties, os tributos e as contribuições recolhidas pelo governo.
Além destes componentes, inclui-se nas participações governamentais a parcela do Estado no
“óleo lucro” (VIEGAS, 2013).
Nos termos da Lei 12.351/10, além da Petrobras ser a operadora de todos os blocos
concedidos, ela terá uma participação mínima de trinta por cento no consórcio formado para
executar as atividades sob esse regime. Esse percentual pode ser ampliado, caso a Petrobras
participe dos procedimentos licitatórios promovidos pela ANP (ZACOUR ET ALLI., 2012).
O fato de parte desse petróleo ficar com a União, por meio da PPSA, possibilita que o
ritmo de exploração seja ditado por ela. Dessa maneira, o Estado pode fazer a opção de produzir
no nível considerado ótimo por ele, conforme aspectos técnicos e critérios políticos (VIEGAS,
2013). Porém, fica com o Estado, também, a responsabilidade de ressarcir inteiramente os custos
de exploração e extração do petróleo (óleo custo), pressupondo a necessidade de um controle
desses custos pela PPSAem defesa do interesse da União; no modelo de concessão, esses custos
são assumidos pelos investidores(SCHUTTE, 2012). A justificativa para que o controle desses
seja realizado pela PPSA se deve ao seguinte fato:
A Petrobras, sendo uma empresa de economia mista, não poderia representar o Estado.
No caso da ANP, haveria um conflito de interesses, uma vez que, ao assumir esta tarefa,
seria parte da operação e, ao mesmo tempo, reguladora e juíza de eventuais conflitos.
Para exercer este poder de controle, a PPSA indicará, por força de lei, metade dos
128
integrantes do comitê operacional – inclusive o seu presidente –, cuja responsabilidade
inclui definir os programas de produção a serem submetidos à aprovação pela ANP. A
PPSA terá, portanto, grande responsabilidade. Primeiro, no monitoramento da execução
dos projetos de exploração; segundo, na avaliação e auditoria dos custos de
investimento; e, por fim, na comercialização do petróleo de propriedade da União após a
partilha do excedente de óleo (SCHUTTE, 2012, P. 30).
Como se percebe, a introdução desse regime restabeleceu o monopólio da Petrobras,
abandonando o modelo de exploração e produção de petróleo e gás natural criado pela Lei
9.478/97, para as atividades desenvolvidas na área do pré-sal e em áreas estratégicas, trazendo
consequências do ponto de vista da política de conteúdo local (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012;
SCHUTTE, 2012).
Da mesma forma que a adoção desse regime implica na absorção pela União do custo
adicional decorrente do aumento dos preços de equipamentos e materiais associado à exigência
de conteúdo local mínimo, caso ocorra descoberta comercial–custos e investimentos realizados
na execução das atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação
das instalações -, ela tem implicações quanto ao compromisso dos operadores em relação às
exigências da política de conteúdo local(GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Assim como ocorreu a partir da sétima rodada das licitações para a outorga dos
contratos de concessão para atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural, os
percentuais globais de conteúdo local dos contratos de partilha de produção serão fixados em
contrato. Para a Fase de Exploração, o percentual mínimo é de 37% de conteúdo local. Para o
Teste de Longa Duração (TLD) - prévia da produção -, quando ocorrer, o percentual mínimo é de
15%. Na Fase de Produção, para os módulos que iniciar a produção até jan./2021, o percentual
mínimo é de 55%, já para os módulos em que a produção tiver início a partir de dez./2022, o
percentual mínimo é de 59%32(ANP, 2013c).
AE&P de petróleo e gás natural na área do pré-sal e em áreas estratégicas, segundo a
Lei 12.351/10, pode ser resultado: (i) de contratos de partilha da produção, sem licitação,
firmados diretamente com a Petrobras, ou (ii) de contratos firmados, em licitação, com consórcio
selecionado (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012; SCHUTTE, 2012). No caso da segunda
alternativa, que conta com a participação de investidores privados, observam-se as seguintes
exigências:
32
As metas específicas relativas a cada um dos itens e dos subitens da fase de exploração e da etapa de desenvolvimento da
produção podem ser conferidas em ANP (2013c).
129
• o investidor privado, vencedor da licitação, deverá constituir consórcio com a Petrobras
(com participação mínima de 30%) e com a Pré-Sal Petróleo S.A. – PPSA (art. 20);
• o operador é a Petrobras, responsável pela condução e execução, direta ou indireta, de
todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação
das instalações de exploração e produção (art.2, VI);
• o Comitê Operacional, a quem cabe a administração do consórcio, tem a metade de
seus membros, inclusive seu presidente, indicado pela PPSA (art. 23);
• o presidente do Comitê Operacional, indicado pela PPSA, tem poder de veto e voto de
qualidade (art. 25).
Nesse contexto, independentemente da magnitude de sua participação no capital do
consórcio, os vencedores da licitação para E&P de petróleo e gás natural em regime de partilha
da produção, sejam eles um fundo de investimento ou uma empresa petrolífera privada, têm a
posição de investidor minoritário no empreendimento. A empresa petrolífera privada difere sua
posição no consórcio do fundo de investimento apenas por ser um minoritário “qualificado” no
que se refere ao negócio de petróleo (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Sendo a Petrobras a operadora do consórcio, apesar de não, necessariamente,
participar deste no momento da licitação, o cumprimento de exigência de conteúdo local fixada
no contrato de partilha da produção depende estritamente dela. Isso não implica em prejuízo da
responsabilidade solidária das consorciadas perante o contratante ou terceiros. Portanto, multas
em decorrência do não cumprimento de cláusula contratual de conteúdo local poderão ser
compartilhadas por investidores privados, apesar da incapacidade destes influenciar nesse
resultado33(GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Do exposto no parágrafo anterior, destacam-se duas ambiguidades: (i) o pagamento
de multa em decorrência do não cumprimento de cláusula contratual de conteúdo local poderá ser
compartilhado pelo consórcio, mesmo este sendo incapaz de influir objetivamente nesse
resultado; e (ii) a Petrobras, mesmo não participando do consórcio no momento da licitação,
comprometer-se-á com a obtenção de um percentual de conteúdo local, já que a exigência desse
percentual corresponde àquele proposto pelo consórcio vencedor do processo licitatório
(GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012).
Além das mudanças no sistema legal para a E&P de petróleo e gás natural, que
trouxeram consequências do ponto de vista da política de conteúdo local, a descoberta das
reservas do pré-sal, segundo Frederico e Ruiz (2011), colocou duas importantes novidades para o
33
A fórmula adotada para o cálculo da multa prevista no caso do não cumprimento dos percentuais de conteúdo local mínimo ou
dos percentuais propostos pelo operador no contrato de partilha da produção permanece aquela utilizada a partir da rodada 7 dos
contratos de concessão (ANP, 2013c).
130
cenário tecnológico da IPGN brasileira, a saber: (i) o desenvolvimento tecnológico de
companhias nacionais e multinacionais fornecedoras da Petrobras está associado à necessidade de
uma interação, que requer proximidade com estacompanhia, dado o acúmulo de capacidade
tecnológica desta; e (ii) a referida província abriga novos desafios tecnológicos, cuja solução
determinará a redução de custos nas explorações futuras, portanto, implicará na realização de
investimentos em P&D das empresas fornecedoras, visando superar obstáculos tecnológicos e
obter vantagens competitivas.
Para superar os gargalos tecnológicos relacionados com o desenvolvimento da
produção na referida província, foi delineado, pelo Cenpes, o Programa Tecnológico para o
Desenvolvimento da Produção dos Reservatórios do Pré-Sal (Prosal), que possui um portfólio de
23 projetos, e está ancorado em três grandes áreas: construção de poços, geociência e engenharia
de reservatórios. A política industrial, tecnológica e de comércio exterior do governo federal,
lançado em 2011 – Plano Brasil Maior -, em sua dimensão setorial, também prevê o
desenvolvimento da competitividade do setor de petróleo, gás e naval, assim como as ações do
BNDES, através do BNDES P&G e do Inova Petro. Além destas iniciativas, foi criado, pelo
Governo Federal, em 2003, o Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo e Gás Natural
(PROMINP), que será discutido na próxima seção, juntamente com a análise da competitividade
da IPP brasileira.
4.4
PROMINP E A COMPETITIVIDADE DA IPP BRASILEIRA
O PROMINP foi instituído em 19/12/2003, pelo Decreto Nº 4.925, que estabeleceu
em seu Artigo 1º: “Fica instituído o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e
Gás Natural (PROMINP), que visa fomentar a participação da indústria nacional de bens e
serviços, de forma competitiva e sustentável, na implementação de projetos de petróleo e gás
natural no Brasil e no exterior”. A principal justificativa para colocar em prática o programa é a
aparente falta de competitividade da IPP brasileira. O objetivo desta seção é descrever, em linhas
gerais, esse programa, assim como analisar a competitividade da IPP nacional.
4.4.1
PROMINP
A estruturação do PROMINP se iniciou nos Departamentos de Engenharia e de E&P
da Petrobras, sendo aprovado, posteriormente, por sua Diretoria. Além de aprová-lo, esta o
131
apresentou, por perceber neste programa características de um programa de governo, ao
Ministério de Minas e Energia (MME), que além de dar seu aval, colocou-o em funcionamento e
passou a encabeçá-lo (SILVA; FURTADO, 2006).
Participam do Programa, além do MME e da Petrobras, o BNDES, o Instituto
Brasileiro
do
Petróleo
(IBP),
a
Organização
Nacional
da
Indústria
do
Petróleo
(ONIP),associações de classe – como aAssociação Brasileira da Indústria de Máquinas e
Equipamentos (ABIMAQ), a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base
(ABDIB), a Associação Brasileira dos Perfuradores de Petróleo (ABRAPET)-, o SEBRAE
efederações de indústria (SILVA; FURTADO, 2006).
Quando da sua criação, o PROMINP foi formado por três comitês, o Comitê Diretivo,
o Comitê Executivo e o Comitê Setorial. Posteriormente, foi criada a função de Coordenação
Executiva, cujo objetivo principal é coordenar as atividades do Programa, garantindo o
alinhamento com as diretrizes previamente elaboradas pelo Comitê Executivo e o Comitê
Diretivo(PROMINP 2012; SILVA; FURTADO, 2006).
O programa é constituído, atualmente, por 58 projetos, para atuar em três grandes
frentes, a saber: (i) capacitação, que se desdobra em diagnóstico, capacitação tecnológica,
capacitação industrial e qualificação profissional; (ii) instrumentos de política industrial, que se
subdivide em financiamento, regulação, política tributária e fomento à pequena e média empresa;
e, por fim, (iii) desempenho empresarial, que engloba sustentabilidade, competitividade e saúde,
meio ambiente e segurança (SMS) (PROMINP 2012; SILVA; FURTADO, 2006).
Para formatação dos referidos projetos foi realizado um levantamento da demanda da
Petrobras e da capacidade efetiva dos fornecedores locais de bens e serviços de itens específicos
(sejam eles bens ou serviços) em atendê-la; objetivando a identificação de gargalos. Com a
identificação destes, busca-se atuação antecipada para implementação de ações estruturantes para
minimizar, reduzir ou eliminá-los, de modo que a demanda da Petrobras seja atendida pela
indústria local de bens e serviços de maneira competitiva (SILVA; FURTADO, 2006).
A Petrobras, como “Agente Balizador” do Programa, busca com este o fomento à
indústria e aumento do conteúdo local, a geração de riquezas para o país e a geração de empregos
internamente. Sem perder de vista, é claro, a manutenção das condições de competitividade e
sustentabilidade, no que diz respeito a prazo, qualidade e custo, uma vez que, embora seja uma
132
empresa com participação estatal, a Petrobras está inserida em um mercado competitivo (SILVA;
FURTADO, 2006).
Como principais benefícios gerados pelo PROMINP,alinhado com a Política de
Conteúdo Local e apoiado pelos contínuos investimentos no setor, destacam-se34:
(i) o número de estaleiros em operação, que, em 2003, eram apenas dois, saltando
para dez, em 2013 – Estaleiro Atlântico Sul (PE), Vard Promar (PE), Enseada Paraguaçu (BA),
Jurong Aracruz (ES), Mauá (RJ), Brasfels (RJ), Inhaúma (RJ), Estaleiro Rio Grande (RS),
Honório Bicalho (RS), Estaleiro do Brasil (RS). No período de 2003-2013, estes estaleiros
participaram da produção de dezesseis plataformas, seis navios e cento e vinte embarcações de
apoio à plataformas (PROMINP, 2013);
(ii) atração de fornecedores internacionais, dentre eles: NKT Flexibles (Dinamarca),
Technip (França), Oceaneering - Marine Production Systems (USA), Lankhorst Ropes (Holanda),
AMEC (Reino Unido), Aker Solutions (Noruega), FMC (USA), Cameron (USA), Kongberg
(Noruega) e Rolls-Royce (Reino Unido) – Rio de Janeiro -, Vallourec (França) – Minas Gerais -,
Aker Solutions (Noruega) – Paraná -, eDresser-Rand (USA) e Emerson (USA) – São Paulo
(PROMINP, 2013);
(iii) atração de centros de P&D internacionais para o Brasil, a saber: FMC (USA),
Vallourec (França), Schlumberger (França), Halliburton (EUA), Weatherford (EUA), Baker
Hughes (EUA), General Eletric (EUA), Siemens (Alemanha), IBM (EUA), EMC (EUA) e BG
(Reino Unido) – Rio de Janeiro -, Cameron (USA), 3M (EUA) e IBM (EUA) – São Paulo -,
Technip (França) – Espírito Santo (PROMINP, 2013);
(iv) qualificação de profissionais. No período compreendido entre 2006 e 2013 foram
qualificados mais de 97 mil profissionais com investimentos realizados de, aproximadamente, R$
294 milhões (PROMINP, 2013).
Com isso, percebe-se que o objetivo é fazer do PROMINP um modelo de política
industrial, tecnológica e de geração de emprego diferente do modelo que vigorou na fase
substitutiva de importações, em que se adquiriam bens e serviços no mercado doméstico a preço,
custo e prazo não competitivos. Porém, o desnivelamento em competitividade existente entre
Petrobras e fornecedores locais se configura num obstáculo para o sucesso do programa (SILVA;
FURTADO, 2006).
34
Para obtenção de maiores detalhes sobre os benefícios listados ver PROMINP (2013).
133
4.4.2
Competitividade da IPP brasileira
Kupfer, Ferraz e Haguenauer (1996) definem competitividade como a capacidade da
firma formular e implementar estratégias concorrenciais, que a permita ampliar ou manter, de
maneira duradoura, uma posição sustentável no mercado. Portanto, ela é resultado da capacidade
da empresa organizar e gerar métodos eficientes de produção, que a possibilite ofertar produtos
ao mercado a preços competitivos, com qualidade adequada e prazos de entrega satisfatórios.
Segundo os mesmos autores, a competitividade é fruto de uma diversidade de fatores,
alguns definidos pela estrutura do mercado (estruturais), outros pelas condições sistêmicas de
operação da firma (sistêmicos) e outros internos à firma (empresariais). Os fatores estruturais são
aqueles cuja capacidade de intervenção da firma é limitada pela mediação do processo
concorrencial. Eles referem-se às características da demanda, à configuração do parque ofertante
e aos aspectos institucionais, destacando-se as normas e regulamentos determinados pelo
governo.
Os fatores sistêmicos são aqueles sobre os quais a possibilidade de intervenção da
empresa é escassa ou nenhuma. Entre esses fatores se destacam: os macroeconômicos (taxa de
câmbio, carga tributária, etc.), os político-institucionais (política tributária, política tarifária,
poder de compra do governo, etc.), os legais-regulatórios (políticas de proteção à propriedade
industrial, de defesa da concorrência e de proteção ao consumidor, etc.), os infraestruturais
(disponibilidade, qualidade e custo de energia, transportes, telecomunicações, etc.), os sociais
(políticas de educação e formação de recursos humanos, trabalhista, etc.) e os internacionais
(tendências do comércio mundial, fluxos internacionais de capital, etc.) (KUPFER, FERRAZ;
HAGUENAUER, 1996).
Os fatores empresariais, sobre os quais a análise de Oliveira (2010) da
competitividade da IPP brasileira está centrada, são aqueles que correspondem as variáveis do
processo decisório da firma, podendo, portanto, ser controlados ou modificados através de
condutas ativas assumidas por esta. Esses fatores se referem ao estoque de recursos acumulados
pela empresa e às estratégias de ampliação desses recursos, para obter a escala requerida para
operação eficiente e os requisitos de capacitação tecnológica para a oferta de produtos com a
qualidade exigida, nos prazos solicitados e com preços compatíveis com os praticados no
mercado internacional (KUPFER, FERRAZ; HAGUENAUER, 1996).
134
A referida análise, centrada nos segmentos metalúrgico, mecânico, elétrico e de
navipeças, sustenta a hipótese de que a IPGN brasileira está passando por uma mudança
qualitativa, devido ao incremento de sua escala produtiva. O Brasil deixará de ser um produtor
marginal de petróleo para ocupar uma posição de destaque no suprimento de hidrocarbonetos,
não apenas para o mercado doméstico, onde condições sustentáveis de auto-suficiência já foram
alcançadas, mas, também, para o mercado internacional, em que se espera, para as próximas
décadas, uma ampliação de sua situação de exportador líquido de combustíveis (OLIVEIRA,
2010).
A conclusão central é a existência de um déficit significativo de competitividade no
conjunto de segmentos estudados, ligado à fragilidade atual da engenharia nacional, à limitada
capacitação tecnológica para inovar e à coordenação da cadeia produtiva, principalmente no que
se refere ao papel das firmas de engenharia, construção e montagem (EPCistas). A distribuição
desse déficit ocorre de maneira diferenciada entre os segmentos; enquanto alguns apresentam
condições competitivas para operar, inclusive, no mercado global, outros apresentam relevantes
lacunas produtivas, que limitam o fornecimento ao mercado doméstico em condições
competitivas (OLIVEIRA, 2010).
No Quadro 4, a seguir, são apresentadas as condições de economias de escala
vigentes em cada um dos segmentos. Na terceira coluna é informada a dimensão da escala
exigida para operação de uma unidade fabril. Na quarta é apresentada a dimensão relativa do
mercado nacional com respeito à escala; sendo considerada suficiente, caso exista unidade fabril
com dimensões requeridas tecnicamente, e insuficiente, caso contrário. Na quinta coluna é
informada a principal razão das lacunas relevantes de fornecimento de produtos (OLIVEIRA,
2010).
135
Quadro 4 - Economias de escala e especialização da unidade fabril.
Serviços
Navipeças
Tecnologia Mecânica
Tecnologia
Elétrica
Indústria de Transformação
Tecnologia
Metalúrgica
Base Tecnológica
Setores
Escala exigida
Escala doméstica
Lacunas
Siderurgia
Grande
Suficiente
Segmentação
Tubos
Média
Suficiente
Conexões e flanges
Pequena
Suficiente
Caldeiraria
Média
Suficiente
Tecnológica
Hastes e unidades de bombeio
Pequena
Subsea
Média
Suficiente
Parcialmente
suficiente
Escala
Bombas
Média
Compressores
Pequena
Motores a gás e diesel
Grande
Turbinas
Média
Guindastes e guinchos
Metrologia
Média
Suficiente
Parcialmente
suficiente
Parcialmente
suficiente
Parcialmente
suficiente
Parcialmente
suficiente
Válvulas
Média
Suficiente
Tecnológica
Geradores e motores elétricos
Grande
Suficiente
Subestação e transformadores
Grande
Suficiente
Metrologia
Instrumentação
Grande
Insuficiente
Escala
Serviços de engenharia
Média
Suficiente
Tecnológica
Grande
Suficiente
Tecnológica
Construção e montagem
Fonte: Oliveira (2010).
Escala
Escala
Escala
Escala
Acrescentam-se as informações apresentadas no quadro, algumas constatações
obtidas com as entrevistas realizadas em plantas industriais de uma amostra qualificada de
fornecedores ligados aos segmentos analisados, a saber: (i) o aprendizado do tipo learning-bydoing aparece como uma das principais fontes de conhecimento, indicando, de um lado, que
existe uma dedicação de parte do tempo de produção das firmas para a aquisição de informações
tecnológicas e, de outro, que o foco nessa fonte de conhecimento, ao negligenciar atividades de
P&D, restringe o conhecimento tecnológico adquirido às atividades correntes da empresa,
limitando a aquisição de conhecimento orientado para o futuro, essencial para o preenchimento
de lacunas produtivas; (ii) a Petrobras exerce um importante papel coordenador no processo
inovativo, dada a necessidade de interação dos fornecedores com esta, para obtenção de
informações tecnológicas; (iii) a reduzida articulação dos fornecedores da IPcom os EPCistas e
com a infraestrutura científica e tecnológica, especialmente com o sistema de normatização e
metrologia,sobrecarrega a Petrobras, obrigando-a, para garantir sua competitividade econômica,
136
manter equipes de supervisão da qualidade dos equipamentos, inclusive com inspeções
residentes; e (iv) a limitada oferta de mão-de-obra qualificada é determinante para a fragilidade
das firmas de engenharia (OLIVEIRA, 2010).
A conclusão de Oliveira (2010) é corroborada pelo estudo da ONIP (2011), que
apresenta como hipótese central a ideia de que o aproveitamento das oportunidades abertas pelas
perspectivas de demanda da IPGN brasileira exigirá das contratadas padrões de atendimento de
referência internacional. Neste sentido, apresenta-se como principal desafio no contexto atual
dessa indústria a superação das lacunas de competitividade no fornecimento de bens e serviços,
tais como: baixa presença ou ausência de empresas locais habilitadas nas listas de fornecedores
das empresas operadoras, para o fornecimento de determinados grupos de bens e serviços, e
limitada atuação exportadora dos produtores locais.
A raiz dessa baixa competitividade é manifestada pela prática de preços superiores
aos praticados nos mercados internacionais. Conforme estudo do IPEA (2010), que considera
apenas duas das esferas da competitividade aparente – preços e prazo de entrega -, apesar do
prazo de entrega, nas atividades mapeadas, ver Quadro 5, a seguir, encontrar-se em situação
relativamente semelhante ao quadro internacional, os preços são, na maioria dos produtos,
superiores.
Quadro 5 - Competitividade da indústria nacional de equipamentos.
Produtos
Preço (mercado brasileiro)
Bombas
Similar
Válvulas
10% a 30% mais caro
Canos
20% a 40% mais caro
Acessórios para Canos
30% a 50% mais caro
Pressure Vessels
30% a 50% mais caro
Trocadores de Calor
30% a 40% mais caro
Instrumentação
20% mais caro
Painéis Elétricos
Similar
Cabos Elétricos
10% a 15% mais caro
Fonte: Petrobras, apud IPEA (2010).
Data de entrega (mercado brasileiro)
Melhor
Melhor
Similar
Melhor
Boa
Boa
Boa
Melhor
Boa
Essa baixa competitividade pode ser atribuída a fatores empresariais, estruturais e
sistêmicos. Dos fatores sistêmicos, os impostos e o acesso ao capital têm acentuado impacto. No
que se refere ao sistema tributário, o Regime Aduaneiro Especial para a Indústria do Petróleo
(Repetro), mesmo com a criação do sistema de “exportação ficta”, como já comentado,
desfavorece a indústria para-petrolífera nacional. No que se refere aos custos de capital, os
137
produtores locais estão expostos à custos sensivelmente superiores à média internacional. Na
indústria de bens de capital sob encomenda, por exemplo, intensamente dependente de capital de
giro, as empresas locais de pequeno e médio porte apresentam um diferencial da ordem de 3-5%
do preço final (ONIP, 2011).
Outros aspectos críticos relacionados à fatores sistêmicos e empresariais da
competitividade podem ser enumerados a partir de análises comparativas de fornecimentos
específicos, segmentados em função da origem do fornecimento. Comparado aos países em
desenvolvimento, destacam-se entre as principais desvantagens os custos de matéria-prima e
componentes básicos, o custo da mão-de-obra e impostos. Já em relação aos países
desenvolvidos, observa-se um deslocamento das lacunas de competitividade para aspectos como
produtividade do processo manufatureiro (incluindo tecnologia e capacitação da mão-de-obra),
principalmente para produtos mais complexos, mesmo com menor custo da mão-de-obra, e escala
produtiva, além do custo de capital e impostos (ONIP, 2011).
Além dos componentes diretamente relacionados aos custos dos produtos, a
competitividade local é também impactada pelos itens associados a serviços. Enquanto a indústria
presente em mercados maduros se beneficia de um processo de produção contínuo, a partir do
conjunto das diferentes demandas, a indústria local ainda apresenta demandas esporádicas, sendo
obrigada a recorrer à distribuidores para aquisição de matéria-prima (ONIP, 2011).
Quanto aos aspectos relacionados à indústria de bens de capital, os desafios
decorrem, principalmente, do fato de a maior parte dos projetos de engenharia básica ser
desenvolvido no exterior, embora o projeto conceitual parta dos operadores; no Brasil, a
Petrobras é responsável pela maior parte desses projetos. Já no que se refere aos aspectos
relacionados à inovação, geração e disseminação de conhecimento, verifica-se uma tendência à
concentração de capacitações de engenharia no operador, deixando a cadeia num papel de
executor, limitando o espaço para novas soluções. A baixa coordenação entre o meio acadêmico e
a indústria fornecedora, na articulação para uso de recursos de pesquisa e/ou no maior
envolvimento no tocante a pesquisa efetivamente aplicada às necessidades da indústria, reforça
essa cultura (ONIP, 2011).
138
4.5
CONSIDERAÇÕE FINAIS
Desde sua criação, em 1953, até a década de 1990, a Petrobras buscou capacitar os
fornecedores nacionais do ponto de vista tecnológico. Devido à elevada propensão da empresa
em internalizar a maioria das atividades tecnológicas da IPGN, essa política enfrentou sérias
limitações. Os fornecedores nacionais se limitaram, quase sempre, a receber e aplicar conceitos
desenvolvidos na Petrobras, o que tornou a IPP doméstica pouco competitiva e dependente de um
mercado doméstico protegido. Quando houve a abertura, perderam-se muitos dos ativos
tecnológicos adquiridos.
A abertura econômica, juntamente com o fim do monopólio da Petrobras,
estabelecido pela Lei 9.478/97, tornou a situação da indústria e dos fornecedores locais
preocupante, o que fez com que se passasse a incorporar índices de nacionalização nos critérios
para seleção dos leilões de áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural. Esses
critérios estavam presentes desde o processo de licitação dos primeiros blocos exploratórios, na
Rodada 1, em 1999. Porém, é apenas na Rodada 4, em 2003, que a ANP fixa um nível mínimo de
conteúdo local, a ser observado pelo concessionário, na Fase de Exploração e na Etapa de
Desenvolvimento. Entram nesse jogo, além das compras de equipamentos, como plataformas e
navios, serviços especializados, na área de logística e manutenção, por exemplo.
Além da exigência de conteúdo local, a geração de competências tecnológicas para
responder às novas demandas parece estar no foco dessa política. A criação do PROMINP indica
nessa direção, apesar de Oliveira (2010) apontar para a não existência de uma convergência clara
entre a política industrial e a política tecnológica. Segundo o autor, a política de compras da
Petrobras ainda está demasiadamente pautada no paradigma da substituição de importações e da
ocupação do mercado interno, sem a priorização de especializações produtivas apoiadas em
vantagens competitivas.
A baixa capacitação tecnológica se configura, até hoje, como a principal fragilidade
das empresas brasileiras; no geral, licenciadoras de tecnologias de empresas líderes
internacionais, quando não uma filial de empresa multinacional. As empresas nacionais ocupam
os segmentos de menor complexidade tecnológica, deixando, inclusive, os projetos de engenharia
básica para serem executados por empresas internacionais.
Com a descoberta das reservas de hidrocarbonetos da camada do pré-sal e a
consequente necessidade de elevados investimentos para explorá-las, a oportunidade de alavancar
139
um conjunto de setores industriais e serviços relacionados se faz presente. Porém, a definição de
políticas adequadas enfrentará/enfrenta o trade-offentre a opção pelo fornecimento mais rápido, a
preços menores, e a geração de capacidade própria, o que exige tempo e terá, pelo menos
inicialmente, um custo. Pois, a curva de aprendizagem ligada a essa opção de política leva,
invariavelmente, a atrasos que implicam, quase automaticamente, aumento dos custos.
Nesse sentido, pode-se concluir que a política de conteúdo local adotada pelo governo
brasileiro para o desenvolvimento de uma IPP nacional está na contramão da perspectiva de
maximização de valor para os acionistas da companhia. Primeiro, pela esperada elevação de
custos, dada a obrigação de adquirir insumos com maior preço e, eventualmente, com menor
qualidade e até com prazos de entrega superiores; correndo risco, inclusive, de incorrer em
multas pelo não cumprimento dos compromissos de conteúdo local. Segundo, pela incerteza
relacionada à possibilidade dessa modalidade de política industrial promover, adequadamente,
ganhos de competitividade suficiente para ampliar a capacidade de inovar e, futuramente, reduzir
custos dos fornecedores e, consequentemente, da Petrobras.
Para atender a segunda parte do objetivo geral da tese - que é analisar porque a
utilização da Petrobras para encampar o desenvolvimento da IPP brasileira, por meio do
direcionamento de suas compras, não é inconsistente com sua natureza jurídica -, discutir-se-á, no
próximo capítulo, a relação existente entre a natureza jurídica da Patrobras e sua função objetivo.
140
5
PETROBRAS:
NATUREZA
JURÍDICA,
CORPORATIVA E DESEMPENHO
GOVERNANÇA
A Petrobras foi criada em 1953, sob a forma de uma Sociedade de Economia Mista tipo societário em que se verifica a associação de capital estatal e privado -, com a finalidade de
exercer o monopólio da União na exploração, produção, refino e transporte do petróleo
no Brasil.Em 1997, no bojo do processo de reestruturação ou desarticulação das atividades
produtivas do Estado, com a privatização e abertura de capital de grandes empresas, o governo
determina, com a Lei 9.478, o fim do monopólio da Petrobras, permitindo a contratação de
empresas públicas ou privadas para atuação na atividade petrolífera do país (GOLDSTEIN, 2010;
GOBETTI, 2009).
Em agosto de 2000, a companhia obtém uma receita equivalente a US$ 4,8 bilhões,
com a venda de ações ordinárias que excediam o mínimo necessário à manutenção do controle
acionário nas mãos da União, numa initial public offering (IPO) na Bolsa de Valores de São
Paulo (BOVESPA) e na New York Stock Exchange (NYSE). No Brasil, esta foi a primeira vez que
ações foram oferecidas não apenas para investidores institucionais, mas, também, através da rede
bancária, para investidores de varejo. Mais de 400 mil brasileiros e um número desconhecido de
indivíduos e instituições estrangeiras compraram, naquele ano, ações da empresa (GOLDSTEIN,
2010; GOBETTI, 2009). Após abertura de capital na NYSE, a lei norte-americana às questões
societárias passou a ter fórum para aplicação na Petrobras (CABRAL, 2013a).
Em 2010, o mercado acionário viabilizou a capitalização da Petrobras com cerca de
US$ 70 bilhões - com preservação da participação do controlador, quando considerada parcela do
tesouro nacional -, após anúncio da descoberta do Campo de Tupi, no pré-sal, em novembro de
2007, o maior do mundo desde uma descoberta no Cazaquistão, em 200035 (CABRAL, 2013a;
GOLDSTEIN, 2010).
O capital social da Petrobras, em 28/02/2014, conforme mostrado na Tabela 12, a
seguir, era formado por 13.044.496.930,00 ações sem valor nominal, sendo 57,05% de ações
ordinárias, com direito a voto, e 42,94% de ações preferenciais. A União Federal e seus agentes
35
Quando da realização de aumento de capital, no caso das sociedades de economia mista, o Estado deverá exercer o seu direito de
preferência na aquisição das novas ações, com a finalidade de garantir a condição de sociedade de economia mista do
empreendimento. O investimento de recursos na compra de novas ações para manter a posição majoritária do Estado poderia ser
reduzido com a emissão de ações preferenciais sem direito a voto, levando em consideração as restrições existentes quanto a
relação entre ações preferenciais sem direito a voto e a totalidade de ações da companhia (RIBEIRO, ALVES E CHEDE, 2005).
141
(somadas as ações da União, BNDESPar e BNDES) exercem o controle acionário, com 60,5%
das ações com direito a voto. Considerando-se o capital total, a União Federal e seus agentes
respondem por 46,00% do capital social da companhia.
Tabela 12 - Petrobras, composição do capital social.
Capital Social
28/02/2014
%
Ações Ordinárias
União Federal
7.442.454.142,00
3.740.470.811,00
100
50,3
BNDESPar
11.700.392,00
0,2
BNDES
734.202.699,00
9,9
Fundo de Participação Social - FPS
6.000.000,00
0,1
Fundo Soberano - FFIE
-
0
ADR Nível 3
1.530.998.564,00
20,6
FMP - FGTS Petrobras
150.015.439,00
2
585.798.917,00
7,9
683.267.320,00
9,2
5.602.042.788,00
-
100
0
BNDESPar
1.341.348.766,00
23,9
BNDES
161.596.958,00
2,9
Fundo de Participação Social - FPS
-
0
Fundo Soberano - FFIE
-
0
ADR, Nível 3 e Regra 144 -A
1.506.683.626,00
26,9
1.008.302.451,00
18
1.584.110.987,00
28,3
Estrangeiros (Resolução nº 2.689 C.M.N)
Demais pessoas físicas e jurídicas
(1)
Ações Preferenciais
União Federal
Estrangeiros (Resolução nº 2.689 C.M.N)
Demais pessoas físicas e jurídicas
(1)
Capital Social
União Federal
13.044.496.930,00 100
3.740.470.811,00 28,7
BNDESPar
1.353.049.158,00
10,4
BNDES
895.799.657,00
6,9
Fundo de Participação Social - FPS
6.000.000,00
0
Fundo Soberano - FFIE
-
0
ADR (Ações ON)
1.530.998.564,00
11,7
ADR (Ações PN)
1.506.683.626,00
11,6
FMP - FGTS Petrobras
150.015.439,00
1,2
1.594.101.368,00
12,2
2.267.378.307,00
17,4
Estrangeiros (Resolução nº 2.689 C.M.N)
Demais pessoas físicas e jurídicas
Fonte: Petrobras RI (2014).
(1)
Outro dado que merece destaque é que 35,5% do capital social estão nas mãos de
estrangeiros (pessoas físicas, instituições financeiras e simples especuladores); este número é
142
obtido com a soma dos dois tipos de American Depositary Receipts (ADR), negociados no
mercado dos EUA, e as ações em poder de estrangeiros, conforme a Resolução nº 2.689 do
Conselho Monetário Nacional (CMN).
A natureza híbrida da Petrobras, uma empresa de capital aberto, com participação
majoritária do Estado no capital votante, tem suscitado, principalmente no período recente, em
que se percebe uma crescente intervenção governamental no delineamento de suas estratégias,
bastantes discussões no que se refere à qual deve ser sua função objetivo. O objetivo
destecapítulo é justamente discutir a natureza jurídica da Petrobras e a implicação desta na sua
função objetivo.
5.1
PETROBRAS: NATUREZA JURÍDICA
O florescimento das empresas estatais se deu no auge do Estado de Bem-Estar,
concebidas como instrumento para a transformação da ordem econômica e social. A atividade
empresarial do Estado foi implementada, em alguns países ocidentais, pela transferência de
empresas privadas ao controle do Poder Público, o que ficou conhecido como nacionalização
(ALVES, 2004).As nacionalizações na Europa, por exemplo, foram intensificadas no final da
Segunda Guerra Mundial, fundadas, como na Inglaterra, em razões políticas de teor ideológicopartidária, ou em interesses nacionais, como na França, onde as empresas Renault e Guome et
Rhome passaram para o controle estatal sob acusação de colaboração com os inimigos, ou, ainda,
na simples ordenação racional de um setor industrial específico (CASSAGNE,1993, APUD
ALVES, 2004).
No Brasil, apesar da existência de empresas do Estado no período colonial, caso do
Serviço Postal (1663) e da Casa da Moeda da Bahia (1694), e depois da vinda de D. João VI,
caso do Banco do Brasil e da Imprensa Régia (PINHEIRO, 1999), a intensificação da criação
dessas se deu a partir da terceira década do século vinte, no bojo do nacionalismo econômico que
marcou o País após a Revolução de 193036(RIBEIRO; ALVES; CHEDE, 2005).
Os mais relevantes critérios de classificação das empresas do Estado são: quanto à
atividade (prestadoras de serviço público e exploradoras de atividade econômica em sentido
36
Segundo Bueno (2007), o principal fator explicativo da Revolução de 1930 foi a perda do apoio político e militar do Estado de
São Paulo pelo então presidente Washington Luis, dada a recusa de este apoiar a política de valorização do café no momento em
que ela mais se fazia necessária. A marca desta Revolução é o fim da hegemonia cafeeira e o início de um período de grandes
mudanças na ação estatal, com uma maior centralização, intervenção e orientação para a industrialização.
143
estrito) e quanto à constituição do capital (empresas públicas e sociedades de economia mista). A
classificação das empresas estatais entre o que é prestação de serviço público e o que é
exploração de atividade econômica em sentido estrito está relacionada à atuação do Estado entre
aquilo que é de sua essência e o que não é (MORAES, 2008).
A execução das atividades econômicas em sentido estrito cabe, preferencialmente,
aos particulares, enquanto ao Estado cabe, prioritariamente, a prestação de serviços públicos.
Porém,
existem
atividades
reservadas
ao
setor
privado
que,
quando
permitidoconstitucionalmente, o setor público atua. Da mesma forma, existem atividades
assumidas pelo Estado que os particulares atuam37 (MORAES, 2008).
A condição prevista constitucionalmente para que o Estado seja autorizado a executar
atividades econômicas em sentido estrito é a necessidade de atender aos imperativos de segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo. Sobre a primeira condição, alguns autores os associam
àquelas atividades relacionadas diretamente a produção de bens e serviços necessários ao
funcionamento regular e, até mesmo, ao aparelhamento satisfatório das forças armadas. Outros
utilizam uma definição mais ampla, expondo que os monopólios do petróleo e do gás natural, por
exemplo, atendem aos imperativos de segurança nacional. Ainda existem aqueles que colocam a
proteção da ordem econômica como imperativos de segurança nacional, já que um desarranjo
econômico pode promover guerras e fazer perecer povos e estados (MORAES, 2008).
No que se refere à relevante interesse coletivo, o Estado pode invadir o campo
reservado aos particulares, caso essa seja uma condição indispensável para proteger o mesmo
interesse público. Da mesma maneira que, a princípio, ao interesse público é conveniente que as
atividades econômicas em sentido estrito sejam cuidadas reservadamente pela iniciativa privada
(MORAES, 2008).
Apesar de sua ampla utilização no direito, o conceito do que seja interesse público é
bastante vago. Esse conceito se modifica, conforme evolui, ao longo do tempo, a noção de
Estado. Na doutrina de Adam Smith, marco do Liberalismo, o interesse público seria obtido pela
livre persecução do interesse individual, que promoveria o desenvolvimento econômico
(BONFIM, 2011).
37
A titularidade do serviço público não deve ser confundida com a titularidade da prestação do serviço, pois, quando se afirma
que uma atividade é essencial ao Estado, não, necessariamente, significa que cumpre exclusivamente ao Estado sua prestação.
144
Após a Primeira Guerra Mundial, com o surgimento do Estado de bem-estar social,
esse conceito passa a estar associado à ideia de solidariedade, pela qual o Estado intervém na
esfera dos direitos individuais com vistas a harmonizá-los, reduzindo as desigualdades sociais;
com o propósito de resguardar o interesse público, o Estado assume a prestação de serviços
públicos(BONFIM, 2011).
No Consenso de Washington, o interesse geral é resultado da conciliação e regulação,
pelo Estado, dos interesses privados e do interesse público; ou seja, dois valores contraditórios, a
princípio, - o primeiro exalta o individualismo, a busca do lucro, e o segundo afirma a supremacia
do interesse comum sobre as finalidades particulares -, passam a conviver lado a lado38
(BONFIM, 2011).
No Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o princípio da
dignidade da pessoa humana erigiu como valor fundamental sobre o qual deve girar todo o
ordenamento jurídico. Com isto, apesar de ser garantida à Administração Pública a autoridade
necessária à consecução do interesse público, é garantida ao cidadão a observância de seus
direitos fundamentais contra o abuso do poder (BONFIM, 2011).
Nesse sentido, cabe distinguir aqui o interesse público do Estado, interesse público
secundário, do interesse público titularizado pelo povo, interesse público primário. Como
qualquer outro sujeito de direito, o Estado, pessoa jurídica titular de direitos e obrigações
individuais, tem interesses que lhes são particulares, porém, apenas poderá os defender quando
não conflitarem com os interesses públicos propriamente ditos, o interesse público primário
(BONFIM, 2011). As empresas estatais não são instituídas para satisfação da vontade de
governos transitórios, mas para o atendimento dos interesses permanentes do Estado (RIBEIRO;
ALVES; CHEDE, 2005).
38
O consenso de Washington, como o próprio nome indica, foi um consenso que se estabeleceu em Washington e, mais
amplamente, nos países desenvolvidos da OECD, sobre a natureza da crise latino-americana dos anos de 1980 e as reformas
necessárias para superá-la. Esse consenso, que passou a exercer uma poderosa influência sobre os governos e as elites da América
Latina, formou-se a partir da crise do consenso keynesiano e da crise da teoria do desenvolvimento econômico, elaborada nos
anos de 1940 e 1950, e da afirmação de uma nova direita, influenciada pelas contribuições da escola austríaca, dos monetaristas,
dos novos clássicos relacionados com as expectativas racionais e da escola da escolha pública. Conforme a abordagem do
consenso, as causas da crise latino-americana são: (i) o excessivo crescimento do Estado, reflexo do protecionismo econômico,
excesso de regulação e ineficiência e número em excesso das empresas estatais; e (ii) o populismo econômico, definido pela
incapacidade de manter o déficit-público e as demandas salariais tanto do setor privado quanto do setor público sob controle. A
partir dessa avaliação, deveria-se (i) no curto-prazo: direcionar as reformas para combater o populismo econômico e alcançar o
equilíbrio e a estabilização; e (ii) no médio-prazo: perseguir uma estratégia de crescimento orientada para o mercado, isto é, uma
estratégia que se baseie na diminuição do tamanho do Estado, na liberalização do comércio internacional e na promoção das
exportações (BRESSER-PEREIRA, 1991).
145
O interesse público primário do Estado, encampado como missão da empresa estatal,
equipara-se ao interesse coletivo previsto no artigo 173 da Constituição Federal. Dessa maneira,
cabe enfatizar que as empresas estatais objetivam o atendimento do interesse público primário, o
interesse da coletividade, não o interesse público secundário, da entidade estatal (BONFIM,
2011).
A inserção do Estado no mercado como se fosse um particular, exercendo atribuições
diferentes à sua essência, iguala-o aos indivíduos, sendo necessário, para tanto, o abandono das
prerrogativas - pelo menos as que forem necessárias – que lhe conferem a qualidade de soberano.
Desta maneira, com a finalidade de não desrespeitar a livre iniciativa e seu corolário, a livre
concorrência e o princípio da igualdade, a Constituição da República estabelece que as empresas
estatais exploradoras de atividade econômica em sentido estrito se submeterão ao mesmo regime
jurídico das empresas privadas, inclusive no que se refere aos direitos e obrigações civis,
comerciais, trabalhistas e tributários (MORAES, 2008).
No entanto, não é absoluta a submissão de uma atividade a um regime jurídico
específico. Existem questões referentes às prestadoras de serviço público que são regidas pelo
direito privado, da mesma forma que alguns temas sobre as exploradoras de atividade econômica
em sentido estrito são regidos pelo direito público. O caráter híbrido das empresas estatais impõe
a incidência prioritária ou majoritária de um regime em detrimento da incidência secundária ou
minoritária do outro, porém, em hipótese alguma na incidência única e total de apenas um
estatuto jurídico; conforme a atividade à qual as empresas se dediquem, tem-se uma composição
de direito público e direito privado, a um só tempo e “dosado” (MORAES, 2008).
Em resumo, entende-se que a cada nível se deve realizar a dosagem do regime, que sem
dúvida será, para as exploradoras de atividade econômica em sentido estrito, de direito
privado com breves derrogações de direito público, e, quanto às prestadoras de serviço
público, de direito público com breves derrogações de direito privado (MORAES, 2008,
P. 400).
As derrogações de direito público nas empresas estatais exploradoras de atividade
econômica em sentido estrito se darão, em tudo quanto for necessário, para preservação do
interesse público que subsiste no cerne da sua existência. Nessa direção, a empresa estatal
exploradora de atividade econômica em sentido estrito não pode, na busca dos fins, perverter o
emprego dos meios, o que ocorreria caso fosse permitido, por exemplo, a aquisição de bens ou
contratação de agentes de qualquer maneira; circunstância em que se evidenciaria a possibilidade,
146
e probabilidade, de favorecimento privado (MORAES, 2008). O patrocínio da ampla liberdade de
uso dos meios nas empresas estatais, assim como ocorre na iniciativa privada, seria “converter-se
o acidental– suas personalidades de direito privado – em essencial, e o essencial – seu caráter de
sujeitos auxiliares do Estado – em acidental” (MADEIRA; MADEIRA; GUIMARÃES, 2009, P.
158).
Já a classificação das empresas estatais em públicas e sociedades de economia mista
está associada à constituição do capital que lhes é dedicado; se integralmente público, ou
majoritariamente público, com minoria privado(MORAES, 2008).
O capital das empresas públicas é composto apenas por recursos públicos, sendo o
Estado o único controlador e investidor. Entretanto, a empresa pública não necessariamente é
unipessoal, podendo comungar, mesmo em diversos âmbitos federativos, capital de diferentes
entes ou entidades; circunstância em que os recursos permanecem sendo públicos(MORAES,
2008).
As sociedades de economia mista - as palavras economia e mista fazem referência à
conjunção de capitais públicos e privados, e a palavra sociedade à gestão comum -, por imposição
legal, conforme regulamentada pela Lei n. 6.404/1976, estão obrigadas a adotar unicamente a
forma de Sociedade Anônima (S.A.), tendo seu capital dividido entre recursos de origem pública
e privada, com a quantidade majoritária das ações com direito a voto de origem pública
(MORAES, 2008).
Ao se constituir sob a forma de Sociedade Anônima, a sociedade de economia mista
poderá adotar a forma fechada ou aberta. A S.A. fechada não opera no mercado de valores
mobiliários. Já a S.A. aberta, como é o caso da Petrobras, é aquela cujos valores mobiliários
(ações, debêntures e outros) são registrados para comercialização em bolsa ou balcão. A condição
de aberta ou fechada pode ser modificada após a constituição da sociedade (BRASIL, 1976).
Em razão do universo de interesses envolvidos e repercussão de seu resultado, o fato
de a empresa se constituir numa S.A. aberta apresenta como consequência a incidência de um
controle maior sobre sua condução, exercido especialmente pela Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) e pelos acionistas. Incide-se sobre esta, normas específicas de publicações de
balanços, realização de auditorias e dever de comunicação (RIBEIRO; ALVES; CHEDE, 2005).
Com o exposto, pode-se afirmar o equívoco tanto do publicista, quando despreza o
regime concorrencial de mercado como dirigido a guardar, também, o interesse público, quanto
147
do privatista, quando esquece que o princípio da república consente a atuação estatal mesmo nas
atividades que não lhe são próprias. Desses equívocos, surgem duas conclusões (MORAES,
2008).
A primeira que, por perseguirem o interesse público, as empresas estatais
exploradoras de atividade econômica cercam-se, também, das prerrogativas do direito público.
Pois, o fato de um agente econômico estatal não poder obter benefício de específica vantagem de
direito público, caso esta trabalhe para desequilíbrio em face de seus pares na iniciativa privada,
não decorre, contudo, que não lhe sejam aplicáveis prerrogativas de direito público (MORAES,
2008).
A segunda é que, despindo-se de todas as amarras de direito público, tais empresas
deveriam se identificar em tudo às empresas privadas. Igualá-las totalmente aos particulares
poderia levar a orientação destas ao atendimento de anseios próprios, à maneira da autonomia da
vontade típica de direito privado, o que lhes poderia permitir favorecimento pessoal de toda
espécie; o que claramente diverge do preconizado na Constituição Federal de 1988, que tem a
impessoalidade como um dos seus princípios (MORAES, 2008).
O exposto nesta seção sugere que a natureza jurídica das sociedades de economia
mista tem influência na maneira de geri-las. Na próxima seção esta discussão será realizada de
maneira mais pormenorizada.
5.2
PETROBRAS: NATUREZA
CORPORATIVA
JURÍDICA
E
GOVERNANÇA
Conforme comentado, a figura da sociedade de economia mista ressurge no Brasil na
década de 1930, quando as ameaças resultantes da depressão levam o Estado a desempenhar
papel de destaque na economia; a Constituição de 1937 determinava que a economia da
população seria organizada pelas corporações, que nada mais eram que órgãos colocados sob a
assistência e proteção do Estado39(BONFIM, 2011).
39
As sociedades de economia mista criadas foram: o Instituto de Resseguros do Brasil, em 1939; a Companhia Siderúrgica
Nacional, em 1941; a Companhia do Vale do Rio Doce, em 1942; a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, em 1945; a
Fábrica Nacional de Motores, em 1946; o Banco do Nordeste do Brasil, em 1952; a Petrobras, em 1953; a Eletrobras, em 1962. O
Banco do Brasil, instituído pela Carta Régia de 22 de agosto de 1812, quando se resolveu que a Coroa entraria como acionista, foi
a primeira sociedade de economia mista brasileira. Inicialmente esta instituição foi constituída sob a forma de sociedade privada
por ações, pelo alvará de 12 de outubro de 1808. Em 1835, o Banco do Brasil foi instinto, ressurgindo em 1853, com
determinação por lei de que o Governo Imperial e as províncias deveriam subscrever ações (BONFIM, 2011).
148
A primeira tentativa de sistematização do regime das sociedades de economia mista,
no Brasil, deu-se pelo Decreto-Lei n. 200, de 1967, alterado pelo Decreto-Lei n. 900, de 1969,
que passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1º [...] III - Sociedade de Economia Mista – a entidade dotada de personalidade
jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob
a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria
à União ou a entidade da Administração Indireta (BRASIL, 1969).
Dessa maneira, as sociedades de economia mista, apesar de se apresentarem sob a
forma de sociedade anônima e reunirem os órgãos inerentes a este tipo societário em seu núcleo,
configuram-se como um tipo “especial” de S.A.; justamente pela participação estatal em sua
direção, seja pela titularidade da maioria de seu capital, seja por disposição legal ou estatutária. É
por conta dessa particularidade que estas não podem ser concebidas como simples sociedades
privadas, como simples sociedades por ações (BONFIM, 2011).
A participação estatal nestas sociedades, conforme já salientado, justifica-se pelo
relevante interesse coletivo ou motivo de segurança nacional. O acionista controlador, segundo o
art. 238,da Lei das Sociedades Anônimas, deve orientar as atividades da companhia de forma a
atender ao interesse público que justificou sua criação. Ou seja, sob pena de incorrer em
ilegalidade e inconstitucionalidade - pela intromissão do Estado em área reservada ao setor
privado -, o Estado não pode deixar de atender às exigências do interesse público (BONFIM,
2011).
Nesse sentido, conforme dispõem o inc. XIX, do art. 37, da Constituição Federal
Brasileira, e o art. 236, da Lei das S.As., com o objetivo de assegurar ao Estado a posição de
acionista controlador, as sociedades de economia mista têm sido criadas por leis especiais. Isto
não as eximede se sujeitar ao regime jurídico comum das sociedades anônimas, que se
configuram como pessoa jurídica de direito privado (BONFIM, 2011). Sobre este aspecto,
Ribeiro, Alves e Chede (2005, p. 37) salientam:
As sociedades estatais estarão sujeitas ao regime jurídico de direito privado no que se
refere aos seus contratos, organização societária, regime de trabalhadores, regime
tributário e não poderão ser beneficiadas de forma desigual em relação às sociedades
compostas a partir de capital exclusivamente privado. Já, em razão do caráter público do
capital investido, ainda que dotadas de personalidade jurídica de direito privado, as
sociedades estatais estão sujeitas ao controle do Tribunal de Contas e às normas de
concorrência. Decorre justamente da dupla sujeição da estatal, ao regime jurídico
149
privado e, ainda que parcialmente, também ao regime público, um dos traços de
distinção dessa modalidade de sociedade.
Qual seja, além de adequar-se às normas tributárias, civis, comerciais, também deverão
ser consideradas as normas de direito administrativo aplicáveis em decorrência da
natureza pública dos investimentos e bens utilizados na atividade empresarial.
“Acionista controlador”, segundo o art. 116, da Lei 6.404, que dispõe sobre as
Sociedades por Ações, refere-se:
[...] a pessoa, natural ou jurídica, ou grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou
sob controle comum, que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos
votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos
administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o
funcionamento dos órgãos da companhia.
Parágrafo único. [...] que deve usar seu poder de modo a orientar a empresa a realizar
seu objeto e cumprir sua função social, de forma a respeitar e atender os direitos e
interesses dos demais acionistas da empresa, de seus trabalhadores e da comunidade em
que a companhia atua (BRASIL, 1976).
Dessa maneira, a participação majoritária do Estado no capital votante da sociedade
de economia mista se constitui num importante centro de dominação e fiscalização, justamente
pela possibilidade deste eleger a maioria para o Conselho de Administração, podendo fazer a
opção por representantes que entende (o Estado) ser mais comprometidos com a causa
pública(BONFIM, 2011).
Apesar da participação majoritária do Estado nestas sociedades, os aspectos
supracitados impossibilitam que este maximize uma função utilidade própria e bem definida.
Logo, as sociedades de economia mista além de apresentarem os problemas de agência
tradicionais, em função da separação entre propriedade e controle, apresentam outros aspectos
que tornam sua governança mais complexa, a saber: (i) escolha dos membros dos órgãos de
administração por indicação política; (ii) diversidade de interesses, que não apenas a
maximização de lucros; e (iii) definição das diretrizes de acionista controlador por três
ministérios; a) Ministério da Fazenda (MF), por intermédio da Secretaria do Tesouro Nacional
(STN), no que se refere à Assembléia Geral de Acionistas (Decretos n. 1.091/1994 e n.
2.673/1998); b) Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), através do
Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest), em relação à
150
planejamento, orçamento e pessoal (Decreto n. 3.735/2001); e c) Ministério Supervisor, no que se
refere à gestão do negócio corporativo40 (ANTUNES, 2009).
Na Petrobras, que tem a estrutura de governança mostrada na Figura 24, a seguir, o
Conselho de Administração, órgão de natureza colegiada e autônomo dentro de suas
prerrogativas e responsabilidades, é composto por dez membros, sendo sete indicados pelo
acionista controlador, o Estado. Dos demais membros deste Conselho, um é indicado pelos
acionistas minoritários titulares de ações ordinárias, um pelos acionistas titulares de ações
preferenciais e um pelos empregados; todos eleitos em Assembléia Geral Ordinária para mandato
de um ano, sendo permitida a reeleição.
Figura 24 - Estrutura de governança corporativa da Petrobras.
Fonte: Petrobras.
Assim como no Conselho de Administração, a maioria dos membros do Conselho
Fiscal é indicada pelo Estado. Este conselho é composto por cinco membros, também com
mandado de um ano e permitida a reeleição, sendo um indicado pelos acionistas minoritários, um
40
Enquanto a função objetivo predominante das empresas privadas é o lucro, as empresas públicas estão sujeitas a objetivos
múltiplos, a saber: (i) alocativos (financeiros e econômicos); e (ii) não-alocativos (sociais). Como exemplos de objetivos
financeiros, citam-se a necessidade de geração de recursos para a cobertura dos custos empresariais e a geração de um excedente a
ser utilizado em qualquer setor econômico. Os objetivos econômicos se expressam, por exemplo, pela contribuição líquida da
empresa ao produto e crescimento da economia. Como objetivos não-alocativos (não-comerciais), têm-se, como exemplos, a
criação de empregos, o fornecimento de serviços à comunidade e a promoção do desenvolvimento regional (RIBEIRO, 1992).
151
indicado pelos acionistas titulares de ações preferenciais e três indicados pela União, com uma
indicação do ministro de Estado da Fazenda, como representante do Tesouro Nacional
(PETROBRAS).
Não sendo a sociedade de economia mista uma entidade única, representando toda
população brasileira, sua função objetivo se torna mais complexa, não se limitando apenas à
maximização do valor de seu patrimônio (ANTUNES, 2009). Esta relação entre a natureza
jurídica das sociedades de economia mista e sua função objetivo será discutida, na próxima
seção, de maneira mais pormenorizada.
5.3
PETROBRAS:
NATUREZA
JURÍDICA,
CORPORATIVA E DESEMPENHO
GOVERNANÇA
A presença de capitais privados nas sociedades de economia mista demanda, do ente
público controlador, uma posição mais atenta no que se refere à rentabilidade do
empreendimento. Ainda que o interesse particular não deva ser priorizado, a garantia de um
excedente contábil a ser distribuído aos acionistas, já que os particulares que se associam ao
Estado o fazem com o intuito lucrativo, deve ser harmonizado com o interesse público
(BONFIM, 2011; RIBEIRO, ALVES; CHEDE, 2005).
Ou seja, apesar das empresas estatais não serem criadas com vistas à obtenção de
lucro, isto não significa que seu desempenho financeiro deva ser negligenciado. O argumento de
que as empresas estatais são “naturalmente” deficitárias não pode ser aceito de forma acrítica, já
que o que está em jogo é o dinheiro público (BONFIM, 2011; RIBEIRO; ALVES; CHEDE,
2005).
A atuação deficitária de empresas estatais, por tornar a atividade empresarial e a
assunção do risco não remunerada, além de desestimular a iniciativa privada de ingressar no
campo explorado, pode mascarar a concorrência desleal perpetrada pelo Estado empresário; na
medida em que, ao atuarem em regime de dumping, impediriam o pleno exercício da
concorrência pelas empresas privadas em tais mercados (RIBEIRO; ALVES; CHEDE, 2005).
Desde os anos de 1980, as sociedades de economia mista têm sua análise atrelada,
também, a sua eficiência e competitividade, o que tem conduzido à expressa adoção das técnicas
de governança corporativa nestas companhias (RIBEIRO; ALVES; CHEDE, 2005). Cabe
salientar que a eficiência referida é definida em termos neoclássicos - eficiência produtiva,
152
distributiva e alocativa -, que não considera as dimensões dinâmicas da concorrência e dos
mercados, cujo impacto alocativo e respectivas implicações normativas devem ser vistas pela
ótica da geração, filtragem seletiva e difusão das inovações (FAGUNDES, 2003). Já a
competitividade, fruto de uma diversidade de fatores, conforme salientado na seção 4.4.2, é
analisada a partir dos fatores internos à firma (empresariais)41.
A qualidade das práticas de governança corporativa, embora possa ser avaliada em
diversas dimensões, tem sido mensurada, principalmente, pela estrutura de controle (direito de
voto) e propriedade (direito de fluxo de caixa). Nesse sentido, o pagamento de dividendos tem
funcionado como um mecanismo de governança das sociedades anônimas de capital aberto. Boas
políticas de remuneração aos acionistas, com pagamento de percentuais elevados de dividendos
anualmente, são indicativos de boas práticas de governança (SILVA, 2008).
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2005,
desenvolveu um conjunto de regras voluntárias para a boa governança corporativa de empresas
estatais, denominado Corporate Governance of State-Owned Enterprises, que visam, dentre
outras coisas (SILVA, 2008):
(i) Garantir isonomia competitiva no mercado de atuação de empresas estatais e
privadas, inclusive na relação estabelecida com os bancos estatais; a concessão de crédito às
empresas estatais e privadas deve se dar nos mesmos termos e condições (OCDE, 2005).
Para evitar o potencial conflito de interesses derivado do duplo papel desempenhado
pelo Estado - regulador do mercado e proprietário de empresas com operações comerciais – e
evitar distorções na concorrência entre empresas estatais e privadas, a completa separação
administrativa entre estes papéis se configura indispensável (OCDE, 2005); neste sentido, a ANP
desempenha papel indispensável, regulando um setor em que a Petrobras, uma empresa estatal, é
o principal player.
(ii) Transparência da administração. A esperada atuação das estatais no cumprimento
de responsabilidades e obrigações para fins de política social e pública, que está além das suas
atividades comerciais, como o represamento dos preços de bens e serviços para controle
41
A eficiência produtiva é atingida quando as empresas, por meio do processo competitivo ou de um sistema de incentivos
apropriados, escolhem operar sobre uma dada função de produção (e não abaixo dela) e, ao fazê-lo, minimiza os custos de
produção. A eficiência distributiva se refere à capacidade de eliminação, pela concorrência, de lucros extraordinários – esta
considera disfuncional a persistência de preços acima dos custos unitários (e não apenas dos custos marginais), e, portanto, de
lucros acima do considerado normal. A eficiência alocativa é definida usualmente pelo critério de Pareto e é formulada
teoricamente por referência ao modelo de equilíbrio geral competitivo, quando os custos marginais associados aos bens fabricados
– de curto e longo prazo – são iguais aos preços desses bens (FAGUNDES, 2003).
153
inflacionário, deve estar regulamentada e incorporada em seu Estatuto Social. Além de estar
claramente informado sobre a natureza e extensão dessas obrigações, o mercado e o público em
geral devem ter ciência do impacto global destas no desempenho econômico da companhia
(OCDE, 2005).
Severe difficulties arise when SOEs undertake ambitious strategies without clearly
identifying, assessing or duly reporting on the related risks. Disclosure of material risk
factors is particularly important when SOEs operate in newly de-regulated and
increasingly internationalised industries where they are facing a series of new risks, such
as political, operational, or exchange rate risks. Without adequate reporting of material
risk factors, SOEs may give a false representation of their financial situation and overall
performance. This in turn may lead to inappropriate strategic decisions and unexpected
financial losses (OCDE, 2005, P. 45).
Portanto, além da definição de objetivos, que incluem os trade-offs entre, por
exemplo, a geração de valor para o acionista, o atendimento do interesse público e, até mesmo, a
garantia de segurança no emprego, o Estado deve indicar suas prioridades e esclarecer como
devem ser tratados estes trade-offs (OCDE, 2005).
(iii) Tratamento equânime de todos os acionistas. O Estado deve seguir as melhores
práticas em relação aos acionistas minoritários, visto que sua reputação com relação a este
aspecto terá influência na capacidade de atração de financiamento externo e na valorização da
empresa. Portanto, configura-se importante garantir que os acionistas minoritários não o perceba
como um proprietário passivo, imprevisível e injusto (OCDE, 2005).
As estatais não devem ser utilizadas para promover objetivos que diferem dos
perseguidos pelo setor privado, a menos que, de alguma forma, as outras partes interessadas
sejam recompensadas. Como o Estado, enquanto acionista controlador, pode tomar decisões que
estejam na contramão dos interesses das outras partes interessadas, mecanismos e procedimentos
para proteger os direitos destas partes precisam ser estabelecidos (OCDE, 2005).
No Brasil, em janeiro de 2007, foi aprovado um decreto-lei que instituiu a Comissão
Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da
União (CGPAR), com o objetivo de tratar assuntos relacionados à governança corporativa nas
companhias estatais federais e a administração de participações societárias da União (BRASIL,
2007). À CGPAR compete:
(i) a aprovação de diretrizes e estratégias que guardam relação com a participação
acionária da União nas empresas estatais federais, com o objetivo de:
154
a) defesa dos interesses da União, como acionista; b) promoção da eficiência na gestão,
inclusive quanto à adoção das melhores práticas de governança corporativa; c) aquisição
e venda de participações detidas pela União, inclusive o exercício de direitos de
subscrição; d) atuação das empresas estatais federais na condição de patrocinadoras de
planos de benefícios administrados por entidades fechadas de previdência
complementar; e) fixação da remuneração de dirigentes; f) fixação do número máximo
de cargos de livre provimento; g) expectativa de retorno do capital dos investimentos
com recursos da União; h) distribuição de remuneração aos acionistas; e i) divulgação de
informações nos relatórios da administração e demonstrativos contábeis e financeiros, no
caso das empresas públicas e sociedades de capital fechado (BRASIL, 2007, P. 2);
(ii) o estabelecimento de critérios para avaliar e classificar as empresas estatais
federais, objetivando delinear políticas de interesse da União, levando-se em consideração, dentre
outros aspectos:
a) desempenho econômico-financeiro; b) práticas adotadas de governança corporativa; c)
gestão empresarial; d) setor de atuação, porte, ações negociadas em bolsas de valores
nacionais e internacionais; e e) recebimento de recursos do Tesouro Nacional a título de
despesas correntes ou de capital (BRASIL, 2007, P. 2);
(iii) o estabelecimento de critérios e procedimentos para indicar diretores e
representantes da União nos conselhos de administração e fiscal das empresas estatais federais, a
serem adotados pelos órgãos competentes, observando-se, dentre outros requisitos: “a)
capacitação técnica; b) conhecimentos afins à área de atuação da empresa e à função a ser nela
exercida; e c) reputação ilibada” (BRASIL, 2007, P. 2);
(iv) o estabelecimento de diretrizes para a atuação daqueles que representam a União
nos conselhos de administração e fiscal, ou órgãos com funções equivalentes, das empresas
estatais federais e de sociedades com participação minoritária da União (BRASIL, 2007);
(v) o estabelecimento do padrão de conduta ética, sem prejuízo das normas já
definidas pela própria sociedade, dos representantes da União nos conselhos de administração e
fiscal das empresas estatais federais e de sociedades com participação minoritária da União
(BRASIL, 2007); e
(vi) a aprovação, mediante resolução, do seu regimento interno (BRASIL, 2007).
Com o exposto, percebe-se que algumas empresas estatais, além de abrirem seu
capital, estão sendo submetidas a novas práticas de governança corporativa, buscando o
aprimoramento dos mecanismos pelos quais a União exerce seu poder de acionista majoritário. A
adoção destas práticas não tem mitigado a influência política dos grupos de interesse nas estatais,
155
abrindo a possibilidade do controle ser exercido sem a necessidade de privatização (GOBETTI,
2009).
Dessa maneira, apesar das sociedades de economia mista congregarem a necessidade
de conciliação de regimes jurídicos de ordem privada e pública, de eficiência e desenvolvimento
do objetivo que justificou a sua criação, de interesse do controlador (Estado) e dos demais sócios
(privados), estas têm sido induzidas a operarem de maneira cada vez mais próxima das empresas
privadas, reduzindo a tolerância em relação aos vícios normalmente associados aos serviços
estatais (RIBEIRO; ALVES; CHEDE, 2005). A atuação do Estado numa atividade econômica
está cada vez mais sendo pautada pelo princípio da lucratividade (SCAFF, 2001).
Contudo, o sentido jurídico deste princípio não deve seguir de maneira integral o
sentido econômico. Nas empresas estatais, por exemplo, o princípio da lucratividade deve ser
substituído pelo princípio da economicidade. Segundo o ponto de vista da Constituição Federal
de 1988, as empresas estatais atenderão a este princípio à medida que alcance, de maneira
satisfatória, por meio do menor custo econômico possível, os fins que orientaram a sua criação
(SCAFF, 2001).
A partir desta concepção, o potencial conflito entre a missão pública e a lucratividade
nas sociedades de economia mista pode ser atenuado, conforme argumenta Penrose (1959), com
uma distribuição de dividendos suficiente para evitar reclamações em grande número de
acionistas, para atração de capital adicional necessário e, de modo geral, para formação ou
manutenção da reputação da firma como um bom investimento.
A perspectiva de conflito seria, também, atenuada com o prévio conhecimento dos
investidores privados quanto ao caráter da sociedade de economia mista, conforme os princípios
de governança corporativa de empresas estatais estabelecidos pela OCDE. Ou seja, a supressão
do conflito se daria na medida em que os acionistas minoritários concordam em concorrer
financeiramente para o desenvolvimento de uma atividade econômica cujo controle majoritário
pertence ao Estado, e que a este cabe o atendimento do interesse público, que jamais pode ceder
diante de interesses particulares (BONFIM, 2011).
Com a percepção da possibilidade de existência de conflitos de interesses, a Petrobras
S.A., por exemplo, quando do lançamento do prospecto definitivo para capitalização, em 2010,
fez as seguintes ressalvas quanto aos principais fatores de riscos relativos às suas atividades:
156
Caso qualquer dos riscos mencionados [...] venha a ocorrer, nossa participação de
mercado, nossa reputação, nossos negócios, nossa situação financeira, o resultado de
nossas operações, nossas margens e nosso fluxo de caixa poderão ser adversamente
afetados e, ato contínuo, o preço de mercado das nossas Ações poderá diminuir e os
investidores poderão perder todo ou parte do seu investimento em nossas Ações.
[...]
A União tem, e continuará a ter após a conclusão da Oferta Global, poderes para, dentre
outros, eleger a maioria dos membros do nosso conselho de administração e decidir
sobre quaisquer questões que sejam de competência dos nossos acionistas, incluindo
reorganizações societárias, cancelamento do nosso registro de companhia aberta,
alienação de nossas subsidiárias e montante e momento para distribuição dos dividendos
e/ou juros sobre capital próprio aos nossos acionistas, ressalvadas as exigências de
dividendo mínimo obrigatório, de acordo com nosso estatuto social. Os interesses da
União poderão ser divergentes ou conflitantes com os interesses dos nossos outros
acionistas, inclusive para orientar os nossos negócios com o fim de atender ao interesse
público que justificou a nossa criação, nos termos da Lei das Sociedades por Ações
(PETROBRAS, 2010a, P. 57).
Com isso, enquanto titular do controle das sociedades de economia mista, o Estado,
ao perseguir fins públicos delimitados pelo objeto social da companhia, não pode ser compelido a
recompor as perdas materiais dos acionistas minoritários; portanto, não existe qualquer ilicitude
do Poder Público ao agir dentro da prerrogativa intrínseca à criação da sociedade de economia
mista, qual seja, o interesse público que lhe deu causa (BONFIM, 2011).
Mesmo levando em consideração, que, devido às tantas ações societárias e a
complexidade das relações jurídicas com elas estabelecidas, o controle não necessariamente exige
a exclusividade de poder numa empresa - em razão de poder ser identificado justamente como um
feixe de relações jurídicas -, mecanismos capazes de garantir a manutenção do interesse público
que motivou a criação das sociedades de economia mista são indispensáveis (SALOMÃO
FILHO, 1998).
Nas palavras de Ribeiro, Alves e Chede (2005, p. 63-64):
[...] hoje a ideia de controle não se limita à titularidade da maior parte das ações com
direito a voto, nem tão pouco ao efetivo exercício do poder de deliberação, uma vez que
o condicionamento da aprovação de determinados temas numa sociedade ao poder de
veto de parte do acionista ou à exigência de quorum mais elevado faz sentir a existência
de uma outra forma de controle, até mesmo por parte da minoria.
[...]
Portanto, o poder de controle não deve ser tido como absoluto, nem mesmo na sociedade
estatal, existindo mecanismos capazes de garantir a manutenção do interesse público que
motivou a criação da sociedade de economia mista, ainda que se opte pela busca de um
parceiro estratégico e elaboração de um acordo de acionistas.
Apesar da ressalva, pode-se concluir que a exigência de detenção, pelo Estado, da
maioria do capital votante das sociedades de economia mista viabiliza sua supremacia na gestão
157
da empresa, possibilitando o atendimento de sua incumbência do dever-poder de assegurar o
funcionamento da companhia orientado para o cumprimento do interesse público que justificou
sua criação e organização (BONFIM, 2011).
5.4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Petrobras foi criada em 1953, sob a forma de uma Sociedade de Economia Mista;
tipo societário em que se verifica a associação de capital estatal e privado. Além das sociedades
de economia mista, as empresas estatais podem ser classificadas, quanto à constituição de capital,
como empresas públicas, cujo capital é composto apenas por recursos públicos. Quanto à
atividade exercida, as empresas estatais podem ser classificadas como prestadoras de serviço
público e como exploradoras de atividade econômica em sentido estrito.
A execução das atividades econômicas em sentido estrito cabe, preferencialmente,
aos particulares, enquanto ao Estado cabe, prioritariamente, a prestação de serviços públicos.
Porém, da mesma forma que, quando permitido pela constituição, particulares atuam em algumas
atividades assumidas pelo Estado, o setor público exerce atividades reservadas ao setor privado.A
justificativa para atuação estatal nas atividades econômicas em sentido estrito é a necessidade de
atender aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo.
Nesse sentido, uma sociedade de economia mista, apesar de se constituir sob a forma
de S.A., tendo seu capital dividido entre recursos de origem pública e privada, com a quantidade
majoritária das ações com direito a voto de origem pública, deve orientar suas atividades de
forma a atender ao interesse público que justificou sua criação. Ou seja, sob pena de incorrer em
ilegalidade e inconstitucionalidade - pela sua intromissão em área reservada ao setor privado -, o
Estado não pode deixar de atender às exigências do interesse público.
Contudo, a presença de capitais privados demanda, do ente público controlador, uma
posição mais atenta no que se refere à rentabilidade do empreendimento. Ainda que o interesse
particular não deva ser priorizado, a garantia de um excedente contábil a ser distribuído aos
acionistas deve ser harmonizada com o interesse público, já que os particulares que se associam
ao Estado o fazem com o intuito lucrativo.
Não perdendo de vista a justificativa para atuação estatal em atividades econômicas
em sentido estrito, o potencial conflito entre a missão pública e a lucratividade nas sociedades de
158
economia mista precisa ser atenuado. Duas maneiras pelas quais esses conflitos podem ser
atenuados são:
(i) com uma distribuição de dividendos suficiente para evitar reclamações em grande
número de acionistas, para atração de capital adicional necessário e, de modo geral, para
formação ou manutenção da reputação da firma como um bom investimento.
(ii) com o prévio conhecimento dos investidores privados quanto ao caráter das
sociedades de economia mista. Ou seja, os acionistas minoritários concordam em concorrer
financeiramente para o desenvolvimento de uma atividade econômica sabendo que o controle
majoritário pertence ao Estado, e que a este cabe o atendimento do interesse público.
Ciente da possibilidade de existência de conflito de interesses, a Petrobras S.A., em
2010, quando do lançamento do prospecto definitivo para capitalização, além de alertar para a
possibilidade de redução do preço de mercado de suas ações e perda de todo ou parte do
investimento dos seus acionistas, ressalta que, com a finalidade de atender ao interesse público
que justificou sua criação, haveria a possibilidade dos interesses da União serem divergentes ou
conflitantes com os dos outros acionistas.
159
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A evolução dos indicadores operacionais, econômicos e financeiros da Petrobras,
discutida no primeiro capítulo, tem sido objeto de intensos debates nos últimos anos. Todos os
indicadores econômicos e financeiros, nos anos de 2006 à 2013 - liquidez, rentabilidade,
endividamento e geração de caixa -, apresentaram deterioração. Quanto aos principais
indicadores operacionais para empresas atuantes na exploração e produção de petróleo e gás
natural, apesar de se observar uma consistência nas séries de reservas provadas e de reserva sobre
produção, o indicador de reposição das reservas apresentou uma tendência declinante.
As agências de ratings têm apontado como fatores determinantes para a deterioração
dos referidos indicadores e, conseqüentemente, redução dos dividendos distribuídos aos
acionistas e do valor de mercado, o agressivo programa de investimentos da Petrobras e sua
exposição à interferência política local. A interferência política tem influenciado seu déficit
comercial atual, devido a crescente necessidade de importar produtos refinados, vendidos a
preços abaixo da sua paridade internacional, e dificultado o atendimento de suas metas de
produção, em função do nível de equipamentos críticos necessários para exploração e produção
das áreas do pré-sal e a exigência de cumprimento das metas de conteúdo local.
O objetivo geral da tese foi, justamente, analisar porque a interferência política local,
especificamente a política de conteúdo local - implementada para o desenvolvimento da Indústria
Para-Petrolífera (IPP) brasileira -, está na contramão da perspectiva de maximização do valor
para os acionistas da Petrobras, mas, não do escopo de atuação de uma empresa com sua natureza
jurídica. Para atender a este objetivo, discutiu-se, inicialmente, no segundo capítulo, a relação
existente entre esse princípio e a firma inovadora.
A lógica de maximização do valor para o acionista está amparada no princípio de
governança corporativa denominado “reduzir e distribuir” - o tamanho das empresas é reduzido,
com corte, inclusive, de força de trabalho, e o fluxo de caixa livre distribuído para os acionistas.
Essa lógica se justifica pelo fato dos acionistas, entre todos os stakeholders, serem os únicos que
não possuem direitos contratuais garantidos; seu retorno, caso haja, depende do que sobra depois
de terem sido pagas, às partes, suas contribuições produtivas. Dessa maneira, os acionistas são os
únicos com interesse em monitorar os gerentes, para assegurar que estes aloquem recursos da
forma mais eficiente possível.
161
Sob esta lógica, desempenho econômico superior, na perspectiva de Lazonick (2006),
não necessariamente resulta em inovação. Como o investimento em inovação envolve um
confronto estratégico com a incerteza tecnológica, de mercado e competitiva, os acionistas
públicos não desempenham papel algum no processo inovativo. Com a finalidade de minimizar o
risco, os shareholders diversificam seus investimentos, não dispondo de tempo e/ou esforço para
analisar as capacidades inovadoras das empresas cujas ações são titulares. É nesse sentido que se
argumenta que o princípio de maximização do valor para o acionista ajuda a legitimar a
predominância da visão de mercado de capital da firma em detrimento da visão industrial.
É a partir deste argumento que se analisa, nos capítulos três e quatro, se a política de
conteúdo local, implementada pelo governo brasileiro para o desenvolvimento da IPP nacional,
estaria na contramão da perspectiva de maximização do valor para os acionistas da Petrobras.
A Petrobras, desde sua criação, em 1953, até início da década de 1990, encampou as
diretrizes políticas do Estado brasileiro, centradas no desenvolvimento da indústria doméstica, a
partir do direcionamento de suas compras. Com isto, a estatal buscava, inclusive, a capacitação
dos fornecedores nacionais do ponto de vista tecnológico. Essa política enfrentou sérias
limitações, em função destes fornecedores se restringirem, quase sempre, a receber e aplicar
conceitos desenvolvidos na Petrobras, o que tornou a IPP brasileira pouco competitiva e
dependente de um mercado doméstico protegido.
Na década de 1990, quando os programas de nacionalização perderam força e o
discurso governamental se voltou à competitividade e exposição da indústria nacional à
concorrência estrangeira - em 1997 o governo brasileiro determina o fim do monopólio da
Petrobras na atividade petrolífera do país -, a situação dos fornecedores domésticos de
equipamentos e serviços piorou. Nessa nova trajetória, pouca atenção foi dada à capacitação
tecnológica destes fornecedores, fazendo com que os poucos ativos tecnológicos adquiridos
fossem perdidos.
A preocupação do Estado brasileiro com o destino da indústria e dos fornecedores
locais o fez incorporar índices de nacionalização nos critérios para seleção dos leilões de áreas de
exploração e produção de petróleo e gás natural. Esses critérios se fizeram presentes desde o
processo de licitação dos primeiros blocos exploratórios, na Rodada 1, em 1999. Porém, é apenas
na Rodada 4, em 2003, que a ANP fixa um nível mínimo de conteúdo local, a ser observado pelo
concessionário, na Fase de Exploração e na Etapa de Desenvolvimento.
162
Portanto, a política de conteúdo local no setor de petróleo e gás natural brasileiro,
construída ao longo da última década por meio de cláusulas nos contratos de concessão e de
resoluções da ANP, teve como referência o modelo de exploração e produção criado pela Lei
9.478/97, que pôs fim ao monopólio estatal neste setor. Com o fim do monopólio, a participação
de empresas brasileiras no suprimento de equipamentos e insumos para a exploração, produção e
refino de petróleo e gás no país, que decorria da política de compras da Petrobras, refletindo
objetivos e estratégias desta corporação, assim como orientações vindas do governo, passou a ser
assegurada pela imposição aos investidores privados de participação relevante dos fornecedores
locais no suprimento da demanda de bens e serviços.
Em 2010, o modelo de exploração e produção de petróleo e gás natural, criado pela
lei 9.478/97, foi parcialmente abandonado. Isto se deu a partir do entendimento de que o
panorama, quando da introdução do sistema de concessão, era diferente daquele que se
apresentava com o anúncio, em 2007, da existência de uma nova realidade geológica para a
indústria petrolífera brasileira e internacional (de baixo risco exploratório, de campos gigantes e
de mudança do preço do petróleo). Com o estabelecimento do novo marco regulatório, o
monopólio da Petrobras foi restituído para as atividades desenvolvidas na área do pré-sal e em
áreas estratégicas. A companhiapassaria a ser operadora de todos os blocos licitados,
respondendo pelo cumprimento da exigência de conteúdo local fixada no contrato de partilha da
produção; encampando, ainda mais, o desenvolvimento da indústria para-petrolífera brasileira.
Porém, o contexto internacionalizado da IPP, a alta especialização das muitas
empresas que atuam nesse segmento e o elevado marketshare das empresas líderes em cada
segmento, aliado a baixa capacitação tecnológica da IPP nacional, com atuação nos segmentos de
menor complexidade tecnológica, e o audacioso programa de investimento da Petrobras, que
impõe uma resposta rápida da IPP nacional às demandas desta companhia, colocam sérias
dificuldades para o sucesso de uma política de conteúdo local. Sendo o sucesso avaliado a partir
da efetividade da política na capacitação dos fornecedores nacionais de maneira a torná-los
competitivos no mercado global.
As empresas para-petrolíferas brasileiras apresentam como principal fragilidade, até
hoje, a baixa capacitação tecnológica; no geral, licenciadoras de tecnologias de empresas líderes
internacionais, quando não uma filial de empresa multinacional. As empresas nacionais ocupam
163
os setores de menor complexidade tecnológica, deixando, até mesmo, os projetos de engenharia
básica para serem executados por empresas internacionais.
A opção pela geração de capacidade própria, que exige tempo e está submetida a
natureza incerta do processo inovativo, terá, pelo menos inicialmente, um custo. Pois, a curva de
aprendizado ligada a essa opção de política leva, invariavelmente, a atrasos que implicam, quase
automaticamente, aumento dos custos; com risco, inclusive, de pagamento de multas pelo não
cumprimento dos compromissos de conteúdo local.
Nesse sentido, com vista no audacioso programa de investimento da Petrobras,
previsto no seu PNG (2014-2018), a hipótese de que a política de conteúdo local, adotada pelo
governo brasileiro para o desenvolvimento de uma IPP nacional, está na contramão da
perspectiva de maximização de valor para os acionistas desta companhias e confirma. Primeiro,
pela esperada elevação de custos, dada a obrigação de adquirir insumos com maior preço e,
eventualmente, menor qualidade e prazos de entrega superiores. Segundo, pela incerteza
relacionada à possibilidade dessa modalidade de política promover, adequadamente, ganhos de
competitividade suficiente para ampliar a capacidade de inovar e reduzir, no futuro, os custos dos
fornecedores e, por conseguinte, da Petrobras.
E o que falar sobre a relação entre a natureza jurídica da Petrobras e sua função
objetivo? Será que a maximização do valor para o acionista poderia ser uma boa medida de seu
desempenho? Esta foi a discussão do quinto capítulo.
A Petrobras, constituindo-se juridicamente na forma de uma sociedade de economia
mista - tem seu capital dividido entre recursos de origem pública e privada, com a quantidade
majoritária das ações com direito a voto de origem pública -, deve orientar suas atividades de
forma a atender ao interesse público que justificou sua criação. Ou seja, sob pena de incorrer em
ilegalidade e inconstitucionalidade - pela sua intromissão em área reservada ao setor privado -, o
Estado não deve deixar de atender às exigências do interesse público que justificou a criação da
sociedade.
Apesar da presença de capitais privados demandar, do ente público controlador, uma
posição mais atenta no que se refere à rentabilidade do empreendimento, o interesse particular
não deve ser priorizado em detrimento do interesse público. Portanto, o atendimento ao princípio
da maximização do valor para o acionista, em sentido estrito, não deve se constituir como a
função objetivo de uma empresa com a natureza jurídica da Petrobras.
164
Da mesma forma que o interesse particular não deve ser priorizado, o interesse
público do Estado, interesse público secundário, também não. Como qualquer outro sujeito de
direito, o Estado tem interesses que lhes são particulares, porém, apenas poderá os defender
quando não conflitarem com os interesses públicos propriamente ditos, o interesse público
primário. As empresas estatais não são instituídas para satisfação da vontade de governos
transitórios, mas para o atendimento dos interesses permanentes do Estado.
Apesar do exposto não resolver a ambigüidade sobre qual deve ser a função objetivo
da Petrobras - justamente pela dificuldade em se definir de forma precisa o que venha ser
interesse privado, interesse público, interesse público primário e interesse público secundário -,
pode-se concluir que, dada a natureza jurídica desta companhia, sua utilização para encampar o
desenvolvimento da indústria para-petrolífera brasileira, por meio do direcionamento de suas
compras, ao gerar emprego e renda, justifica-se. Porém, para dotar a economia brasileira de uma
performance econômica superiornão basta transferir valor dos acionistas para os trabalhadores,
fornecedores, ou para quem quer que seja. É preciso criar novo valor, ou seja, formatar uma
política efetiva o suficiente para capacitar os fornecedores locais para competir no mercado
global.
Pois, da mesma forma que atender a perspectiva de maximização do valor para os
acionistas em sentido estrito não deve se constituir na função objetivo da Petrobras, subsidiar
indeterminadamenteempresas ineficientes também não. Ciente da dificuldade de implementação
de subsídios, Rodrick (2004) recomenda a utilização da estratégia do carrot-and-stick. Ou seja,
para garantir a não perpetuação de erros e eliminação de maus projetos, as atividades subsidiadas
devem estar sujeitas a requerimentos de performance (por exemplo, um requerimento de
exportação), assim como o seu uso deve ser rigorosamente monitorado. A utilização de forma
demasiada do carrot com pouco do stick pode ensejar ineficiência industrial.
Com o exposto, confirma-se a hipótese de que a política de conteúdo local está na
contramão da perspectiva de maximização de valor para os acionistas da Petrobras, mas não do
escopo de atuação de uma empresa com a sua natureza jurídica. A questão que se coloca, para
novas incursões ao tema, é qual será a estratégia de financiamento do plano de expansão da
companhia, previsto em seu PNG (2014-2018), caso esta perspectiva continue não sendo
atendida. Isto porque é esta a lógica que rege as agências de ratings na determinação do grau de
165
investimento corporativo, e, por conseguinte, os investidores internacionais e as instituições
financeiras na determinação de seus spreads.
Sobre a questão supracitada, a OCDE (2007) adverte para as dificuldades impostas às
estatais, quando estas empreendem estratégias ambiciosas sem identificar e avaliar devidamente
os riscos relacionados à adoção destas. A divulgação de fatores de risco, num contexto de
indústrias recentemente desregulamentadas e cada vez mais internacionalizadas, onde se enfrenta
uma série de novos riscos, tais como políticos e operacionais, é particularmente importante. A
inadequada informação sobre estes fatores enseja uma falsa representação da situação financeira
e do desempenho global, o que, por sua vez, pode levar a decisões estratégicas inadequadas e
perdas financeiras inesperadas às estatais.
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