LEONARDO BISPO DE JESUS JUNIOR Petrobras, intervenção governamental e maximização do valor para o acionista: uma sugestão de interpretação Campinas 2015 i UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA LEONARDO BISPO DE JESUS JUNIOR Petrobras, intervenção governamental e maximização do valor para o acionista: uma sugestão de interpretação Prof. Dr. Fernando Sarti– Orientador Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas, área de concentração: Teoria Econômica, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de doutor em Ciências Econômicas, na área de concentração: Teoria Econômica. iii iv TESE DE DOUTORADO LEONARDO BISPO DE JESUS JUNIOR Petrobras, intervenção governamental e maximização do valor para o acionista: uma sugestão de interpretação Defendida em 27/02/2015 v RESUMO A Petrobras é, indiscutivelmente, o grupo empresarial de maior relevância no Brasil em termos de investimentos diretos e indiretos. Porém, nos últimos anos, a delicada situação econômicofinanceira da companhia, evidenciada na forte perda de valor no mercado acionário e na reduzida lucratividade, vem se acentuando e determinando o rebaixamento e a previsão de deterioração de suas métricas de crédito pelas agências de rating. Estas agências têm apontado como fatores determinantes para a referida situação o agressivo programa de investimentos da empresa e sua exposição à interferência política local, evidenciada no represamento dos preços dos produtos refinados e na exigência de cumprimento de metas de conteúdo local. As metas de conteúdo local nos critérios para seleção dos leilões de áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural foram incorporadas devido à preocupação da ANP com o destino da indústria e dos fornecedores locais, após o fim do monopólio da Petrobras. Esses critérios se fizeram presentes desde o processo de licitação dos primeiros blocos exploratórios, na Rodada 1, em 1999, porém, é apenas na Rodada 4, em 2003, que a ANP fixa um nível mínimo de conteúdo local a ser observado pelo concessionário, na Fase de Exploração e na Etapa de Desenvolvimento. Considerando esse pano de fundo, o objetivo geral da tese é analisar por que a intervenção governamental, especificamente a política de conteúdo local implementada para o desenvolvimento da Indústria Para-Petrolífera brasileira, está na contramão da perspectiva de maximização de valor para os acionistas da Petrobras, mas não do escopo de atuação de uma empresa com a sua natureza jurídica. A principal conclusão é que a ineficiência gerada pelo direcionamento das aquisições da Petrobras, com a política de conteúdo local, é inconsistente com a dinâmica de acumulação das grandes corporações, num contexto de forte globalização financeira e produtiva em que impera a lógica curto prazista da maximização do valor para o acionista. Mas, não é inconsistente com o escopo de atuação de uma empresa com a natureza jurídica da Petrobras, cuja criação se justifica, apenas, pela necessidade de atender aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo. Palavras Chaves: Petrobras; Intervenção Governamental; Política de Conteúdo Local; Maximização do Valor para o Acionista; Teoria dos Stakeholders. vii ABSTRACT Petrobras is arguably the most relevant business group in Brazil in terms of direct and indirect investments. However, in recent years, the delicate financial position of the company, evidenced in the strong loss of value in the stock market and reduced profitability has been increasing and determining relegation and the prediction of deterioration of credit metrics for the rating agencies. These agencies have identified as crucial to the situation the aggressive investment program of the company and its exposure to local political interference, evidenced in damming the price of refined products and the requirement of targeted local content. The goals of local content on the criteria for selection of auctions areas of exploration and production of oil and gas is incorporated due to concern of the ANP about the fate of industry and local suppliers, with the end of Petrobras' monopoly. These criteria were present from the bidding process of the first exploratory blocks in Round 1, 1999, however, is only in Round 4, in 2003, the ANP sets a minimum level of local content to be noticed by the dealer in Exploration Phase and Development Phase. Considering this background, the overall aim of the thesis is to analyze why the government intervention, specifically the local content policy implemented for the development of national suppliers of goods and services to the oil and gas industry, is counter to the perspective of maximization shareholder value Petrobras, but not of the scope of operations of a company with its legal nature. The main conclusion is that the inefficiency generated by directing of the acquisitions of Petrobras, with local content policy is inconsistent with the dynamics of accumulation of large corporations in a context of strong productive and financial globalization, in which prevailing the short-term logic of maximization of shareholder value. But, is not inconsistent with the scope of activity of a company with the legal nature of Petrobras, whose creation is only justified by the need to meet the imperatives of national security or the relevant collective interest. Key words: Petrobras; Government intervention; Local Content Policy; Maximization Shareholder Value; Stakeholders theory. ix SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................. 1 1 1.1 1.2 1.3 1.4 PETROBRAS: ALGUNS FATOS ESTILIZADOS ................................................................................... 5 EVOLUÇÃO DOS INDICADORES OPERACIONAIS, ECONÔMICOS E FINANCEIROS .................... 5 RESPOSTA DO MERCADO DE AÇÕES .................................................................................................. 17 IMPACTO NO CREDIT RATING DA PETROBRAS ................................................................................. 21 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................................... 29 2 MAXIMIZAÇÃO DO VALOR PARA O ACIONISTA, FIRMA INOVADORA E PERFORMANCE ECONÔMICA............................................................................................................................................. 31 2.1 GOVERNANÇA CORPORATIVA SOB A ÉGIDE DA MAXIMIZAÇÃO DO VALOR PARA O ACIONISTA ................................................................................................................................................. 32 2.1.1 A origem do princípio de maximização do valor para o acionista .......................................................... 32 2.1.2 Por que maximizar valor para o acionista? .............................................................................................. 36 2.2 FIRMA MAXIMIZADORA X FIRMA INOVADORA .............................................................................. 46 2.3 CONDIÇÕES SOCIAIS DA EMPRESA INOVADORA E PERFORMANCE ECONÔMICA ................. 50 2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................ 60 3 3.1 3.2 3.3 3.4 AS INDÚSTRIAS PETROLÍFERA E PARA-PETROLÍFERA: UMA CARACTERIZAÇÃO GERAL ........................................................................................................................................................ 63 A INDÚSTRIA PETROLÍFERA (IP) .......................................................................................................... 63 A INDÚSTRIA PARA-PETROLÍFERA (IPP) ............................................................................................ 82 INTERVENÇÃO GOVERNAMENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA INDÚSTRIA PARA-PETROLÍFERA NACIONAL .......................................................................................................... 93 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................ 96 4 PETROBRAS E A INDÚSTRIA PARA-PETROLÍFERA NACIONAL ............................................ 101 4.1 PETROBRAS E A IPP NACIONAL: PERÍODO PRÉ-LIBERALIZAÇÃO ECONÔMICA .................... 101 4.2 PETROBRAS E A IPP NACIONAL: PERÍODO LOGO APÓS LIBERALIZAÇÃO ECONÔMICA ..... 109 4.3 POLÍTICA DE CONTEÚDO LOCAL PARA FORTALECIMENTO DA IPP ......................................... 118 4.3.1 Evolução da exigência de conteúdo local ................................................................................................. 119 4.3.2 Consequências do não cumprimento do compromisso de conteúdo local ............................................ 124 4.3.3 Política de conteúdo local no contexto da lei do pré-sal......................................................................... 126 4.4 PROMINP E A COMPETITIVIDADE DA IPP BRASILEIRA ................................................................ 131 4.4.1 PROMINP ................................................................................................................................................. 131 4.4.2 Competitividade da IPP brasileira .......................................................................................................... 134 4.5 CONSIDERAÇÕE FINAIS ....................................................................................................................... 139 5 5.1 5.2 5.3 5.4 PETROBRAS: NATUREZA JURÍDICA, GOVERNANÇA CORPORATIVA E DESEMPENHO 141 PETROBRAS: NATUREZA JURÍDICA................................................................................................... 143 PETROBRAS: NATUREZA JURÍDICA E GOVERNANÇA CORPORATIVA ..................................... 148 PETROBRAS: NATUREZA JURÍDICA, GOVERNANÇA CORPORATIVA E DESEMPENHO......... 152 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................................... 158 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................... 161 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 167 xi AGRADECIMENTOS A concretização deste trabalho se deve, além do esforço pessoal, as colaborações institucionais e de um grupo de pessoas. Ao professor Fernando Sarti, agradeço pela orientação. Suas contribuições foram de fundamental importância na concepção e concretização deste trabalho. Foi na disciplina ministrada por este, juntamente com o professor Célio Hiratuka – Estratégias e dinâmica de acumulação das grandes corporações no capitalismo contemporâneo – que reuni o aporte teórico necessário para confecção da tese. Aos professores Renato de Castro Garcia e Célio Hiratuka que, além do professor Fernando Sarti, participaram da minha banca de qualificação. Os elementos que faltavam para fechamento da tese foram apontados por estes. Ao professor Hamilton de Moura Ferreira Júnior, meu principal interlocutor em Salvador-Ba e coordenador da Unidade de Estudos Setoriais (UNES-FE/UFBA), onde boa parte deste trabalho foi escrito. A este devo, além do estímulo, a ampla disponibilidade para discussões. Aliás, algumas das versões preliminares deste trabalho foram apresentadas e discutidas nas disciplinas sob sua responsabilidade no Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE),da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ao professor Adilson de Oliveira, convidado para esta banca não por acaso. O projeto apresentado na seleção para o Doutorado na Unicamp foi concebido durante minha participação no projeto Política Tecnológica para a Indústria de Petróleo e Gás Natural, sob sua coordenação geral.Do projeto para Tese muito mudou. À todos os professores da Unicamp, em especial ao Fracalanza, ao José Maria, ao José Carlos Braga, à Simone De Deos, à Ana Rosa, à Adriana Nunes, ao Júlio Gomes, ao David Dequech, ao Rodolfo Hoffman, ao Ricardo Carneiro... Enfim, a tese nasceu neste Instituto. Aos funcionários do Instituto de Economia, que sempre se mostraram prestativos quando solicitados. Nesse quesito um agradecimento especial à Lorenza Bertoldo, à Fátima Dias e à Geisa Aguiari. Aos amigos do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Economia da Unicamp pelos importantes momentos de descontração. Essências para suportar a saudade de casa. xiii Aos amigos da Faculdade de Economia da UFBA e da UNES e aos professores do PPGE-UFBA. Muitos foram essencialmente importantes; seja ouvindo, lendo, discutindo ou fazendo recomendações. Aos meus pais, Leonardo (in memoriam) e Neide e,minha irmã, Priscila, pela convivência, dedicação e apoio nessa difícil trajetória. À Tatiane, pela compreensão e paciência com a distância. À Breno, pelo estímulo a prosseguir. Muito obrigado! À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro concedido. xiv LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Defasagem média dos preços da gasolina – paridade de importação. ....................... 8 Figura 2 - Preços de gasolina ao consumidor, sem tributos (US$/litro): Brasil x OCDE. ......... 9 Figura 3 - Preços de diesel ao consumidor, sem tributos (US$/litro): Brasil x OCDE. ............. 9 Figura 4 - Investimento em P&D da Petrobras – 2006-2013 (em US$ milhões). .................... 11 Figura 5 - Análise da financiabilidade (PNG: 2014-2018)....................................................... 12 Figura 6 – Investimento PNG2014-2018.................................................................................. 12 Figura 7 - Investimentos da Petrobras em Exploração e Produção. ......................................... 13 Figura 8 - Exploração e Produção (2006-2013) - mil barris/dia (petróleo e LGN e gás natural). .................................................................................................................................................. 16 Figura 9 - Dividendos pagos por ações (em R$) pela Petrobras 2006 – 2013. ........................ 17 Figura 10 - Ação Petrobras (PETR4.SA) x índice AMEXOil(^XOI) – jan 2006 a mar 2014. 18 Figura 11 - Valor de mercado da Petrobras e patrimônio líquido (2006-2013). ...................... 18 Figura 12 - Referência das agências de rating para classificação de risco............................... 22 Figura 13 - Rating Petrobras e PIFCO versus rating soberano (Moody’s).............................. 26 Figura 14 - Rating Petrobras e PIFCO versus rating soberano(Standard & Poor’s). .............. 27 Figura 15 - Rating Petrobras e PIFCO versus rating soberano (Fitch). ................................... 28 Figura 16 - Cadeia de atividades da indústria de petróleo e gás natural. ................................. 60 Figura 17 - Estágios do investimento em um projeto petrolífero, custos das mudanças no projeto e capacidade de influir nos custos. ............................................................................... 62 Figura 18 - Consumo mundial e preços de petróleo entre 1965 e 2013. .................................. 73 Figura 19 - Investimentos, produção, preço do óleo cru e valor da produção (ano base 1978). .................................................................................................................................................. 74 Figura 20 - Caracterização da cadeia de fornecimento de bens e serviços offshore. ............... 83 Figura 21 - Fornecedores de serviços e equipamentos de E&P e suas receitas, em 2007. ....... 87 Figura 22 - Relação da Petrobras com o mercado fornecedor nacional. ................................ 107 Figura 23 - Conteúdo local médio relativo às etapas de exploração e desenvolvimento das propostas vencedoras nas dez rodadas de licitação. ............................................................... 116 Figura 24 - Estrutura de governança corporativa da Petrobras. ............................................. 143 xv LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Classificações deratings. ........................................................................................ 22 Quadro 2 - Principais empresas petrolíferas mundiais (2009). ................................................ 74 Quadro 3 - Classificação das empresas de serviços e equipamentos de E&P segundo a participação em cada um dos segmentos. ................................................................................. 87 Quadro 4 - Economias de escala e especialização da unidade fabril...................................... 136 Quadro 5 - Competitividade da indústria nacional de equipamentos. .................................... 137 xvii LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Evolução de indicadores financeiros do grupo Petrobras (valores constantes de dez/2012). ................................................................................................................................... 5 Tabela 2 - Lucro líquido e resultados por áreas de negócios da Petrobras, 2006-2013 (em R$ milhões, valores constantes dez/2012). ...................................................................................... 7 Tabela 3 - Investimentos do Grupo Petrobras por áreas de negócios, 2006-2013 (em R$ milhões, valores constantes dez/2012). .................................................................................... 10 Tabela 4 – ROIC por segmento de negócio. ............................................................................. 14 Tabela 5 - Endividamento consolidado (em R$ milhões, valores constantes dez/2012). ........ 15 Tabela 6 - Evolução dos principais indicadores operacionais da Petrobras. ............................ 16 Tabela 7 -Evolução no ranking das companhias petrolíferas listadas entre as cem maiores do mundo. ...................................................................................................................................... 21 Tabela 8 - Empresas líderes da IP (PIW 2013) – participação estatal (%). .............................. 75 Tabela 9- A importância relativa das principais empresas na IMP (2013). ............................. 76 Tabela 10 - Comparação entre grandes grupos petrolíferos e para-petrolíferos: receita total (US$ bilhões), lucros (US$ milhões) e número de empregados (2013). .................................. 84 Tabela 11 - Metas globais de conteúdo local – rodada 7 à 10. ............................................... 121 Tabela 12 - Petrobras, composição do capital social. ............................................................. 142 xix LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABDIB ABIMAQ ABRAPET ADR ANM-H ANP BCSS BEP BNDES BOVESPA CBIE CENPES CGPAR CMN CNPE CNRS CTPetro DEST E&P EBITDA ENA EPC F&A FFO HEM IBP IMP IOCs IP IPGN IPO IPP ISI JIPs LAJIDA LDA MF MME MPOG NEBM NOCs NYSE Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos Associação Brasileira dos Perfuradores de Petróleo American Depositary Receipts Árvore de Natal Molhada Horizontal Agência Nacional do Petróleo Bomba Centrífuga Submersível Barris Equivalentes de Petróleo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Bolsa de Valores de São Paulo Centro Brasileiro de Infraestrutura Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União Conselho Monetário Nacional Conselho Nacional de Política Energética Centre Nationale de Recherche Scientifique Fundo Setorial do Petróleo Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais Exploração e Produção Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization École National d’Administration Engineering, Procurement and Construction Fusões e Aquisições Funds From Operations Hipótese da Eficiência de Mercado Instituto Brasileiro do Petróleo Indústria Mundial do Petróleo International Oil Companies Indústria Petrolífera Indústria de Petróleo e Gás Natural Initial Public Offering Indústria Para-Petrolífera Industrialização por Substituição de Importações Joint Industry Projects Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização Lâmina D’água Ministério da Fazenda Ministério de Minas e Energia Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão New Economy Business Model National Oil Companies New York Stock Exchange xxi OCDE OEBM ON ONIP OPEP P&D P&G P,D&EB PETROBRAS S.A. PIW PN PNDs PNG PPSA PROCAP PROMINP PROSAL PSC R/P REPETRO ROIC S.A. SEC SERMAT SMS SPF STN TICs TLD VASP Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico Old Economy Business Model Ações Ordinárias Organização Nacional da Indústria do Petróleo Organização dos Países Exportadores de Petróleo Pesquisa e Desenvolvimento Petróleo e Gás Natural Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia Básica Petróleo Brasileiro S. A. Petroleum Intelligence Weekly Ações Preferenciais Planos Nacionais de Desenvolvimento Plano de Negócio e Gestão Pré-Sal Petróleo S/A Programa de Capacitação Tecnológica para Águas Profundas Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo e Gás Natural Programa Tecnológico para o Desenvolvimento da Produção dos Reservatórios do Pré-Sal Production Sharing Contract Reserva/Produção Regime Aduaneiro Especial para a Indústria do Petróleo Return on Invested Capital Sociedade Anônima Securities and Exchange Comission Serviço de Materiais Saúde, Meio Ambiente e Segurança Sistema de Produção Flutuante Secretaria do Tesouro Nacional Tecnologias da Informação e Comunicação Teste de Longa Duração Sistema de Bombeamento e Separação Multifásica xxii INTRODUÇÃO A Petróleo Brasileiro S. A. (Petrobras S.A.), em termos de investimentos diretos e indiretos, é, indiscutivelmente, o grupo empresarial de maior relevância no Brasil, com expressivo potencial multiplicador para a economia como um todo. Com ações negociadas na Bolsa de Nova Yorque (ADRs), reservas de petróleo suficientes para os próximos quinze anos e capacidade tecnológica reconhecida internacionalmente, esta empresa se consolidou entre as cinco maiores petrolíferas com participação majoritária dos Estados Nacionais. Porém, nos últimos anos, a delicada situação econômico-financeira da Petrobras, que se evidencia na forte perda de valor no mercado acionário e na reduzida lucratividade, refletindo no corte de dividendos, tanto das ações ordinárias- ON (PETR3), quanto das ações preferenciaisPN (PETR4), vem se acentuando; determinando o rebaixamento e a previsão de deterioração de suas métricas de crédito pelas agências de rating. Estas agências de rating apontam como fatores determinantes para a referida situação: (i) seu agressivo programa de investimentos e (ii) sua exposição à interferência política local, que, têm (a) influenciado seu déficit comercial atual - dada a crescente necessidade de importar produtos refinados, vendidos a preços abaixo da sua paridade internacional -, e (b) dificultado o atendimento de suas metas de produção - dado o nível de equipamentos críticos necessários para exploração e produção nas áreas do pré-sal e a exigência de cumprimento das metas de conteúdo local. As discrepâncias entre preços internos e externos de combustíveis podem ser verificadas quando se comparam os preços da gasolina, com tributos, no Brasil e nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em dezembro de 2013, por exemplo, o preço da gasolina praticado no Brasil ficou acima apenas dos preços praticados nos Estados Unidos e no Canadá, sendo que a distância para os preços praticados no Canadá, entre os anos de 2008 e 2013, reduziu bastante. Já a exigência de cumprimento das metas de conteúdo local foi formatada com referência no modelo de exploração e produção, criado pela Lei 9.478/97, que pôs fim ao monopólio estatal neste setor. No período anterior à referida Lei, a participação de empresas brasileiras no suprimento de equipamentos e insumos para a exploração, produção e refino de petróleo e gás no país, decorria da política de compras da Petrobras, refletindo objetivos e estratégias desta corporação, assim como orientações vindas do governo. 1 Com o fim do monopólio, a participação de empresas brasileiras na oferta de bens e serviços para a atividade petrolífera no país passou a ser assegurada pela imposição aos investidores privados de participação relevante dos fornecedores locais. Esses critérios se fizeram presentes desde o processo de licitação dos primeiros blocos exploratórios, em 1999, mas, apenas em 2003 a Agência Nacional do Petróleo (ANP) fixa um nível mínimo de conteúdo local. Em 2010, com o estabelecimento de um novo marco regulatório, a companhia passa a ser operadora de todos os blocos licitados, respondendo pelo cumprimento da exigência de conteúdo local fixada no contrato de partilha da produção. Caso se tratasse de uma empresa privada, o desempenho apresentado pela Petrobras nos últimos anos resultaria, muito provavelmente, em alterações e correções em sua rota e/ou direção. Porém, sua natureza híbrida – listada em bolsa de valores e de economia mista – garantea peculiaridade e diferenciação frente a outras companhias de capital aberto, também sujeitas à governança de mercado. Nas palavras de Barbosa (2013), além de satisfazer as exigências de um mercado de capitais que lhe cobra racionalidade, eficiência e lucratividade, a empresa deve, ao mesmo tempo, conviver com as imposições de seu acionista majoritário, a União. Considerando esse pano de fundo, e tendo ciência dos múltiplos e diversos fatores que podem explicar a piora nos fundamentos da Petrobras, assim como os diferentes momentos em que cada um desses fatores pode ter atuado de forma mais ou menos intensa nesse processo, o objetivo geral da tese é analisar por que a intervenção governamental, especificamente a política industrial implementada para o desenvolvimento da Indústria Para-Petrolífera (IPP) brasileira, está na contramão da perspectiva de maximazação de valor para os acionistas da Petrobras, mas não do escopo de atuação de uma empresa com a sua natureza jurídica. Além do objetivo geral, pretende-se atender, ainda, aos seguintes objetivos específicos: (i) analisar a relação existente entre o princípio de maximização do valor para o acionista e a firma inovativa; (ii) discutir a formatação da indústria petrolífera (IP) e da IPP mundiais; (iii) descrever a relação da Petrobras com a IPP; e (iv) discutir a natureza jurídica da Petrobras e a implicação desta em sua função objetivo. A hipótese aqui sustentada é que a ineficiência gerada pelo direcionamento das aquisições da Petrobras, com a política de conteúdo local - adotada pelo governo brasileiro para o desenvolvimento de uma indústria para-petrolífera nacional -, é inconsistente com a dinâmica de acumulação das grandes corporações, num contexto de forte globalização financeira e produtiva, 2 em que impera a lógica curto prazista da maximização do valor para o acionista. Mas, não é inconsistente com o escopo de atuação de uma empresa com a natureza jurídica da Petrobras, cuja criação se justifica, apenas, pela necessidade de atender aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo. Para atender aos objetivos propostos, a tese foi dividida em cinco capítulos, não incluindo a introdução e a conclusão. O primeiro capítulo apresenta a delicada situação econômico-financeira vivida pela Petrobras nos últimos anos (2006 - 2013), analisando qual parte desta situação pode ser atribuída à interferência política local. Ele está dividido em quatro seções, a saber: a seção 1.1 mostra a evolução dos indicadores operacionais, econômicos e financeiros da companhia; a seção 1.2 apresenta a resposta do mercado de ações frente aos indicadores apresentados na seção anterior; a seção 1.3 discute como as agências de credit rating têm avaliado a situação econômico-financeira da Petrobras; e a seção 1.4 traz as considerações finais. No segundo capítulo, dividido em quatro seções, apresenta-se o arcabouço teórico utilizado como base para análise das questões tratadas na tese. Na seção 2.1 se introduz a discussão sobre o princípio de maximização do valor para o acionista. Na seção 2.2 analisa-se esse princípio e sua relação com a firma inovativa. Na seção 2.3 discute-se como a diferença nas condições sociais da empresa inovadora implica em distintas performances econômicas. Na seção 2.4 são apresentadas as considerações finais. No capítulo três, dividido em quatro seções, são descritas as principais características da IP e da IPP, com o intuito de analisar como a estrutura destas indústrias impacta na formatação de uma política efetiva de conteúdo nacional. A seção 3.1 apresenta a IP mundial; suas características centrais, agentes e dinâmica de investimento. Na seção 3.2, a IPP é apresentada, juntamente com a relação que esta mantém com a IP e a interferência desta última na dinâmica de concorrência da IPP. Na seção 3.3 discute-se o papel desempenhado pela intervenção governamental no desenvolvimento das indústrias para-petrolíferas nacionais, para, na seção 3.4, apresentarem-se as considerações finais. O quarto capítulo, dividido em cinco seções, descreve a história da Indústria de Petróleo e Gás Natural (IPGN) brasileira, com enfoque na relação da Petrobras com sua rede de fornecedores nacionais. Nas seções 4.1 e 4.2 esta relação é descrita para os períodos pré e logo após liberalização econômica, respectivamente. Na seção 4.3 analisa-se a política de conteúdo 3 local implementada pelo governo brasileiro para o fortalecimento de sua IPP. Na seção 4.4 descreve-se, sumariamente, o Programa de Mobilização para a Indústria de Petróleo e Gás Natural (PROMINP) e analisa-se a competitividade da IPP brasileira. Na seção 4.5 fazem-se as considerações finais. O quinto capítulo discute a implicação da natureza jurídica da Petrobras em sua função objetivo, com o propósito de verificar se a utilização desta empresa para encampar o desenvolvimento da indústria para-petrolífera brasileira é compatível com sua formatação jurídica. Este capítulo está dividido em quatro seções: a seção 5.1 descreve a formatação jurídica da Petrobras, para, nas seções 5.2 e 5.3, discutirem-se, respectivamente, as implicações desta formatação em sua governança corporativa e em sua função objetivo. Na seção 5.4 fazem-se as considerações finais. Por fim, são apresentadas as considerações finais da tese, além da proposição de uma agenda de pesquisa para as próximas incursões ao tema. 4 1 PETROBRAS: ALGUNS FATOS ESTILIZADOS A falta de liquidez no auge da crise de 2008/2009, as dificuldades na gestão operacional e de projetos, o maior endividamento e as políticas que prejudicam a rentabilidade dos negócios, segundo Barbosa (2013), explicam a delicada situação econômico-financeira vivida pela Petrobras nos últimos anos. O objetivo dessa seção é justamente alcançar uma visão detalhada sobre essa situação. 1.1 EVOLUÇÃO DOS INDICADORES OPERACIONAIS, ECONÔMICOS E FINANCEIROS1 A evolução recente dos indicadores econômicos e financeiros e operacionais da Petrobras tem sido objeto de intensos debates. Quanto à evolução dos indicadores financeiros, a Tabela 1, a seguir, apresenta quatro deles: liquidez, rentabilidade, endividamento e geração de caixa. Tabela 1 - Evolução de indicadores financeiros do grupo Petrobras (valores constantes de Dez/2012). Indicadores 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Liquidez Geral 0,80 0,69 0,56 0,56 0,69 0,61 0,50 0,41 76,94 47,50 63,57 40,96 46,86 45,64 24,91 22,03 ROIC (Lucro/Investimento) (%) Alavancagem (Endividamento/Lucro Líquido) (%) 2 179,81 184,74 190,81 346,18 329,29 469,81 936,66 1164,08 EBITDA 70.068 66.300 71.192 71.562 67.996 65.881 53.439 Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007). 59.453 Todos os indicadores apresentaram deterioração no período, com o EBITDA tendo uma pequena recuperação em 2013, quando comparado com 2012. Essa recuperação pode ser explicada pelos maiores preços de venda de combustíveis, pelo aumento significativo da produção de derivados, pelos resultados alcançados com a redução de custos e aumento da produtividade, assim como pelos ganhos obtidos com o programa de desinvestimentos (PETROBRAS, 2014b). 1 As tabelas utilizadas nesta seção foram baseadas em Barbosa (2013), o que não significa a não existência de discrepâncias entre as análises. 2 EBITDA (earnings before interest, taxes, depreciation, and amortization), sigla em inglês para lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (LAJIDA). 5 O indicador de rentabilidade – Return On Invested Capital (ROIC) - apresentou declínio significante entre os anos de 2006 e 2013, atribuído, entre outros fatores, a aspectos operacionais e de mercado, que se encontram na raiz desse desempenho, conforme salienta Barbosa (2013), a saber: (i) capitalização da empresa, que gerou novas obrigações de exploração; (ii) defasagem entre preços internos e externos de derivados de petróleo; (iii) elevados investimentos em refinarias; e (iv) políticas de conteúdo local mínimo. Para mensurar a evolução do endividamento da companhia vis-à-vis sua capacidade de liquidação, considera-se o indicador de alavancagem: proporção entre endividamento bruto total e o resultado (lucro) líquido a cada ano. Percebe-se que no período analisado houve uma deterioração desse indicador, evidenciando um crescimento acentuado da dívida ou uma brusca redução do lucro, ou, até mesmo, a combinação de ambos. No ano de 2013, o índice de alavancagem foi 547% superior ao de 2006. A capacidade de geração de caixa pode ser avaliada por meio do indicador EBITDA. Influenciado pela evolução errática do lucro líquido e do caixa utilizado em investimentos, este indicador apresentou forte oscilação no período. Entre os anos de 2006 e 2013, observou-se um declínio aproximado de 15,15%. Com a análise por segmentos de negócios, é possível identificar as áreas responsáveis pela considerável deterioração dos indicadores apresentados, entre os anos de 2006 e 2013. A Tabela 2, a seguir, mostra a evolução dos resultados líquidos por segmentos de negócio da Petrobras nesse período. A série de resultados consolidados em valores constantes revela que os dois negócios que mais influenciaram as oscilações ocorridas no período da análise foram Exploração e Produção (E&P) e Abastecimento. 6 Tabela 2 - Lucro líquido e resultados por áreas de negócios da Petrobras, 2006-2013 (em R$milhões, valores constantes Dez/2012). Resultado por área de negócio 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 34111 35379 45653 23400 33318 42945 45452 39907 Abastecimento 8417 7792 -5021 15915 4286 -10552 -22931 -16790 Gás e energia -1637 -1821 -351 1091 1403 3321 1733 1310 0 0 0 0 -104 -166 -218 -240 Distribuição 806 1047 1535 1497 1429 1244 1793 1740 Internacional 485 -1349 -2068 -263 1645 2082 1436 3564 -5764 -10753 1977 -5847 -542 -1538 -5391 -7566 -714 -1927 508 -1194 -1071 -2291 -915 -203 Lucro líquido consolidado 35705 28369 42233 34599 Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007). 40364 35044 20959 21723 Exploração e produção Biocombustiveis Corporativo Eliminações e ajustes A E&P tem sido a atividade mais lucrativa da Petrobras, sob o ponto de vista da geração de resultados. O preço crescente da commodity, somado à maior capacidade de exploração e produção da companhia tem colaborado para esse resultado3. O mesmo não tem acontecido com a área de abastecimento, que passou de um lucro médio de R$ 15,92 bilhões, em 2009, para um lucro de 4,29 bilhões, em 2010, e prejuízos acumulados de, aproximadamente, R$ 50,27 bilhões, entre 2011 e 2013 - R$ 10,55, em 2011, R$ 22,93, em 2012, e R$ 16,79 bilhões, em 2013. A política de subsídio para o preço da gasolina, diesel e gás liquefeito de petróleo, estabelecido pelo governo, por decreto, no fim de 2010, com o objetivo de controlar a inflação, é apontada como a explicação para esse resultado. Essa constatação se torna ainda mais preocupante quando se percebe o crescimento da dependência externa brasileira em relação à importação dos derivados de petróleo4. As discrepâncias entre preços internos e externos de combustíveis se tornam visíveis na Figura 1, a seguir, elaborada pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Percebe-se, entre os anos de 2008 e 2010, a ocorrência de defasagens entre o preço médio da gasolina praticado 3 Em 2009, a redução do lucro líquido foi reflexo da mudança no patamar das internacionais do petróleo e, conforme acordo entre a Petrobras e ANP, da despesa extraordinária com participação especial do campo de Marlim (PETROBRAS, 2010). Já em 20011, a redução do lucro líquido se deveu ao menor volume de produção de petróleo e LGN (2%), em função do declínio natural dos campos, e do aumento dos custos com depreciação de equipamentos, afretamento de plataformas, pessoal e manutenção e intervenção de poços (PETROBRAS, 2014). 4 Essa situação é magnificada com o impacto do câmbio sobre o caixa da companhia, que apenas poderá ser minimizado ou com a valorização cambial, ou com o aumento dos preços dos combustíveis. Para conseguir evitar que a exposição cambial reduzisse seu resultado financeiro, a Petrobras passou a adotar, desde maio de 2013, o hedge cambial. Conforme Barbosa (2013), a estratégia de adoção de “contabilidade criativa”tem causado prejuízos tanto para a análise independente de seus números quanto para a sua própria credibilidade. 7 pela Petrobras e o preço médio da gasolina no Golfo americano. A partir de 2010, esta defasagem começou a crescer, estabilizando-se numa média em torno de 25% (BARBOSA, 2013). Figura 1 - Defasagem média dos preços da gasolina – paridade de importação. Fonte: Pires, apud Barbosa (2013). A defasagem pode ser verificada, também, quando se comparam os preços da gasolina, sem tributos, no Brasil e nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em dezembro de 2013, o preço da gasolina praticado no Brasil ficou acima apenas dos preços praticados nos Estados Unidos e no Canadá, sendo que a distância para os preços praticados no Canadá reduziu bastante entre os anos de 2008 e 2013. 8 Figura 2 - Preços de gasolina ao consumidor, sem tributos (US$/Litro): Brasil x OCDE. França Espanha Canadá Alemanha Reino Unido Estados Unidos Itália Japão Brasil Fonte: Ministério de Minas e Energia (2014). Quando a comparação é feita com os preços do diesel, sem tributos, no Brasil e nos países da OCDE, percebe-se que o preço no Brasil, em dezembro de 2013, ficou abaixo de todos os preços praticados pela OCDE. Figura 3 - Preços de diesel ao consumidor, sem tributos (US$/Litro): Brasil x OCDE. França Espanha Canadá Alemanha Reino Unido Estados Unidos Fonte: Ministério de Minas e Energia (2014). Itália Japão Brasil 9 Mesmo com os últimos aumentos de preços de produtos refinados, estes não foram suficientes para alinhar preços domésticos e internacionais e eliminar as perdas no segmento de refino (FITCHRATINGS, 2014). O resultado negativo da área de abastecimento, em 2013, agravou-se devido a autorização dada pela Receita Federal à Petrobras para registrar volume considerável das suas importações de 2012 apenas no primeiro semestre de 2013, com o objetivo de melhorar os números da Balança Comercial daquele ano. Os maus resultados alcançados pela Petrobras ocorrem justamente num período em que a necessidade de ampliação dos investimentos é premente, em função da descoberta da nova fronteira petrolífera do pré-sal. Conforme Tabela 3, a seguir, o total de investimentos da companhia por áreas de negócios, entre os anos de 2006 e 2013, apresentou uma tendência crescente, a exceção foi apenas o ano de 2011, quando houve uma redução de, aproximadamente, 8,7%, quando comparado ao ano de 2010. Tabela 3 - Investimentos do Grupo Petrobras por áreas de negócios, 2006-2013 (em R$ milhões, valores constantes Dez/2012). Investimento (Em R$ Milhões) 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Exploração e produção 21357 24530 29877 34481 35116 35680 42970 57270 Abastecimento 5831 12829 12249 18469 30330 28248 28860 29345 Gás e energia 2184 2152 4629 7342 5289 4009 4166 5650 Internacional 9987 8756 7430 7645 5167 4625 5098 4894 Distribuição 895 2224 676 710 969 104 1307 1069 Biocombustiveis 0 0 0 0 0 524 299 307 Corporativo 1262 1165 1503 2580 2868 1281 1437 1141 • Sociedades de Propósito Específico 4891 7861 6839 6225 3011 0 0 0 • Empreendimentos em Negociação 570 796 1427 1712 0 0 0 0 • Projetos Estruturados 1 0 0 0 0 0 0 0 Total de investimentos 46979 60313 64630 79164 82749 75572 84137 99676 Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007). A área de negócio E&P possui a maior participação relativa do total de investimentos. Desde o ano de 2010 essa participação cresce, chegando, em 2013, a 57,45% do total de investimentos. A área de abastecimento é a segunda, porém, desde 2011, sua participação tem se reduzido; saindo de 37,38% para 29,44%, em 2013. Dentre os principais fatores para o crescimento da área de E&P no total de investimentos diretos está a necessidade de exploração da nova província do Pré-Sal. 10 Essa tendência crescente no total de investimentos da companhia, entre os anos de 2006 e 2013, refletiu-se, também, no aumento do investimento da Petrobras em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), conforme Figura 4, a seguir. O investimento da Petrobras em P&D neste período se elevou em 55,07%. Em 2013, a Petrobras foi, entre as grandes empresas de energia, a que, proporcionalmente à receita líquida anual, mais investiu em P&D (0,80%). Figura 4 - Investimento em P&D da Petrobras – 2006-2013 (em US$ milhões). Fonte: Petrobras (2014c). O plano de negócio e gestão (PNG) da Petrobras 2014 - 2018 prevê, ainda, um investimento de US$ 220,6 bilhões. Deste, 206,8 bilhões nas carteiras em implantação e em processo de licitação e 13,8 bilhões na carteira em avaliação. A carteira em implantação contempla os projetos em execução (obras), os projetos já licitados e os recursos para estudos dos projetos em avaliação. Na carteira em processo de licitação, inserem-se os projetos em E&P no Brasil, que ainda passarão pelo processo de contratação de suas unidades, e as refinarias Premium I e Premium II, cujos processos licitatórios serão conduzidos em 2014. Já na carteira em avaliação estão os projetos em estudos nas fases I (Identificação da Oportunidade), II (Projeto Conceitual), ou III (Projeto Básico) (exceto E&P no Brasil)5 (PETROBRAS, 2014a). 5 Nas premissas do planejamento financeiro da companhia, além da não emissão de novas ações e a manutenção da classificação de grau de investimento, prevêem-se, em moedas constantes, a partir de 2014: (i) preço do Brent (US$/bbl) em 105, em 2014, reduzindo-se para 100, até 2017, e para 95 no longo prazo; (ii) taxa de câmbio média (R$/US$) de 2,23, em 2014, valorizando-se para 1,92 no longo prazo; (iii) alavancagem decrescente, porém ultrapassando limite em 2014 (limite < 35%); (iv) dívida líquida/EBITDA: ultrapassando limite, em 2014, e permanecendo abaixo de 2,5x, a partir de 2015, e abaixo de 2,0x, no fim do período (limite < 2,5x); (v) preços dos derivados no Brasil convergindo para as referências internacionais, conforme política de preços de diesel e gasolina apreciada pelo seu Conselho de Administração, em 29 de novembro de 2013. 11 Na análise de financiabilidade, que considera a necessidade de capitais para as Carteiras em Implantação e em Processo de Licitação (US$ 206,8 bilhões) e para as Amortizações (US$ 54, 9 bilhões), 69,62% destes capitais, conforme Figura 5, a seguir, advirão de fluxo de caixa operacional (após dividendos) e desinvestimentos, 23,12% de captações (dívida), 3,48% de uso do caixa, e 3,78% de reestruturações no modelo de negócios(PETROBRAS, 2014a). Figura 5 - Análise da financiabilidade (PNG: 2014-2018). Fonte: Petrobras (2014a) Figura 4: Análise de Financiabilidade (PNG: 2014-2018) Do total de investimento previsto entre os anos de 2014-2018, US$ 153,9 bilhões serão destinados para a área de E&P, o que representa 70%. Além do investimento da Petrobras, cogita-se mais 44,8 bilhões de investimento, nesta área, de parceiros da companhia (PETROBRAS, 2014a). 12 Figura 6 - Investimentos PNG 2014-2018. Fonte: Petrobras (2014a). Do investimento da Petrobras em E&P, US$ 82 bilhões serão direcionados para a área do pré-sal, o que representa 60% do total, e US$ 53,9 bilhões para a área do pós-sal, 40% do total (PETROBRAS, 2014a). Figura 7 - Investimentos da Petrobras em Exploração e Produção. Fonte: Petrobras (2014a). Porém, a contradição presente entre a necessidade de expansão dos investimentos e o excesso de intervenção do governo é apontada, por muitos analistas, como a causa da piora na 13 geração de caixa e ROIC, conforme se verifica na Tabela 4. O excesso de intervenção governamental, seja através da política de preços dos combustíveis, que distorcem os preços relativos, com efeitos amplificados num cenário de desvalorização cambial, seja na determinação de conteúdos locais mínimos, impõe baixo retorno e resultados à companhia. Tabela 4 - ROIC por segmento de negócio. ROI por área de negócio 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Exploração & produção 1,60 1,44 1,53 0,68 0,95 1,20 1,06 0,70 Abastecimento 1,44 0,61 -0,41 0,86 0,14 -0,37 -0,79 -0,57 Gás & energia -0,75 -0,85 -0,08 0,15 0,27 0,83 0,42 0,23 Biocombustiveis 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 -0,32 -0,73 -0,78 Distribuição 0,90 0,47 2,27 2,11 1,47 11,94 1,37 1,63 Internacional 0,05 -0,15 -0,28 -0,03 0,32 0,45 0,28 0,73 Corporativo -4,57 -9,23 1,32 -2,27 -0,19 -1,20 -3,75 -6,63 ROI consolidado 0,88 0,59 0,74 0,50 0,52 Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007). 0,50 0,26 0,22 Com este cenário, o endividamento bruto total da companhia tem crescido de forma vertiginosa. Em 2006, esse era de R$ 64,2 bilhões, passando para R$ 252,9 bilhões, em 2013; o que representou um crescimento de, aproximadamente, 294% em apenas sete anos, conforme se verifica na Tabela 5, a seguir. Ressalta-se que, à medida que o endividamento de curto prazo reduziu em, aproximadamente, 1,5%, entre esses anos, o endividamento de longo prazo cresceu cerca de 409%, em conformidade com o perfil dos projetos de E&P. 14 Tabela 5 - Endividamento consolidado (em R$ milhões, valores constantes dez/2012). Endividamento Consolidado Em R$ Milhões Constantes Dez/2012, usando IPCA 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Endividamento Curto Prazo (1) 18010 11816 17258 18238 17661 20074 15320 17734 Endividamento Longo Prazo (1) 46191 40592 63327 101536 115252 144565 180994 235141 Total 64201 52408 80585 119774 132913 164638 196314 252875 -18 54 49 11 24 19 29 38336 17237 19786 34377 34180 37835 27628 35098 Endividamento líquido (2) (4) 25865 Endividamento líquido/(endividamento líquido + patrimônio líquido) (1) 16 35171 60799 85397 69962 109038 147817 209199 19 26 31 17 24 Taxa de Crescimento Anual Disponibilidades 30 39 Passivo total líquido (1) (3) (5) 255190 289582 345767 378213 523156 578540 629219 667274 Estrutura de capital (capital de terceiros líquido / passivo total líquido 47 48 50 50 33 39 45 51 Parcela das Disponibilidades (%) comprometido pelo Endividamento Curto Prazo 47 69 87 53 52 53 55 51 (1) Inclui endividamento contraído através de contratos de leasing. (2) Endividamento total – disponibilidades. (3) Passivo total líquido de caixa/aplicações financeiras. (4) Somente para 2011, 2012 e 2013 - o endividamento líquido não foi calculado segundo as normas internacionais de Contabilidade (IFRS) e não deve ser considerado isoladamente ou em substituição ao endividamento total de longo prazo, calculado de acordo com IFRS. O cálculo do endividamento líquido não deve ser base de comparação com o endividamento líquido de outras empresas. A administração da Petrobras acredita que a dívida líquida é uma informação suplementar que ajuda os investidores avaliarem a liquidez da companhia e auxilia na gestão pela busca de melhorias na alavancagem. (5) Somente para 2012 e 2013 - passivo total líquido das disponibilidades ajustadas. Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007). No que se refere ao aspecto operacional, a Figura 8, a seguir, mostra a evolução da quantidade produzida de petróleo e LGN e gás natural (mil barris/dia) entre os anos de 2006 e 2013. Observa-se, nesta, uma queda na produção de 2011 para 2012, explicada pelo maior número de perdas operacionais e da interrupção da produção em Frade, e uma outra queda de 2012 para 2013, explicada pelo declínio natural dos campos e da venda de 50% da participação societária das empresas na Nigéria, além da redução da produção de gás natural na Argentina6. 6 Apesar da queda na produção total (Petróleo e LGN e Gás natural), em 2012, quando comparada a 2011, esta se manteve dentro da meta estipulada pelo PNG (2012-2016). Em 2013 a produção total, também, manteve-se na meta estipulada pelo PNG (20122016 e 2013-2017), porém a produção de petróleo e LGN não. 15 Figura 8 - Exploração e Produção (2006-2013) - mil barris/dia (Petróleo e LGN e Gás Natural). 3000 2500 Produção total (Petróleo e LGN) 2000 Produção total (Gás Natural) 1500 1000 Produção total (Petróleo e LGN e Gás Natural) 500 0 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007). Outros aspectos operacionais são mostrados na Tabela 6, a seguir, em que se verifica a evolução dos principais indicadores para empresas atuantes na E&P de petróleo e gás natural (reservas provadas, reservas sobre produção e índice de reposição das reservas). Tabela 6 - Evolução dos principais indicadores operacionais da Petrobras. Indicador 2006 Reservas provadas (em bilhões de boe, critério SPE/ANP) 13,75 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 13,92 14,09 14,87 15,99 16,41 16,44 16,57 Reserva sobre produção (em anos) 19,60 18,90 17,00 18,40 18,50 18,60 19,20 19,50 Índice de reposição das reservas (%) 173,90 123,60 123,00 75,00 229,00 148,00 103,30 114,00 Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007). Embora se verifique, ao longo do período analisado, uma consistência nas séries de reservas provadas e de reserva sobre produção, o indicador de reposição das reservas apresenta uma tendência declinante. Um baixo índice de reposição das reservas pode colocar em risco a própria capacidade de crescimento sustentado da empresa. Aos fatos descritos nesta seção, atribuem-se o fraco desempenho bursátil da Petrobras, abaixo do restante da economia brasileira, assim como o rebaixamento das suas notas de crédito pelas agências de ratings, conforme se verificará nas próximas seções. 16 1.2 RESPOSTA DO MERCADO DE AÇÕES A política de dividendos da Petrobras, prevista em seu estatuto, determina que o valor mínimo a ser distribuído é de 25% do lucro líquido ajustado, tanto para ações ordinárias (ON), quanto preferenciais (PN). Sendo dada prioridade às ações preferenciais no caso de reembolso do capital e no recebimento dos dividendos de, no mínimo, 5% calculado sobre parcela do capital representada por essa categoria de ações, ou de 3% do valor do patrimônio líquido da ação, preponderando sempre o maior. Desde o ano 2000, embora o estatuto da companhia garanta (i) maior dividendos para as ações preferenciais, os pagamentos eram idênticos para ambas as categorias, e (ii) um valor mínimo a ser distribuído, a remuneração se dava de forma mais generosa do que a prevista. Nos anos de 2012 e 2013, conforme se apresenta na Figura 9, a seguir, o pagamento de dividendos se deu de modo diferenciado entre as ações ordinárias e preferenciais. A empresa distribuiu o mínimo exigido de dividendos tanto para as ações ON, quanto para as ações PN, sendo que o mínimo da PN é superior ao da ON. Essa redução na distribuição de dividendos foi justificada pela tentativa da companhia manter caixa para conseguir cumprir seu plano de investimentos, mesmo com a redução do lucro. Figura 9 - Dividendos pagos por ações (em R$) pela Petrobras 2006 – 2013. 2,00 1,80 1,60 1,40 1,20 1,00 0,80 0,60 0,40 0,20 0,00 2006 2007 2008 2009 Valor por ação ON (em R$) 2010 2011 2012 2013 Valor por ação PN (em R$) Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007). 17 Refletindo o corte de dividendos, tanto as ações ON (PETR3), quanto as ações PN (PETR4), despencaram. A evolução do valor da ação PN da Petrobras, a menos afetada, versus a evolução do Índice AMEX Oil, entre os anos de 2006 e 2013, é mostrada na Figura 10, a seguir. Nesse período, o comportamento da ação PN da Petrobras na Bolsa de Valores de São Paulo (PETR4. SA), quando comparado ao índice AMEX OIL (^XOI), pode ser dividido, como o faz Barbosa (2013), em quatro fases e quatro marcos definidores. Como marcos definidores, tem-se: (1) o anúncio da descoberta do Pré-Sal, em setembro de 2007; (2) a quebra do Banco Lenman Brothers, em setembro de 2008; (3) a capitalização da Petrobras, em agosto de 2010; e (4) a apresentação dos resultados da Petrobras referentes ao ano de 2010, no primeiro trimestre de 20117. Figura 10 - Ação Petrobras (PETR4.SA) X índice AMEX Oil(^XOI) – Jan 2006 a Mar 2014. Fonte: Yahoo Finance. A primeira fase, que se estende de 2006 até quase o fim de 2007, é marcada pela “aderência” entre a ação da Petrobras e o índice AMEX Oil. O relativamente elevado preço do petróleo cru e o crescimento econômico mundial generalizado justificou essa evolução positiva e aderente da PETRO4.SA e do índice norte-americano (BARBOSA, 2013). 7 O AMEX Oil é um índice da Bolsa de Nova Iorque, utilizado pela Petrobras para fins de comparação em seus relatórios anuais. Éste é composto pelas ações, em ordem decrescente de participação no índice, das seguintes empresas: Hess Corporation, Chevron Corporation, Conoco Phillips, OccidentaLPetroleum, ExxonMobil, Total S.A., AnadarkoPetroleum Corporation, Royal Dutch Shell, BP, Marathon, Valero Energy Corporation, Repsol YPF e Sunoco (BARBOSA, 2013). 18 Na segunda fase, do final de 2007 ao fim de 2008, o valor da ação da Petrobras supera o do índice AMEX Oil em, aproximadamente, 60% em média. Essa valorização acentuada da PETRO4.SA, que a deslocou significativamente do índice norte-americano, foi produzida pelo anúncio da grande descoberta de reservas de hidrocarbonetos do Pré-Sal. Em 19 de maio de 2008, o valor da ação da companhia atingiu seu pico de R$ 50,56 por ação, levando seu valor de mercado à R$ 473 bilhões nesse dia (BARBOSA, 2013). Na terceira fase, do fim de 2008 ao início de 2011, a ação se manteve consideravelmente acima do índice. Sendo que, influenciada pela quebra do Banco norteamericano Lehman Brothers, em setembro de 2008, que deflagrou a crise financeira internacional, tanto a ação da Petrobras quanto o índice AMEX Oil perderam valor de forma acentuada e rápida; com a ação perdendo valor de maneira mais acentuada. A tendência de crescimento se restabeleceu em 2009, tanto para ação, quanto para o índice, e permaneceu até o fim de 2009 para a PETRO4.SA. A partir de 2010, a ação da Petrobras seguiu tendência declinante, enquanto do índice AMEX Oil seguiu tendência ascendente (BARBOSA, 2013). Na quarta fase, do começo de 2011 até o momento atual (março de 2014), a ação da Petrobras se distancia cada vez mais do índice AMEX Oil; este índice segue uma trajetória ascendente, estando, aproximadamente, 40% acima do nível de 2006, enquanto a ação apresenta trajetória declinante, estando mais de 20% abaixo do nível inicial de 2006 (BARBOSA, 2013). A trajetória declinante da ação da Petrobras fez com que houvesse uma redução de seu valor de mercado. No fechamento de 30 de dezembro de 2013, em valores de 2012, o valor de mercado da empresa era de R$ 202.708 milhões, correspondente a 61,46% do valor do patrimônio líquido de R$ 329.840 milhões. Na Figura 11, a seguir, é possível verificar como evoluiu o valor de mercado da Petrobras, desde 2006, assim como seu patrimônio líquido. 19 Figura 11 - Valor de mercado da Petrobras e patrimônio líquido (2006-2013). 600.000 500.000 400.000 300.000 200.000 100.000 0 2006 2007 2008 2009 Valor de mercado (em milhões) 2010 2011 2012 2013 Patrimônio líquido (em milhões) Fonte: Petrobras (2014b; 2013; 2012; 2011; 2010b; 2009; 2008; 2007). Apesar da queda do valor de mercado da companhia, a Petrobras ainda continua entre as cem maiores empresas do mundo em capitalização, segundo o ranking da PWC (2013). Entre as dezesseis empresas petrolíferas presentes neste ranking, conforme se verifica na Tabela 7, a seguir, houve uma queda generalizada de posições, com exceção da Chevron, dos Estados Unidos, e da CNOOC, de Hong Kong. Porém, a Petrobras, que saiu da décima segunda (12a) posição, em 31 de março de 2008, para a quadragésima nona (49ª), em 31 de março de 2013, perdendo 37 posições, foi a quarta que mais perdeu posições, depois da Gazprom, da Rússia, da ConocoPhillips, dos Estados Unidos, e da ENI, da Itália8. 8 A fonte de dados e a classificação da indústria são da Bloomberg. As classificações não levam em consideração as mudanças nas taxas de câmbio (PWC, 2013). 20 Tabela 7 - Evolução no ranking das companhias petrolíferas listadas entre as cemmaiores domundo. 31 Mar. 2013 Cap. Mercado Rank ($ Bilhões) 31 Mar. 2008 Cap. Mercado Rank ($ Bilhões) Nome da companhia Nacionalidade Rank +/- Exxon Mobil Estados Unidos -1 2 404 1 453 Petrochina China -3 5 255 2 424 Chevron Estados Unidos 7 12 231 19 177 Royal Dutch Shell Reino Unido -6 16 209 10 216 BP Reino Unido -21 37 134 16 192 Ecopetrol Colômbia n/a 47 114 n/ top 150 46 Total França -30 48 113 18 178 Petrobras Brasil -37 49 113 12 208 China Petroleum China -15 54 106 39 135 Gazprom Rússia -54 58 102 4 302 Schlumberger Estados Unidos -2 60 100 58 104 CNOOC Hong Kong 29 72 86 101 66 ENI Itália -41 79 82 38 137 Rosneft Rússia -15 81 81 66 95 Statoil Noruega -21 86 77 65 96 -49 94 73 45 119 ConocoPhillips Estados Unidos Fonte: PWC (2013). A hipótese defendida por Cabral (2013b) para o desempenho bursátil da Petrobras abaixo do restante da economia brasileira é que: Ao se asfixiar o preço das ações, aumenta-se a relação entre endividamento e capitalização. Por sua vez essa medida é importante para a reavaliação de classificação de risco conferida por agências internacionais. Na eventualidade da Petrobrás ser rebaixada, são esperadas implicações negativas sobre as taxas de juros a serem pagas no futuro. Com isso, produz-se transferência de riqueza de acionistas (Estado e minoritários) para fundos de investimento administrados pelos mesmos bancos. Na próxima seção se verificará o impacto que o baixo desempenho bursátil da Petrobras teve na classificação de risco da companhia, conferida por agências internacionais. 1.3 IMPACTO NO CREDIT RATING DA PETROBRAS A Petrobras, nos últimos anos, vem sofrendo com o rebaixamento de suas notas de crédito pelas agências de ratings Moody’s, Fitch e Standard & Poor’s. No Quadro 1, a seguir, apresenta-se a última revisão, do ano de 2014, das notas atribuídas à Petrobras. 21 Quadro 1 - Classificações de ratings. Agência de ratings Última revisão Global moeda local Global Nacional moeda moeda estrangeira local Panorama Negativo Moody’s 30/04/2014 Baa1 Baa1 Standard & Poor's 24/03/2014 BBB- BBB- Fitch 26/03/2014 BBB Fonte: Petrobras (2014b). BBB Aaa Estável AAA Estável Já na Figura 12, apresenta-se a referência utilizada por estas agências para classificação de risco de crédito atribuída a um emissor (país ou empresa). Figura 12 - Referência das agências de rating para classificação de risco. Fonte: O Globo (2014). Mas, o que são estas agências de rating? As agências de ratings, desde o início do século XX, com as primeiras classificações destinadas às companhias ferroviárias dos EUA,passaram a fazer parte do mercado financeiro internacional. Nos últimos trinta anos, com a nova arquitetura do mercado financeiro, tem sido recomendado pela Securities and Exchange Comission (SEC) aos emitentes de dívida, que desejam se lançar no mercado norte americano, um rating. Nesse contexto, principalmente para 22 empresas e países em desenvolvimento, as emissões de ratings se tornaram importantes9 (BONE, 2004). Segundo Moody’sapud Bone (2004, p. 17), rating se refere a “[...] uma opinião sobre a capacidade futura, a responsabilidade jurídica, e a vontade de um emitente de efetuar, dentro do prazo, pagamentos do principal e juros de um título específico de renda fixa[...]”. Ele se desdobra em curto e longo prazo e em moeda doméstica e estrangeira, e direciona-se ao emitente e à emissão, dada a possibilidade de capacidade de pagamento diferenciada ao longo do tempo. O emitente pode ser um governo nacional ou subnacional, que recebe um rating soberano, ou empresas, que recebem um rating corporativo (BONE, 2004). Enquanto o rating de crédito soberano ou o rating soberano leva em consideração a capacidade e a disposição dos governos em honrar suas dívidas em moeda doméstica e estrangeira, o corporativo é uma opinião sobre a capacidade de pagamento de empresas emitentes de dívida em ambas as moedas. As escalas que expressam a capacidade de pagamento, conforme se verifica na Figura 12, são: (i) a mais alta, referindo-se ao grau de investimento; (ii) a intermediária, ao grau especulativo; e (iii) a mais baixa, ao grau de default ou junk Bond (BONE, 2004). As agências de ratings deveriam ser, para o mercado, o terceiro membro da relação tomador/emprestador, responsáveis pela avaliação independente da real situação financeira do emitente da dívida. Estas não teriam incentivos em manipular a situação financeira futura da empresa tomadora de recursos, dado que uma opinião equivocada acerca desta situação implicaria na redução da demanda por seus serviços; o rating vale quando é crível. Em contrapartida, em virtude do seu caráter opinativo, não existem custos legais de um rating errôneo; pelo preceito constitucional de liberdade de expressão, as agências de ratings possuem imunidade legal contra as ações de perdas e danos (BONE, 2004). Muitas críticas têm sido dirigidas a estas agências, principalmente após as últimas crises financeiras internacionais. Estas críticas se apoiam na falta de transparência sobre as verdadeiras variáveis relevantes no processo de classificação. Os analistas afirmam que os downgrades recebidos são sempre antecipados, enquanto os upgrades, quando recebidos, são atrasados. Além disso, alega-se que as agências de ratings tendem a seguir o risco sistemático, de 9 ÀSEC, estabelecida pelo Congresso dos Estados Unidos em 1934, atribui-se a responsabilidade primária pela aplicação das leis de títulos federais e a regulação do setor de valores mobiliários, as ações da nação e opções de câmbio, e outros mercados de valores eletrônicos norte-americanos. 23 mercado, ao invés do risco específico do governo soberano ou da empresa, dado o elevado custo de uma busca por informações pormenorizadas sobre os emitentes da dívida. Neste sentido, os ratings emitidos passam a ser previsíveis, não possuindo conteúdo informacional; reproduzindo apenas a sensibilidade do mercado (BONE, 2004). Para os ratings soberanos, a falta de transparência se encontra nos fundamentos e nos respectivos pesos dados aos parâmetros, que são diferenciados pelo país analisado e pelo conteúdo subjetivo do risco político. No processo de avaliação destes ratings estão englobadas variáveis quantitativas e qualitativas. Como variáveis quantitativas, citam-se: taxa de crescimento do PIB real, dívida líquida do setor público sobre o PIB, necessidade de financiamento do setor público sobre o PIB, superávit primário sobre o PIB, inflação, transações correntes sobre o PIB, dívida externa líquida do setor público sobre as exportações e dívida externa líquida do setor público sobre as reservas internacionais. Já como variáveis qualitativas se destacam: história de default e renegociação da dívida com credores (BONE, 2004). Já os ratings corporativos, quando comparados aos soberanos, não possuem variáveis excessivamente subjetivas, o que torna sua classificação menos difícil. As variáveis mais utilizadas para classificação são: cobertura financeira, estrutura de capital, medidas de lucratividade e tamanho. Apesar da alegação de menor dificuldade de classificação dos ratings corporativos, as agências são, também, acusadas de antecipar os downgrades e atrasar os upgrades (BONE, 2004). Tradicionalmente, o limite máximo para o rating corporativo é o rating soberano do país domicílio. Denominado de teto soberano – sovereign ceiling -, este limite pode ocorrer para os ratings corporativos em moeda doméstica, condicionado ao grau de impedimento ao acesso à moeda no mercado interno, e moeda estrangeira, que reflete a capacidade do emitente de geração (de) ou acesso (aos) recursos em moeda estrangeira, com o objetivo de pagamento das dívidas, mesmo sob controle de capitais (BONE, 2004). Porém, a obtenção por muitas empresas, quando comparadas aos governos soberanos, de uma maior capacidade de honrar com seus compromissos financeiros tem colocado a necessidade de revisão na delimitação do teto soberano para os domiciliados no país. Um pedido de default por empresas deste nível, justamente por pertencer a uma classe produtiva privilegiada, caracterizada pelo seu porte expressivo e reconhecimento internacional quanto ao acesso ao mercado de capitais, causaria danos incalculáveis à economia nacional (BONE, 2004). 24 A Petrobras S.A é uma empresa que se enquadra neste perfil. A análise dos ratings da Petrobras, assim como das demais empresas petrolíferas, dáse de maneira similar às empresas industriais – que levam em consideração na análise o conjunto da situação financeira da empresa e seus potenciais fluxos de caixa futuros -, com exceção dos indicadores de produção e reservas, construídos obedecendo às particularidades da commodity; tida como um recurso natural não renovável (BONE, 2004). A companhia recebeu da Moody’s, em abril de 2014, classificações Baa1 em moeda local e em moeda estrangeira. Estas classificações, segundo a agência, foram reflexos da alta alavancagem financeira da empresa, com expectativa de continuidade desta, devido a seu programa de exploração e desenvolvimento offshore, um dos maiores do mundo. Os riscos envolvidos na E&P da nova fronteira geológica, as perdas no downstream, causadas pelo aumento das importações de produtos refinados, e a prática de preços máximos sobre estes produtos no Brasil também foram levados em consideração. Como fatores positivos que influenciaram as classificações, destacam-se: (i) a posição dominante da Petrobras no setor de energia brasileiro, com reservas de hidrocarbonetos e produção offshore de petróleo e gás natural que se destacam mundialmente; e (ii) sua posição de liderança na aplicação de tecnologias para E&P em áreas offshore10. O elevado suporte governamental, que se intensificou com as mudanças regulatórias ocorridas nos últimos anos, discutido na seção 4, tem representado, segundo a agência, mais um fator de risco para deterioração das métricas de crédito da companhia. O governo brasileiro tem desempenhado um papel cada vez maior na gestão da Petrobras e do setor petrolífero, incluindo o desenvolvimento offshore, direcionamento estratégico e política de conteúdo local, visando o desenvolvimento de uma indústria para-petrolífera nacional (MOODY’S, 2014a; MOODY’S, 2014b). Quanto à política de conteúdo local, a Moody’s (2014b, p. 2) salienta: Petrobras, like all producers in Brazil, is required to meet contractual local content mandates as the government promotes the establishment of a local shipbuilding and services industry. Local content could become an impediment to the pace of offshore developments as Brazil develops more of an indigenous shipping/rig and services industry. It remains to be seen what sort of flexibility will evolve for Petrobras and the industry if meeting local content becomes a bottleneck, or what accommodations Petrobras could have to make with drilling contractors, operators and other service providers if the development program is delayed. 10 Em 21/10/2014, a agência de classificação de risco Moody’s rebaixou a nota de crédito em moeda nacional e estrangeira da Petrobras, de Baa1 para Baa2 (O GLOBO, 2014). 25 A perspectiva de ratings da Petrobras é negativa, em função da possibilidade de não cumprimento das metas de investimento e crescimento da produção e piora do índice de alavancagem financeira. O aumento da ligação com o governo pode resultar na convergência das classificações dos ratings corporativos com os soberanos (MOODY’S, 2014a; MOODY’S, 2014b). A Figura 13, a seguir, demonstra a evolução dos ratings dados à Petrobras pela agência Moody’s. Figura 13 - Rating Petrobras e PIFCO versus rating soberano (Moody’s). Fonte: Petrobras (2014b). Já a Standard & Poor’s rebaixou os ratings de crédito corporativo da Petrobras de ‘BBB’ para ‘BBB-’. Como justificativa, aponta-se: (i) o suporte governamental extraordinário à companhia, dado o seu importante papel como a principal empresa da indústria petrolífera e como a maior distribuidora de combustível do país, com efeito sobre os índices de inflação; e (b) o seu forte vínculo com o governo, detentor de 50,2% do capital votante da empresa; quando consideradas as entidades vinculadas ao governo, como o BNDES, o Fundo Soberano do Brasil e outras, esse percentual se eleva para mais de 60%(STANDARD & POOR’S, 2014). Estas notas refletem o perfil de risco de negócios satisfatório da companhia, em função de suas atividades de E&P, e sua posição de liderança em todos os aspectos na indústria petrolífera brasileira. Além disso, é um espelho do seu perfil de risco financeiro, com a relação entre índice de dívida ajustada líquida total e EBITDA em torno de 3,0x a 4,0x e entre a geração interna de caixa (Funds From Operations - FFO, em inglês) e a dívida ajustada líquida entre 20% 26 a 25% (deduzindo-se 75% das reservas de caixa da dívida bruta) (STANDARD & POOR’S, 2014). Os ratings em moeda local e em moeda estrangeira da Petrobras continuam limitados ao mesmo nível do soberano. A expectativa da Standard & Poor’s (2014) é que isto não mude no curto prazo. A Figura 14, a seguir, demonstra a evolução dos ratings dados à Petrobras pela agência. Figura 14 - Rating Petrobras e PIFCO versus rating soberano (Standard & Poor’s). Fonte: Petrobras (2014b). A Fitch, constatando a posição de liderança da Petrobras no mercado de energia brasileiro, sua reconhecida experiência em E&P offshore e sua importância estratégica para o país, manteve as métricas de crédito da companhia, tanto para moeda estrangeira, quanto para moeda doméstica, em BBB. Além desses quesitos, contou para avaliação da agência o agressivo programa de investimento da companhia, sua exposição à interferência política local, sua vulnerabilidade às flutuações dos preços internacionais de commodities, os riscos cambiais e a concentração de renda no mercado doméstico (FITCHRATINGS, 2014). A referida agência prevê que essas métricas se deteriorarão no decorrer dos próximos dois ou três anos, em função do aumento da necessidade de financiamento para atender a um agressivo programa de investimento, e do déficit comercial atual, resultado da crescente necessidade de importar produtos refinados, vendidos a preços abaixo da paridade internacional. Além destas dificuldades, a agência espera que a empresa enfrente problemas para (i) atingir suas metas de produção, dado o nível de equipamentos críticos necessários para exploração e 27 produção das áreas do pré-sal, (ii) cumprir as metas de conteúdo local, e (iii) obter financiamento externo (FITCHRATINGS, 2014). Os ratings da Petrobras acompanham os soberanos, em função do controle governamental da maioria do seu capital votante, sua importância estratégica para o Brasil, como principal fornecedor de combustíveis, assim como do apoio governamental no financiamento da companhia (a dívida da Petrobras com o BNDES, em dezembro de 2013, representou, aproximadamente, 16% do total de sua dívida). Além desses aspectos, a agência destacou o aumento da participação do governo na Petrobras, com as mudanças na regulação do setor ocorridas nos últimos anos, como um reforço na ligação entre os ratings corporativo e soberano (FITCHRATINGS, 2014). A Figura 15, a seguir, mostra a evolução dos ratings dados à Petrobras pela agência Fitch. Figura 15 - Rating Petrobras PIFCO versus rating soberano (Fitch). Fonte: Petrobras (2014b). Vale ressaltar que a elevação do credit rating da Petrobras à categoria de investment grade pela Moody’s, em 2005, e pelas agências Standard & Poor’s e Fitch, em 2007, possibilitou-a ter acesso à financiamento com menores spreads, o que lhe permitiu aumentar seus investimentos. A elevação para categoria de investment grade, da Petrobras, deu-se antes mesmo do Brasil como título soberano (BARBOSA, 2013). 28 1.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A evolução dos indicadores operacionais, econômicos e financeiros da Petrobras tem sido objeto de intensos debates nos últimos anos. Todos os indicadores econômicos e financeiros, nos anos de 2006 à 2013 - liquidez, rentabilidade, endividamento e geração de caixa -, apresentaram deterioração. Quanto aos principais indicadores operacionais para empresas atuantes na E&P de petróleo e gás natural, apesar de se observar uma consistência nas séries de reservas provadas e de reserva sobre produção, o indicador de reposição das reservas apresentou uma tendência declinante. Esses fatos têm contribuído para um desempenho bursátil da Petrobras abaixo do restante da economia brasileira, assim como num rebaixamento de suas notas de crédito pelas agências de ratings. Como fatores determinantes para o rebaixamento e para previsão de deterioração das métricas de crédito da empresa se destacam: seu agressivo programa de investimento e sua exposição à interferência política local, que, segundo as agências, tem influenciado seu déficit comercial atual, dada a crescente necessidade de importar produtos refinados, vendidos a preços abaixo da sua paridade internacional, e dificultado o atendimento de suas metas de produção, dado o nível de equipamentos críticos necessários para E&P das áreas do pré-sal e a exigência de cumprimento das metas de conteúdo local. Apesar das muitas críticas dirigidas a estas agências, apoiadas, principalmente, na falta de transparência sobre as variáveis relevantes no processo de classificação, a elevação do credit rating da Petrobras à categoria de investment grade a possibilitou ter acesso à financiamento com menores spreads. Logo, o rebaixamento destas notas de crédito pode ter conseqüências negativas no que tange a perspectivas de financiamento dos projetos de investimento da companhia. No próximo capítulo serão discutidas as consequências das mudanças na dinâmica de acumulação das grandes corporações, ocorridas nos anos de 1980, nos Estados Unidos, quando as agências de rating ganharam importância como mais um agente do sistema financeiro. 29 30 2 MAXIMIZAÇÃO DO VALOR PARA O ACIONISTA, FIRMA INOVADORA E PERFORMANCE ECONÔMICA O progressivo desgaste das regras monetárias e cambiais concertadas em Bretton Woods foi causado pela rápida recuperação das economias europeias e o espetacular crescimento do Japão, assim como pelo fluxo continuado de investimentos americanos diretos para o resto do mundo e pelos gastos da Guerra Fria. A “crise” do sistema, que já se anunciava na segunda metade da década de 1950, culminou com a desvinculação do dólar com o ouro, em 1971, no primeiro choque do petróleo e na introdução do regime de taxas de câmbio flutuantes, em 1973 (BELLUZZO, 2006). A instabilidade cambial e as tensões decorrentes da subida das taxas de inflação, por toda parte, foram características marcantes da década de 1970, enfrentadas com o “choque de juros”, deflagrado pelo Federal Reserve, em 1979. A supervalorização do dólar inverteu a posição externa dos EUA, passando da posição de credor para devedor internacional. Este desequilíbrio foi decisivo para o aprofundamento dos processos de “securitização” das operações de emissão de dívidas e para o avanço da “desregulamentação” dos mercados, intensificando a chamada globalização financeira (BELLUZZO, 2006; TAVARES; BELLUZZO, 2005). Com este contexto, a vantagem da grande corporação multidivisional, crescentemente multinacional, com uma extensa hierarquia gerencial e verticalmente integrada, dominante no estudo da Organização Industrial até meados dos anos 1980 - baseada em (i) menores custos de transação no interior da firma, pela melhor rotinização de suas atividades, (ii) informação sobre preço e oferta mais acurada, quando transmitida no interior da firma, e (iii) melhor utilização das plantas e equipamentos e rendimentos crescente, pela melhor coordenação de insumos e produtos - não se sustentou (STURGEON, 2002). O objetivo deste capítulo é discutir como a globalização financeira afetou a dinâmica de acumulação das grandes corporações no período recente (pós década de 1980). Para isso, ele foi dividido em quatro seções. Na primeira, a intenção é discutir o novo princípio de governança corporativa baseado na maximização do valor para o acionista. Na segunda, o objetivo é analisar a influência do atendimento à tal princípio na empresa inovadora. Na terceira, discute-se a relação existente entre esse princípio e a performance econômica. Na quarta, fazem-se as considerações finais. 31 2.1 GOVERNANÇA CORPORATIVA SOB A MAXIMIZAÇÃO DO VALOR PARA O ACIONISTA ÉGIDE DA O período de intensa conglomeração e declínio no desempenho corporativo norteamericano, nos anos 1960 e 1970, é utilizado, na perspectiva da teoria da agência, como evidência de desperdício de recursos das empresas pelos gerentes em diversificações mal sucedidas. Já a recuperação do desempenho das empresas estadunidenses, na década de 1990, é utilizada como evidência de acerto das reformas empreendidas a partir dos anos de 1980, alinhadas com a perspectiva de maximização de valor para o acionista (KERSTENETZKY, 2007). O objetivo desta seção é, justamente, discutir essa perspectiva. 2.1.1 A origem do princípio de maximização do valor para o acionista Foi na década de 1980 que os argumentos a favor de administrar corporações para gerar valor para os acionistas entraram nos Estados Unidos. Ao longo do século XX, a economia estadunidense foi dominada por um número relativamente pequeno de grandes corporações, que empregavam milhares de pessoas. O princípio de governança corporativa utilizado para alocação das receitas dessas corporações era denominado de ‘reter e reinvestir’. Segundo esse princípio, as empresas retinham os lucros e os empregados; os lucros eram reinvestidos em capital físico e recursos humanos complementares. Retenções de ganhos e reinvestimento em capital proveram as fundações financeiras para o crescimento corporativo, enquanto a construção de capacidade gerencial para desenvolver e utilizar recursos produtivos permitiu investimentos bem sucedidos em instalações, equipamentos e pessoal (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000). No entanto, nos anos de 1960 e 1970, o princípio do “reter e reinvestir” incorreu em problemas, por dois motivos: excessivo crescimento das empresas e surgimento de novos concorrentes. A expansão excessiva das corporações, a ponto de lhes impor dificuldades de coordenação, tornou mais complexo o entendimento de quais estratégias inovadoras deveriam ser perseguidas e se as organizações possuíam capacidades de implementá-las (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000). Conforme aponta Kerstenetzky (2007), até os anos de 1970, os grandes conglomerados estiveram associados a uma concepção de firma em que sinergias econômicas favoreceriam a aplicação de técnicas de gerenciamento a uma combinação de negócios 32 heterogêneos. A firma conglomerada seria, deste modo, um conjunto de ativos - um portfolio de ativos com diferentes linhas de produtos – dispostos e rearranjados pelos gerentes através da compra e venda de unidades. Neste sentido, este tipo de organização industrial favorecia: (i) a suavização dos ciclos, pela diversificação; (ii) a gestão dos ativos do portfólio, com o emprego de modernas técnicas de gestão, informação e acesso à mercados financeiros; e (iii) o acompanhamento do desempenho dos investimentos, com aquisições e vendas. O fraco desempenho dos conglomerados se tornou parte das explicações para o declínio das corporações norte-americanas na década de 1970. A outra parte foi creditada ao ambiente macroeconômico instável e a ascensão de uma nova concorrência internacional, especialmente do Japão. O Japão passou a desafiar os Estados Unidos em indústrias e setores - produção em massa de automóveis, eletrônicos de consumo e nos setores de máquinas e eletrônicos que forneciam bens de capital para essas indústrias de consumo duráveis - em que empresas norte-americanas tinham sido líderes mundiais e que tinham sido essenciais para a prosperidade dessa economia desde os anos de 1920(LAZONICK, 2006; LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000) Diferentemente das empresas norte-americanas - que utilizavam suas organizações gerenciais para desenvolver e utilizar tecnologias que lhes possibilitassem dispensar trabalhadores de chão de fábrica e que priorizavam a utilização de fornecedores e distribuidores, mesmo que isso significasse um menor envolvimento com o processo inovativo -, as empresas japonesas instituíramo emprego permanente, que permitiu um novo modelo de integração hierárquica e funcional - integração das capacidades das pessoas com uma gama mais ampla de especialidades funcionais e uma matriz de responsabilidades hierárquicas mais profundas -, e possibilitou o envolvimento destas na aprendizagem coletiva e inovativa(LAZONICK, 2006; LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000). Foi nesse contexto que a abordagem de governança corporativa, conhecida como teoria da agência, é resgatada e reinventada por Michael Jensen e William Meckling, ambos da Universidade de Rochester. Essa discussão, iniciada no século XVII, na Holanda e Inglaterra, com a criação das sociedades anônimas modernas, caracterizadas pela dispersão dos acionistas cuja responsabilidade pelas dívidas da empresa estava limitada ao valor de suas ações, foi tratada por Adam Smith, em 1776, em A Riqueza das Nações (FOX, 2010). Na época, Smith criticava as sociedades anônimas com o seguinte argumento: 33 The directors of such companies,…being the managers of other people’s money than of their own, it cannot well be expected, that they should watch over it with the same anxious vigilance with which the partners in a private copartnery frequently watch over their own. Negligence and profusion, therefore, must always prevail, more or less, in the management of the affairs of such a company (FOX, 2010, p. 154; JENSEN; MECKLING, 1976, p. 305). Segundo a abordagem da teoria da agência, o fraco desempenho das empresas norteamericanas na década de 1970 era devido à falta de disciplina dos gerentes corporativos, que, oportunisticamente, usavam seu controle sobre a alocação de recursos para alcançar objetivos próprios, ou pelo menos que eram contrários aos interesses dos acionistas. Nesse sentido, fazia-se necessário um mercado de aquisição que, funcionando como um mercado para controle corporativo, poderia disciplinar os gestores que gerenciavam mal suas empresas. A taxa de retorno sobre as ações da empresa seria sua medida de desempenho e a maximização de valor para os acionistas seu credo (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000). Tal abordagem tem implicado, desde a década de 1980, em estratégias comerciais e financeiras que buscam aumentar a taxa bruta de retorno econômico sobre o capital empregado. Esse aumento tem sido alcançado pela combinação de dois métodos, a saber: (i) redução do custo do trabalho, que eleva a participação dos lucros; e, (ii) poupança de capital produtivo, que reduz a relação capital/produto. Neste sentido, a divisão do trabalho tem sido remodelada por estratégias relacionadas à terceirização, subcontratação, spin-offs, dentre outras (WILLIAMS, 2000; AGLIETTA, 2000). O foco nestas estratégias tem reorientado a hierarquia de objetivos gerenciais numa direção em que, além de organizar processos e atender consumidores, as empresas devem satisfazer, também, gestores de fundos e atender as expectativas do mercado de capitais. O resultado disso é uma nova forma de concorrência em que as empresas de capital aberto competem, como um investimento, em termos de desempenho financeiro (WILLIAMS, 2000). Esse princípio de governança corporativa encontrou nos investidores institucionais o suporte necessário. A transferência de participação acionária das famílias para instituições como fundos mútuos, fundos de pensão e companhias de seguro de vida, proporcionou maior poder para os acionistas influenciarem os rendimentos e valores de mercado das ações. As mudanças ocorridas no setor financeiro, na década de 1970, possibilitaram a inclusão de ações corporativas nas carteiras de investimento de companhias de seguro de vida e fundos de pensão. Nos anos de 34 1960 e 1970 esse tipo de procedimento possuía restrições legais (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000). Essas mudanças, que promoveu o crescimento do investimento institucional baseado em ações, foram conseqüência, (i) da mudança de foco de empresas financeiras de Wall Street, da compra e venda de empresas durante a mania do conglomerado dos anos de 1960, para o apoio à atividades de investimento de longo prazo (principalmente através de emissões de obrigações), visando a geração de ganhos de capital através de negociação de títulos corporativos e governamentais; e (ii) da evolução da tecnologia de computação, que possibilitou essas empresas lidarem com volumes mais elevados de comércio(LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000). Os investidores institucionais foram participantes centrais do movimento de aquisições hostis ocorrido na década de 1980 (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000). A possibilidade de uma aquisição hostil evitaria, em tese, que executivos adotassem comportamentos muitos desviantes dos interesses dos acionistas, e aumentaria a eficiência alocativa dos recursos da economia, na medida em que empresas mal gerenciadas seriam adquiridas11(RABELO; SILVEIRA, 1999). As aquisições hostis, sob a alegação de que foram benéficas para as empresas envolvidas e para a economia dos EUA como um todo, encontraram o apoio necessário no surgimento de um poderoso mercado para controle corporativo. Essas aquisições, além de colocar à frente das empresas gestores dispostos a maximizar valor para o acionista, obrigavam-os a demitir trabalhadores e vender ativos físicos, caso isso fosse necessário para atender as novas obrigações financeiras da corporação e, de fato, empurrar para cima o valor das ações (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000). A não adesão aos critérios financeiros na tomada de decisões e na reorganização das firmas passou a ser negativamente avaliado pelo mercado, provocando queda no valor das ações e obrigando à reestruturação, ou resultando na perda de controle. Os custos sociais provocados pela adesão aos critérios mencionados, fechamento de plantas e perda líquida de postos de trabalho, passaram a ser creditados à situação de sobreinvestimento e sobreemprego em que estava operando a economia, associados a falhas nos sistemas de controle (KERSTENETZKY, 2007). 11 Porém, com base em estudos empíricos, existem poucas evidências de que as mudanças de controle com as aquisições representam uma resposta ao mau desempenho dos executivos. Apesar do mercado de aquisições ser um mecanismo utilizado para disciplinar os gestores nos países anglo-saxões, é possível encontrar a mesma intensidade de rotação de gestores em nações cujo modelo de governança corporativa é diferente do anglo-saxão (CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001). 35 Sobre o argumento de que os mercados de capitais desempenham, no capitalismo, um papel importante na eliminação da capacidade ociosa, Kerstenetzky (2007, p. 229) acrescenta: [...] a queima de capital produtivo da década de 1980 e o downsizing não seriam diferentes da racionalização do final do século XIX, em que ondas de trustificação queimaram capacidade ociosa e selecionaram plantas de maior produtividade. Fusão de empresas e fechamento de plantas seriam recorrentes na história do capitalismo, periodicamente assolado por sobreinvestimento e excessiva multiplicação de unidades de produção sob os efeitos da mudança tecnológica, da redução de custos e de novas oportunidades lucrativas. Ao sobreinvestimento se seguiria um processo de racionalização e enxugamento do excesso, com seleção de plantas com base na produtividade e rearranjo eficiente. O resultado final seria de vasto aumento de produtividade e bem-estar, mas com períodos marcados pela presença de obsolescência de capital humano e físico, cuja solução apresenta custos, amargor, incompreensão e tempos difíceis. No caso de uma economia de corporações, o correspondente da falência da firma familiar é a reestruturação operada pelo mercado de capitais. Porém, a partir deste argumento, poderia se pensar que, da mesma maneira que o movimento de aquisições hostis da década de 1980 influenciou a reforma da governança corporativa, que passaria a ser regida pelo princípio da criação de valor para o acionista, o crash do mercado norte-americano de ações, de 1987, poderia ter colocado fim a esse princípio. Em vez disso, o mercado de ações se recuperou rapidamente e, durante toda a década de 1990, as corporações norte-americanas foram extremamente hábeis em reproduzir esse princípio de governança (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000). Em nome da criação de valor para o acionista, a orientação estratégica dos gestores na alocação de recursos mudou de lógica; do ‘reter e reinvestir’ para o ‘reduzir e distribuir’. Sob essa lógica, o tamanho das empresas foi reduzido, com corte, inclusive, de força de trabalho, numa tentativa de aumentar o retorno sobre o patrimônio líquido e distribuí-lo para os acionistas (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000). 2.1.2 Por que maximizar valor para o acionista? A fundamentação teórica do princípio de governança corporativa de maximização de valor para o acionista está baseada na ideia de que a existência de mercados perfeitos de capital, trabalho e produto, nas economias de mercado, assegura a melhor alocação possível dos recursos escassos para atingir o desempenho econômico mais eficiente possível (BERNSTEIN, 2007; LAZONICK, 2006). 36 Portanto, a existência de mercados de capitais eficientes impõe que o valor de mercado da firma reflita seus fluxos de caixa líquido esperados, incluindo os fluxos de caixa das oportunidades de investimentos futuros (JENSEN; SMITH, 1984). Ou seja, pressupõe-se que as informações atendam as exigências legais e as expectativas dos participantes deste mercado, de modo que uma nova informação seja incorporada rapidamente, com o concomitante ajuste nos preços dos títulos (PROCIANOY; ANTUNES, 2003). A Hipótese da Eficiência de Mercado (HEM), cuja evolução empírica e teórica ocorreu no decorrer do século XX, principalmente a partir do desenvolvimento de modelos econômicos ao longo da década de 1960, remonta estudos realizados em 1900, quando passou a ser desenvolvida a ideia do comportamento aleatório dos preços. Esta ideia pressupunha a inexistência de padrão nos preços históricos; estes não eram úteis para prever mudanças futuras (CAMARGOS; BARBOSA, 2003). Jensen (1978) afirma que a HEM se tornou amplamente aceitável nos anos de 1950 e 1960, quando apareceu sob o nome de Random Walk Theory, na literatura de Finanças, e de “Teoria das Expectativas Racionais”, no mainstream da literatura de Economia. Segundo o mesmo autor, a HEM é uma extensão da condição de equilíbrio competitivo da teoria dos preços clássica para o comportamento dinâmico de preços nos mercados especulativos em condições de incerteza. As condições para que a HEM se verifique, segundo Fama (1970), são: (i) inexistência de custos de transação nas negociações de títulos; (ii) disponibilização de todas as informações sem custos para todos os participantes do mercado; e (iii) conformação das expectativas dos investidores no que se refere aos efeitos das informações sobre os preços atuais das ações, assim como suas distribuições futuras. Diversas versões da HEM tem sido amplamente discutida e testada na literatura, estando a diferença entre estas associadas, principalmente, a definição do conjunto de informações usada nos testes. As três grandes versões desenvolvidas são: (i) a forma fraca da HEM, em que o preço das ações reflete toda a informação contida no histórico de preços passado; (ii) a forma semi-forte, em que toda informação disponível ao público se reflete nos preços dos ativos; e (iii) a forma forte, em que todas as informações se reflete no preço das ações, seja informações privadas ou confidenciais ou internas à empresa, ou informações públicas (JENSEN, 1978). 37 A HEM tem inúmeras implicações importantes para finanças corporativas. A principal delas é a não existência de ambiguidade sobre a função objetivo da firma; que é a maximização do seu valor de mercado atual (JENSEN; SMITH, 1984). No entanto, ao se admitir a existência de “imperfeições de mercado” – a existência de especificidade de ativos, por exemplo -, o que exige controle gerencial sobre a alocação de recursos, surge um "problema de agência" para os "principais”, que fizeram investimentos na firma. Duas limitações sobre a habilidade humana de tomar decisões sobre a alocação de recursos, uma cognitiva e outra comportamental, derivam o problema de agência (LAZONICK, 2006). A limitação cognitiva é a informação oculta (também conhecida como seleção adversa ou racionalidade limitada), que impossibilita os investidores (principais) de saberem, a priori, se os gerentes contratados (agentes) serão bons ou maus alocadores de recursos. A limitação comportamental é a ação oculta (também conhecida como risco moral ou oportunismo), que reflete a propensão, inerente a uma sociedade individualista, dos agentes utilizarem sua posição como alocadores de recursos para maximizarem sua função utilidade, em detrimento da função utilidade dos principais. Segundo Lazonick (2006, p. 3-4): These managers may allocate corporate resources to build their own personal empires regardless of whether the investments they make and the people they employ generate sufficient profits for the firm. Or they may hoard surplus cash or near-liquid assets within the corporation, thus maintaining control over uninvested resources, rather than distributing these extra revenues to those who have invested in the company. Or they may simply use their control over resource allocation to line their own pockets. Diante da suposição de que a “boa governança corporativa” significa maximizar valor para o acionista, a questão que fica é saber por que o acionista é beneficiado e não, por exemplo, os credores, tornando suas aplicações financeiras mais seguras, ou os empregados, via maiores salários e benefícios. Os simpatizantes da teoria argumentam que entre todos os stakeholders da corporação empresarial, somente os shareholders são os “residual claimants”. Ou seja, dentre as partes interessadas, apenas os acionistas não têm direitos contratuais garantidos; seu retorno, caso haja, depende do que sobra depois de terem sido pagas às partes suas contribuições produtivas (LAZONICK, 2006; CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001). Conforme aponta Fama e Jensen (1983), os riscos assumidos pela maioria dos agentes são limitados pelas estruturas de contrato das diferentes formas de organização. Quem 38 suporta o risco residual – diferença entre a entrada de recursos e os pagamentos prometidos aos agentes – são aqueles que contratam os direitos aos fluxos de caixa líquido, chamados reclamantes residuais ou portadores de risco residual. Sobre este aspecto, Charreaux e Desbriéres (2001) acrescentam que o fato de os acionistas desempenharem um papel secundário no processo de criação de valor justifica, de certa maneira, sua remuneração incerta; no caso de uma situação econômica favorável, os acionistas são remunerados, por outro lado, caso a situação econômica seja desfavorável, são estes que suportam a maior parte dos prejuízos. O fato deste grupo de agentes suportar a maior parcela da incerteza o obriga a monitorar os gerentes para assegurar que estes aloquem recursos da forma mais eficiente possível; o que reduz os custos incorridos para o monitoramento dos contratos com outros grupos de agentes (FAMA; JENSEN, 1983). Ou seja, como a posse de uma ação não implica qualquer tipo de direito contratual, facultando ao acionista a realocação de seus investimentos financeiros, eles são considerados os participantes da economia que estão mais bem situados para realocar recursos para usos mais eficientes (LAZONICK, 2006). Contratos que direcionam as decisões para o atendimento dos interesses dos requerentes residuais contribuem para geração de valor para as organizações. Pois, da mesma forma que produzir a um baixo custo, por exemplo, está alinhado aos interesses dos reclamantes residuais, pelo fato de aumentar o fluxo de caixa líquido, contribui para sobrevivência da empresa, ao permitir que produtos sejam vendidos a preços menores (FAMA; JENSEN, 1983). Para Jensen (2010), esta perspectiva é, também, benéfica para a sociedade como um todo. Pois, numa perspectiva rival, a stakeholder theory, a não indicação da solução de conflitos entre os diferentes interesses e dos princípios que devem guiar a tomada de decisões liberaria os gerentes, sem responsabilidades, à seguirem seus próprios interesses. Neste sentido, a maximização de lucros e sua distribuição à quem fez o investimento se constitui num critério claro de decisão sobre o emprego do dinheiro, estando a ligação entre o interesse do acionista e do restante da sociedade na valorização de cada unidade gasta. Consumidores, trabalhadores e fornecedores, além de contribuírem com a valorização, podem, também,assumir os riscos e o controle comprando ações (KERSTENETZKY, 2007). Porém, como os interesses dos gestores podem estar associados à consolidação de suas posições através da solidez e produtividade alcançadas com a coalizão organizacional, o 39 alinhamento com os interesses dos acionistas pode não se constituir na única preocupação destes. A desconexão com a evolução das remunerações dos acionistas e/ou empregados poderia causar conflitos – desestímulos dos empregados, por exemplo - e levar a uma redução do stakeholder value12 (CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001). Além disso, a análise do processo de criação de valor, relacionado ao sistema de governança corporativa, não pode ser reduzido às transações entre empresas e acionistas e ao estudo da influência destes no controle sobre os gestores. A importância destes fatores, tanto para a literatura sobre criação de valor, quanto para aquela relacionada à governança corporativa, deve-se à prevalência do modelo anglo-saxão em relação aos modelos europeus e japoneses, baseados, conforme Charreaux e Desbriéres (2001), numa abordagem mais plural da firma13. Os gestores criam valor quando a diferença entre os preços de venda e os custos de produção, incluindo o custo de oportunidade, é positiva. A escassez de produtos e serviços oferecidos pela empresa e o quão dependentes os clientes são destes determinam o nível de preços. Neste sentido, um produto/serviço inovador, por exemplo, pode se configurar como uma importante fonte de criação de valor. Da mesma maneira que, ao reduzir o custo de oportunidade, uma menor remuneração exigida pelos credores financeiros - devido a diminuição do risco -, ou um acordo de parceria com os fornecedores, ao reduzir o risco de oportunismo (CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001). Neste sentido, o processo de criação de valor não pode ser analisado independentemente do processo de distribuição, sendo que este não deve se resumir à geração de valor para o acionista. Uma distribuição favorável aos trabalhadores, com pagamentos de salários superiores aos seus custos de oportunidade, por exemplo, induz um melhor desempenho destes, resultando na melhoria da qualidade dos produtos produzidos (CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001). 12 Sobre este aspecto, Penrose (1959), já analisando o conflito de interesses evidenciado pela separação entre propriedade e controle, argumentava que os administradores assalariados ganhavam pouco, ou nada, pela distribuição de dividendos além do necessário para evitar reclamações em grande número de acionistas, para atração de capital adicional necessário e, de modo geral, para formação ou manutenção da reputação da firma como um bom investimento. Segundo a autora, a retenção e reinversão dos fundos gerados pela firma garantiriam um prestígio e satisfação pessoal à estes administradores maior do que a distribuição de dividendos para além dos limites necessários para conservar a felicidade dos investidores. 13 De maneira mais ampla do que aqueles que definem governança corporativa como o estudo dos processos pelos quais os fornecedores de recursos – reduzidos aos únicos investidores financeiros - garantem a rentabilidade do seu investimento, Charreaux e Desbriéres (2001) a definem como mecanismos que governam o comportamento dos gestores, atores centrais (mas não os únicos) no processo de criação de valor, e delineiam seu poder discricionário. 40 Uma análise precisa do processo de distribuição revela, ainda, que os atributos utilizados pelos demais stakeholders, que não os acionistas, para criação de valor, são, em sua maioria, intransferíveis. Um trabalhador, que recebe a parcela do valor criado correspondente a sua contribuição específica, por exemplo, não é capaz de mobilizar esse valor no mercado. A possibilidade dos acionistas transferirem seus recursos, através do mercado de ações, constitui a melhor proteção do capital investido;o que contrapõe o argumento de que estes sejam os únicos “residual claimants” (CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001). O mercado de ações, dentro do paradigma do shareholder, é a instituição de governança corporativa pelo qual o problema de agência pode ser resolvido e a alocação eficiente de recursos da economia pode ser alcançada; as decisões internas quanto à alocação de fluxos de caixa futuros e correntes se refletem nos preços das ações (LAZONICK, 2006; AGLIETTA, 2000; FAMA; JENSEN, 1983). Portanto, o mercado de ações pode funcionar, especificamernte, como um mercado de controle corporativo, que permite aos shareholders ‘disgorge the free cash flow’ (LAZONICK, 2006; FAMA; JENSEN, 1983). Fluxo de caixa livre ou líquido, conforme já definido, éo fluxo de caixaque excede o necessário para ofinanciamento detodos osprojetos comvalores presenteslíquidos positivos,quandoos custosrelevantesdecapital forem descontados. Os graves conflitos de interesses entre acionistas e gestores, gerados pela obtenção defluxo de caixa livre substancial, impõem a necessidade de motivar os últimos à distribuir fluxo de caixa livre aos primeiros, ao invés de investi-lo a baixo custo de capital ou desperdiçá-locom ineficiências organizacionais (JENSEN, 1986). Exceto para firmas com projetos de investimentos não rentáveis, a teoria do fluxo de caixa livre supõe que os preços das ações sobem com aumentos inesperados de pagamentos aos acionistas (ou promessa de aumentos) e caem com a redução de pagamentos ou nova requisição de fundos (ou perspectiva de reduções de pagamentos futuros) (JENSEN, 1986). A possibilidade dos investidores venderem suas ações, realocando seus recursos para usos mais eficientes, motiva os gerentes a maximizar valor para os acionistas. Pois, a venda de ações reduz o preço das ações da empresa, que, por sua vez, facilita a aquisição por acionistas que podem colocar no lugar gestores que estejam mais dispostos à distribuir fluxos de caixa livre (LAZONICK, 2006). 41 A maximização do valor para o acionista, como novo princípiode governança corporativa, nos anos de 1980 e 1990, elevou os rendimentos reais sobre ações corporativas dos EUA como um todo, que tinham sido corroídos pela inflação durante a década de 1970. A elevação dos rendimentos foi reflexo, conforme salienta Lazonick (2006), de uma combinação de três forças distintas da economia corporativa norte-americana, a saber: (i) redistribuição das receitas corporativas, principalmente das companhias da “Velha Economia” (Old Economy Business Model - OEBM) -, que se originaram no final do século XIX -, com a redução da força de trabalho e a distribuição de fluxo de caixa livre para os acionistas. Isso representou uma reversão do regime “reter e reinvestir”, que tinha caracterizado as decisões de alocação de recursos dessas companhias nas décadas do pós-Segunda Guerra Mundial, quando a renda corporativa era retida para reinvestimentos na organização, com expansão da força de trabalho; (ii) maior lucro por ação, impulsionado pela inovação, especialmente por empresas da “Nova Economia” (New Economy Business Model - NEBM) - empresas de tecnologia da informação e comunicação(TICs), fundadas a partir de 1955, não estabelecidas a partir de um spin-off de uma empresa da “Velha Economia” e que não se expandiu por meio de uma fusão (com) ou aquisição (de) uma empresa da “Velha Economia” -, tais como Intel, Microsoft, Cisco Systems, Sun Microsystems e Oracle. O significante crescimento experimentado, tanto nas rendas de capital, quanto nas de trabalho, durante os anos de 1980 e 1990, foi resultado do regime de alocação “reter e reinvestir”. A retenção de rendas corporativas se deu pela pouca distribuição de dividendos e reinvestimentos em produtos e processos inovativos; foi o sucesso inovativo dessas corporações que resultou no aumento de preços de suas ações; A diferença entre as companhias da nova e da velha economia é que na primeira foi a criação de valor pelo processo de inovação que justificou o aumento dos preços das ações, ao passo que, na segunda foi o processo de redistribuição que transferiu valor das rendas de trabalho para as rendas de capital, aumentando o preço das ações, mesmo sem a criação de novo valor. (iii) especulação pelos investidores no mercado de ações, incentivados, ao menos inicialmente, pelo aumento dos preços das ações, devido à redistribuição e/ou inovação. Apesar da combinação da redistribuição da “Velha Economia” e da inovação da “Nova Economia” ter provido um sólido alicerce para o crescimento dos preços das ações, em certos períodos a especulação se tornou um fator importante no aumento desses preços, com profissionais que 42 detinham informações privilegiadas, no interior das corporações e em Wall Street, ganhando com essa especulação. Apesar do exposto, as falhas existentes na teoria da agência, algumas delas já comentadas, deixam sérias dúvidas sobre sua utilidade para analisar a relação existente entre governança corporativa e performance econômica. Essas falhas, conforme argumenta Lazonick (2006), podem ser assim sumarizadas: (i) falta de explicação sobre como as corporações passaram a controlar a alocação de significantes recursos da economia. A teoria da agência surge num contexto de intensa competição estrangeira enfrentada pelas corporações norte-americanas, caracterizadas por uma separaçãoentre propriedade e controle gerencial. Como resposta a essa competição, as corporações estadunidenses, guiadas pela perspectiva da maximização do valor para o acionista, passaram a incentivar seus gerentes a aumentar o preço das ações de suas companhias, mesmo se isso fosse acompanhado por uma redistribuição de rendas corporativas, da renda do trabalho para renda do capital, minando a efetividade da capacidade produtiva acumulada por essas; (ii) a forma de mensuração, em algum ponto do tempo, do fluxo de caixa livre.A teoria não trata de como se pode prever o fluxo de ganhos futurosquando uma empresa tem de investir em inovação para se manter competitiva. Pois, uma estratégia inovadora enfrenta três tipos de incertezas: a incerteza tecnológica, a incerteza de mercado e a incerteza competitiva. A incerteza tecnológica surge da impossibilidade de prever se a empresa desenvolverá processos e produtos de maior qualidade. A incerteza de mercado nasce da possibilidade de redução dos retornos dos investimentos, caso hajam futuras quedas nos preços dos produtos e aumentos nos preços dos fatores. A incerteza competitiva é reflexo da possibilidade de um investimento em uma determinada estratégia, por uma empresa inovadora concorrente, gerar um produto de melhor qualidade e/ou menor custo. Pode-se concluir, com o exposto, que se os gerentes buscarem maximizar valor para o acionista, elesnão serão incentivados à investir em projetos inovadores, que têm retornos altamente incerteza14. Sobre este aspecto, Kerstenetzky (2007, p. 232) argumenta: [...] embora o progresso técnico recente faça parte do ambiente no qual se desenvolve a perspectiva da agência e seja mesmo por ela valorizado, esta perspectiva não apresenta 14 O termo incerteza está aqui inserido nos termos utilizados por Keynes (1937), que a define não apenas como a distinção entre o que é conhecido e o que é apenas provável, mas como a inexistência de base científica que balize a formação de qualquer probabilidade calculável. 43 elementos teóricos para que se possa avaliar de que forma decisões maximizadoras são tomadas quando mudança e progresso técnico estão presentes, como é o caso da atualidade e do passado recente. Como tratar eficiência em uma conjuntura de mudança, eis algo que ainda está por sistematizar. (iii) a alegação de que apenas os acionistas são os “residual claimant”.Numa economia de mercado se assume que cada insumo do processo produtivo é pago pelo preço de mercado, que reflete sua contribuição produtiva e pode ser especificado num contrato. Esse é o caso, por exemplo, quando uma empresa compra de outra, em um mercado aberto e competitivo, uma mercadoria física como insumo produtivo. Porém, não se pode supor que esse seja o caso quando os insumos são disponibilizados pelo Estado ou na forma de serviços do trabalho dos empregados. O último ponto pode ser ilustrado a partir dos seguintes argumentos: Primeiro, a análise do papel da empresa no desenvolvimento econômico não pode prescindir do reconhecimento da relevância do Estado(ou, mais precisamente, de seus contribuintes) naoferta de infraestrutura, que, dado os investimentos necessários e a natureza incerta dos resultados, não seria disponibilizada por outro agente. Embora as empresas paguem taxas pela utilização da infraestrutura ofertada pelo Estado, não existe um nexo de contratos que garanta a esse um retorno sobre seus investimentos, baseado na contribuição produtiva desses investimentos para as empresas que os utilizam (LAZONICK, 2006). Segundo, os trabalhadores também podem argumentar que realizam investimentos em capacidades produtivas, que serão fornecidas às empresas, sem nenhum retorno contratual garantido. O investimento em capital humano específico por determinada empresa magnifica a dependência dos trabalhadores, em relação ao empregador, na geração de retornos sobre os investimentos; a especificidade do capital humano limita a mobilidade interfirmas dos trabalhadores, aumentando os riscos que eles carregam. A especificidade do investimento pode ser estabelecido pelo envolvimento dos empregados em processos de aprendizagem organizacional para desenvolver novos produtos e processos, que, se bem sucedido, dotará a empresa de propriedade intelectual, sem qualquer garantia contratual de que esses empregados se apropriarão de uma parcela dos retornos. Nesse sentido, os trabalhadores, assim como os acionistas, também deveriam receber o status de residual claimants (BLAIR; STOUT, 2006). Contra o segundo argumento, um executivo, ao promover um downsizing, poderia justificar que as capacidades produtivas dos trabalhadores mais antigos se tornaram 44 ultrapassadas, em virtude da concorrência promovida pelos trabahadores mais jovens e da mudança tecnológica. Assim, como qualquer investidor que assumiu riscos no passado, os trabalhadores que realizaram investimentos em capital humano específicoteriam de aceitar a perda de valor de mercado desse capital (LAZONICK, 2006). Da mesma forma, os trabalhadores poderiam contra-argumentar que, ao fazer uma análise correta das condições tecnológicas, de mercado e da concorrência, suas capacidades continuam essenciais para o processo de inovação. E que a opção pelo downsizing é uma ação oportunista dos executivos, que, por terem opções de ações, alinham seus interesses com os dos acionistas, e não uma reestruturação da força de trabalho com o propósito de inovação (LAZONICK, 2006). Sob a perspectiva da maximização de valor para o acionista, os executivos empreendem políticas de curto prazo, mesmos que estas estejam na contramão da geração de valor para os demais stakeholders, que desempenham determinante papel no processo de criação de valor(CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001). Com isto, os simpatizantes da stakeholders theory salientam que, do ponto de vista da eficiência global, o problema não estaria em disciplinar os gestores para nãoatuarem no atendimento de seus próprios interesses, mas, protegê-los de pressões que os obrigam a aplicar políticas de curto prazo. A mobilidade do capital financeiro protege os acionistas, porém, em contrapartida, impõe uma disciplina que pode ser contraproducente para os gerentes (CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001). Isso não significa a isenção dos gestores de obrigações de performance, todavia, que estes sejam avaliados não apenas pela taxa de retorno sobre investimento, mas, pela criação de valor às partes interessadas, também (CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001). A suposição de curto prazo proposta pela shareholder theory implica num sacrifício dos investimentos em inovação; mais rentáveis para geração de valor e produtividade (SINGH; SINGH; WEISSE, 2002; CHARREAUX; DESBRIÉRES, 2001). Dessa maneira, os acionistas públicos não desempenham papel algum no processo de inovação. Pois, com a finalidade de minimizar o risco, eles diversificam seus investimentos, não dispondo de tempo e/ou esforço para analisar as capacidades inovadoras das empresas cujas ações são titulares. E, caso não confiem na estratégia de investimento dessas empresas, eles vendem as ações; é o quea existência deum mercado de açõesde alta liquidez lhes permitemfazer (LAZONICK, 2006). 45 É nesse sentido que Aglietta (2000) argumenta que o princípio de maximização do valor para o acionista ajuda a legitimar a proeminência de shareholders em detrimento de outros stakeholders, e a predominância da visão de mercado de capital da firma em relação à visão industrial; o que reflete na distribuição do produto global de fatores gerado pela empresa. Na próxima seção discutir-se-á, justamente, como o princípio de maximização do valor para o acionista favorece a visão de mercado de capital da firma, em detrimento da visão industrial. 2.2 FIRMA MAXIMIZADORA X FIRMA INOVADORA O desprezo pela análise de como deve ser exercido o controle estratégico sobre a alocação de recursos das empresas, quais tipos de investimentos em capacidades inovadoras devem ser feitos e como os retornos dos investimentos que derivaram inovação devem ser distribuídos justificam o argumento dos teóricos simpatizantes da teoria da agência de que o desempenho econômico superior só pode ser alcançado através da maximização do valor para os acionistas (LAZONICK, 2006). Porém, como o objetivo da firma é transformar recursos produtivos em bens e serviços que podem ser vendidos para geração de receitas, uma teoria da firma deve, portanto, dar explicações sobre como ocorre essa transformação produtiva e como as receitas são obtidas. Essas explicações devem estar pautadas nas seguintes atividades genéricas: elaboração de estratégia, organização e financiamento. Segundo Lazonick (2006, p. 15), Strategizing allocates resources to investments in developing human and physical capabilities that, it is hoped, will enable the firm to compete for chosen product markets. Organizing transforms technologies and accesses markets, and thereby develops and utilizes the value-creating capabilities of these resources to generate products that buyers want at prices that they are willing to pay. Financing sustains the process of developing technologies and accessing markets from the time at which investments in productive resources are made to the time at which financial returns are generated through the sale of products. Sobre as referidas atividades genéricas, a teoria tradicional, aquela encontrada nos livros textos de microeconomia, coloca que: (i) dada as restrições tecnológicas e de mercado, a elaboração de estratégia para competir na indústria e a quantidade a ser produzida é determinada pela regra de maximização de lucro. A condição de desequilíbrio inicial (a existência de lucros anormais) determina em qual setor o recurso será alocado; (ii) a organização da empresa para competição é determinada pela função de produção e preços de fatores, que são exógenos 46 (LAZONICK, 2006); e (iii) o financiamento para transformar recursos produtivos em produtos geradores de receitas não se configura num problema, dado o pressuposto de que, a qualquer momento, a empresa pode contrair empréstimos de capital a taxa de mercado vigente e vender toda a produção que maximiza seus lucros, cobrindo o custo de capital (BERNSTEIN, 2007; LAZONICK, 2006). Mas, porque a empresa maximizadora de lucro, da teoria microeconômica tradicional, é supostamente não inovadora? Primeiro, porque, diferentemente do papel desempenhado pelo empresário na teoria da firma inovadora, esse não desempenha papel algum na criação da condição de desequilíbrio, que desencadeia a realocação de recursos de um setor para o outro; Segundo, porque o princípio da maximização do lucro não pressupõe a necessidade de conhecimentos especiais para competição em um setor, em detrimento do outro (LAZONICK, 2006; TIGRE, 2005). Uma vez escolhidaa indústria de atuação, enquanto a teoria tradicional assume a existência de certos custos fixos, que tem de ser suportados por todas as firmas que escolhem competir nessa indústria e são determinados exogenamente pela tecnologia existente e preços de fatores predominantes, na teoria da firma inovativa o nível de custos fixos se configura numa decisão estratégica de fazer investimentos destinados a dotar a firma com capacidade produtiva distintiva, comparada com seus competidores na indústria (LAZONICK, 2006). O pressuposto de que a tecnologia é dadae livre resulta numa produtividade média declinante; curva de custo em formato de U. Supondo que o fator variável chave é o trabalho, duas razões contribuem para esse resultado: (i) a adição de fatores variáveis aos fatores fixos reduz a produtividade dos fatores variáveis; e (ii) a adição de mais trabalhadores no processo produtivo dificulta a supervisão e monitoramento, pelo empresário, como fator fixo, do desenvolvimento das atividades produtivas (LAZONICK, 2006; TIGRE, 2005). Na teoria da firma inovadora a suposição restritiva de que o empresário aceita passivamente a condição de aumento de custos, e otimiza sujeito a esta, não é aceita. Os investimentos em organização e tecnologia são feitos justamente para mudar essa situação (LAZONICK, 2006). No que se refere ao financiamento dos investimentos, a incerteza inerente ao processo inovativo é central na análise. A teoria da firma inovativa assume que antes mesmo do retorno desses investimentos poder ser gerado e sua taxa de retorno conhecida, os investimentos devem ser realizados e utilizados ao longo do tempo (O’SULLIVAN, 2000). O fato da empresa 47 maximizadora apenas financiar investimentos para os quais já existe um retorno esperado cria oportunidades para as empresas inovadoras superá-las, caso o investimento seja bem sucedido (LAZONICK, 2006). O sucesso desses investimentos é incorporado em produtos, processos e pessoas, que passam a ter capacidades produtivas superiores. Porém, os altos custos fixos atrelados a esses investimentos, explicados pelo tempo necessário para desenvolver recursos produtivos que resultem em produtos de alta qualidade e baixo custo, colocam a firma em desvantagem competitiva, até o momento que as tecnologias desenvolvidas e o acesso aos mercados comecem a gerar retornos(LAZONICK, 2006).Conforme argumenta Lazonick (2006, p. 23): “An innovative strategy that can eventually enable the firm to develop superior productive capabilities may place that firm at a cost disadvantage because such strategies tend to entail higher fixed costs than the fixed costs incurred by rivals that choose to optimize subject to given constraints”. A captura progressiva de diferentes segmentos de mercado, com base em diferentes níveis de renda dos compradores é, também, permitida pela dinâmica do processo inovativo. A maior participação em diferentes segmentos de mercado ajuda na prevenção, presente e futura, do acesso à consumidores pelos rivais, fazendo com que esses (consumidores) se tornem clientes que repetem suas compras e atualizam sua demanda, e aumenta a experiência de aprendizagem das empresas inovadoras (LAZONICK, 2006). Da mesma forma que os ganhos promovidos pela inovação permitem a melhora da remuneração dos empregados, como forma de motivar um desempenho superior, o compartilhamento de ganhos com colaboradores pode ser fundamental para garantir sua cooperação na implementação de uma estratégia de investimento inovador. Portanto, uma boa remuneração pode ser vista, na perspectiva dinâmica, como fonte e resultado de vantagem competitiva (LAZONICK, 2006). Contrastando com o modelo de monopólio tradicional, o pressuposto para a dominância da firma inovativa é a transformação da estrutura de custos da indústria, produzindo um maior volume e vendendo a preços mais acessíveis do que as empresas maximizadoras. Portanto, conforme conclui Lazonick (2006, p. 27): The innovation process, that is, can potentially overcome the ‘constrained-optimization’ trade-offs between consumption and production in the allocation of resources as well as 48 between capital and labor, and even between enterprise and society, in the allocation of returns. It is for this reason that innovation forms the foundation of economic development. Cabe acrescentar que além de incerto, como já comentado, o processo de inovação se revela coletivo e cumulativo. Ou seja, além do resultado do processo não poder ser previsto no momento da realização dos investimentos, a transformação dos investimentos em inovação não pode ser feito nem por uma única pessoa, nem de uma só vez (O’SULLIVAN, 2000). O caráter incerto desse processo obriga os tomadores de decisão a terem uma compreensão apurada da tecnologia, do mercado e das condições competitivas da indústria na qual estão inseridos, e um incentivo para o enfrentamento da incerteza, em vez de evitá-la. O caráter coletivo impõe como pressuposto para a inovação o investimento em habilidades integradas, que podem se envolver em aprendizagem organizacional. Por fim, o caráter cumulativo impõe a continuidade de investimentos, mesmo sem a obtenção dos retornos esperados dos investimentos anteriores,tanto para sustentar o financiamento de processos de inovação ainda em andamento, quanto para financiar novas estratégias inovadoras (LAZONICK, 2006). Em sendo assim, numa teoria da firma inovadora, uma estrutura para analisar as interações de estratégia, organização e finanças, na geração de produtos de melhor qualidade e menor custo, é exigida. A estratégia surge como forma de enfrentar a incerteza, a organização para gerar aprendizado coletivo e o financiamento para sustentar a aprendizagem cumulativa (LAZONICK, 2006). Specifically, strategic control determines how strategic decision makers choose to build on ‘asset positions’; organizational integration determines the structure of incentives that characterize ‘organizational processes’ that can transform individual actions and individual capabilities (including those of strategic managers) into collective learning; and financial commitment determines whether the enterprise will have the resources available to it to persist along an ‘evolutionary path’ to the point where its accumulation of innovative capability can generate financial returns (LAZONICK, 2006, P. 29). Porém, não se pode perder de vista que os tipos de organizações que geram inovação, além de variar entre indústria e nação, podem variar dentro de uma determinada indústria e nação, ao longo do tempo. É nesse sentido que a inovação se configura num processo social, que se apoia em certas épocas e lugares por aquilo que pode ser denominado de "condições sociais da empresa inovadora". Ou seja, a base de competências utilizadas pelas empresas para transformar as tecnologias e acessar mercados podem variar de forma significativa de um ambiente 49 institucional para outro – inclusive, namesmaatividadeindustrial,na mesma nação e durante o mesmo período histórico-, justamente pela dependência da empresa inovadora das condições sociais (LAZONICK, 2006). Na próxima seção discutir-se-á essas condições e sua relação com a performance econômica. 2.3 CONDIÇÕES SOCIAIS DA PERFORMANCE ECONÔMICA EMPRESA INOVADORA E A análise comparativa dessas diferentes condições sociais da empresa inovadora pode ser iniciada utilizando como parâmetro o modelo de negócio da Velha Economia dos EUA, dominante na competição global no pós-Segunda Guerra Mundial. A característica base desse modelo era a separação entre propriedade e gestão.Os gerentes “de topo” eram motivados a agirem conforme o interesse organizacional, dada existência de uma cultura de permanência no cargo por um longo período; o sucesso profissional dependia do sucesso da empresa. Seus salários eram limitados pelas estruturas salariais hierárquicas das companhias(LAZONICK, 2006). Esse modelo era, também, caracterizado por uma segmentação organizacional, em que se observava, na parte superior da hierarquia, gerentes cuja formação e experiência as companhias fizeram vultosos investimentos, e trabalhadores “horistas”, que, embora dedicassem boa parte de sua vida à empresa, poucos eram os investimentos, por serem considerados mercadorias intercambiáveis. Enquanto os gerentes assalariados possuíam alta escolaridade, possibilitada por um sistema educacional apoiado pelo governo, cujo currículo era moldado segundo as necessidades das corporações, os trabalhadores “horistas” possuíam apenas ensino médio. Apesar da baixa qualificação profissional, a necessidade de se estabelecer uma relação de confiança e o sucesso do modelo garantiram a esses bons salários e benefícios (LAZONICK, 2006). Estruturas gerenciais coesas, incentivadoras da integração funcional das capacidades dos especialistas técnicos e administrativos e que se dedicavam ao desenvolvimento e asseguravam a utilização dos recursos produtivos da empresa, acrescentadas a planos de carreiras que permitiam uma mobilidade na hierarquia corporativa e um apoio financeiro considerável do governo para o desenvolvimento de tecnologias, contribuíram para geração de inovação (LAZONICK, 2006). 50 O financiamento governamental, que contava com a capacidade de pesquisa das corporações, configurava-se fundamental, dado tamanho e duração dos investimentos envolvidos, que, mesmo para grandes corporações, ou eram inviáveis ou faltava disposição para que esses fossem realizados por conta própria(GRAHAM, 2010; LAZONICK, 2006).Como fonte de fundos para investimentos, as empresas utilizavam empréstimos bancários, fazendo uso limitado do mercado de ações (LAZONICK, 2006). O modelo de negócio da Velha Economia dos EUA, nos anos de 1970 e 1980, fraquejou ao enfrentar a concorrência japosesa - que integrava os trabalhadores “horistas” nos processos de aprendizagem organizacional -, tendo a coesão interna de suas organizações de gestão enfraquecida, particularmente pelo crescimento e diversificação, e por uma forte segmentação de seus principais executivos em relação ao resto da organização gerencial. O pagamento dos altos executivos deixou de ser feito a partir de uma estrutura de recompensa hierárquica integrativa e os trabalhadores “horistas” se tornaram menos dependentes da busca de carreiras na hierarquia no interior da Velha Economia. A maximização do valor para os acionistas se tornou o objetivo predominante (LAZONICK, 2006). O poder inovador do modelo de negócio da “Velha Economia” dos EUA, que vigorou no pós-Segunda Guerra, tornava-se evidente quando comparado com o modelo britânico, muito mais hierárquico e funcionalmente segmentado. A Grã-Bretanha, que no início do período do pós-Segunda Guerra marcava presença nos principais mercados consumidores e indústrias de bens de capital, não conseguiu manter suas empresas competitivas nos mercados globais(GODLEY; CASSON, 2010; LAZONICK, 2006).A maior hierarquização e segmentação organizacional, tanto dos executivos com relação ao resto da organização, quanto dos especialistas técnicos entre si, configuravam-se como a principal razão. Essa segmentação, que prejudicou a realização de investimentos em capacidades organizacionais em resposta aos desafios inovadores, teve sua origem histórica na interação entre o controle de empresas industriais britânicas e a estrutura de sua sociedade durante a primeira metade do século XX(LAZONICK, 2006). Os industriais, formados por famílias que permaneceram no controle das empresas, não se constituíam uma classe social de elite, capazes de reformular as instituições econômicas britânicas para apoiar a inovação. A aristocracia, formada principalmente por financistas, controlava as instituições de elite à epoca e não tinha necessidade de um sistema educacional que 51 formasse tecnólogos; o estudo da ciência era valorizado como um ramo de conhecimento sofisticado, portanto, não existia interesse na adequação das instituições educacionais para aplicação na indústria. Até mesmo os industriais bem-sucedidos não estavam preocupados em desafiar o viés anti-tecnológico do sistema educacional, mas sim elevar sua posição social (LAZONICK, 2006). A estrutura segmentada da organização empresarial britânica permaneceu até os anos de 1950 e 1960, quando um movimento de aquisições hostis e nacionalizações desafiaram a persistência do controle familiar. Essas aquisições foram enfrentadas com o aumento do pagamento de dividendos aos executivos. Apesar do aumento relativo do pagamento de dividendos, quando comparado a outros países desenvolvidos, incluindo os Estados Unidos, o desempenho das empresas industriais britânicas continuou fraco. Pois, a comunidade financeira da Grã-Bretanha estava muito mais preocupada em se apropriar dos retornos dos investimentos realizados, por suas corporações empresariais, do que fornecer a essas empresas recursos para o desenvolvimento de estratégias de investimento inovativo, que poderiam gerar novas fontes de retorno no futuro (LAZONICK, 2006). As deficiências competitivas dessa indústria só foram atenuadas com as políticas monetárias durante a era Thatcher, que forçou o encerramento de muitas empresas organizadas segundo o modelo britânico. O investimento direto estrangeiro, principalmente de empresas japonesas e coreanas, ajudou na renovação dos métodos de gestão de empresas daGrã-Bretanha (GODLEY; CASSON, 2010; LAZONICK, 2006). O modelo de negócios japonês, nos anos de 1970 e 1980, desafiou o modelo da “Velha Economia” dos EUA em setores industriais que, até os anos de 1960, empresas americanas pareciam ter vantagens competitivas insuperáveis. O sucesso do modelo de negócios japonês, refletido no aumento das exportações japonesas para os EUA, na última metade da década de 1970, foi atribuído, inicialmente, à salários mais baixos e mais horas trabalhadas. O aumento dos salários reais, até o início da década de 1980, comprovou que a vantagem competitiva japonesa estava baseada em capacidades superiores na geração de produtos de melhor qualidade e menor custo (LAZONICK, 2006). O sistema de governança corporativa no Japão se caracteriza pela existência de propiedade cruzadade ações entre corporações; os proprietários de uma empresa possuem participação acionária em outras. Uma holding controla indiretamente uma miríade de outras 52 empresas a jusante da cadeia. Além de eliminar as aquisições hostis, este sistema reduz as pressões sobre os gestores do mercado para controle corporativo. No período pré-Segunda Guerra, quando o sistema era denominado Zaibatsu, o controle da holding era exercido por uma família, sendo, no período pós-Guerra, quando o sistema passou a ser chamado Keiretsu, substituída por gestores profissionais. Outra distinção importante entre os sistemas era que no Keiretsu a coerência era alcançada através da cooperação voluntária e da coordenação entre os seus membros, enquanto no Zaibatsu as famílias administravam suas empresas de maneira bastante autoritária (MORCK; NAKAMURA, 2003). Além das características mencionadas, as condições sociais para o sucesso japonês podem ser atribuídas à três características, a saber: (i) participação acionária estável dos executivos de “topo” das empresas industriais japonesas, que os possibilitaram ter a autonomia necessária para fazer investimentos inovadores em indústrias, que, na década de 1950, não possuíam o potencial necessário para serem bem sucedidas na competição internacional; (ii) o emprego permanente permitiu um novo modelo de integração hierárquica e funcional às empresas envolvidas, possibilitando a participação dessas na aprendizagem coletiva e inovativa, diferenciando-as de seus concorrentes internacionais; e (iii) empréstimos bancários permitiram o crescimento rápido e sustentado do processo inovativo das empresas, até que estas pudessem gerar retornos, primeiro internamente, e depois nos mercados de produtos estrangeiros (LAZONICK, 2006; MORCK; NAKAMURA, 2003). A participação acionária estável de gerentes corporativos permitiu, desde os anos de 1950, a construção de organizações caracterizadas pela, já referida, integração hierárquica e funcional. Essa integração apenas se tornou possível com os investimentos do governo japonês, desde as últimas décadas do século XIX, na educação de sua força de trabalho, permitindo o desenvolvimento de habilidades de chão de fábrica como parte de uma estratégia de aprendizagem organizacional, que integrava as capacidades dos gestores à dos trabalhadores. Estratégia que contrastava com os objetivos da aprendizagem gerencial norte-americana, que objetivava desenvolver tecnologias que pudessem substituir os trabalhadores de chão de fábrica (LAZONICK, 2006). As bases sociais para a integração hierárquica dos trabalhadores de chão de fábrica foram aumentadas pela ascensão dos sindicatos. O movimento sindical, que reunia empregados de white-collar (técnicos e administrativos) e blue-collar(operário), surge durante a última 53 metade da década de 1940, motivado pelas péssimas condições econômicas e iniciativas de democratização. O emprego permanente, até a aposentadoria, tanto para os white-collar, quanto para os blue-collar, foi a conquista mais importante do sindicalismo. Essa segurança no emprego criou compromisso dos trabalhadores com as empresas, permitindo a essas desenvolverem as capacidades produtivas dos trabalhadores (LAZONICK, 2006). O Estado japonês teve um papel no desenvolvimento, também, a partir do campo das finanças, não tanto da tecnologia, como aconteceu nos Estados Unidos, estruturando o sistema bancário para financiar o crescimento das empresas industriais durante as décadas do pósSegunda Guerra. Cada grande empresa industrial possuía um ‘main bank’, cujo trabalho era convencer outros bancos a realizarem empréstimos e assumirem a liderança da sua reestruturação, caso tivesse atravessando dificuldades financeiras (LAZONICK, 2006). Sob a lei japonesa, o recebimento de depósitos e a concessão de empréstimos eram autorizados, apenas, aos bancos, sem que estas autorizações fossem estendidas à emissão de títulos. O bom funcionamento deste sistema se devia ao fácil acesso dos bancos à um expressivo volume de capital a baixo custo, viabilizado por uma taxa de poupança extremamente elevada, quando comparada a de outros países industrializados. Isto permitiu um forte envolvimento dos bancos japoneses na governança corporativa das empresas (MORCK; NAKAMURA, 2003). Diante desse aspecto, muitos economistas do Japão e do Ocidente, durante a década de 1980, identificaram, incorretamente, o sistema bancário como instituição central de governança corporativa. Para esses, os ‘main bank’, como os principais, deveriam monitorar o compotamento dos gestores. Porém, apesar de desempenharem um importante papel no financiamento das empresas industriais, os bancos japoneses não possuíam recursos suficientes para monitorar essas empresas (LAZONICK, 2006). Com o exposto, pode-se afirmar que a garantia de que os executivos de “topo” de empresas japonesas exerceriam o controle estratégico para o benefício da empresa, e não para o seu próprio, não era dado pelo conselho de administração, que era quase inteiramente composto por executivos internos. Como no modelo de negócio inovador da “Velha Economia” norteamericana, o comportamento dos gestores de “topo” japoneses foi moldado por organizações coesas e, em particular, mesmo sem nenhuma garantia contratual, pela instituição do emprego permanente, que imputava aos trabalhadores a responsabilidade de manter a competitividade da empresa (LAZONICK, 2006). 54 A comparação entre os modelos de negócios dos EUA, Grã-Bretanha e Japão revela um grande número de distintas “variedades de capitalismo”.Isso não acontece apenas em escala global, mas, como se verá, ocorre em países relativamente próximos. Na Europa Ocidental, por exemplo, dois modelos não poderiam ser mais diferentes que aqueles que caracterizam as economias alemã e francesa. Como se não bastasse, os modelos de negócios que caracterizam as economias nacionais estão sujeitos a mudanças, como aconteceu nos EUA durante o último meio século (LAZONICK, 2006). Assim como nos grupos Zaibatsu e Keiretsu japoneses, o sistema de governança alemão se caracteriza pela existência depropriedade cruzada de ações entre empresas. Esse sistema, conforme salienta Fohlin (2005), fortalece a unidade, aumenta a cooperação e melhoraa coordenação. Neste sistema não se espera que o gerente maximize a riqueza dos acionistas, mas que cuide do bem-estar de todas as partes interessadas, incluindo o público em geral e o Estado alemão (FOHLIN, 2005). Além destes aspectos, o elevado grau de integração hierárquica e considerável segmentação funcional caracterizam o modelo de negócio alemão, que evoluiu nas décadas do pós-Segunda Guerra. As empresas do país, desde o início da década de 1950, são governadas por um sistema de co-gestão, que garante aos trabalhadores participação nas decisões relacionadas àremuneração, condições de trabalho, estratégia de investimento, entre outras(LAZONICK, 2006). As empresas alemãs se caracterizam, também, pelo alto nível de qualificação de seus funcionários, tanto de chão de fábrica, quanto administrativo, proporcionado pela combinação de uma educação formal e uma especialização particular para o desempenho laboral. Colaboram para esse sistema associações de empregadores e empregados, e o Estado. Por ter uma maior capacidade de financiamento, os maiores empregadores subsidiam o treinamento de funcionários para pequenas e médias empresas(LAZONICK, 2006). A elevada capacitação dos funcionários, inclusive daqueles de chão de fábrica, permitiu que esses desenvolvessem e utilizassem suas habilidades no decorrer de suas carreiras e, a partir de sua área de especialização, alcançassem um nível hierárquico maior. Nesse sentido, o elevado grau de integração hierárquica propiciou a liderança global alemã na fabricação de alta qualidade, embora com maior custo. Ao mesmo tempo que a especialização funcional permitiu um elevado nível de integração hierárquica, incentivou a segmentação funcional, que deixou suas 55 empresas, principalmente aquelas de engenharia mecânica e elétrica, vulneráveis aos desafios da concorrência de empresas mais organizacionalmente integradas (LAZONICK, 2006). Já no que se refere ao financiamento das empresas alemãs, os bancos têm exercido um papel importante, sendo, inclusive, para muitos historiadores econômicos, os responsáveis pela rápida industrialização do país e crescimento de suas empresas, a ponto de as tornarem gigantes internacionais (LAZONICK, 2006; FOHLIN, 2005; WILLIAMS, 2000). Além deprover financiamento de longo prazo, estes bancos têm se destacado, também, no fornecimento de serviços de governança corporativa para seus parceiros industriais15(FOHLIN, 2005). Os bancos têm se envolvido na governança das empresas industriais de duas maneiras: (i) participação acionária significativa, o que lhes asseguram direitos à assentos nos conselhos de administração; e (ii) manutenção de ações de clientes, com autorização à exercerem, por estes, seus direitos à voto. Apesar do poder exercido pelos bancos no sistema de governança corporativa alemão, este tem sido, por vezes, superestimado (FOHLIN, 2005; PROWSE , 1994). Em comparação com a elevada dependência do financiamento bancário para o crescimento das empresas industriais japonesas, as empresasalemãs têm sido capazes de crescer com uma menor dependência de seu sistema bancário16(LAZONICK, 2006). O caso da França oferece outra distinção pelo fato de que, entre todas as principais economias desenvolvidas, o seu desenvolvimento foi, na última metade do século XX, o mais explicitamente liderado pelo Estado. Esse país, nas décadas pós-Segunda Guerra, construiu um sistema nacional de inovação baseado em laboratórios de pesquisa nacional(Centre Nationale de Recherche Scientifique - CNRS), tendo o Estado como patrocinador de um número considerável de empresas industriais capazes de transformar pesquisas em produtos comerciais e militares (GODLEY; CASSON, 2010; LAZONICK, 2006). O setor estatal e as empresas industriais se constituem uma elite de poder desde a era napoleônica. Os futuros líderes do governo e das empresas industriais francesas eram os admitidos, através de um concurso nacional, nas “grandes écoles”, principalmente na École Polytechnique, para engenheiros, e ÉcoleNational d’Administration (ENA), para gestores. A existência dessa elite foi fundamental para o processo de reestruturação massiva da indústria de 15 Diferentemento do que acontece nos Estados Unidos, na Alemanha bancos comerciais e de investimentos não são separados, estando autorizados, inclusive, a deter participações em empresas não-financeiras (FOHLIN, 2005). 16 Segundo Fohlin (2005), as explicações tradicionais quanto à significativa intervenção dos bancos nas decisões de investimento e acompanhamento dircto dos contratos de dívida encontram pouco apoio na análise empírica disponível. 56 alta tecnologia promovida pelo Estado Francês, na década de 1980, que incluiu um programa de nacionalização (LAZONICK, 2006). Mesmo com a série de privatizações ocorridas, a partir de 1986, a tomada de decisões estratégicas continuou a cargo da elite, com a celebração de um sistema de participações cruzadas, que criou um núcleo de acionistas estáveis (CHARREAUX; WIRTZ,2007; LAZONICK, 2006). O relativo desmonte desse sistema, na década de 1990, além de reduzir as participações diretamente controladas pelas famílias, possibilitou o aumento da presença de investidores institucionais, especialmente os não residentes. A forte presença destes investidores não significou, contudo, um aumento de participação acionária que os permitissem controlar as corporações; a maior parte das empresas francesas listadas em bolsa permanece sob o controle da família fundadora (CHARREAUX; WIRTZ,2007). O enfraquecimento do sistema de participações cruzadas não modificou a forma de recrutamento dos altos executivos das grandes empresas francesas. A perpetuação desse sistema estabelece, além de uma segmentação funcional, uma segmentação hierárquica entre os executivos “de topo” e o resto da organização empresarial; mesmo com o aumento da mobilidade hierárquica na década de 1990. Em função da forte militância da classe trabalhadora, a elevada segmentação hierárquica e funcional não impediu a predominância de altos níveis salariais, mesmo para trabalhadores pouco qualificados (LAZONICK, 2006). No que tange à estratégia de financiamento, o sistema de financiamento bancário das empresas industriais mais explicitamente apoiado pelo Estado, talvez esteja na França. O parcial desmonte do sistema de participações cruzadas e a compra de quantidades significativas de ações de empresas francesas por investidores institucionais estrangeiros, apesar de ter deixado essas empresas mais vulneráveis à perda de controle estratégico, não respresentou uma dependência do capital estrangeiro. Empresas francesas utilizaram a efervescência do mercado de ações para fazer uso de suas ações como moeda de troca para aquisição de empresas estrangeiras, como parte de uma estratégia de expansão global (LAZONICK, 2006; WILLIAMS, 2000). Logo, apesar das profundas transformações ocorridas no sistema de governança corporativa francês, com a emergência dos investidores institucionais estrangeiros, o forte caráter familiar na administração das corporações foi mantido e as transações no mercado de controle corporativo raramente são hostis. Acrescenta-se, ainda, que o ativismo dos acionistas minoritários 57 continua modesto, embora tenha ocorrido um reforço nos seus direitos (CHARREAUX; WIRTZ,2007). Nos EUA, enquanto empresas japonesas desafiavam corporações americanas estabelecidas, ressurgiram, durante os anos de 1970 e 1980, indústrias de tecnologia da informação e comunicação (TICs), que forneceram a base para o que ficou conhecido, na última metade da década de 1990, de “Nova Economia”. Subjacente ao surgimento do NEBM, enormes investimentos no desenvolvimento de tecnologias de informação e comunicação foram realizados pelo governo norte-americano, em colaboração com universidades e empresas industriais (MAZZUCATO, 2013; LAZONICK, 2006; LAZONICK, 2005). O esforço do investimento combinado empresa-estado, até o final da década de 1950, resultou não apenas na primeira geração de computadores, sendo a IBM a principal empresa, mas, também, na capacidade de encaixar circuitos eletrônicos integrados em um chip de silício. A partir da segunda metade da década de 1960, a criação de startups de semicondutores foi induzida pela crescente variedade de oportunidades comerciais.Clusters de startups de semicondutores, apoiados por uma nova classe de capitalistas de risco, muitos deles com experiência de gestão ou técnica na indústria de semicondutores, foram formados no entorno da Universidade de Stanford, sendo apelidado, no início dos anos de 1970, de “Silicon Valley”17 (LAZONICK, 2006; LAZONICK, 2005). Contribuíram, também, para o sucesso do “Silicon Valley”,as intensas e, muitas vezes, informais, redes de aprendizado que transcendiam os limites das empresas. Além da aprendizagem organizacional ocorrer entre empresas, esta se deu, fundamentalmente, dentro das empresas, com a utilização das habilidades integradas de pessoal altamente qualificado, incluindo os gestores profissionais, geralmente com conhecimento em engenharia, que exerciam o controle estratégico (LAZONICK, 2006; LAZONICK, 2005). À estes gestores,contratados pelos capitalistas de risco, eram dadas ações, juntamente com opções de ações, para compartilhar a gestão estratégica da empresa. Esse tipo de remuneração, que se estendeu para uma base ampla de funcionários não-executivos, característica 17 Mazzucato (2013) reforça que, apesar de pemanecer no imaginário coletivo dos formuladores de políticas que o “Silicon Valley” foi um lugar em que o capital de risco fez uma revolução, a sua atual configuração deve-se, principalmente, a padrões de gastos governamentais em inovação, para atender os pressupostos e prioridades dos militares. Isto porque o Estado, quando comparado ao setor privado, tem maior predisposição de enfrentar o ambiente de incertezas existente nos estágios iniciais do desenvolvimento de novas tecnologias. 58 distintiva das empresas do NEBM, deu um poderoso incentivo financeiro para que os gestores desenvolvessem as capacidades inovadoras das empresas ao ponto de se fazer um Initial Public Offering(IPO) ou uma venda privada para uma empresa estabelecida. Sendo as ações da empresa transacionadas publicamente, os funcionários que exerciam suas opções de ações poderiam facilmente transformá-las em dinheiro. Além de uma forma de remureração, as ações foram utilizadas, também, durante a década de 1990, por algumas empresas do NEBM, para aquisição de outras empresas, menores e geralmente mais novas, com o objetivo de ter acesso à novas tecnologias e mercados (LAZONICK, 2006; LAZONICK, 2005). Outra tendência das empresas inovadodas do NEBMé o crescimento, atualizando e expandindo suas ofertas de produtos em atividades chaves, não se engajando numa diversificação indiscriminada, que minou o desempenho de muitas empresas líderes do OEBM, nos anos de 1960 e 1970 (LAZONICK, 2006; LAZONICK, 2005). Uma consequência desse fato é que empresas do NEBM se tornaram menos verticalmente integradas, quando comparadas as empresas do OEBM, justamente porque: [..] equipment manufacturers […] have focused their investment strategies on activities that require organizational learning in their core competencies, while outsourcing activities […] are too expensive and complex to be done in-house, or, alternatively, […], have become routine (LAZONICK, 2006, p. 54). Esse processo foi facilitado pelo número crescente de estrangeiros, principalmente da Ásia, durante as décadas de 1980 e 1990, que obtiveram pós-graduação em ciências e tecnologia nas universidades estadunidenses. Muitos deles, em seguida, entraram na força de trabalho dos EUA, obtendo o status de residentes permanentes. Além disso, um grande número de estrangeiros, durante a década de 1990, ganhou experiência na produção em indústrias de alta tecnologia desse país, sob programas de visto de não-imigrantes. Uma grande quantidade desses imigrantes continuou a trabalhar nos Estados Unidos, tornando-se residentes permanentes, mas, boa parte retornou para seus países de origem. A disponibilidade dessa oferta de trabalho altamente qualificada e experiente se constituiu na principal razão para que companhias norteamericanas, a partir dos anos 2000,deslocassem cada vez mais atividades, não apenas as rotineiras, mas, também, aquelas que exigem um alto nível de aprendizagem ornanizacional, realizadas anteriormente no país, para Índia e China, principalmente (LAZONICK, 2006; LAZONICK, 2005). 59 Portanto, com a análise realizada nesta subseção, percebe-se a existência de distintas “variedades de capitalismo”, tanto em escala global, quanto entre países relativamente próximos, existindo a possibilidade, ainda, dos modelos de negócio que caracterizam as economias nacionais mudarem. Segundo Berglof e Von Thadden (1999), o foco da análise sobre a proteção dos acionistas minoritários se configura muito estreita, na medida em que se referencia unicamente na questão da proteção das entidades de financiamento externo, excluindo as demais partes da empresa. Em particular, não existe qualquer menção sobre as leis trabalhistas ou as relações igualmente vitais entre trabalhadores e gestores, fornecedores e proprietários/gestores, comunidades locais e corporação, bem como entre governo e corporação. Assim, as estruturas em que a empresa está inserida e que determina seu desempenho e competitividade são expurgadas da análise, colocando um peso desproporcional para um pequeno aspecto. Além disso, não existe comprovação empírica de que o sistema anglo-saxão de governança corporativa é o mais eficiente para obtenção de um melhor desempenho. Uma constatação que magnifica este argumento é que Japão, Alemanha e França, mesmo não sendo regido por este sistema, obtiveram, durante o século passado, crescimento econômico maior, para o caso dos dois primeiros países, e comparável, para o caso do último país, ao das economias anglo-saxões (SINGH; SINGH; WEISSE, 2002). Quanto aos países em desenvolvimento, a aplicação do sistema anglo-saxão de governança corporativa seria factível, apenas, para economias em transição, dado que a proteção aos acionistas minoritários pode ser muito útil para atrair capital externo para a realização da reestruturação. Porém, não se pode perder de vista que esta fonte de recursos é altamente volátil e não deve ser a peça central de um programa de desenvolvimento. Além disso, para a maioria dos países em desenvolvimento, o problema de governança corporativa mais importante não é a proteção legal dos acionistas minoritários, mas, problemas de sucessão familiar e manutenção do controle da família (BERGLOF; VON THADDEN, 1999). 2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesse capítulo se discutiu como a intensificação do processo de globalização financeira da década de 1970 afetou a dinâmica de acumulação das grandes corporações no período pós-década de 1980, quando os argumentos a favor de administrar corporações para gerar valor para os acionistas entraram nos Estados Unidos. Resgatada e reinventada por Michael 60 Jensen e William Meckling, ambos da Universidade de Rochester, essa abordagem ficou conhecida como teoria da agência. A teoria da agência ganhou evidência com o fracasso das grandes corporações dos EUA, atribuído ao princípio do “reter e investir”. Segundo esse princípio, as empresas retinham os lucros e os empregados, sendo os lucros reinvestidos em capital físico e recursos humanos. Retenção de ganhos e reinvestimento em capital proveram as fundações financeiras para o crescimento corporativo, o que dificultou o processo de coordenação, resultando num fraco desempenho das corporações na década de 1970. O ambiente macroeconômico instável e a ascensão de uma nova concorrência, especialmente a japonesa, agravaram essa situação. Com isso, o princípio do “reter e reinvestir” foi substituído pelo “reduzir e distribuir” - o tamanho das empresas é reduzido, com corte, inclusive, de força de trabalho, e o fluxo de caixa livre distribuído para os acionistas. Esse princípio é justificado pela ideia de que os acionistas, entre todos os stakeholders, são os únicos quenão possuem direitos contratuais garantidos;seu retorno, caso haja, depende do que sobra depois de terem sido pagas, às partes, suas contribuições produtivas. Logo, os acionistas (principais) seriam os únicos com interesse em monitorar os gerentes (agentes) para assegurar que estes aloquem recursos da forma mais eficiente possível. Porém, sob uma perspectiva rival, a stakeholders theory, agumenta-se que outros agentes poderiam receber o status de residual claimants. Os trabalhadores, por exemplo, realizam investimentos em capacidades produtivas específicasque serão fornecidas às empresas, sem nenhum retorno contratual garantido. A especificidade do investimento, que pode ser estabelecido pelo envolvimento dos empregados em procedimentos de aprendizagem organizacional para desenvolver novos produtos e processos, caso bem sucedido, dotará a empresa de propriedade intelectual, sem qualquer garantia contratual de que esses empregados se apropriarão de uma parcela dos retornos. Sob a perspectiva da teoria da agência, desempenho econômico superiornão, necessariamente, resulta em inovação. Como o investimento em inovação envolve um confronto estratégico coma incerteza tecnológica, de mercado e competitiva, os acionistas públicos não desempenham papel algum no processo inovativo. Estes, com a finalidade de minimizar o risco, diversificam seus investimentos, não dispondo de tempo e/ou esforço para analisar as capacidades inovadoras das empresas cujas ações são titulares. É nesse sentido que se argumenta 61 que o princípio de maximização do valor para o acionista ajuda a legitimar a predominância da visão de mercado de capital da firma, em detrimento da visão industrial. Na medida em que o foco da análise se estabelece unicamente na questão da proteção das entidades de financiamento externo, excluindo as demais partes da empresa - mercado de trabalho, organização interna do trabalho das firmas, instituições de mercado, ambiente legal e regulatório, entre outras –, conclui-se que o modelo anglo-saxão de governança corporativa não, necessariamente,é o mais eficiente para obtenção de uma performance econômica superior. Esta constatação pode ser sustentada, ainda, pelo fato de que Japão, Alemanha e França obtiveram, durante o século passado, crescimento econômico superior ou comparável ao das economias anglo-saxões. No próximo capítulo, para subsidiar a discussão do capítulo quatro e atender a uma parte do objetivo geral do trabalho - que é analisar por que a política de conteúdo local instituída pelo governo brasileiro para o desenvolvimento de uma indústria para-petrolífera nacional está na contramão da perspectiva de maximização do valor para o acionista da Petrobras -, serão apresentadas as principais características das indústrias petrolífera e para-petrolífera mundiais. 62 3 AS INDÚSTRIAS PETROLÍFERA E PARA-PETROLÍFERA: UMA CARACTERIZAÇÃO GERAL O objetivo desse capítulo é apresentar as principais características das indústrias petrolífera e para-petrolífera, com o intuito de subsidiar a análise que será realizada no próximo capítulo, acerca da relação da Petrobras com a indústria para-petrolífera nacional. Para cumprir o objetivo proposto, o capítulo foi dividido em quatro seções. Na primeira, discute-se a indústria petrolífera (IP); suas características centrais, agentes e dinâmica de investimentos. Na segunda, apresentam-se as principais características da indústria para-petrolífera (IPP), assim como as relações intersetoriais entre essa indústria e a indústria petrolífera e o impacto destas relações na dinâmica de concorrência na indústria para-petrolífera. Na terceira, discute-se o papel desempenhado pela intervenção governamental no desenvolvimento das indústrias parapetrolíferas nacionais. Na quarta, fazem-se as considerações finais. 3.1 A INDÚSTRIA PETROLÍFERA (IP) A indústria mundial do petróleo (IMP) é um oligopólio internacional formado por grandes empresas muito competitivas, que atuam com escalas elevadas, tecnologia avançada e significativo poder financeiro. A intensidade do capital e os elevados investimentos em cada elo de seu sistema produtivo fazem dos ganhos de escala e do tamanho dos grupos econômicos uma das principais questões na definição de vantagens competitivas dessa indústria (RUAS, 2012; VALENTE, 2009). A IMP, que se originou nos anos de 1860, quando foram inauguradas as atividades de produção comercial nos Estados Unidos (YERGIN, 1991), envolve um conjunto de atividades que podem ser separadas em três principais segmentos: a) prospecção, exploração, perfuração e completação; b) produção; e c) transporte, refino e distribuição. Conforme se verifica na Figura 16, a seguir, os dois primeiros são os segmentos que atuam a montante (upstream) da cadeia; o último atua a jusante (downstream). 63 Figura 16 - Cadeia de atividades da indústria de petróleo e gás natural. Upstream Exploração Produção Downstream Transporte e refino Distribuição Petroquímica Fonte: TEIXEIRA; GUERRA, 2003 Nas atividades de transporte e refino, o óleo cru e o gás natural são conduzidos até as plantas de refino para serem processados e transformados em derivados. Comparadas com as atividades de E&P, estas apresentam um menor dinamismo tecnológico, apesar dos grandes investimentos realizados nos últimos tempos em novas tecnologias, para sua adequação à legislação ambiental e às condições de demanda. Já a atividade de distribuição está vinculada à comercialização de derivados, sem grandes desafios tecnológicos. Tanto nas atividades de transporte e refino, quanto nas de distribuição, as vantagens de escala se relacionam, basicamente, ao desenvolvimento de processos e ao tamanho dos mercados (RUAS, 2012; PINTO JÚNIOR, 2007). Nas atividades de E&P são realizados levantamentos geológicos e estudos necessários para verificar a existência de combustíveis fósseis, para avaliar as áreas descobertas, para identificar as jazidas e para viabilizar as atividades de extração de petróleo e gás natural (P&G). A atividade de produção, tanto pode ocorrer na terra, onshore, quanto no mar, offshore18(PINTO JÚNIOR, 2007). Segundo Ortiz Neto (2006) e Ortiz Neto e Shima (2008), as atividades offshore apareceram apenas na última década do século XIX – em águas ultrarrasas (swallow water, até 30 metros) -, conduzidas pela Gulf Oil, nas proximidades da costa da Califórnia. Inicialmente, essas atividades eram desenvolvidas de maneira bastante rudimentar e com pouco aparato científico. As dificuldades tecnológicas eram superadas de maneira empírica, pelo método learning-bytrying, com a utilização do mesmo padrão tecnológico do segmento onshore. 18 Além das explorações convencionais (onshore e offshore), Viegas (2013) classifica como não convencionais as explorações de xisto, petróleo pesado, areias betuminosas e tight oil. A diferença básica entre as explorações convencionais e não convencionais é que nas últimas o petróleo ou é de alta viscosidade (o tight ou shale tem baixa viscosidade) ou é encontrado depositado em rochas de pouca permeabilidade. 64 O abandono do padrão tecnológico utilizado no segmento onshore e a busca por uma trajetória tecnológica que viabilizasse a exploração offshore se tornaram possível, apenas, com a ampliação das descobertas e o consequente aumento das dificuldades operacionais impostas pela exploração em águas mais profundas e distantes da costa. Dois eventos marcaram essa transição: (i) a descoberta de importantes jazidas na região de Maracaibo, no final da década de 1920, na Venezuela, que deu maior consistência às atividades offshore; e (ii) o desenvolvimento do primeiro poço marítimo, na década de 1930, no Golfo do México, que favoreceu o surgimento de técnicas voltadas à E&P nessas regiões19 (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006). As atividades upstream se destacam por envolver elevados riscos de investimentos, compensados pela possibilidade de aquisição de grandes lucros. As diferenças de custos estão na origem da formação e da apropriação de rendas econômicas disputadas entre empresas, governos e consumidores. Conforme sua procedência, as rendas diferenciais encontradas na IMP podem ser distinguidas e classificadas da seguinte forma: (i) rendas de posição, cuja diferenciação das jazidas se dá segundo o grau de dificuldade de acesso (por exemplo, águas profundas ou terra); (ii) rendas de localização, cuja origem está na maior ou menor proximidade geográfica das reservas com relação aos centros consumidores, desfrutando as jazidas próximas de uma vantagem comparativa; (iii) rendas de qualidade, relacionadas aos atributos comerciais das reservas, como os óleos leves, por exemplo; e (iv) rendas tecnológicas, vinculadas as vantagens competitivas dos produtores que utilizam as tecnologias mais eficientes (PINTO JÚNIOR, 2007). Os riscos, assim como a incerteza, são bastante freqüentes na atividade petrolífera. Os riscos de investimentos nesta atividade variam como uma função tanto da incerteza, quanto do capital investido. Os riscos de exploração, por exemplo, tendem a ser altos devido à incerteza geológica, apesar de uma modesta exposição de capital, enquanto os riscos de desenvolvimento são altos porque, apesar da reduzida incerteza – o petróleo já foi descoberto–, essa etapa requer significativo aporte de capital. A Figura 17, a seguir, representa bem estes aspectos. Nas fases iniciais de planejamento se encontram as melhores oportunidades de redução de custos. Enquanto no início as empresas gozam de uma grande capacidade de influenciarem os custos, ao longo do ciclo de vida de grandes projetos esta capacidade decresce (ERNST & YOUNG, 2011). O crescimento do 19 Foi com os acentuados avanços em P&D em diversas áreas do conhecimento, principalmente aquelas reconhecidas como big tree (sísmica, perfuração e plataformas com seus equipamentos), que se chegou, na década de 1990, aos campos ultraprofundos (com profundidade superior a 1500 m de LDA). 65 volume de investimentos ocorre em ritmo semelhante ao aumento dos custos de eventuais mudanças. Quanto mais se aproxima a fase final de execução do projeto, mais caro fica, por exemplo, reparar um trabalho ou alterar as especificações de um equipamento (VIEGAS, 2013). Figura 17 - Estágios do investimento em um projeto petrolífero, custos das mudanças no projeto e capacidade de influir nos custos. Fonte: Viegas (2013). A maturidade do programa de E&P representa, também, um forte atributo para definição da magnitude do risco; com redução da incerteza à medida que o conhecimento e a experiência são adquiridos20(NOLAN; THURBER, 2010). As incertezas relevantes não são apenas geológicas, mas relacionadas, em grande medida, com aspectos políticos - associados às mudanças no regime de propriedade, nos tributos ou nas relações contratuais - e com as condições futuras do mercado - as decisões de investimentos estão pautadas no julgamento sobre os custos e os preços futuros do petróleo e gás natural. Quanto ao risco, destacam-se o risco comercial - possibilidade de não concretização da demanda ou não disponibilidade da infraestrutura necessária para conectar a oferta à demanda -, e 20 A incerteza é aqui definida como um estado em que os resultados não são conhecidos. A incerteza também pode ser discutida em termos de grau, com a incerteza sendo menor, onde estimativas mais precisas de resultados são possíveis. Existe risco quando alguns dos possíveis resultados incertos envolvem uma perda. O risco é maior quando os resultados negativos são mais prováveis ou as perdas associadas a estes resultados mais elevadas (NOLAN; THURBER, 2010). 66 o risco de fornecimento - possibilidade de um investimento a jusante, em uma refinaria, por exemplo, não receber fluxo de hidrocarbonetos suficiente para garantir o retorno do investimento (NOLAN; THURBER, 2010). No gerenciamento de risco, uma empresa petrolífera, seja ela uma empresa estatal ou privada, não leva em consideração apenas a maximização do valor esperado das rendas líquidas entre todos os investimentos. A redução da exposição de capital a perdas é, também, observada. Isto pode ser alcançado através (i) da escolha de projetos com reduzida incerteza, (ii) do investimento em uma carteira de projetos, para diversificação do risco, e (iii) da redução do capital exposto em projetos com alto grau de incerteza. Uma maneira de reduzir a exposição do capital às perdas é através da inovação, que diminui custos. Estados produtores de petróleo criam incentivos para os agentes envolvidos na indústria inovarem e, consequentemente, reduzirem custos. Esses incentivos podem ser criados nos processos licitatórios para concessão de campos a serem explorados,na avaliação de desempenho dos agentes, etc. (NOLAN; THURBER, 2010). Uma característica importante da IMP, que se deve muito às condições de risco enfatizadas acima, é a verticalização das atividades, com o objetivo de distribuição dos riscos e dos custos entre os diversos segmentos da cadeia industrial e de obtenção de um risco/custo médio que compense os diferenciais de custo e aumente os ganhos ao longo dos segmentos da indústria. A disponibilidade de recursos para produzir um fluxo de renda suficientemente amplo e estável, de forma a sustentar o investimento na descoberta de novas reservas no ritmo necessário à preservação de um horizonte de longo prazo em E&P, objetivando manter e incrementar posições competitivas na indústria, é apenas garantida às firmas integradas (PINTO JÚNIOR, 2007; STEVENS, 1998). Porém, o que não se pode perder de vista é que integração vertical é uma questão de grau. Da mesma maneira que uma empresa pode possuir um elevado grau de integração, porque atua em todos os elos de cada etapa da cadeia, outra pode não atuar em parte desses elos, sendo menos integrada. Uma empresa pode, ainda, especializar-se em apenas algumas atividades das diferentes etapas da cadeia (VIEGAS, 2013). A integração vertical pode ser definida em termos financeiros, quando o controle dos fluxos de caixa é realizado por filiais em diferentes estágios da indústria, ou operacionais, quando a produção de uma filial serve de insumo para outra filial localizada a jusante da cadeia. A integração vertical financeira é um pré-requisito para existência de integração vertical produtiva. 67 Dada a possibilidade das filiais optarem em utilizar os mercados – a filial que produz petróleo cru vende no mercado de cru e a filial que refina vende no mercado de derivados-, a integração vertical operacional não, necessariamente, é uma consequência da integração vertical financeira (STEVENS, 1998). A esse respeito, Stevens (1998, p. 8-9) comenta: Until the 1970, the major oil companies were both financially and operationally vertically integrated. This had an added bonus of providing very significant barriers to entry, thereby restricting competition. To be a refiner required a crude slate. If all the crude was moving on an inter-affiliate basis, then no crude slate was available, unless secured directly by the would-be refiner. Operational vertical integration also enabled price discrimination, whereby the company could vertically integrate into the demandelastic (hence low-price) market to prevent resale into the inelastic (high-price) market. To some extent, the process encouraging operational vertical integration was selffeeding. Widespread operational vertical integration meant very limited arms-length offering. This made the crude market small and inefficient, generating high transaction costs if the market was used. In turn, this gave ever-greater logic to being vertically operational, further reducing arms-length offering, reducing market size and efficiency, and increasing transactions costs . Tendo a IMP um elevado grau de integração vertical, os custos fixos exercem uma enorme influência na estrutura de custos das empresas, o que torna a forte irreversibilidade das decisões de investimento outro aspecto importante dessa indústria. Essa condição é derivada do elevado montante de investimento comprometido para o início da produção e do relativamente reduzido nível de dispêndio operacional necessário para manter a atividade mineral. Esse elevado grau de custos fixos, aliado à relativa rigidez técnica das atividades de extração de petróleo, obriga a empresa colocar no mercado toda produção baseada na capacidade corrente, perdendo uma das principais forças no interior de uma estrutura de mercado oligopolística; seu poder de decisão no que se refere a capacidade utilizada (STEVENS, 1998). O manejo da capacidade ociosa da IMP fica sob responsabilidade da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) ou, mais precisamente, da Arábia Saudita, membro desta organização e maior produtor mundial. Dessa maneira, pode-se afirmar que a coordenação oligopolística da indústria passa, necessariamente, pela via da concertação política entre os países-sede das empresas líderes e os países membros da OPEP (VALENTE, 2009). A necessidade das empresas de sustentar um elevado nível de autofinanciamento se configura, também, como uma das conseqüências econômicas mais importantes da natureza altamente arriscada e dos elevados custos fixos presentes da IMP. Em função disso, a capacidade 68 de acumulação interna dos lucros adquire importância fundamental, atribuindo às empresas melhores situadas na indústria uma poderosa vantagem competitiva (PINTO JÚNIOR, 2007). A internacionalização das atividades, que pode estar relacionada à localização geográfica das reservas e aos mercados consumidores, é outra estratégia de sucesso para diversificação de risco amplamente utilizada pelas empresas líderes. Essa estratégia foi intensificada no período pós-Primeira Guerra Mundial, quando a produção norte-americana perde importância na oferta mundial e as grandes descobertas passam a acontecer em outras regiões, sobretudo no Oriente Médio. Um dos grandes casos de internacionalização produtiva dessa indústria, com rápido desenvolvimento da produção na Arábia Saudita, Irã, Iraque e Kuwait por empresas ocidentais, foi construído através das vantagens de verticalização de atividades, do interesse geopolítico-militar e do pioneirismo de grupos americanos e europeus (PINTO JÚNIOR, 2007). O processo de internacionalização, por possibilitar um rápido avanço da utilização de tecnologias ligadas ao consumo de derivados, intensa acumulação de capital e formação de grandes grupos mundializados, pode ser considerado um dos pilares do crescimento industrial do pós-Guerra. As empresas que lideraram esse processo, Royal Dutch Shell, Anglo Persian Oil Company (BP), Standard Oil of New Jersey (Esso), Standard Oil of New York (Socony/Mobil), Standard Oil of Califórnia (Chevron), Texaco e Gulf Oil, foramdenominadas de “SeteIrmãs” (PINTO JÚNIOR, 2007). O grande crescimento da IP no pós-Segunda Guerra Mundial motivou a entrada de novas empresas, tanto de países desenvolvidos, quanto de países em desenvolvimento, grandes produtores ou não. Esse movimento se intensificou nos anos de 1960 e se completou nos anos de 1970, com os choques do petróleo, quando ocorreu uma grande onda de nacionalizações e fortalecimento de empresas de países produtores (PINTO JÚNIOR, 2007). A estrutura atual de distribuição de recursos da IP, em que se observa a progressiva exclusão dos grandes grupos de petróleo, como as antigas Sete Irmãs, das grandes províncias, especialmente aquelas controladas pelos países da OPEP, é derivada, justamente, dos movimentos iniciados nesse período. Assim, percebe-se nas décadas subsequentes uma trajetória de queda da relação reservas/produção dessas empresas, mesmo com a ampliação de sua atuação 69 em outras províncias, principalmente no offshore profundo21. Por outro lado, as empresas ligadas aos países produtores, que tiveram a sua disposição reservas abundantes, cresceram em importância, passando a ter controle sobre as decisões de preço do petróleo, de produção e de investimentos em reposição de reservas (VIEGAS, 2013; NOLAN; THURBER, 2010). Estas empresas, denominadas de National Oil Companies (NOCs), são compostas por empresas estatais, controladas por Estados consumidores ou produtores, que passaram a crescer de forma expressiva na segunda metade do século XX(STEVENS, 2008). As NOCs de países produtores, quando comparadas com as Majors, possuem menor capacitação tecnológica, reduzidos ativos no downstream, menor internacionalização e acesso aos mercados centrais, apesar das vantagens de acesso às reservas as permitirem, nas últimas décadas, especialmente nos períodos de elevação dos preços do petróleo, importante capacidade de acumulação e crescimento(RUAS, 2012). Além da busca pelo lucro, as NOCs têm a necessidade de responder aos objetivos do governo. Em sendo assim, a forma de atuação de uma NOC varia bastante, dependendo da forma como o governo quer controlar e beneficiar o setor de petróleo. Nas palavras de Nolan e Thurber (2010, p. 20): Some NOCs serve regulatory functions in the oil sector (as, for example, in the case of Angola’s Sonangol), some become broader development agencies (as in the case of Venezuela’s PDVSA), and some play the role of administrative vehicles for state participation in oil (Nigeria’s NNPC has this character to a large extent). Diferentemente de uma empresa privada, as NOCs possuem uma restrição orçamentária mais suave, não sendo expostas aos riscos de aquisição e/ou falência. Porém, essas empresas estão sujeitas a pressões políticas em um grau maior. Essas condições básicas têm implicações fundamentais na capacidade de gerenciamento de riscos. Primeiro, porque o link entre elas e o governo pode restringir suas capacidades de levantar capital de risco ou executar outras operações para o gerenciamento do risco. Com isso, a maior parte das NOCs continua dependente de seu próprio fluxo de caixa, ou do governo, para o financiamento de seus projetos de exploração e desenvolvimento (NOLAN; THURBER, 2010). 21 A extração de petróleo em águas profundas está concentrada no Mar do Norte, nos Estados Unidos, na África e no Brasil; sendo as três últimas províncias conhecidas como o Triângulo de Ouro. Em 2009, tinham como produção relevante apenas oito empresas (VIEGAS, 2013). 70 Segundo, pelo fato da relativa ausência de pressões competitivas reduzir o incentivo dessas no desenvolvimento de capacidades de gestão de risco, que seriam essenciais para sobrevivência em um ambiente mais competitivo. Em alguns casos, as NOCs podem assumir certos riscos tecnológicos, que, caso tivessem inseridas num ambiente competitivo, não assumiriam. Por exemplo, a agressividade dos investimentos da Petrobras no desenvolvimento de tecnologias offshores e justifica por sua posição de monopólio e reduzida restrição orçamentária (NOLAN; THURBER, 2010); formalmente, o monopólio da Petrobras foi quebrado pela Lei 9.478, de 1997. Terceiro, as pressões políticas e sua posição privilegiada no mercado doméstico se configuram como incentivos para que as NOCs não se internacionalizem, reduzindo o risco de atuação num mercado global (NOLAN; THURBER, 2010). O aumento da participação das NOCs na produção mundial de petróleo, assim como no provimento da infraestrutura necessária para E&P de petróleo e gás natural, muitas vezes veio acompanhado, embora com bastantes variações, da transformação destas companhias; de entidades burocráticas e dominadas exclusivamente pelo Estado, dependentes de uma posição monopolista em seu país de origem, em empresas de economia mista, com modificações correspondentes em seus mecanismos de governança. Além disso, com a aceleração do processo de globalização, no início da década de 1990, e acesso a capital, tecnologia e conhecimento, muitas dessas empresas têm expandido suas operações globalmente, tanto no upstream, visando diversificar seu portfólio geográfico, quanto no downstream (em petroquímicas, refinarias e distribuição), para atingir diretamente consumidores. Enquanto essas transformações reduziram a diferença de performance das NOCs, quando comparadas às Majors do setor, distinções perduram em outras áreas, como questões referentes à soberania e ao papel que o setor petrolífero pode desempenhar no desenvolvimento e sustentação de economias nacionais (GOLDSTEIN, 2010). Dentro do grupo das NOCs, as empresas pertencentes aos países exportadores líquidos de petróleo, membros da OPEP, destacam-se. Essas empresas, além de serem responsáveis por grande parte da produção do óleo cru do planeta, detêm as maiores concentrações de reservas. Uma série de atributos particulares justifica seu grande poder na indústria: (i) baixo custo relativo de produção, dada a estrutura geológica de seus campos produtores; (ii) capacidade de oferta flexível; (iii) proximidade de grandes centros consumidores; 71 e (iv) atuação em cartel. A importância realmente decisiva dessas empresas apenas se revelou ao mundo nos choques do petróleo na década de 1970 (VALENTE, 2009). A partir de sua política própria, no que se refere às quotas de produção, o grupo da OPEP ainda é o principal responsável pelas diretrizes de formação de preços, mesmo na fase atual da indústria, na qual os preços são livremente estipulados pelos mercados à vista e futuro de petróleo. Dentro de patamares mínimos (que garanta rentabilidade aceitável sobre o óleo produzido e feche o balanço de pagamentos desses países) e máximos de preços (para não atrair novos entrantes e estimular a produção de bens substitutos ao petróleo), sua função objetivo é alinhar sua margem de manobra sobre a capacidade de oferta da indústria. Essa função objetivo não foi atingida em muitos momentos da história recente da indústria, devido a grande heterogeneidade de seus membros, o que torna a coordenação interna do grupo bastante problemática (VALENTE, 2009). Diferentemente das NOCs, as Majors, também conhecidas como International Oil Companies (IOCs), possuem maior dificuldade de acesso às reservas de boa qualidade. Elas são lideradas por empresas formadas a partir das antigas Sete Irmãs. Apesar de maiores restrições de acesso às reservas, a ampla experiência na indústria, oriunda do pioneirismo e liderança histórica, possibilitam essas empresas alcançarem uma maior eficiência operacional, acumularem capacitações para o desenvolvimento de tecnologias, ampliarem infra-estrutura no downstream, internacionalizarem-se e acessarem aos grandes mercados, marcas e produtos consolidados. Outra característica marcante dessas empresas é sua forte atuação nas indústrias correlatas do gás natural e petroquímica, e nos setores elétricos e de energia alternativa, assumindo a alcunha de “empresas de energia”. O amplo apoio político e militar dos governos de seus países se soma a essas vantagens e confere às referidas empresas, individualmente, a capacidade de auferir as maiores receitas e lucros da indústria mundial (RUAS, 2012; VALENTE, 2009). A maximização dos lucros é o principal foco destas companhias. Com o objetivo de maximização do lucro, elas competem pela oportunidade de investir, para atrair e reter capital intelectual e por capital de risco. A oportunidade de investir na exploração e desenvolvimento é garantida pela promessa ao Estado detentor das reservas de que gerará maior valor para ele, seja através de pagamentos em dinheiro não reembolsáveis, seja através de um programa de trabalho mínimo maior do que a concorrência. Para cumprir essa promessa,a empresa deve ser capaz de 72 gerar mais valor que seus concorrentes, através de um maior nível de extração e recuperação de petróleo e desenvolvimento de tecnologias redutoras de custos (NOLAN; THURBER, 2010). As habilidades desenvolvidas por essas empresas para sobreviver no mercado, tornam-as mais capacitadas para gerenciar risco, quando comparadas com as NOCs. Primeiro, incentivos comerciais as impulsionam à refinar sua capacidade de previsão de resultados incertos, através da aplicação da Geociência. Segundo, inovações em soluções de engenharia aumentam os lucros, reduzindo o capital colocado em risco. Terceiro, o desenvolvimento de um portfólio global de empreendimentos reduz drasticamente a variância da rentabilidade (NOLAN; THURBER, 2010). A segmentação das petrolíferas em dois grandes grupos – NOCs e IOCs -, conforme salienta Valente (2009), apesar do poder de síntese, não permite classificar alguns conjuntos distintos de firmas, a saber: (i) empresas estatais de países consumidores, cujo principal interesse do controle público é a garantia de segurança energética do país. Por estarem mais preocupadas em garantir o abastecimento de seus países, estas são mais obstáculos para expansão das Majors - apesar de em muitos casos serem parceiras, por uma questão de dependência tecnológica e financeira, na E&P de petróleo –, que concorrentes. Essas empresas foram importantes até os anos de 1980 e 1990, quando privatizações transformaram seu perfil patrimonial, que, sem controle direto do Estado, passaram a adotar estratégias semelhantes às IOCs; (ii) empresas mistas, que, apesar de preservar boa parte do controle estratégico nas mãos do Estado, possuem uma maior orientação à prática de mercado, com capacitações tecnológicas superiores às NOCs e investimentos em P&D, em alguns casos, próximos às IOCs. Com acesso privilegiado às reservas e grandes mercados consumidores estão, cada vez mais, desafiando a coordenação oligopolística mais ou menos estável das Majors e das empresas OPEP; e (iii) empresas independentes, assim definidas por não participarem da coordenação oligopolística da indústria, sendo essencialmente seguidoras das Majors e NOCs. Atuam geralmente nos mercados prêmios: Estados Unidos, Europa e Japão. Foram importantes historicamente na formação da indústria e com crescimento substancial nos últimos trinta anos. Caracterizam-se por um menor nível de integração vertical, com alguns casos de especialização em E&P ou refino. 73 O Quadro 2, a seguir, apresenta a segmentação descrita acima com as cinqüenta maiores empresas da IP, segundo o ranking da Petroleum Intelligence Weekly (PIW), referente ao ano de 2013, que leva em consideração a performance em seis métricas operacionais (reservas e produção de petróleo e gás natural, vendas de produtos e capacidade de destilação das refinarias). Com o objetivo de diferenciar as estratégias de investimentos, separaram-se as NOCs ligadas à OPEP das de outros países - o direcionamento estratégico das empresas de países da OPEP é parcialmente vinculado às decisões do cartel, diferentemente de outras NOCs; além disso, as outras NOCs alcançam destaque apenas regional, com reduzida importância no comércio global. Quadro 2 - Principais empresas petrolíferas mundiais (2009). Majors (IOCs) ExxonMobil BP Royal Dutch Shell Chevron Total Eni ConocoPhillips Repsol Mistas Gazprom Petrobras Lukoil Rosneft Sinopec Statoil ONGC CNOOC OMV Independentes OPEP Surgutneftegas Saudi Aramco TNK-BP‡ NIOC Novatek PDV BG KPC Apache Sonatrach Devon Energy QP Occidental Adnoc Anadarko INOC† Suncor NNPC BHP Billiton Pertamina Chesapeake Libya NOC CNR Fonte: Elaboração própria. Dados PetroleumIntelligenceWeekly (2013). NOCs CNPC Pemex Petronas EGPC Kazmunaigas PDO Socar Uzbekneftegas Ecopetrol PTT A grande participação estatal (incluindo empresas OPEP e Mistas) na estrutura patrimonial dos grandes grupos da IP pode ser ilustrada com a Tabela 8, a seguir, confeccionada a partir do ranking da Petroleum Intelligence Weekly (PIW). A emergência das NOCs e das empresas mistas deu à intervenção estatal contornos particulares. O direcionamento de seus gastos para o mercado nacional e, em alguns casos, a configuração de redes de aprendizado tecnológico locais potencializaram a formação de indústrias nacionais de fornecedores. É preciso destacar, contudo, que poucos foram os governos que esboçaram preocupação com a formação de players nacionais na IPP, estando as políticas de nacionalização de encomendas geralmente associadas à atração de IDE e instalação de filiais de empresas para-petrolíferas de países centrais, pelo menos no que se refere aos segmentos mais complexos da indústria (RUAS, 2012). 74 Tabela 8 - Empresas líderes da IP (PIW 2013) – participação estatal (%). Rank 2013 Empresa País Part. Estatal (%) 1 Saudi Aramco Arabia Saudita 100 2 NIOC Irã 100 3 ExxonMobil EUA 4 CNPC China 100 5 PDV Venezuela 100 6 BP Reino Unido 7 Royal Dutch Shell Holanda 8 Gazprom Rússia 50,002 9 Chevron EUA 10 Total França 11 KPC Kuwait 100 11 Pemex México 100 13 Petrobras Brasil 28,7 14 Sonatrach Argélia 100 15 Lukoil Rússia 16 Rosneft Rússia 75,16 17 QP Catar 100 18 Adnoc Emirados Árabes 100 19 Sinopec China 75,79 20 Petronas Malásia 100 21 Eni Italia 30,1 21 INOC Iraque 100 23 NNPC Nigéria 100 24 EGPC Egito 100 25 Statoil Noruega 67 26 Surgutneftegas Rússia 27 TNK-BP Rússia 28 ONGC Índia 69,23 28 Pertamina Indonésia 30 Libya NOC Líbia 31 ConocoPhillips EUA 32 CNOOC China 100 33 Kazmunaigas Cazaquistão 100 34 PDO Oman 60 35 Socar Azerbaijão 100 36 Repsol Espanha 37 Novatek Rússia 38 BG Reino Unido 39 Uzbekneftegas Uzbequistão 100 39 Apache EUA 41 Devon Energy EUA 42 Ecopetrol Colombia 88,49 42 Occidental EUA 44 Anadarko EUA 45 Suncor Canadá 46 BHP Billiton Austrália 47 Chesapeake EUA 48 CNR Canadá 49 OMV Áustria 31,5 50 PTT Tailândia 51,1 Fonte: Elaboração própria. Dados PetroleumIntelligenceWeekly (2013). 75 A estrutura exposta na Tabela 8, além de refletir o crescimento de empresas de países com acesso privilegiado à reservas, apresenta o resultado do intenso processo de fusões e aquisições, que será discutido mais adiante, que, entre os anos de 1998-2001 e 2005-2008, promoveu concentração de capitais e ascensão das denominadas “Mega-Majors”. A ascensão desse grupo não ofusca a ampliação mais do que proporcional das NOCs e das companhias de capital misto (VALENTE, 2009). Ainda seguindo os dados do anuário da PIW (2013), pode-se verificar a importância relativa, para a dinâmica de concorrência da indústria, de cada um dos grupos descritos. Conforme os dados para produção de petróleo, volume de reservas provadas em poder das empresas, capacidade de refino e venda de produtos derivados do petróleo, a Tabela 9, a seguir, destaca as participações relativas de cada grupo. Tabela 9 - A importância relativa das principais empresas na IMP (2013). Produção de Petróleo (000 b/d) Reservas (000 b/d) Capacidade de Refino (000 b/d) Vendas de Produto (000 b/d) Majors (IOCs) Mistas (1) Independentes OPEP (2) NOCs (3) 1+2+3 16,28 16,69 7,82 45,97 13,24 75,90 3,88 4,95 2,59 84,36 4,23 93,54 32,83 24,67 2,53 22,71 17,26 64,64 21,50 11,90 54,75 43,10 21,35 2,15 Fonte: Elaboração própria. Dados Petroleum Intelligence Weekly (2013). Dos dados apresentados, cabem destacar: (i) a reduzida participação das Majors nas reservas mundiais de petróleo, mesmo com os enormes volumes de investimentos para aumentar sua relação reserva/produção (R/P); (ii) predominância das Majors no downstream, tanto em termos de capacidade de refino, quanto em volume de produtos vendidos; (iii) posição hegemônica do grupo da OPEP no total da produção mundial de petróleo; e (iv) a enorme concentração das reservas sob controle do grupo das NOCs, principalmente daquelas ligadas à OPEP, o que garante a sustentação do poder e das vantagens competitivas desse grupo. A grande onda de nacionalizações e fortalecimento de empresas de países produtores, completada nos anos de 1970, não são os únicos desdobramentos das transformações políticas na indústria ocorridas nesse período. Com o segundo choque do petróleo e a elevação dos juros americanos, um grande período de crescimento da indústria, iniciado no pós-Segunda Guerra, foi 76 interrompido, como pode ser verificado na Figura 18; uma forte inflexão na demanda ocorre no final da década de 1970, atingindo, em 1983, volumes 10% inferiores aos verificados em 1979. O crescimento do consumo mundial apenas é retomado após 1985, com o contrachoque de preços, causado pela alteração na política de cotas da OPEP e pela elevação da oferta da Arábia Saudita. Figura 18 - Consumo mundial e preços de petróleo entre 1965 e 2013. 100000 120,00 90000 100,00 80000 70000 80,00 60000 50000 60,00 40000 40,00 30000 20000 20,00 10000 - 0,00 Consumo Mundial (Mbd) U$ por barril (dólar de 2012) Fonte: Elaboração Própria. Dados BP Statistical Review of World Energy (2013). Apesar da retomada do crescimento do consumo mundial de petróleo, esse passa a ocorrer com taxas substancialmente menores, passando de uma taxa média de 5,47% a.a, entre 1965 e 1979, para uma taxa média de 1,52% a.a, entre 1984 e 2012. Além da redução das taxas de crescimento do consumo, percebe-se, entre os anos de 1985 e 2003, a manutenção do patamar de preços de petróleo num nível bastante reduzido, atingindo, em dezembro de 1998, valor mais de US$ 10 inferior ao do ano anterior. Conforme salienta Pinto Júnior e Nunes (2001), entre os principais fatores que contribuíram para o movimento de queda dos preços ao nível do ano de 1998 se destacam: (i) a crise econômica dos países do sudeste asiático, a partir do segundo semestre de 1997, ocorrida em função de problemas macroeconômicos; (ii) a crise financeira no Japão, iniciada no primeiro semestre de 1998, e a redução do seu produto industrial, o que ocasionou a redução da demanda por petróleo neste país; (iii) a redução da demanda por petróleo nos EUA e em outros países industrializados, em função da cada vez mais rigorosa retrição ambiental, do crescimento da eficiência na utilização das fontes de energia e pelo desenvolvimento de substitutos para alguns usos do petróleo; e (iv) o gap formado entre oferta e demanda, devido aos fatores acima citados. 77 Nos anos que se seguiram ao de 2003, observou-se um crescimento contínuo dos preços, até o agravamento da crise econômica internacional, com a falência do banco norteamericano Lehman Brothers, em setembro de 2008. De novembro de 2008 à outubro de 2009, o preço médio do barril se situou bem abaixo dos verificados nos doze meses anteriores (MENCHEN, 2010). Além de interferir na rentabilidade das empresas, mudanças estáveis no patamar de preços, assim como nas expectativas de sua evolução futura, são decisivas na tomada de decisões sobre gasto na IP. Essa constatação pode ser ilustrada com a Figura 19, em que se observa uma queda significativa nos investimentos em nova capacidade produtiva, no último grande período de baixos preços de petróleo, retomando apenas nos anos 2000, com a elevação dos preços internacionais. Figura 19 - Investimentos, produção, preço do óleo cru e valor da produção (ano base 1978). Fonte: IFP Énergies nouvelles (2013). A tendência de crescimento do gasto dos anos de 1970 é revertida na década de 1980. Os investimentos mantiveram patamar reduzido após o contrachoque e, entre 1996 e 2003, a reversão nos pequenos ciclos de elevação de preços interrompeu dois biênios de expansão no gasto. Os reduzidos investimentos em E&P nesse período, ainda que a queda mais acentuada tenha ocorrido no downstream, provocaram progressiva exaustão dos poços em operação, o que se configurou como um dos elementos a interferir sobre as expectativas de preços de petróleo (RUAS, 2012). 78 Sobre essa relação entre preços do petróleo e investimentos, Nolan e Thurber (2010, p. 24) argumentam: […] oil price can play an important role in shifting the boundary between high-risk and low-risk ventures for resource-rich states. When oil prices rise, minimization of uncertainty and cost becomes a less important part of assuring the desired revenue collection, and resource-rich governments also tend to be more flush with cash that they can pour back into oil (and non-oil) activities. Under these circumstances, a government’s desire for direct control of hydrocarbons is less constrained by considerations of risk, and an NOC is more likely to be the agent of choice. When oil prices drop, on the other hand, governments wishing to maximize revenues will be more likely to need the risk-minimizing talents of IOCs, which in general can offer lower costs and improved odds of success in resource development. Such a dynamic could in theory lead to a kind of “backward-bending supply curve” for oil, in which higher oil prices actually decrease the rate at which hydrocarbons are found and extracted worldwide. A redução do crescimento setorial e do espaço de acumulação dos agentes, com o estabelecimento dos preços em patamares reduzidos nos anos de 1980, fizeram com que as Majors passassem a implementar estratégias de reestruturação que se concentraram em três frentes principais, a saber: (i) redução dos custos operacionais e administrativos, buscando a elevação da eficiência produtiva; (ii) adoção de novas estratégias de relacionamento com outras empresas, privilegiando novas formas de cooperação horizontal junto a outras petrolíferas; e (iii) implemento de novas políticas de contratação junto as empresas para-petrolíferas. Essas estratégias definiram mudanças relevantes no ambiente competitivo sob o qual atuam essas empresas (IOOTTY, 2004). Primeiro, pelo abandono da estratégia de privilegiar fornecedores locais em benefício de uma política global de compras, o que favoreceu as relações de compra com fornecedores integrados. Essa estratégia é justificada pela elevada complexidade tecnológica imposta pela exploração de determinadas fronteiras geológicas e geofísicas (como Mar do Norte, Alasca e México), e pela necessidade de diferenciação pelo custo de descobrimento e desenvolvimento das reservas (o que tornava o custo da contratação de produtos e serviços um aspecto fundamental para a sua competitividade)(IOOTTY, 2004). Nas relações de compra com fornecedores integrados, as petrolíferas se relacionam com contratantes principais, os main-contractors, ou EPCistas, que passam a integrar os projetos turn-key. Os contratos são firmados no formato Engineering, Procurement and Construction (EPC), daí a palavra EPCista, em que atividades são centralizadas, inclusive aquelas relacionadas à negociação de preços e controle de qualidade dos diferentes equipamentos que integram o 79 projeto, e outras firmas fornecedoras de equipamentos e serviços subcontratadas pelo maincontractor. A consagração desses tipos de contratos estabelece que a EPCista, ao se responsabilizar pela execução do conjunto do projeto, deve estar capacitada para integrar eficazmente as diferentes partes deste, além de executá-lo de forma coordenada (FURTADO ET ALLI, 2003).Nesse contexto, a capacidade de ofertar uma ampla gama de produtos e serviços em grande escala, para atender operações num nível global, tornou-se condição relevante de sobrevivência para as empresas para-petrolíferas (IOOTTY, 2004). Segundo, pela redução dos esforços em P&D interno das grandes companhias privadas de petróleo, diante da necessidade de redução de custos na busca pela eficiência. A percepção de que as operações de P&D, anteriormente realizadas em grande parte endogenamente à firma, poderiam ser reduzidas por meio da “externalização” desses esforços, começou a emergir como uma nova concepção de política tecnológica por parte dessas empresas. Nesse sentido, estabelece-se uma nova divisão de responsabilidades no interior da cadeia de criação e utilização de inovação do setor, em que as Majors assumem um papel de supervisão numa rede de cooperação e contratação de fontes externas de conhecimento (IOOTTY, 2004). A redução dos gastos em P&D das petrolíferas culminou na manutenção e até aumento de sua produção de conhecimento. Essa evolução, aparentemente contraditória, pode ser entendida a partir do argumento de que a inovação resulta de um aprendizado cumulativo específico, facilitado pela cooperação inter-firmas (JACQUIER-ROUX; BOURGEOIS, 2002). Portanto, com a nova forma de contratação de empresas para-petrolíferas e a maior participação dessas nas atividades de P&D, os limites entre firmas operadoras e fornecedoras de equipamentos e serviços mudaram. Parte dessa mudança é reflexo da alteração da relevância e complexidade de materiais, equipamentos e atividades de produção. A outra parte se deve a interpretação das companhias sobre qual é o seu domínio competitivo. O domínio competitivo das companhias operadoras se encontra na identificação e aquisição de províncias de petróleo e gás natural lucrativas, no gerenciamento efetivo dos reservatórios e na logística de transporte e distribuição – não é a tecnologia que transmite a vantagem estratégica, mas, o conhecimento sobre como e onde aplicá-la. Já o das empresas fornecedoras se assemelha mais a de outras empresas de bens de capital e de engenharia, cujo foco da competição está nos novos equipamentos e materiais específicos, assim como nos serviços (ACHA; CUSMANO, 2005). 80 Após todo um esforço de adaptação ao novo padrão de concorrência e ao reduzido patamar das margens de lucro, impostos pelos patamares reduzidos dos preços do petróleo nos anos de 1980 - que incluiu, conforme comentado, redução dos custos operacionais e administrativos, adoção de novas estratégias de relacionamento com outras empresas e implemento de novas políticas de contratação junto às empresas para-petrolíferas -, não se mostrar suficiente para reconfigurar a própria estrutura da indústria e recompor os níveis das margens de lucro, as operações de fusões e aquisições (F&A) se tornaram imperativas. Dentro dos movimentos médios de F&A da indústria, destacam-se dois períodos – 1998-2001 e 2005-2008 -, com perfil de transações específico. O perfil das operações ocorridas entre os anos de 1998 e 2001 é o esperado para uma onda de reestruturação, já que, em sua maioria, deram-se entre as empresas líderes da indústria. A formação dessa onda é o resultado da adoção de uma estratégia defensiva das empresas diante de um resultado pífio das margens de lucro, que atingiu um nível negativo em 1998, reflexo de uma conjuntura particular de queda na demanda mundial, em função da crise financeira asiática, e dos sinais contrários enviados pela Venezuela e Arábia Saudita pelo lado da oferta. Nesse momento, os preços do petróleo e as margens de refino atingiram seu nível mais baixo desde o choque de 1973. Após a onda de reestruturação, o ajuste das posições relativas das empresas no mercado recompôs os níveis das margens de lucro apropriadas à sequência do processo de acumulação das empresas líderes, elevando, porém, o grau de concentração da indústria (VALENTE, 2009). A segunda onda de fusões e aquisições, entre os anos de 2005 e 2008, foi resultado de um choque externo positivo e inesperado no ambiente competitivo das empresas. A causa desse choque se deve à mudança no parâmetro de elasticidade-preço da demanda, causada pela taxa de crescimento das importações de petróleo - enquanto a taxa de crescimento da demanda entre 2000 e 2005 foi de 1,7% a.a, a taxa de crescimento das importações mundiais foi quase o dobro, com 3,2% a.a (PINTO JÚNIOR, 2007) -, o que impulsionou de forma extraordinária a acumulação interna das empresas, dada seqüência de lucros líquidos recordes capitalizados. A aceleração das importações pode ser explicada pelo aumento na demanda causado pelo rápido crescimento americano e chinês e de muitos países em desenvolvimento. Além disso, as incertezas quanto as condições de oferta, em especial após a guerra do Iraque, e do horizonte de esgotamento da capacidade de produção ociosa da OPEP, são aspectos que devem ser levados em consideração (VALENTE, 2009). 81 Nesse sentido, pode-se afirmar que, em suas características fundamentais, a segunda onda de F&A seguiu as premissas de uma onda de consolidação. Esse argumento pode ser sustentado pelos indícios de que, no intuito de realizar seu potencial de crescimento, num contexto generalizado de alta no ritmo de acumulação de capital e de alta pressão competitiva, as grandes empresas da indústria engoliram as pequenas. A maior parte das F&A do período esteve concentrada no segmento upstream, o que se justifica pela busca das empresas por acesso à reservas para manutenção de seu ritmo acelerado de crescimento (VALENTE, 2009). A elevação dos investimentos, que se seguiu ao contínuo período de crescimento dos preços correntes e futuros de petróleo, tem significado uma mudança fundamental para os fornecedores da IP, que passaram a dispor de um mercado em grande expansão no decorrer da presente década (RUAS, 2012). Na próxima seção serão investigadas as principais características da IPP, assim como as relações inter-setoriais entre esta e a IP e os impactos destas relações na dinâmica de concorrência na IPP. 3.2 A INDÚSTRIA PARA-PETROLÍFERA (IPP) Enquanto o papel das empresas petrolíferas, seja estatal ou privada, é saber onde explorar, desenvolver e produzir petróleo, o papel das empresas para-petrolíferas é fornecer as tecnologias necessárias para executar essas atividades. Por exemplo, a localização de um reservatório em potencial é prevista pela companhia de petróleo, mas é o equipamento de perfuração, fornecido pela IPP, que testa fisicamente a previsão. Diferentemente das petrolíferas, as para-petrolíferas não fazem quaisquer previsão ou promessa a respeito do resultado de um empreendimento de exploração ou de produção e não investem capital próprio nos resultados altamente incertos (NOLAN; THURBER, 2010). Anteriormente, como já comentado, grande parte dos equipamentos essenciais para exploração, desenvolvimento e produção era desenvolvido pelas companhias petrolíferas, atualmente essas funções são realizadas pelas empresas para-petrolíferas, dada a pouca vantagem competitiva obtida com a internalização destas. As Majors competem convencendo os Estados detentores de reservas de sua capacidade na gestão de risco e de recursos esgotáveis, enquanto as para-petrolíferas competem convencendo as petrolíferas de sua capacidade em oferecer as 82 melhores ferramentas para o enfrentamento das novas fronteiras geológicas e com os menores custos (NOLAN; THURBER, 2010). A estratégia de externalização da produção desses equipamentos foi primeiro adotada pelas operadoras independentes dos Estados Unidos, no desenvolvimento de campos do Golfo do México. O mesmo modelo foi utilizado por operadoras maiores e com uma bagagem maior em atividades marítimas para viabilizar a produção de petróleo em águas profundas (SILVA, 2009). Portanto, com o pioneirismo dos EUA e o rápido crescimento da importância da produção em suas províncias, entre o final do século XIX e início do século XX, a formação e a evolução da IPP, apesar do destaque de alguns grupos europeus no avanço da IP do pós-Segunda Guerra, passaram a ser confundidas com a história dos fornecedores americanos (RUAS, 2012). Atualmente, a IPP tem desempenhado um importante papel no desenvolvimento das companhias de petróleo nacionais, ao permitir que estas tenham acesso às melhores tecnologias de E&P, ainda que as IOCs mantenham sua vantagem na gestão de riscos (NOLAN; THURBER, 2010). O setor para-petrolífero, desde sua criação, é extremamente dependente do setor petrolífero. Três razões principais, segundo Iootty (2004), explicam essa constatação: (i) a natureza das atividades da IPP depende da composição da demanda encomendada pelas empresas petrolíferas. Enquanto estas, historicamente, concentram-se nas atividades de produção, refino e distribuição, devido às grandes rendas minerais adquiridas, externalizam as atividades de exploração, desenvolvimento e manutenção. A extrema complexidade dessas atividades torna algumas para-petrolíferas fornecedoras especializadas do setor petrolífero; (ii) o nível das atividades das empresas para-petrolíferas depende do volume dos investimentos em E&P efetuados pelas empresas petrolíferas, que é essencialmente cíclico, em função da instabilidade de preços do petróleo. Os investimentos no upstream das empresas petrolíferas, sobretudo das Majors, por serem projetos de longo prazo de maturação, com elevada necessidade de autofinanciamento, têm sua rentabilidade atrelada à evolução dos preços do petróleo. Constata-se, dessa maneira, uma forte correlação entre os preços do petróleo, os investimentos das empresas petrolíferas em E&P, e, por conseguinte, o nível de demanda de serviços e produtos da IPP. Além disso, as condições de captação de recursos para investimento são definidas, para parte das empresas fornecedoras, pela confirmação de contratos ou de 83 investimentos junto a IP, e o financiamento de fornecedores, ou a composição de sua estrutura patrimonial, é realizado, muitas vezes, pelas petrolíferas; e (iii) o elevado poder de mercado das empresas de petróleo, que se reflete na negociação de contratos e planejamento de seus investimentos, obriga as para-petrolíferas obedecerem aos elevados padrões de qualidade exigidos e a ofertarem em condições favoráveis. O desenvolvimento de mecanismos para internacionalização de suas vendas, seja através de exportações ou internacionalização produtiva, representa uma resposta destas empresas a essa condição estrutural. Portanto, a grande diferença de porte econômico dos grupos e sua importância nas estratégias industriais nacionais são marcas da interação entre os agentes da IPP e da IP. As empresas petrolíferas, conforme se verifica na Tabela 10, apresentam receitas muito superiores ao dos grupos para-petrolíferos. Segundo o ranking Fortune 500, dentre as 10 maiores empresas do mundo em receita, no ano de 2013, quatro são petrolíferas, enquanto, nesse mesmo ano, a parapetrolífera melhor classificada é a Halliburton, na 106a posição. No que se refere à lucratividade, a Exxon Mobil apresentou, em 2013, lucro quase seis vezes superior à soma dos lucros das cinco para-petrolíferas melhores ranqueadas. Parapetrolíferas Petrolíferas Tabela 10 - Comparação entre grandes grupos petrolíferos e para-petrolíferos: receitatotal (US$ bilhões), lucros (US$ milhões) e número de empregados (2013). Rank 2 3 4 9 33 106 Empresa Exxon Mobil Chevron Phillips 66 Valero Energy MarathonPetroleum Halliburton Receita ($b) Lucros ($mm) Número de empregados 449,90 44.880,00 88.000 233,90 26.179,00 62.000 169,60 4.124,00 13.500 138,30 2.083,00 21.671 76,80 3.389,00 25.985 28,50 2.635,00 73.000 135 Baker Hughes 21,40 1.311,00 58.800 144 NationalOilwellVarco 20,00 2.491,00 55.948 310 Cameron International 8,50 750,50 417 FMC Technologies 6,20 430,00 Fonte: Elaboração própria. Dados Fortune Global 500 (2013). 27.000 18.400 Além do descrito, a diferença de importância política da IP e da IPP nas estratégias nacionais é outra variável que merece destaque. A produção de petróleo e gás natural e a venda de derivados, além de serem historicamente importante na expansão das fronteiras de acumulação 84 internacionais dos blocos de capital de grandes potências, compõem aspecto infraestrutural para o desenvolvimento da indústria nacional. A distinção de interesses de empresas petrolíferas e parapetrolíferas pode subjugar ou mesmo inviabilizar a estratégia de desenvolvimento de uma IPP local (RUAS, 2012). Em termos gerais, a IPP é composta por um amplo conjunto de segmentos e empresas responsáveis pela oferta de equipamentos e serviços de suporte às atividades da indústria petrolífera; o que constata sua heterogeneidade estrutural. Essa heterogeneidade começa, em primeiro lugar, pelo tamanho dos grupos econômicos e por sua capacidade de acumulação de capital e, em segundo, pela diversidade de bases tecnológicas, associadas a produtos e serviços com distintas funções na estrutura de produção da IP, e que constituem diversas fronteiras setoriais específicas (RUAS, 2012). A partir da análise da indústria de equipamentos e serviços offshore, que pode ser estendida para a cadeia como um todo, Hansen apud Ruas (2012), adota a seguinte segmentação para a IPP: (i) fornecedores de insumos localmente determinados (locally determinated inputs). Caracterizados pela fabricação de ativos complementares e conhecimento tecnológico de aplicação genérica, tais como metalurgia, usinagem, automação, indústria naval, sistemas elétricos e de comunicação, serviços de construção, transporte,gerenciamento e análise de dados e financiamento. Capacitados para ofertar aos dois segmentos da IP (upstream edownstream), além de outras indústrias de energia, material de transporte, química e outros segmentos de processo produtivo contínuo. Pouco dependentes do conhecimento acumulado na IP, ainda que certificações e controles estritos de processo produtivo, alguns típicos dessa indústria, constituam-se indispensáveis para garantia de prazos, preços e qualidade dos produtos e serviços ofertados. Essa reduzida dependência das redes de conhecimento da IP atrela suas vantagens competitivas à eficiência em processos, seja via escala de produção e capacidade de investimento e gestão, seja via economias de escopo relacionadas à possibilidade de ofertar equipamentos e serviços para outras cadeias produtivas; (ii) fornecedores de tecnologias centrais para a IP (core technology). Relacionados ao desenvolvimento histórico de fronteiras tecnológicas particulares à IP, englobam os fornecedores de equipamentos específicos para E&P (prospecção, perfilagem, revestimento, cimentação, fluidos de perfuração e produção, equipamentos subsea), ou de serviços 85 especializados (instalação e operações diretas em segmentos da indústria, consultorias especializadas, empresas de apoio logístico especializado). Esses fornecedores, em algum instante do desenvolvimento da indústria, valeram-se das redes de conhecimento como indutoras da inovação de produto (equipamentos e serviços). Suas vantagens competitivas estão associadas: (a) às economias de escala, que viabilizam a posse de ativos complementares específicos, e às relações de confiança desenvolvidas entre empresas no setor, que, apesar de potencializarem a internacionalização, via exportações ou através de filiais em grandes províncias petrolíferas, geralmente acompanhando seus principais clientes na IP, estão associadas à oferta de produtos com baixo nível de oportunidades de inovação; e (b) à capacidade de inovação, associada ao conhecimento acumulado e à inserção nas redes de pesquisa de empresas petrolíferas, e encontrada em empresas de perfis distintos em termos de porte econômico; e (iii) empresas de engenharia, contratação e montagem (EPCistas). Responsáveis pela construção de infraestrutura produtiva da IP, portanto, associadas à indústria naval e de produção de plataformas, à construção de estruturas de transporte e refinarias. As atividades desenvolvidas por essas empresas estão relacionadas à capacidade de gestão de operações complexas, garantia de qualidade e prazo de entrega. Em geral, essas empresas reúnem capacitações que as permitem atuar como fornecedores de outras indústrias. Nos países desenvolvidos, a existência de escala de operações, que proporciona vantagens em preço e capacidade de financiar investimentos em equipamentos e estruturas produtivas mais modernas, tornam-as capazes de ofertar à fontes diversas. Já nos países em desenvolvimento, a falta de competitividade é, geralmente, compensada com algum tipo de proteção inicial, através do direcionamento das encomendas, por exemplo. Bain e Company e Tozzini Freire Advogados (2009), de acordo com a abrangência dos segmentos atendidos, conforme se verifica no Quadro 3, classificam as empresas da seguinte maneira: (i) integradores: empresas com bastante tradição, que, a partir da aquisição de outras empresas, passaram a marcar presença em vários segmentos do setor, concentrando-se no fornecimento de serviços de maior conteúdo tecnológico; (ii) drillers: empresas que se dedicam ao fornecimento de serviços de perfuração; (iii) EPCistas: empresas que atuam fornecendo serviços de engenharia, compras e construção; (iv) fabricantes de equipamentos: empresas que se dedicam à manufatura de equipamentos e consumíveis e fornecimento de serviços relacionados a esses; (v) empresas de apoio logístico: empresas dedicadas ao fornecimento de serviços de 86 transporte marítimo, aéreo ou terrestre de insumos e equipamentos; e (vi) empresas de nicho: empresas focadas em mercados bastante específicos, por exemplo, fornecedores de serviços de exploração e sísmica. Quadro 3 - Classificação das empresas de serviços e equipamentos de E&P segundo aparticipação em cada um dos segmentos22. Informação de Reservatórios Contratação de perfuração Serviços e equipamentos de perfuração Revestimento e completação Infraestruturae instalações Produção e manutenção Descomissio namento Apoio logístico Integradores Drillers EPCistas Fabricantes de equipamento Empresas de nicho Empresas de apoio logístico Fonte: Bain e Company e Tozzini Freire Advogados (2009). Outra segmentação, ilustrada na Figura 20, é apresentada pela ONIP (2011). 22 A descrição dos referidos segmentos pode ser encontrado em Bain e Company e Tozzini Freire Advogados (2009). 87 Figura 20 - Caracterização da cadeia de fornecimento de bens e serviços offshore. Fonte: ONIP (2011). A primeira camada reflete os elos diretos do ciclo produtivo da IP, e é formada tipicamente pelos fornecedores diretos do operador – sísmica, prestadores de serviços de campos e poços, estaleiros, instalações e equipamentos submarinos e atividades de apoio logístico. Nas duas camadas que se seguem, observam-se integradores, sistemistas e fornecedores de equipamentos, que tanto atendem diretamente ao operador, quanto aos seus fornecedores diretos. As três primeiras camadas representam o núcleo da cadeia de fornecimento stricto sensu do setor. Além do núcleo, a cadeia é suprida por componentes básicos, movimentando processos industriais e serviços de larga aplicação em atividades produtivas. Ao final, a cadeia é constituída por insumos industriais básicos, como produtos siderúrgicos, petroquímicos e energia (ONIP, 2011). Mudanças importantes ocorreram nas últimas décadas na IPP mundial, catalisadas pela queda dos preços do petróleo nos anos de 1980 e 1990, pela busca por redução de custos (operacionais e de transação) das empresas petrolíferas e pela maior participação de empresas mistas, de países OPEP, e outras NOCs no upstream da indústria – com menor capacitação 88 tecnológica e conhecimento para liderar atividades de P&D e investimentos mais complexos (RUAS, 2012; SILVA, 2009). Essas mudanças trouxeram consequências importantes para as empresas parapetrolíferas, ao impor-lhes novas e maiores responsabilidades. Esse novo contexto, determinado pelas estratégias de reestruturação das petrolíferas, de uma forma geral, começou a delinear para as empresas para-petrolíferas, como já comentado, a necessidade de: (i) ampliar o escopo de oferta de bens e serviços; e (ii) realizar um maior esforço formal de P&D, permitindo a atualização tecnológica e a integração das, agora necessárias, múltiplas competências (IOOTTY, 2004). É importante mencionar que a maior participação das empresas para-petrolíferas nas atividades inovativas, apesar da necessidade conjuntural de redução de custos da IP desempenhar papel importante, foi determinada, também, pela própria evolução dos regimes tecnológicos dessas empresas. A consolidação de um maior controle sobre a atividade inovativa por estas foi possibilitada pelo acúmulo de capacitações desde os anos de 1970, período em que a indústria sofreu importantes modificações em seus paradigmas tecnológicos, com a transformação da natureza da evolução tecnológica em conjuntos relevantes de produtos (equipamentos e serviços) e com a operação em mercados de produtos mais dinâmicos (RUAS, 2012). A compreensão do processo de desenvolvimento de inovações, assim como de suas implicações sobre a dinâmica de concorrência na IPP, passa pela caracterização das redes de aprendizado, suas motivações e o papel dos agentes envolvidos. São variados os arranjos possíveis para as redes de aprendizado, sendo os mais comuns: mecanismos de transferência de informação, intercâmbio de pesquisadores/funcionários e infraestrutura, acordos de cooperação, Joint IndustryProjects(JIPs) e joint ventures. Incluem-se nesses arranjos, a participação de agentes como empresas concorrentes na IP, empresas para-petrolíferas, institutos de pesquisa, universidades e laboratórios (RUAS, 2012). As empresas de petróleo buscam nesses agentes a disponibilidade de recursos e capacitações para auxiliar no aprimoramento de seu processo produtivo, com o desenvolvimento de novos produtos e serviços por meio da coordenação de redes de aprendizado interativo. Essas estruturas podem ser consideradas indispensáveis, também, sob o ponto de vista dos fornecedores, pois, mesmo possuindo capacitações decisivas para a inovação relacionada aos seus segmentos de atuação, a interação e o feedback com as empresas petrolíferas são indispensáveis 89 para o contínuo acúmulo de conhecimento e prosseguimento das trajetórias tecnológicas setoriais. Nesse sentido, a importância das redes de aprendizado para os fornecedores está associada, também, às típicas formas de cooperação das relações usuário-produtor, centrais para o aperfeiçoamento e consolidação de novas tecnologias (ACHA; CUSMANO, 2005). A formação de redes, além da busca por redução de custos ou articulação eficiente de capacitações para aprendizado, representa um poderoso instrumento na construção de relações de confiança entre agentes e de mútuo fortalecimento na disputa por espaços de valorização no interior da cadeia produtiva em sentido amplo (RUAS, 2012). Em suma, percebe-se que os padrões de participação das companhias de petróleo no processo de mudança têm envolvido, cada vez mais, ação crítica do conjunto de seus fornecedores mais importantes. Mas, apesar da redução no desempenho do papel de desenvolvedor de inovações, os operadores se encontram em junções estratégicas da rede, ligando organizações de diferentes tipos e subcampos de pesquisa. Conforme argumenta Acha e Cusmano (2005, p. 19): This is consistent with their competitive incentive to maintain a wide awareness of new technologies and techniques, since their competitive domain is in the application – rather than in the development – of technology. As operators need to ‘know more than they do’ (Brusoniet al., 2001), the participation to multi-disciplinary R&D projects with a differentiated range of specialised actors represent a fundamental source of complementary knowledge, whose processing, however, rests on maintaining diversified in-house capabilities. As referidas mudanças, que obrigaram as empresas para-petrolíferas ampliarem o escopo de oferta de bens e serviços e realizarem um maior esforço formal de P&D, culminaram no surgimento de grupos para-petrolíferos com atuação significativamente internacionalizada e diversificada, com grande escala de operações e atividades de P&D. Como forma de viabilizar a trajetória de multi-produção, as empresas do setor realizaram inúmeras operações de fusões e aquisições (IOOTTY, 2004). As F&A foram utilizadas não apenas como meio de obter ganhos de poder de mercado e eficiência - decorrentes da realização de economias de escala de produção, aproveitamento de recursos indivisíveis e acesso à recursos financeiros – mas, também, como uma forma de imprimir um caminho de diversificação tecnológica, ao possibilitar acesso a competências não incorporadas, necessárias para a integração de novos conhecimentos, e, 90 paralelamente, a dissolução dos riscos relacionados aos custos crescentes de P&D e aos investimentos em atualização tecnológica (IOOTTY, 2004). Assim, desde meados dos anos de 1980, até o final da década de 1990, ainda que com diferenças importantes entre os segmentos da IPP, um intenso processo de compra e venda de ativos ocorreu no setor, revelando um expressivo movimento de concentração da estrutura produtiva (IOOTTY, 2004). O referido movimento patrimonial permitiu a consolidação de grandes grupos e a reestruturação de suas atividades; ou viabilizando realização do potencial de acumulação interna, com ampliações de sua participação de mercado, ou possibilitando vendas de ativos de baixo desempenho ou compras de ativos complementares ao seu conjunto principal de atividades (RUAS, 2012; SILVA, 2009). O processo de F&A, em muitos casos, ocorreu entre grandes grupos, como a já destacada fusão entre as norte-americanas Halliburton e Dresser (1998), as aquisições das, também, norte-americanas Schlumberger (Sedco e GECO, na segunda metade dos anos 1980, e Smith, em 2010), e Baker Hughes (BJ Services, em 2010), e da britânica Transocean (Aker Drilling, em 2011), a fusão entre Baker International & Hughes Tool (1987),e entre as norueguesas Aker e Kvaerner (2001). As empresas que se originaram dessa estratégia, e que passaram a atuar em diversos mercados de produtos e serviços para petróleo, foram denominadas “para-petrolíferas integradas” (VIEGAS, 2013; RUAS, 2012). Tais empresas, pela ampliação da internacionalização e da escala global de operações, bem como pela sua participação no total de P&D relacionado ao setor de petróleo, tornaram-se centrais para o desenvolvimento tecnológico do setor e para a organização da cadeia de fornecedores, pois passaram a comandar grandes contratos; “pacotes completos”23 (RUAS, 2012). A vasta gama de bens e serviços ofertados por esse tipo de empresa pode ser ilustrada na Figura 21, a seguir, em que se apresentam os grandes fornecedores de serviços e equipamentos de E&P e suas receitas, em 2007. No eixo vertical da figura se apresenta a participação relativa de cada empresa nos segmentos existentes, enquanto no eixo horizontal mostra-se a importância de cada segmento no total de receitas da indústria (VIEGAS, 2013). Com a análise da figura, percebe-se a peculiaridade da indústria para-petrolífera, que é, ao mesmo tempo, fragmentada e concentrada. Framentada pela alta especialização de muitas 23 Referem-se a “pacotes completos” de equipamentos e serviços,que incluem serviços para instalação, operação, manutenção e descomissionamento (desativação) de estruturas. 91 empresas e concentrada pelo elevado market share das líderes de cada segmento. Quanto às receitas da indústria, as seis maiores empresas, em 2007, apresentaram os seguintes market share: Schlumberger (9%), Halliburton (6,5%), Baker Hughes (4,5%), Transocean (4%), Weatherford (3%) e Smith International (3%) (VIEGAS, 2013). Figura 21 - Fornecedores de serviços e equipamentos de E&P e suas receitas, em 2007. Fonte: Bain e Company e Tozzini Freire Advogados (2009). Cabe destacar a existência de novas evidências nos anos 2000, quando se observam a redução da externalização de algumas atividades e da “compra de pacotes completos”. Essas evidências representam maiores oportunidades para os fornecedores especializados (RUAS, 2012). Apesar dessas evidências, as “para-petrolíferas integradas” continuam com elevada participação de mercado. É possível observar, nas últimas décadas, a coexistência dessas estruturas, estando sua formatação associada ao tipo de investimentos (upstream ou downstream), ao perfil do contratante e sua capacitação tecnológica, ao perfil das instituições no momento histórico específico, aos preços de petróleo e as oportunidades de acumulação na cadeia 92 petrolífera como um todo. Porém, a recente retomada do maior controle das petrolíferas sobre as estruturas de mercado na IPP e sobre o direcionamento das encomendas favorece a entrada de novas empresas e o fortalecimento da IPP em novos países, ao menos em alguns nichos (RUAS, 2012). Na próxima seção discutir-se-á como o Estado tem atuado para o fortalecimento da IPP local. 3.3 INTERVENÇÃO GOVERNAMENTAL PARA DESENVOLVIMENTO DE UMA INDÚSTRIA PETROLÍFERA NACIONAL O PARA- Conforme descrito, tanto as companhias petrolíferas, quanto muitas das firmas líderes da IPP operam internacionalmente. O contexto internacionalizado da IPP representa uma dificuldade para a apropriação local de renda na IP. Nesse sentido, a intervenção governamental, através de políticas de desenvolvimento produtivo e tecnológico, pode ser justificada pela necessidade de garantia da segurança energética, indispensável para o desenvolvimento industrial, e pela possibilidade de ampliação da apropriação de renda24. Portanto, pode-se afirmar que a evolução da “desconfiança” em relação ao mercado e sua capacidade de conduzir os interesses nacionais estão no cerne das ondas de nacionalismo energético. Sendo nacionalismo energético definido, a partir de dois processos: limitação de acesso às IOCs e ampliação do controle sobre a exploração dos recursos naturais por Estados produtores25 (STEVENS, 2008). Diversos métodos de intervenção governamental têm sido utilizados para favorecer a IPP local, com o objetivo de construir uma capacidade nacional de produção e exportação (HALLWOOD, 1993). Dentre esses métodos, segundo Hallwood (1993), destacam-se: (i) cláusulas sobre joint ventures obrigatórias, transferência de tecnologia e engenharia de petróleo e programas de treinamento para o pessoal do país detentor das reservas podem estar contidas em leis de petróleo danação; (ii) companhias nacionais de petróleo podem ser direcionadas/obrigadas à atender cláusulas de conteúdo local - Brasil, Noruega e Venezuela têm utilizado com frequência esse dispositivo; (iii) licenciamento de produção pode exigir que 24 No início, as intervenções eram justificadas (i) pela importância militar do petróleo, com ampla utilização de derivados, no decorrer da Segunda Guerra Mundial, para mobilizar tropas e grandes frotas (navios, veículos terrestres e aviões), e (ii) pela percepção, alguns anos após o conflito, de insuficiência das reservas americanas para o atendimento da crescente demanda, o que motivava posturas mais ativas dos governos europeus e americano para garantir acesso à reservas no Oriente Médio (YERGIN, 1991). 25 O termo políticas de desenvolvimento produtivo e tecnológico foi utilizado em substituição ao termo políticas protecionistas, em função do objetivo dos governos com a adoção desses tipos de políticas não se limitar à proteção da indústria nacional em relação aos produtos importados, mas, por exemplo, incentivar a inovação tecnológica por empresas nacionais. 93 as empresas petrolíferas favoreçam a realização de atividades por empresas locais, como na China e na Noruega, por exemplo; e (iv) licenças de importação, tarifas e limitação da propriedade estrangeira restringem a concorrência e aumentam os preços no mercado interno, permitindo, assim, fornecedores locais ganharem posição. Alguns benefícios imediatos são garantidos com a adoção desses tipos de políticas, como, por exemplo, incremento no emprego doméstico e crescimento da participação nacional no valor adicionado da produção de petróleo. Contudo, a existência de barreiras à entrada agudas na indústria pode dificultar o acesso de fornecedores locais nos mercados internacionais (HALLWOOD, 1993). Hallwood (1993, p. 92) argumenta: The larger the necessary initial investment, the higher the risk-adjusted discount rate, the smaller the future annual expected net benefits and the shorter the period over which these benefits are enjoyed, the smaller will be the return on an investment (and it may be negative). Entry costs into many industries are likely to be high because the existence of TNCs may be argued to depend upon the possession of firmspecific advantages. In the OOSI, positive net benefits are unlikely to materialize because of the impermanence of the domestic market and the (revealed) difficulty of penetrating export markets. Other industries in which net benefits may be small can be classified first as new products or services in which domestic demand is especially uncertain (translating into a high discount rate); secondly, as other depletable natural-resource industries, especially when deposits are small, or when international markets are difficult to penetrate; and, thirdly, as industries subject to rapid technological change, unless the new entrant can sustain high rates of expenditure on research and development — otherwise indigenous enterprises face near exclusion from international markets and even risk loss of the home market. A presença de empresa estatal, com capacidade operacional, amplia as possibilidades e formas de intervenção governamental na atividade petrolífera. Primeiro, por permitir apropriação direta da renda petrolífera, maior controle das encomendas e das atividades de desenvolvimento tecnológico; a empresa, em alguns casos, dada a capacidade gerencial e informações disponíveis, assume papel central no planejamento energético. Segundo, mesmo não sendo monopolista, a existência de uma empresa estatal possibilita ao seu governo um maior conhecimento sobre a atividade, ampliando sua capacidade de negociação com empresas privadas e execução do planejamento energético e setorial (STEVENS, 2008). Um dos mecanismos de intervenção mais utilizados por países que apresentam abertura à operação de empresas estrangeiras na IP, como é o caso do Brasil, que também possui uma empresa estatal, é a utilização de critérios de conteúdo local nas aquisições. Os argumentos a favor desse instrumento vão desde a ampliação do emprego doméstico, à possibilidade de 94 transferência tecnológica, objetivando redução do gap tecnológico, e, consequentemente, dos custos por parte da IP. O gap tecnológico pode ser superado com aprendizado, aproximando os custos de produção local aos padrões internacionais no médio e longo prazo. Assim, poderiam ser maximizados os impactos sobre o desenvolvimento industrial nacional, além da geração de novos empregos no país (NORDAS; VATNE; HEUM, 2003). As possibilidades de diminuição dessa defasagem estão associadas à escala de operações da IP e a base industrial prévia do país. A existência de uma base industrial menos desenvolvida dificulta as empresas petrolíferas atingirem os requisitos de conteúdo local. Mesmo quando esses requisitos são atendidos, grande parte das encomendas se restringe aos produtos de baixo conteúdo tecnológico, limitando a capacidade de aprendizado (RUAS, 2012). O principal problema, apontado pelos críticos, dos critérios de conteúdo local nas aquisições é a diferença de preços praticados por fornecedores globais e locais, favorecidos por reservas de mercado. Além da redução de investimentos na IP, a ineficiência gerada pelo direcionamento das aquisições pode provocar, segundo Nordas, Vatne e Heum (2003): (i) seleção adversa na atração de IDE. Quando comparadas a empresas mais eficientes, as ineficientes seriam menos afetadas pelo diferencial de custos, uma vez que a diferença entre os custos antes e depois do cumprimento das exigências de conteúdo local seriamenor; (ii) redução dos lucros das empresas e, consequentemente, dos tributos sobre rendimentos coletados pelo governo. Nesse caso, a receita petrolífera seria deslocada do governo (e dos beneficiários das despesas do governo) para a indústria para-petrolífera local. As pressões para redução dos custos de investimentos na IP e as dificuldades no desenvolvimento e/ou capacitação de fornecedores locais são as principais motivações para ampliação do acesso à fornecedores de produtos/equipamentos estrangeiros. Por esses motivos, os critérios de conteúdo local, na maior parte das províncias petrolíferas, são adotados, simultaneamente, as políticas de atração de investimentos direto estrangeiro de grandes grupos para-petrolíferos, que viabilizam, em tese, equipamentos com preços e qualidade mais favoráveis. Entretanto, a presença desses grupos pode limitar os benefícios do direcionamento das encomendas (NORDÅS; VATNE; HEUM, 2003; HALLWOOD, 1993). É nesse sentido, como argumenta Hallwood (1993, p. 93), que o contexto global da concorrência na IPP se configura como um grande dilema para o governo local. Já que: 95 An open-door (or laissez-faire) policy towards foreign supply companies risks the non-development of indigenous enterprises. Protectionism, however, risks high input costs that reduce the profits from oil production (in which host Governments share through taxation), as well as a loss of markets when domestic oil production begins to decline. There are two possible solutions. One is to accept the fact that reliance on foreign TNCs may make the entry by indigenous enterprises very difficult, but enjoy competitive prices and the advanced technological solutions provided by the international oil-supplies industry. The other is to develop indigenous interests in a way that will make them truly competitive in international markets. Unless competitiveness is achieved, foreign markets will not be won without subsidies, which are costly and, in any event, likely to be illegal under GATT rules. There would also have to be planning for the day when oil-production activities decline. Caso a competitividade local não seja ampliada pelos arranjos produtivos desenvolvidos, a produção doméstica da IPP pode ser reduzida rapidamente com a diminuição da demanda da IP nacional. Por esse motivo, a introdução de mecanismos para transferência de tecnologias e aprendizado local se torna indispensável para realização do potencial de desenvolvimento doméstico e inserção competitiva na concorrência global (HALLWOOD, 1993). O estímulo à formação de grupos locais sofreu diversas tentativas de restrição em acordos de investimentos, de propriedade intelectual e compras governamentais. Porém, tanto em âmbito multilateral, quanto na esfera bilateral de negociações, poucos foram os efeitos surtidos sobre sua efetiva aplicação. As políticas para transferência de tecnologia e de direcionamento estratégico do investimento direto estrangeiro, como principais alvos das tentativas de bloqueio, mantiveram-se importantes ao longo das últimas décadas e permanecem sendo utilizadas por diversos governos, mesmos que com algumas adaptações (RUAS, 2012). 3.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A indústria mundial do petróleo (IMP) é formada por grandes empresas muito competitivas, que atuam com escalas elevadas, tecnologia avançada e significativo poder financeiro. Essa indústria envolve dois segmentos, um que atua a montante (upstream) e outro que atua a jusante (downstream) da cadeia. As atividades upstream se destacam por envolver elevados riscos de investimentos, compensados pela possibilidade de aquisição de grandes lucros. Uma característica importante da IMP é a verticalização das atividades, com o objetivo de distribuição dos riscos e dos custos entre os diversos segmentos da cadeia industrial e de obtenção de um risco/custo médio que compense os diferenciais de custo e aumente os ganhos ao longo dos segmentos da indústria. A 96 internacionalização das atividades, intensificada no período pós-Primeira Guerra Mundial, que pode estar relacionada a localização geográfica das reservas e mercados consumidores, é outra estratégia de sucesso para diversificação de risco, amplamente utilizada pelas empresas líderes da indústria. O crescimento da IP no pós-Segunda Guerra Mundial motivou o movimento de entrada de novas empresas, tanto de países desenvolvidos, quanto de países em desenvolvimento, grandes produtores ou não. Esse movimento se intensificou nos anos de 1960 e se completou nos anos de 1970, com os choques do petróleo, quando ocorreu uma grande onda de nacionalizações e fortalecimento de empresas de países produtores. Essas empresas, denominadas de National Oil Companies (NOCs), quando comparadas com as Majors, possuem menor capacitação tecnológica, reduzidos ativos no downstream, menor internacionalização e acesso aos mercados centrais, apesar das vantagens de acesso às reservas as permitirem, nas últimas décadas, especialmente nos períodos de elevação dos preços do petróleo, importante capacidade de acumulação e crescimento. Além da busca pelo lucro, as NOCs apresentam como característica principal a necessidade de responder aos objetivos do governo. Diferentemente das NOCs, as Majors, também conhecidas como International Oil Companies (IOCs), possuem maior dificuldade de acesso à reservas de boa qualidade. Apesar desta restrição, a ampla experiência na indústria as possibilitam alcançar uma maior eficiência operacional, acumular capacitações para o desenvolvimento de tecnologias, ampliar infraestrutura no downstream, internacionalizar-se e acessar aos grandes mercados, marcas e produtos consolidados. Outra característica marcante dessas empresas é sua forte atuação nas indústrias correlatas do gás natural e petroquímica, e nos setores elétricos e de energia alternativa, assumindo a alcunha de “empresas de energia”. Diferentemente das NOCs, a maximização dos lucros é o principal foco das IOCs. Com esse foco, elas competem pela oportunidade de investir, para atrair e reter capital intelectual e por capital de risco. Empresas estatais de países consumidores, empresas mistas e empresas independentes, além das NOCs e IOCs, também se fazem presentes na IMP. Além da grande onda de nacionalizações e fortalecimento de empresas de países produtores, completada nos anos de 1970, destaca-se como desdobramento das transformações políticas na indústria ocorridas nesse período uma forte inflexão na demanda. O crescimento do 97 consumo mundial é retomado, apenas, após 1985, com o contrachoque de preços do petróleo, causado pela alteração na política de cotas da OPEP e pela elevação da oferta da Arábia Saudita. A redução do crescimento setorial e do espaço de acumulação dos agentes, com o estabelecimento dos preços em patamares reduzidos nos anos de 1980, fizeram com que as Majors passassem a implementar estratégias de reestruturação, que se concentraram em três frentes principais: redução dos custos operacionais e administrativos, adoção de novas estratégias de relacionamento com outras empresas e implemento de novas políticas de contratação junto às empresas para-petrolíferas. Essas estratégias definiram mudanças relevantes no ambiente competitivo sob o qual atuam essas empresas. Primeiro, pelo abandono da estratégia de privilegiar fornecedores locais em benefício de uma política global de compras, o que favoreceu as relações de compra com fornecedores integrados. Segundo, pela redução dos esforços em P&D interno das grandes companhias privadas de petróleo, diante da necessidade de redução de custos na busca pela eficiência. Com isso, as empresas para-petrolíferas passaram a assumir maiores responsabilidades, inclusive, com maior participação nas atividades de P&D. Atualmente, enquanto as Majors competem convencendo os Estados detentores de reservas de sua capacidade na gestão de risco e de recursos esgotáveis, as para-petrolíferas competem convencendo as petrolíferas de sua capacidade em oferecer as melhores ferramentas para o enfrentamento das novas fronteiras geológicas e com os menores custos. A indústria parapetrolífera tem desempenhado um importante papel no desenvolvimento das companhias de petróleo nacionais, ao permitir que estas tenham acesso às melhores tecnologias de exploração e produção, ainda que as IOCs mantenham sua vantagem na gestão de risco. Mesmo com a extrema dependência da IP, a ampliação do escopo de oferta de bens e serviços e o maior esforço formal de P&D culminaram no surgimento de grupos para-petrolíferos com atuação significativamente internacionalizada e diversificada, com grande escala de operações e atividades de P&D. O contexto internacionalizado da IPP representa uma dificuldade para a apropriação local de renda. É justamente essa apropriação, além da necessidade de garantia da segurança energética, que justifica a intervenção governamental através de políticas de desenvolvimento produtivo e tecnológico. Um dos mecanismos de intervenção mais utilizados por países que apresentam abertura à operação de empresas estrangeiras na IP, como é o caso do Brasil, é a 98 utilização de critérios de conteúdo local nas aquisições. Os argumentos a favor desse instrumento vão desde a ampliação do emprego doméstico à possibilidade de transferência tecnológica. Como principais problemas se destacam a redução de investimentos na IP, a seleção adversa na atração de IDE e a redução dos lucros das empresas e, consequentemente, dos tributos sobre rendimentos coletados pelo governo. Neste sentido, o contexto global da concorrência na IPP se configura como um grande dilema para o governo local; se, por um lado, uma política de portas abertas torna o desenvolvimento de uma indústria local mais difícil, por outro, uma política de conteúdo local, por exemplo, eleva os custos dos insumos, o que reduz os lucros empresariais. Duas soluções se apresentam para esse dilema: (i) aceitar que a IPP é um oligopólio internacional, o que representa uma grande barreira para o desenvolvimento de uma indústria local com capacidade de competir internacionalmente, e usufruir dos preços competitivos e da tecnologia de ponta fornecidos pelas empresas internacionais; ou, (ii) adotar políticas efetivas o suficiente para garantir competitividade internacional de empresas fornecedoras locais; lembrando que a efetividade das políticas não pode ser diagnosticada sem um prazo de maturação (ex-ante). No Brasil, a preocupação com o destino da IPP nacional, com o fim do monopólio da Petrobras, estabelecido pela Lei 9.478/97, fez com que fosse incorporado índices de nacionalização nos critérios para seleção dos leilões de áreas de E&P de petróleo e gás natural. Em 2010, o modelo de E&P de petróleo e gás natural criado pela referida Lei foi parcialmente abandonado, estabelecendo-se um novo marco regulatório, que trouxe consequências do ponto de vista da política de conteúdo local O estabelecimento de cláusulas de conteúdo local tem sido apontado, pelas agências de ratings, conforme se verificou no Capítulo 1, como um dos motivos para o rebaixamento das notas de crédito da Petrobras. No próximo capítulo analisar-se-á porque essa política está na contramão da perspectiva de maximização de valor para os acionistas desta companhia. 99 4 PETROBRAS NACIONAL E A INDÚSTRIA PARA-PETROLÍFERA A história da indústria de petróleo e gás natural (IPGN) passou por diversas transformações. No Brasil, esta tem sido um reflexo de estratégias institucionais defensivas, para lidar com as forças do mercado internacional de petróleo, e ativas, para enfrentar a vulnerabilidade de sua economia, a partir da descoberta de petróleo. Essa história ganhou impulso após a criação, em 1953, de uma companhia estatal, a Petrobras, com direitos de monopólio na exploração, produção e refino de petróleo. A Petrobras, apesar de exercer, desde sua criação, uma influência significativa no desenvolvimento de uma rede de fornecedores de equipamentos e serviços, não teve sua dinâmica de aprendizado seguida por essa rede. Enquanto a estratégia tecnológica da companhia tem sido fortemente influenciada pelos preços do petróleo, fixados internacionalmente, a estratégia dos fornecedores foi determinada pelas condições da política industrial doméstica. Portanto, a história da IPGN brasileira selou diferentes destinos para a Petrobras e sua rede de fornecedores. Esta história será contada nesse capítulo, que está dividido em cinco seções. Na primeira seção será discutida a relação da Petrobras com a IPP nacional no período préliberalização econômica, enquanto na segunda seção essa discussão será tratada para o período logo após a liberalização econômica. Na terceira seção a discussão está centrada na política de conteúdo local para o fortalecimento da IPP e suas mudanças no decorrer das diversas rodadas de licitações. Na quarta seção será descrito o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (PROMINP) e analisada a competitividade da IPP brasileira, para, na quinta seção, fazerem-se as considerações finais. 4.1 PETROBRAS E A IPP NACIONAL: LIBERALIZAÇÃO ECONÔMICA PERÍODO PRÉ- A IPGN foi um dos pilares do modelo de Industrialização por Substituição de Importações (ISI). A Petrobras, principal agente dessa indústria, foi criada, em 1953, para operar ao longo de toda cadeia de petróleo e gás no país, exceto distribuição e comercialização, objetivando reduzir as restrições à industrialização, associadas a uma base pobre de recursos petrolíferos. A estatal, durante as três primeiras décadas de sua existência (1953-1983), encampou as diretrizes políticas do Estado brasileiro, centradas no desenvolvimento da indústria 101 doméstica, a partir da adoção de uma política de substituição de importações (SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006). No primeiro momento (1954-1979), conforme salientam Freitas (1999), Ortiz Neto (2006) e Ortiz Neto e Shima (2008), a companhia utilizou seu volume de investimentos para fomentar a indústria local na área de refino e transporte, downstream. O reduzido preço do barril de petróleo, em relação ao elevado preço de seus derivados, até 1972, explica o investimento majoritário da Petrobras na área de refino. Além dos preços internacionais de hidrocarbonetos e de seus derivados, Oliveira (2010, p. 7-8) acrescenta outros fatores determinantes da oferta destes, a saber: No upsteam, as variáveis determinantes do comportamento da oferta de hidrocarbonetos sãos as oportunidades oferecidas pela geologia e os preços praticados no mercado internacional. Já no downstream, as variáveis chaves são a demografia, a taxa de crescimento econômico e os preços para os consumidores finais. No caso das refinarias, a expansão da capacidade instalada é fundamentalmente determinada pela demanda de diesel, dado que as refinarias brasileiras estão estruturadas para maximizar a oferta desse combustível, com o objetivo de minimizar a dependência de importações desse derivado. A inauguração da nacionalização de equipamentos de petróleo, que nesse período se constituía de compras em larga escala junto a empresas que operavam com padrões tecnológicos inferiores aos encontrados na indústria, aconteceu com as primeiras encomendas realizadas durante a construção de Mataripe (Refinaria Landulpho Alves), na Bahia. A realização de encomendas pioneiras,além de maiores custos, significava assumir riscos de atrasos e problemas de fabricação (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006; FREITAS, 1999). Foi nesse período, como enfatiza Alonso (2004), que a indústria de bens de capital brasileira foi consolidada. Além dos projetos de construção de refinarias, empresas nacionais participaram dos projetos de construção de infraestrutura de produção, transporte e distribuição de petróleo e derivados. A política de compras da Petrobras atuou em três frentes, a saber: (i) estímulo à transferência tecnológica, com firmas brasileiras participando, inclusive, em projetos conjuntos com firmas estrangeiras; (ii) incentivo à criação da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (ABDIB), cuja atribuição principal era difundir normas e procedimentos de controle de qualidade; e (iii) criação, em seu Serviço de Materiais (SERMAT), de um sistema de pré-qualificação de fornecedores que, além de verificar a capacidade financeira e gerencial 102 destes, fornecia à eles orientação e assistência técnica necessária para o desenvolvimento de capacitação tecnológica (ALONSO, 2004). Na década de 1970 e início da década de 1980, os investimentos na indústria nacional, que repercutiram positivamente na IPGN brasileira, foram alavancados pelos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs). Editados pelos governos militares, os PNDs abarcavam um período de cinco anos e tinham como foco a substituição de importações, proibindo ou impondo barreiras à importação de tudo que pudesse ser fabricado no Brasil ou que tivesse similar nacional. Mesmo com a comprovação da não existência de um determinado item para fornecimento no país, exigiam-se justificativas cada vez mais detalhadas para autorizar a importação (SOUZA, 1997). A Petrobras, no referido período, pela sua capacidade de referenciar o mercado, já havia desenvolvido critérios próprios de escolha de seus fornecedores através da criação de um sistema de normas técnicas e métodos de controle de qualidade, independente da ABDIB. A partir de sua posição de monopsionista na compra de equipamentos, a companhia adotou mecanismos de capacitação de fornecedores locais, que compreendiam o domínio tecnológico na produção de tecnologias complexas e a absorção de tecnologias geradas em seu centro de pesquisa (Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello –Cenpes) (SILVA; FURTADO, 2006). A partir do segundo choque do petróleo, em 1979, as iniciativas em direção à nacionalização de equipamentos de E&P, upstream, passam a ser mais efetivas, apesar destas ocorrerem desde o ano de 1968, quando se iniciou a exploração de petróleo offshore no Brasil, no Campo de Guaricema, na Bacia de Sergipe. As mudanças das condições de mercado com o segundo choque e o consequente aumento dos preços do petróleo, elevaram não apenas os investimentos em E&P, mas a participação desse segmento nos investimentos totais da empresa. Enquanto em 1979 estes correspondiam a 54,4%, em 1981 eles representaram 83,2% (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006; FREITAS, 1999). O esforço tecnológico da Petrobras reduziu o impacto dos choques do petróleo, provendo o país de importantes reservas petrolíferas. Dentre essas se destacaram o campo da Garoupa, descoberto em 1974, à lâmina d’água (LDA) de 120 metros de profundidade, que representou um marco histórico para o setor petrolífero nacional, os campos de Badejo (1975), 103 Namorado (1975), Enchova (1976) e Cherne (1977), todos na Bacia de Campos (SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006). Apesar do modelo de ISI marcar a primeira fase da política de compras da Petrobras para seu seguimento offshore (1970 até a primeira metade da década de 1990), a capacitação tecnológica da IPP brasileira em áreas de fronteira do conhecimento era fraca. Nos equipamentos que demandavam maior complexidade técnica predominavam a utilização de tecnologia externa. A limitação tecnológica das empresas nacionais era atribuída: (i) ao elevado custo de fabricação das tecnologias; e (ii) as elevadas oscilações da demanda, que aumentavam o grau de incerteza quanto ao retorno dos investimentos em P&D (FREITAS, 1999). Quanto ao segundo ponto, observou-se que apesar da Petrobras adotar, em alguns momentos, uma política objetiva e efetiva de nacionalização - tanto através da organização do setor de compras, com a definição de prioridades e cadastramento de fornecedores, quanto por uma maior relação com a indústria nacional -, em outros, essa política esteve associada, simplesmente, às dificuldades conjunturais para importação. Apesar da oferta das empresas locais conseguir se adequar gradualmente ao volume de compras da estatal, mesmo com uma oscilação destas, a oferta não veio acompanhada por um investimento em atividades de P&D, tornando as empresas locais dependentes tecnologicamente das empresas que licenciavam o conhecimento (FREITAS, 1999). Diante das limitações acima mencionadas, o início da E&P das formações geológicas recém-descobertas foi realizado a partir de equipamentos, materiais e serviços encomendados de empresas estrangeiras. Este fator fez com que o índice de compras da Petrobras, dentro do país, oscilasse para baixo, chegando à 52%, em 1980 (ANP, 1999). Em 1983, no período da crise da dívida brasileira, a Petrobras descobriu campos petrolíferos gigantes na costa do Brasil - Albacora (1984), Marlim (1985) e Albacora Leste (1986) -, com mais de 1,5 bilhão de barris equivalentes de petróleo (BEP) e situados em profundidades entre 300 m e 2.100 m de LDA. A descoberta desses campos, além de indicar, pela primeira vez, a possibilidade de uma considerável redução da dependência do petróleo importado, oportunizou a saída do desempacotamento e adaptação tecnológica, para o desenvolvimento, em bases locais, de uma nova trajetória tecnológica para exploração de petróleo offshore em águas profundas, não existente no mercado (DANTAS; BELL, 2011; ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006). 104 Mesmo diante dessa excelente oportunidade econômica, a rotina de desempacotamento de tecnologias prontas não foi suplantada, muito em função da disponibilidade de reservas em águas rasas e do elevado custo do petróleo importado, que viabilizava a produção, mesmo que ineficaz. Em sendo assim, o aprendizado da Petrobras é consolidado, na primeira metade da década de 1980, mediante o desempacotamento de tecnologias (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006). As capacitações desenvolvidas (de desempacotar tecnologias) foram rapidamente absorvidas pelos fornecedores nacionais, aumentando, em 1983, para, aproximadamente, 80% o percentual de compras da Petrobras no país. Foi a partir dessa nova fase da política de compras da companhia, sobretudo, que grande parte das empresas fornecedoras estabelecidas fora do país ou buscou constituir parcerias com empresas brasileiras ou abriu filiais no país (ANP, 1999). A essa altura, uma rede de conhecimento embrionária já começava a se formar ao redor da Petrobras.As atividades de acumulação tecnológica da companhia, associadas com a referida rede, estavam centradas na assimilação de métodos adquiridos, de equipamentos, de serviços e de operação. Portanto, o fluxo de conhecimento se restringia ao operacional, sendo as firmas fornecedoras a principal fonte – poucas outras organizações tiveram um papel significante na rede26 (DANTAS; BELL, 2009). O sucesso parcial da política assistemática de compras de produtos no mercado nacional – em que se observou o desenvolvimento com sucesso de alguns processos relacionados à aprendizagem pelo uso (learning by using), porém com uma limitada aprendizagem interativa usuário-fornecedor (learning by interacting), justamente pela sazonalidade da política de compras - e a descoberta de jazidas gigantes em águas profundas impuseram à Petrobras a proposição de um programa de nacionalização mais eficaz, que incentivasse as atividades de P&D nas empresas nacionais (FREITAS, 1999). O lançamento desse programa, cujo objetivo seria a sistematização de esforços visando o desenvolvimento tecnológico offshore em profundidades até 1000 m, com base no Sistema de Produção Flutuante (SPF), ocorreu apenas em 1986, com o contrachoque da Arábia 26 No desenvolvimento destes reservatórios, a Petrobras utilizou o Early Production Systems (EPS), conceito adotado por companhias de petróleo internacionais nos campos do Mar do Norte. O movimento de sua curva de aprendizado de águas rasas para águas profundas deu-se, primeiramente, com a assimilação de tecnologias padrões, para o posterior desenvolvimento do conceito de Floating Production Storage and Offloading (FPSO), amplamente utilizado pela Petrobras nos dias atuais (OLIVEIRA E RUBIANO, 2011). 105 Saudita, maior produtor/exportador de petróleo do mundo27 (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006). Esse país, com o objetivo de punir os demais membros da OPEP pelo desrespeito ao sistema de quotas estabelecido, elevou sua produção a um nível que fez reduzir o preço do barril do petróleo em mais de 20 dólares em poucos meses. Os altos custos (e os riscos elevados) dos empreendimentos relacionados à fronteira das águas profundas obrigaram o encerramento de várias experiências e aplicações efetivas, exceto a brasileira, realizadas no mundo, com destaque para as do Golfo do México, do Mar do Norte e do Mediterrâneo (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006; DANTAS, 1999). O valor absoluto não foi a única restrição à continuidade desses empreendimentos. Soma-se a esse aspecto a existência de alternativas de produção, que se mostravam mais adequadas às principais companhias petrolíferas, elevando o custo de oportunidade da produção de petróleo em águas profundas (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006; DANTAS, 1999). No Brasil, a necessidade de redução imediata dos custos e aumento da produção interna, devido às restrições de divisas e a importância da conta petróleo, foram impostas à Petrobras, sob pena de um desestímulo à produção offshore local, caso se fizesse a opção pela importação. É nesse contexto que o Programa de Capacitação Tecnológica para Águas Profundas (PROCAP) é lançado (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006; DANTAS, 1999). O PROCAP 1000 (1986-1992) foi formado por um portfólio de 64 projetos, mas, durante sua implementação, com o surgimento de novos desafios, terminou englobando o desenvolvimento de 116 projetos, divididos em projetos de curto, médio e longo prazo (ORTIZ NETO E SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006). Esses projetos foram decompostos em cinco linhas de pesquisas, a saber: (i) equipamentos e instalações subsea; (ii) plataformas semisubmersíveis e embarcações; (iii) veículo de operação remota; (iv) ampliação da base de dados sobre a Bacia de Campos, na busca por novos campos; e (v) plataformas fixas (FREITAS, 1999). O PROCAP 1000 representou uma nova fase do aprendizado da Petrobras na medida em que o simples aprendizado operacional, relativo ao desempacotamento e operacionalização da 27 A escolha pela trajetória SPF se justificava pelo relativo conhecimento adquirido, desde 1977, com a operação e concepção de sistemas de produção antecipada (ORTIZ E NETO, 2006). 106 tecnologia importada, deu lugar a um aprendizado voltado para a endogenização das inovações (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006). O programa foi um híbrido entre a estratégia de desenvolvimento tecnológico endógeno, que teve uma maior ênfase, e a estratégia de desenvolvimento tecnológico cooperativo. Na estratégia de desenvolvimento endógeno, a Petrobras realizava a maior parte dos esforços de pesquisa, com pouca cooperação externa, e o propósito era o domínio de determinadas tecnologias pela companhia (FREITAS, 1999). A princípio, procurou-se consolidar a experiência operacional da companhia, principalmente aquela acumulada com os Sistemas de Produção Flutuantes (SPF), utilizados em profundidades menores.Portanto, destacaram-se no programa conhecimentos técnicos mais convencionais estendidos para até 1000 m de LDA, e, em menor medida, o desenvolvimento de projetos mais inovadores. O principal impasse dessa estratégia foi o reduzido envolvimento de fornecedores locais no desenvolvimento de inovações, o que limitou a obtenção, numa fase posterior, de parceiros capazes de fabricar componentes e/ou equipamentos (FREITAS, 1999). Na estratégia de desenvolvimento cooperativo, segundo Freitas (1999), destacaram-se três características: (i) envolvimento de participantes externos. Na comparação entre a estratégia cooperativa e a estratégia endógena, percebeu-se uma ampliação da parceria externa, com o aumento da importância das empresas internacionais de engenharia e das universidades nacionais no processo de desenvolvimento de conhecimento tecnológico de fronteira; (ii) contratos multiclientes. A difusão de projetos multiclientes na IP internacional foi propiciada pelos seguintes fatores: (a) viabilização de estudos em novas áreas de conhecimento tecnológico, onde o risco e a incerteza costumam ser bastante elevados; (b) redução dos custos de acesso ao novo conhecimento; (c) identificação (das) e relacionamento (com) companhias petrolíferas internacionais interessadas no desenvolvimento de novos sistemas tecnológicos offshoree no conhecimento voltado para áreas de especialização restritas, que resultaram em processos de transferência tecnológica de equipamentos, peças e componentes e sistemas de E&P; e (iii) aprendizagem organizacional. A utilização de consórcio de pesquisa contribuiu para o processo de absorção de novos conhecimentos, reforçando a aprendizagem tecnológica da companhia, visto que integrou múltiplos agentes, formando redes de inovação. 107 Com a implementação do PROCAP 1000 houve, portanto, uma extensão da participação da Petrobras na produção de conhecimento. No período de 1985-1991, a companhia desenvolveu intenções mais ativas de utilizar a rede de conhecimento para alcançar objetivos relacionados ao aprendizado, não meramente para adquirir conhecimento passivo com a aquisição de bens e serviços (DANTAS; BELL, 2009). A acumulação de atividades tecnológicas se desenvolveu através de arranjos colaborativos com: (i) universidades e centros de pesquisa, no desenvolvimento de projetos voltados à criação de conhecimento científico; (ii) universidades, centros de pesquisa e empresas de engenharia, nos projetos relacionados ao desenvolvimento de conhecimento aplicado inédito; (iii) empresas de engenharia, na adaptação de tecnologias; e (iv) firmas classificadoras, na classificação e publicação do nível de excelência dos conceitos desenvolvidos pelos diversos parceiros (ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006). Sobre esse aspecto, Freitas (1999, p. 140) salienta: O PROCAP 1000 sinaliza a transição para uma nova filosofia quanto ao processo de elaborar conhecimento, o que pode ser ilustrado pela divisão do trabalho tecnológico em torno das tarefas estabelecidas no programa. Durante sua execução, a empresa passou a delegar partes da atividade de pesquisa tecnológica a diversos agentes, as quais antes realizadas pelo CENPES. A diversidade de parcerias formadas pelo Centro de PD&EB com universidades, empresas de engenharia, empresas petrolíferas, entre outras, aponta para uma postura mais interativa, promotora de um arranjo institucional em forma de rede de inovação, particularmente no desafio offshore. Mas, apesar de uma maior participação da Petrobras na produção de conhecimento, devido a mudança da sistemática de integração, em que seus fornecedores passaram a ser parceiros de pesquisa, ultrapassando o caráter comercial do simples fornecimento de bens e serviços, a divisão do trabalho continuava acontecendo de maneira assimétrica; a Petrobras aprendia com os parceiros (DANTAS; BELL, 2009; ORTIZ NETO; SHIMA, 2008; ORTIZ NETO, 2006). O que se percebe, portanto, é que a descoberta dos campos offshore, ao tornar as tecnologias exigidas para E&P cada vez mais complexas - o que requeria uma maior customização destas, para lidar com a diversidade geológica, marinha, de hidrocarbonetos e meteorológica -, alterou, fundamentalmente, os desafios enfrentados pelas empresas de petróleo, exigindo interações com fornecedores para atender a demandas personalizadas (DANTAS; BELL, 2011). 108 Contudo, os fortes incentivos para inovação na Petrobras, apesar da crise dos anos de 1980, conforme comentado, objetivando desenvolver as reservas offshore identificadas na bacia de Campos - isto se justificava pela inserção da companhia no projeto desenvolvimentista brasileiro, que incluía a substituição de importação de petróleo -, não se replicaram para os fornecedores domésticos de equipamentos e serviços, que, até o momento da crise, recebiam fortes incentivos da Petrobras e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (OLIVEIRA; RUBIANO, 2011). A situação dos fornecedores domésticos de equipamentos e serviços piorou no início da década de 1990, quando os programas de nacionalização perdiam força e o discurso governamental voltava-se à competitividade e exposição da indústria nacional à concorrência estrangeira.Nessa nova trajetória, apesar do aumento da capacidade de fornecimento local de petróleo, foi dada pouca atenção à capacitação tecnológica para inovar dos fornecedores. Na maior parte das vezes que eram solicitados, limitavam-se a demonstrar que possuíam capacitação tecnológica para replicar tecnologias desenvolvidas pela Petrobras ou por empresas estrangeiras. Dificilmente a companhia encomendava a um fornecedor local o desenvolvimento de um produto ou sistema que não se encontrasse na “prateleira” (SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006). Contribuíram para a reversão do discurso, a abertura da economia brasileira ao mercado externo e o advento da Lei 8.666/93, que previa, nos processos licitatórios, o regime de concorrência pública.Em paralelo a esses fatores, a quebra do monopólio da Petrobras, em 1997, remetia a companhia à uma revisão do papel social de indutora do desenvolvimento nacional que sempre exerceu(SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006). A partir desse quadro, discutir-se-á, na próxima seção, como se estabeleceu a relação entre a Petrobras e a IPP nacional. 4.2 PETROBRAS E A IPP NACIONAL: PERÍODO LOGO APÓS LIBERALIZAÇÃO ECONÔMICA A revisão das políticas para o setor energético brasileiro se deu com a emergência de um novo consenso mundial nos anos de 1990. Especificamente para o caso da IPGN brasileira, foram promovidas mudanças no plano institucional, jurídico e macroeconômico, que ocasionoucerto abalo nos elos existentes entre a Petrobras e a IPP nacional, com a redução do seu índice de nacionalização das compras. No plano institucional e jurídico se destacaram a lei de 109 concessões de serviços públicos (Lei 8.987/95) e a quebra do monopólio legal da Petrobras (Lei 9.478/97) (SILVA; FURTADO, 2006). A Lei 8.987/95 estabeleceu a base jurídica para a concorrência e para a atuação, em projetos energéticos, da iniciativa privada. A Petrobras, que gozava de liberdade na aquisição de produtos e serviços, passou a ser obrigada a abrir participação nas licitações, dependendo do volume da obra e dos seus requisitos técnicos, à empresas do país e do exterior. Em sendo assim, a indústria nacional perdeu em competitividade nas licitações internacionais para grandes obras (construção de plataformas, navios, unidades de processo em refinarias) ou para aquisições de bens com alto agregado tecnológico, por apresentar uma estrutura de custos extremamente desfavorável, quando comparada à empresas do exterior(ALONSO, 2004). Essa lei foi flexibilizada pelo decreto 2.745/98, que possibilitou aquisições de equipamentos e serviços pelo mecanismo de negociação direta com os fornecedores locais e estrangeiros, dispensando a realização de licitações. Duas características centrais se destacam nesse mecanismo: (i) estimula a entrada e qualificação de fornecedores em determinados nichos de mercado; e (ii) possibilita a apropriação pela Petrobras de parcela significativa dos ganhos de produtividade dos fornecedores, ao permitir a barganha sistemática de preços. Portanto, apesar desse decreto possibilitar a operação da Petrobras em ambientes cada vez mais adversos, sem que esta incorra em custos proibitivos, ele tem implicações nocivas às empresas fornecedoras, ao reduzir seu fôlego financeiro e, portanto, inovativo (SILVA, 2009). A Lei 9.478/97 autorizou a contratação pelo Governo Federal de empresas públicas ou privadas para participação nas atividades econômicas de exploração, produção, refino, exportação, importação e transporte de bens e derivados de petróleo, anteriormente reservadas à Petrobras. A partir da aprovação dessa lei, foram criados o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), cuja atribuição é o assessoramento à Presidência da República na formulação de políticas e diretrizes para o setor energético brasileiro, a Agência Nacional do Petróleo (ANP), autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), que tem por atribuição zelar pelo funcionamento, em bases competitivas, da indústria de petróleo e gás natural e o Fundo Setorial do Petróleo (CTPetro), cujo objetivo é aumentar a produção e competitividade, reduzir custos e preços e melhorar a qualidade dos produtos do setor através do estímulo à inovação na cadeia produtiva de P&G, da formação e qualificação de recursos humanos e do desenvolvimento de 110 projetos em parceria entre empresas e universidades, instituições de ensino superior ou centros de pesquisa do país (SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006; ORTIZ NETO, 2006). A relação entre a regulamentação do CTPetro e a Lei 9.478/97 se estabelece pelo fato de os recursos destinados à esse fundo terem sido definidos a partir da institucionalização, através dessa lei, dos critérios para os cálculos e cobranças das participações do Governo Federal, aplicáveis ao upstream da IP. A partir dessa lei, os royalties, que anteriormente eram cobrados apenas por Estados e Municípios, passaram a ter uma parcela, que varia de 5 a 10% do petróleo ou gás produzido, conforme os fatores de risco e de expectativa de produção, arrecadados pelo Governo Federal(ORTIZ NETO, 2006). No que se refere às mudanças no arcabouço jurídico, destaca-se a implementação do Regime Aduaneiro Especial para a Indústria do Petróleo (Repetro), novo regime tributário, criado em 1999, que estabelecia que a importação de equipamentos destinados à E&P offshore estaria livre de qualquer tributação. Esse regime desfavoreceu a IPP nacional, mesmo com a criação do sistema de “exportação ficta”, pelo Governo Federal, que, apesar de compensar os fornecedores locais da concorrência desigual dos produtos importados, com a desoneração dos impostos federais, não os livravam dos impostos estaduais (SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006). No plano macroeconômico se observou, nos anos de 1990, a abertura da economia brasileira ao mercado externo e a sobrevalorização cambial. Esses fatos estimularam a importação de tecnologias incorporadas e desincorporadas e, em conseqüência, uma diminuição das encomendas feitas pela Petrobras aos fornecedores locais (SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006). Outro aspecto que concorreu para a redução do índice de nacionalização das compras da Petrobras para seu segmento offshore, reflexo do acirramento do processo competitivo, foi a mudança organizacional implementada a partir dos anos de 1990. A companhia, seguindo a tendência internacional, passa a externalizar parte significativa das funções que anteriormente assumia em seus grandes projetos de investimentos. Entre as funções externalizadas, destacam-se o controle e a integração dos empreendimentos, bem como a parte financeira do projeto (FURTADO ET ALLI, 2003). O relacionamento da Petrobras passou a ocorrer com contratantes principais, os maincontractors, que passaram a se integrar aos projetos turn-key. A companhia passou a buscar contratos no formato Engineering, ProcurementandConstruction (EPC), em que atividades são 111 centralizadas, inclusive aquelas relacionadas à negociação de preços e controle de qualidade dos diferentes equipamentos que integram o projeto, e outras firmas fornecedoras de equipamentos e serviços subcontratadas por um main-contractor. A consagração desses tipos de contratos estabelece que a EPCista, ao se responsabilizar pela execução do conjunto do projeto, deve estar capacitada para integrar eficazmente as diferentes partes deste, além de executá-lo de forma coordenada (FURTADO ET ALLI, 2003). No que se refere às mudanças organizacionais acima mencionadas, Oliveira e Rubiano (2011, p. 11) comentam: Petrobras started to use EPC (engineering, procurement and construction) companies for the supply of its needs of equipment and services. Differently from Petrobras, the EPC companies have no culture of fostering the NSES. Their single objective is to minimize costs, searching for the lower supply prices available either domestically or internationally. Placed in a new innovative, internationally competitive context, the NSES responded adopting defensive innovation strategies based on the assimilation of external knowledge embodied in machinery, in spite of the sustained growth of the domestic oil production. However, the deep offshore demands suppliers able to innovate based on scientific knowledge. Eventually, Petrobras diminished the ability to coordinate its supply or equipments and services while the NSES reduced the ability to supply the technological needs of the BIOG. A inexistência de empresas brasileiras capacitadas para operar nessa sistemática favoreceu a contratação de EPCistas estrangeiras de grande porte e integradas verticalmente. Além disso, o que piora a situação dos fornecedores de bens e serviços nacionais, quando o projeto de investimento é total ou parcialmente financiado por algum banco estrangeiro, é a existência de alguma cláusula que exija a compra de equipamentos no país de origem do banco financiador (ALONSO, 2004). Dessa maneira, essas mudanças organizacionais têm grande responsabilidade na transição ocorrida da relação da Petrobras com a IPP nacional. Elasocorreram num momento em que as indústrias brasileiras de bens de capital e de bens intermediários se encontravam enfraquecidas. Logo, a redução do índice de nacionalização das compras da Petrobras para seu segmento offshore pode ser explicada pelo aumento do grau de exigência da companhia em relação aos seus fornecedores aqui instalados, concomitante a perda de competitividade destes (SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006). A este respeito, Silva (2009, p. 107) salienta: 112 A lógica privada passou a determinar as estratégias da operadora nacional, levando-a a priorizar custos, qualidade e prazo de entrega dos equipamentos e serviços encomendados em seus projetos, assim como, a remuneração dos acionistas. Logo, na esteira da diminuição do padrão de intervenção do Estado na economia, a face empresarial se sobrepôs a face pública da Petrobras, de forma que a indução da indústria doméstica deixou de fazer parte das prioridades da operadora nacional (SILVA, 2009, P. 107). A transição ocorrida pode ser evidenciada na Figura 22, a seguir. Nesta, percebe-se a existência de uma coerência entre a capacidade instalada de refino, a curva de produção de óleo cru e o ritmo de aquisições nacionais realizadas. Apesar do índice de aquisições de bens no mercado nacional ter caído, de um patamar de 72%, atingindo um nível mínimo de 45%, na década de 1980, a maior descontinuidade é observada no início da década de 1990, com a abertura do mercado às importações (ALONSO, 2004). Figura 22 - Relação da Petrobras com o mercado fornecedor nacional. Fonte: Petrobras, apud Alonso (2004). Esta tendência, na qual os parceiros nacionais dão lugar aos estrangeiros, refletiu-se no segundo Programa de Capacitação Tecnológica para Águas Profundas (PROCAP 2000), lançado em 1993. O PROCAP 2000 (1993-1999), impulsionado pelos resultados satisfatórios do PROCAP 1000, foi criado com o objetivo de desenvolver capacitações que permitissem à Petrobras o aproveitamento de jazidas de 1000 m à 2000 m de LDA (FREITAS, 1999). 113 A orientação principal do programa pode ser sintetizada a partir das seguintes recomendações: (i) viabilizar economicamente a E&P de petróleo e gás natural nos campos localizados entre 1000 m e 2000m de LDA, através de investimentos em projetos de pesquisa que colocassem a disposição da Petrobras o domínio tecnológico essencial; (ii) otimizar a utilização dos recursos materiais e humanos existentes no país e no exterior e o dispêndio com pesquisa, desenvolvimento e engenharia básica (P,D&EB), ampliando as estratégias de desenvolvimento cooperativo; e (iii) monitorar continuamente o estado da arte do conhecimento offshore internacional (FREITAS, 1999). O PROCAP 2000 foi formado por doze linhas sistêmicas de investigação, que envolveram pouco mais de quarenta projetos sobre temas necessários para operação em águas profundas. Portanto, percebe-se nesse programa, diferentemente do primeiro, além de uma maior inserção no processo de desenvolvimento tecnológico internacional – com a melhoria da base de conhecimento, através do aumento da relação com centros de pesquisas e companhias internacionais, incentivando a formação de uma rede global de inovação -, uma maior seletividade, com redução do volume de projetos e áreas tecnológicas (FREITAS, 1999). Comparando o PROCAP 1000 e o PROCAP 2000, Freitas e Furtado (2001, p.11) salientam: Os programas tecnológicos ilustram uma mudança na estratégia de inovação da empresa. No primeiro programa, a orientação da empresa e a forma como se organizava a pesquisa envolvia poucos agentes e era fortemente orientada para o projeto de desenvolvimento tecnológico fabril nacionalista (a chamada estratégia endógena). No segundo programa, a pesquisa reorientou-se para a constituição de redes de inovação e o processo de desenvolvimento partilhado, estabelecendo maior pluralidade de relações com firmas de engenharia e fabricantes internacionais. A importância que a Petrobras passa a dar à produção de inovações consideradas radicais na IP se constitui num outro aspecto importante desse programa, que o diferencia do primeiro. Enquanto no PROCAP 1000 os esforços associados ao desenvolvimento de inovações radicais eram dispersos e acompanhados através de contratos multiclientes, no PROCAP 2000, a companhia, pelo conhecimento acumulado e capacidade de testá-lo, não apenas participa desses contratos, mas os coordenam e executam. É nesse sentido que, comparando os dois programas, percebe-se uma transição gradual da natureza do esforço tecnológico empreendido pela Petrobras: de um esforço concentrado na absorção de conhecimento e na adaptação e/ou desenvolvimento incremental, para uma postura mais ativa de um agente com maior compromisso com o progresso técnico para operação em águas profundas (FREITAS, 1999). 114 As principais inovações e ações desse programa ocorreram em quatro áreas, a saber: (i) equipamentos subsea: desenvolvimento, instalação e operação de um sistema de bombeamento centrífugo submarino (Bomba Centrífuga Submersível - BCSS); desenvolvimento do Sistema de Bombeamento e Separação Multifásica (VASP) e projeto conceitual de Árvore de Natal Molhada Horizontal (ANM-H); (ii) exploração: desenvolvimento da técnica de perfuração de petróleo em campos de grande amplitude horizontal e alternativa para facilitar a exploração de petróleo em águas ultra-profundas – Sistema de Geração de Nitrogênio; (iii) embarcações e ancoragem: novo sistema de amarração; novos sistemas de ancoragem; estaca torpedo; âncora vertical; desenvolvimento, instalação e operação do sistema de conexão vertical; e (iv) base de dados: prosseguimento na aquisição e processamento de dados geológicos e ambientais da Bacia de Campos em profundidades de até 2000 m (ORTIZ NETO, 2006). Dantas e Bell (2009), ao discorrer sobre a forma de inserção da Petrobras na rede global de inovação entre os anos 1992 e 1996, período que o PROCAP 2000 estava em vigência, salientam que esses anos se caracterizaram por uma divisão do trabalho mais simétrica entre a petrolífera e seus parceiros. No desenvolvimento de inovações incrementais conjuntas e novos conceitos, sob a coordenação da companhia, esta e seus parceiros realizaram atividades de P&D especializadas e complementares. A participação da empresa como uma importante fonte de conhecimento em ciência e tecnologia para os parceiros da rede cresceu. No ano de 2000 foi lançado o PROCAP 3000, cujo objetivo era viabilizar a operação em campos sob LDA de até 3000 m. Apesar das inovações tecnológicas implementadas nesse programa, encerrado em 2011, mostrarem-se, principalmente, incrementais, pelo fato do conhecimento acumulado requerer apenas alterações adaptativas para viabilizar os objetivos desta fase, os novos recursos de simulação da companhia, como a interpretação sísmica mais avançada, que reduziu significantemente os custos totais de perfuração, representou uma nova e importante forma de geração de conhecimento em torno de uma trajetória já estabelecida (ORTIZ NETO, 2006). A este respeito, Ortiz Neto (2006, p. 149) comenta: [...] a trajetória das inovações durante o PROCAP 3000 tem tido um conteúdo incremental, mas uma forma radical, diante da criação de novas competências e instrumentos de projeção. Atrelado a essa forma radical, supõe-se que o conhecimento nessa fase tem sido ampliado e sofisticado por intermédio de um processo de capacitação caracterizado pelo aprendizado pela simulação. Entretanto, esta característica não exclui 115 as demais formas de aprendizado, ao contrário, pois a simulação consegue potencializálas [...]. Os resultados auferidos pelos instrumentos de simulação, apesar de não estarem relacionados diretamente e necessariamente aos projetos do PROCAP, cuja função condiz especificamente às tecnologias de exploração offshore, são condizentes aos objetivos do programa na medida em que potencializa o avanço destas tecnologias, através dos instrumentos de realidade virtual, e permite o avanço da exploração offshore em condições de maior complexidade, como os campos de grande amplitude horizontal e/ou com rochas salinas (ORTIZ NETO, 2006). Os instrumentos de simulação, além da maior capacidade explorativa, tende a ampliar a viabilidade econômica da exploração offshore, pela utilização de softwares que relacionam fatores de produção (fluxo e qualidade do hidrocarboneto) com fatores macroeconômicos, possibilitando a identificação do volume ótimo de produção. Dessa maneira, o PROCAP 3000, ao conduzir o conhecimento para novas áreas a serem pesquisadas, melhorou o processo tradicional do aprendizado (ORTIZ NETO, 2006). Com os três PROCAPs, a participação da Petrobras no desenvolvimento de inovações aumentou, porém, este aumento não se replicou para os fabricantes nacionais. Enquanto o PROCAP 1000 envolveu alguns fabricantes nacionais na absorção de tecnologias externas, o PROCAP 2000 e o PROCAP 3000 não estabeleceram como prioridade a absorção da tecnologia dos sistemas de E&P. Nesse sentido, boa parte dos esforços tecnológicos da companhia foram delegados à empresas internacionais que prestam serviços de engenharia e consultoria e fabricam bens de capital (FREITAS, 1999). Dantas e Bell (2011) ratificam este aspecto ao verificar a reduzida participação dos fornecedores nacionais no desenvolvimento de tecnologias críticas. Segundo os autores, a construção de capacidades para desenvolver inovações complexas e, consequentemente, criar vantagens competitivas, num contexto de E&P de petróleo em águas cada vez mais profundas, pressupunha uma intensificação da inserção da Petrobras numa rede global de inovação, não somente com fornecedores, mas, também, com seus principais competidores, dada a inexistência de suporte doméstico para inovar. The company had to increase its capabilities beyond what was necessary for short-term objectives, and to invest in the development of Strategic Capabilities which would distinguish it in relation to its competitors. Also important, Petrobras was released from 116 the demand to engage with domestic actors for developmental ends. Thus, only those suppliers and S&T organizations that already had the necessary capabilities to contribute to the objectives of the company were included in its projects. These new conditions were highly conducive to the strengthening of the company’s differentiated Strategic Networks with global industry partners, including its leading competitors—but that was only possible because it had already built over the preceding 35 years its pervasive base of capabilities (DANTAS E BELL, 2011, P. 1582). A dificuldade dos fornecedores domésticos de equipamentos e serviços em assumir riscos inovativos dentro do contexto econômico brasileiro das décadas de 1980 e 1990, explica a reduzida participação de empresas e universidades brasileiras em quartoze (14) projetos estratégicos de inovação conduzidos pela Petrobras entre os anos de 1980 e 2006. Estes projetos envolveram 86 instituições, incluindo empresas, institutos de pesquisa e universidades; mas, brasileiras têm-se, apenas, oito (8) empresas, oito (8) universidades e um (1) instituto de pesquisa (DANTAS; BELL, 2011). A partir do final da década de 1990 e início da de 2000, Furtado et alli (2003) apontam para uma reversão da tendência de parceiros nacionais darem lugar aos estrangeiros apesar do estudo de Dantas e Bell (2011), que engloba o período entre 1960-2006, referindo-se ao desenvolvimento de tecnologias críticas, não confirmar esta tendência -, com a recuperação do controle da Petrobras sobre a parte de engenharia de seus projetos. Segundo os autores, essa reversão tem se justificado pelos problemas enfrentados pela companhia em decorrência dos atrasos e dificuldades observadas na entrega dos projetos turn-key por parte dos maincontractors. Nessa nova modalidade de relacionamento, os projetos turn-key são abandonados e a Petrobras passa a contratar módulos que depois ela se encarrega de integrar. O Departamento de Engenharia da companhia passa a acompanhar o detalhamento dos projetos e o comissionamento, que consiste na colocação dos equipamentos em condição de funcionamento. Portanto, a operadora brasileira passa a ter a responsabilidade de realização de testes dos instrumentos, acionamento das bombas, integração dos grandes equipamentos e teste do conjunto do sistema (FURTADO ET ALLI, 2003). Duas evidências a respeito das ações da Petrobras desempacotar e nacionalizar a maioria dos seus empreendimentos foram confirmadas com as licitações das plataformas P-51 e P-52, no ano de 2003, em que se observou uma segmentação dos projetos em vários módulos 117 (geração, compressão, casco/topside) e a estipulação de um conteúdo local cada vez mais elevado (FURTADO ET ALLI,2003). Outro aspecto que impeliu a reversão da política de compras da Petrobras foi a preocupação com o destino da indústria e dos fornecedores locais, que fez com que fosse incorporado índices de nacionalização nos critérios para seleção dos leilões de áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural. Estes critérios estavam presentes desde o processo de licitação dos primeiros blocos exploratórios, na Rodada 1, em 1999. Porém, é apenas na Rodada 4, em 2003, que a ANP fixa um nível mínimo de conteúdo local, a ser observado pelo concessionário, na Fase de Exploração e na Etapa de Desenvolvimento (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). A preocupação com o destino da indústria e dos fornecedores nacionais foi responsável, também, pela criação do Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo e Gás Natural (PROMINP), pelo Governo Federal, com a intenção de promover, com base no poder de compras da Petrobras, o desenvolvimento da IPP nacional (SILVA, 2009; SILVA; FURTADO, 2006). Estes mecanismos de política serão abordados na próxima seção. 4.3 POLÍTICA DE CONTEÚDO LOCAL PARA FORTALECIMENTO DA IPP Associada a uma avaliação de que a participação desejada do mercado doméstico não seria alcançada pela própria dinâmica mercantil, a Política de Conteúdo Local consiste na exigência de que uma empresa ou um conjunto de empresas de um setor produtivo realize nesse mercado uma parcela de suas compras de insumos ou de bens e serviços requeridos por seus investimentos (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Os objetivos de política econômica que justificam essa intervenção do poder estatal podem ser: (i) de natureza macroeconômica e de curto prazo, que não se articula necessariamente a outros instrumentos de política econômica e cujo escopo abrange o fortalecimento da demanda dirigida ao mercado doméstico e a expansão do emprego; e (ii) de natureza mais específica e com uma perspectiva de crescimento de longo prazo, dependente da mobilização de outros instrumentos de política governamental, que induza a emergência e/ou capacitação de oferta local para o atendimento da demanda que lhe é dirigida pela exigência de conteúdo local e cujo escopo abrange, portanto, a diversificação do parque manufatureiro, o desenvolvimento de setores 118 intensivos em tecnologia e de elevado potencial de crescimento ou a construção de segmentos relevantes do ponto de vista da defesa nacional (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). A simultaneidade de objetivos dessa política limita o cumprimento de alguns. Dentre os limites com os quais essa política se defronta, podem-se citar: (i) o limite imposto por sua viabilidade, pois, o seu sucesso está atrelado a capacidade da oferta doméstica em assegurar o cumprimento da exigência de conteúdo local ou da possibilidade de dispor dessa oferta em um horizonte de tempo previsível; e (ii) o limite de natureza econômica, pelo efeito que tem a exigência de conteúdo local no custo e prazo de conclusão do investimento e/ou sobre o custo de produção das empresas afetadas e, por consequência, sobre sua competitividade e viabilidade de seus investimentos (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). 4.3.1 Evolução da exigência de conteúdo local No setor de petróleo e gás natural brasileiro, a definição de uma política de conteúdo local, construída ao longo da última década por meio de cláusulas nos contratos de concessão e de resoluções da ANP, tem como referência o modelo de exploração e produção criado pela Lei 9.478/97, que pôs fim ao monopólio estatal neste setor (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Com o fim do monopólio, a participação de empresas brasileiras no suprimento de equipamentos e insumos para a exploração, produção e refino de petróleo e gás no país, que decorria da política de compras da Petrobras, refletindo objetivos e estratégias desta corporação, assim como orientações vindas do governo, passou a ser assegurada pela imposição aos investidores privados de participação relevante dos fornecedores locais no suprimento da demanda de bens e serviços (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Mudanças significativas envolvendo (i) a natureza do instrumento de indução no aumento do conteúdo local, (ii) a definição de conteúdo local e dos critérios e regras para sua aferição e (iii) os procedimentos requeridos para a comprovação do cumprimento da exigência de conteúdo local aconteceram ao longo das doze rodadas de licitação para concessão de blocos paraE&P de petróleo e gás natural e da primeira licitação de partilha de E&P de petróleo e gás natural em áreas do pré-sal, realizadas desde o final dos anos de 199028(GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). 28 As licitações para concessão de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural suspensas desde 2008, quando aconteceu a décima rodada, foram retomadas no ano de 2013; em maio de 2013, ocorreu a décima primeira rodada, e, em 119 Essas mudanças serão descritas nos parágrafos a seguir. Mas, antes disso, vale ressaltar que anteriormente a realização da Rodada 1 ocorreu a Rodada Zero, na qual foram concedidos à Petrobras, mediante contratos de concessão assinados em 1998, 282 campos que se encontravam em operação. Além disso, foi garantido o direito à exploração, por um período de três anos, dos blocos nos quais a companhia nacional já tinha realizado investimentos. Nessa rodada, nenhuma exigência em termos de conteúdo local foi introduzida (SILVA, 2009). (i) Natureza do instrumento de indução: Nas rodadas de 1 a 4, realizadas de 1999 a 2002, o requerimento de compromisso prévio se dava sem o estabelecimento de uma exigência de valor mínimo para o percentual de conteúdo local dos participantes da licitação. A indicação espontânea da magnitude de seu compromisso se configurava como um dos critérios de julgamento da licitação (com peso de 15%) (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Nas rodadas 5 e 6, realizadas nos anos de 2003 e 2004, houveram uma fixação, pelo regulador, de um nível mínimo de conteúdo local, a ser observado pelo concessionário, na Fase de Exploração e na Etapa de Desenvolvimento (com percentuais diferenciados segundo a qualificação operacional requerida pelo bloco, variando entre 30% e 50%). Facultava-se, ainda, além dos percentuais mínimos exigidos, o compromisso espontâneo com percentuais adicionais específicos para quatro atividades indicadas no edital a ser considerado na determinação da oferta vencedora (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Nas Rodadas de 7 a 12, realizadas entre os anos de 2005 e 2013, os percentuais de conteúdo local a serem atingidos compreendiam metas globais para a Fase de Exploração e para a Etapa de Desenvolvimento, indicadas na Tabela 11, e metas específicas relativas a cada um dos 34 itens e dos 30 subitens. O compromisso dos licitantes com os percentuais relativos a esses itens podiam ser superiores aos estabelecidos no edital, sendo estes considerados no julgamento29(GUIMARÃES, 2013; ANP, 2013a; ANP, 2013b; CNI, 2012). novembro de 2013, teve lugar a décima segunda rodada de licitações da ANP. Em outubro de 2013 ocorreu a primeira licitação de partilha de exploração e produção de petróleo e gás com a oferta do prospecto de Libra. 29 As metas específicas relativas a cada um dos 34 itens e dos 30 subitens podem ser conferidas em CNI (2012), ANP (2013a), ANP (2013b). 120 Tabela 11- Metas globais de conteúdo local – Rodada 7 à 10. Localização do Bloco Águas Rasas 100m < profundidade ≤ 400m e águas profundas Águas Rasas profundidade ≤ 100m Terra Fonte: CNI (2012). Exploração Desenvolvimento 37% 55% 51% 63% 70% 77% Uma estratégia alternativa a esta de induzir maior participação dos bens e serviços locais nos investimentos do setor de P&G, por meio de fixação de metas pelo poder concedente, tem na Noruega seu exemplo mais bem sucedido. Esse país não impôs metas nem requisitos de conteúdo local mínimo para promover a cadeia de P&G, mas, visando o desenvolvimento tecnológico e à expansão da capacidade produtiva de fornecedores locais, incentivou os investidores na superação de metas indicativas realistas e no alcance de níveis mais elevados de conteúdo local30(GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). [...] a Noruega não impôs metas nem requisitos de conteúdo local mínimo para promover a cadeia de P&G. As operadoras apenas deveriam fornecer a lista de participantes nas concorrências, na qual o Ministério de Petróleo e Energia poderia incluir empresas locais. Como incentivo, as empresas com elevado percentual de conteúdo local eram favorecidas nas rodadas de licitações subsequentes. Assim, a ênfase da política industrial da Noruega para a cadeia de fornecedores do setor de P&G esteve voltada para o apoio à diversificação industrial e à inovação, que contemplava não apenas o aumento do conteúdo local mas também a internacionalização dessa cadeia produtiva (GUIMARÃES, 2013, P. 339). (ii) Definição de conteúdo local e dos critérios e regras para sua aferição: Na Rodada 1, o conteúdo local esteve associado à localização da empresa fornecedora da mercadoria ou serviço. Ou seja, o montante de bens e serviços adquiridos de “fornecedores brasileiros” - empresas cujos bens (ou serviços) vendidos ou fornecidos tenham sido produzidos (ou realizados) no país - definia a magnitude do conteúdo local (o numerador da percentagem a que se refere o contrato) (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Na Rodada 2, com a introdução do conceito de “Bem de Produção Nacional” máquina ou equipamento que alcançasse, no mínimo, 60% de índice de nacionalização em valor e “Fornecedor Brasileiro” - empresa cujos bens vendidos ou fornecidos são Bens de Produção 30 Para uma descrição das estratégias de desenvolvimendo da indústria para-petrolífera utilizada por distintos países ver: Bain e Company e Tozzini Freire Advogados (2009). 121 Nacional -, a associação do conteúdo local se deslocou da empresa fornecedora para o produto fornecido (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Na Rodada 3, apesar do conceito de conteúdo local continuar atrelado ao produto fornecido, há uma mudança no conceito de Bens de Produção Nacional - aqueles cujo valor dos materiais e serviços estrangeiros incorporados ao mesmo não excedesse a 40% do seu preço - e “Serviços Prestados no País” - aqueles adquiridos no país, cujo valor de materiais e serviços importados correspondesse a menos de 20% de seu preço de venda (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). A partir da Rodada 7, a “Metodologia de Cálculo do Conteúdo Local para o Fornecedor de Bens e Serviços” passou a ser observada na aferição dos percentuais de conteúdo local. Nesta metodologia é computada a razão entre a soma do valor dos componentes importados de todos os bens incorporados e a soma dos preços desses bens, não levando mais em conta se os diversos bens que os compõem incorporam de material importado mais ou menos de 40%. Essa metodologia evita uma superestimação do conteúdo local real dos bens finais, fato que ocorria antes da Rodada 7, quando o bem que tivesse em sua composição menos de 40% de materiais e serviços estrangeiros, no momento de sua incorporação a outro equipamento, contabilizava-se como 100% nacional (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Com o descrito, percebe-se a existência de uma distinção conceitual entre o conteúdo local requerido, a partir da Rodada 7, e o que prevaleceu nas rodadas anteriores, dificultando, portanto, a realização de comparações entre as rodadas. Ou seja, os níveis de conteúdo local observados nas regras vigentes até a Rodada 6 não se apresentam como indicadores relevantes para avaliação da razoabilidade dos percentuais estipulados nas etapas posteriores (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Levando esse aspecto em consideração, os dados apresentados na Figura 23 devem ser analisados com ressalvas. Os dados indicam uma tendência crescente do percentual de conteúdo local das propostasvencedoras nas dez rodadas de licitação na Fase de Exploração e na Etapa de Desenvolvimento. 122 Figura 23 - Conteúdo local médio relativo às etapas de exploração e desenvolvimento das propostas vencedoras nas dez rodadas de licitação. Fonte: ANP, apud CNI (2012); GUIMARAES (2013). (iv) Procedimentos requeridos para a comprovação do cumprimento da exigência deconteúdo local: Até a Rodada 2, os contratos de concessão continham apenas uma cláusula requerendo a manutenção de documentos que suportassem a escrituração contábil e que as demonstrações contábeis indicassem, separadamente, os gastos realizados com Exploração, Desenvolvimento e Produção, especificando para cada uma dessas atividades os gastos associados com os respectivos planos e programas de trabalho no contrato; portanto, sem nenhuma referência à comprovação do compromisso de conteúdo local assumido pelo operador (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Concomitantemente à Rodada 3, por meio de uma portaria da ANP regulando a referida cláusula, a apresentação de Relatório de Gastos Trimestrais, com a classificação dos gastos realizados em nacionais e estrangeiros, atendendo à metodologia estabelecida em norma dessa agência, passou a ser requerida (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Em 2003, a partir de uma portaria da ANP, Declaração de Origem fornecida pelo fornecedor do bem ou serviço caracterizado como locais, com explicitação de que atendem aos conceitos de Bem de Produção Nacional e Serviço Prestado no Brasil, como definido nos Contratos de Concessão, passou a ser exigida pelo concessionário (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). A partir da Rodada 7, passou a ser exigida a comprovação, por meio de certificados de conteúdo nacional, obtidos pelos fornecedores de bens e serviços junto a entidades com devida 123 qualificação e credenciadas pela ANP, do cumprimento dos compromissos assumidos quanto ao conteúdo local. A regulamentação do processo de certificação, ocorrida através de portarias da ANP, que incluía a certificação de conteúdo local, o credenciamento de entidades para certificação de conteúdo local e auditoria de certificação de conteúdo local, deu corpo a um Sistema de Certificação de Conteúdo Local (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). A implementação dessa política suscitou uma série de críticas de parcela de operadores e fornecedores da indústria. As críticas mais frequentes se referem: (i) a complexidade do processo e seu impacto sobre a competitividade, ao envolver o custo de remuneração da certificadora, incluindo o custo de deslocamento de técnicos da certificadora até a localidade de operação da empresa certificada, e o custo incorrido pelas empresas na gestão administrativa desse processo; e (ii) a invasão da privacidade das empresas, pelo fato das empresas certificadoras atenderem, também, as empresas concorrentes (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). 4.3.2 Consequências do não cumprimento do compromisso de conteúdo local O contrato de concessão prevê aplicação de multa no caso do não cumprimento dos percentuais de conteúdo local mínimo ou dos percentuais propostos pelo operador no processo licitatório. A avaliação do cumprimento dos percentuais dar-se-á ao final da Fase de Exploração do Bloco e ao final da Etapa de Desenvolvimento de Produção do Campo, “(i) em relação ao conteúdo local mínimo proposto para o bloco e, também, (ii) ao conteúdo local estabelecido (ii-a) para as quatro atividades indicadas nos contratos das rodadas 5 e 6 ou (ii-b) para os 34 itens e 30 subitens especificados nos contratos das rodadas 7 a 10”. A partir da rodada 7, a fórmula adotada para o cálculo implica que: se NR<65%, então M=60%; se NR>65%, então M=1,143*NR14,285%31 (GUIMARÃES, 2013, P.343; CNI, 2012). A existência de punição associada ao não cumprimento de metas encontra oposição dos operadores, por sua avaliação de que nas multas previstas pelos contratos de concessão não se observam o princípio da razoabilidade, principalmente quando é considerado que a assunção 31 “Sendo NR o percentual de conteúdo local não realizado e M o percentual da multa a ser aplicada sobre o valor do conteúdo local não realizado”. Nas rodadas 11 e 12 a referida norma foi mantida (GUIMARÃES, 2013, P.343; ANP, 2013a; ANP, 2013b). 124 de tais compromissos acontecem em um momento em que é impossível avaliar, com certeza, sua exequibilidade (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). A depender das circunstâncias, punições rigorosas podem causar resultados opostos, a saber: (i) inibir efetivamente a transgressão da regra, caso eficaz; ou (ii) beneficiar os agentes que se arrisquem em incorrer numa punição, caso haja dificuldade na implementação. Um cálculo econômico condiciona o efeito inibidor: caso o valor da multa seja inferior ao investimento necessário para atender a exigência de conteúdo local e seu prazo de execução, vale a pena incorrer no risco. Porém, a divulgação da aplicação de multa à determinada empresa pode impactar negativamente sua reputação (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Apesar do contrato de concessão explicitar penalidades, em caso do não cumprimento desses percentuais, os contratos, a partir de 2007, passaram a incluir uma cláusula prevendo que, por solicitação prévia do concessionário, a ANP poderia autorizar a contratação de bem ou serviço no exterior. A liberação da obrigatoriedade de cumprimento do correspondente percentual de conteúdo local dá-se, dentre outras razões, caso: (i) os preços para aquisição de bens e serviços locais sejam excessivamente elevados, quando comparados aos preços praticados no mercado internacional; (ii) os prazos para entrega dos bens ou execução dos serviços locais sejam muito superiores aos praticados no mercado internacional, podendo comprometer o cronograma de atividades proposto; e (iii) na ocasião da licitação, a tecnologia escolhida não esteja sendo oferecida pelos fornecedores locais (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). A liberação da obrigatoriedade do cumprimento do correspondente percentual de conteúdo local enfrenta inúmeras dificuldades que podem afetar a eficácia do instrumento. Algumas dessas dificuldades são de natureza conceitual: (i) pela dificuldade no estabelecimento de um critério do que seja preço “excessivamente elevado” ou prazo de entrega “muito superior” ao do produto importado; e, (ii) apesar da autorização para importar reduzir a exigência do conteúdo local do item ou subitem associado ao produto liberado, ela não tem efeito sobre a exigência de conteúdo local global relacionada à Fase de Exploração ou à Etapa de Desenvolvimento. Outras, da possibilidade de demora da ANP na concessão da autorização, que está condicionada a obtenção de informações, junto a fornecedores locais, sobre preços e prazos, implicando em consequências do ponto de vista do prazo de execução do processo de investimento (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). 125 4.3.3 Política de conteúdo local no contexto da lei do pré-sal A partir das descobertas, em 2006, dos campos de Tupi, agora batizado de Lula, e Yara, na bacia de Santos, e Baleias, na bacia de Campos, o governo anunciou oficialmente, em 2007, a existência de uma nova realidade geológica para a IP brasileira e internacional. A província do pré-sal, assim denominada por se localizar abaixo da camada de sal, de 5 a 7 mil metros abaixo do nível do mar, estende-se do norte de Santa Catarina ao sul do Espírito Santo. Conforme salienta Schutte (2012), até o final de 2011, dos 37 poços perfurados pela Petrobras na camada do pré-sal, quase todos indicaram a existência de petróleo, o que representa uma redução significativa das incertezas associadas ao desenvolvimento dos seus reais potenciais. Aliás, foi este o principal argumento para o início da discussão acerca da necessidade de mudanças no sistema legal de E&P de petróleo e gás natural, de modo a conformá-lo à um cenário de reduzida incerteza. Diferentemente do panorama quando da introdução do sistema de concessão, em que os preços internacionais tendiam à queda e os custos de produção no Brasil eram relativamente altos, havendo necessidade de investimentos privados para viabilizar o financiamento da produção e da exploração diante do risco exploratório, com o pré-sal essas questões são colocadas em outro patamar. Primeiro, o risco exploratório é baixo. Segundo, os campos são grandes. Terceiro, ocorreu uma mudança do preço do petróleo. Quarto, diante dessa mudança, a reavaliação dos marcos regulatório se tornou uma tendência generalizada nos países produtores(SCHUTTE, 2012). Após seguidos debates realizados pelo Congresso Brasileiro, o então Presidente da República, promulgou, em 2010, três leis que estabeleceram o novo marco regulatório para as atividades de E&P de petróleo e gás natural na camada do pré-sal: a Lei n. 12.276/10 (Cessão Onerosa), a Lei n. 12.304/10 (Pré-Sal Petróleo S.A - PPSA) e a Lei n. 12.351/10 (regime de partilha e Fundo Social) (ZACOUR ET ALLI., 2012). Com a Cessão Onerosa, sancionada em 30 de junho de 2010, a União fica autorizada a ceder à Petrobras onerosamente até cinco bilhões de barris equivalentes de petróleo, com a finalidade de capitalizar a empresa para fazer frente à enorme necessidade de investimento. Concomitantemente à cessão onerosa, houve uma nova emissão de ações pela companhia, que foram vendidas com privilégio aos atuais (na época) acionistas, inclusive a União. Os recursos 126 obtidos com essa transação foram direcionados para novos investimentos e para o pagamento da Cessão Onerosa (SCHUTTE, 2012). A empresa pública, denominada Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S/A, Pré-Sal Petróleo S/A (PPSA), sancionada em 2 de agosto de 2010, foi criada com a responsabilidade de gestão dos contratos (de) partilha de produção celebrados pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e (para) comercialização de petróleo e gás natural da União(SCHUTTE, 2012; GUIMARÃES, 2012). Nos termos da lei de criação da PPSA, esta empresa “não assumirá os riscos e não responderá pelos custos e investimentos referentes às atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção decorrentes dos contratos de partilha de produção” (art. 8º, parág. 2º) (GUIMARÃES, 2012, P. 24). O sistema de partilha, regulamentado pela Lei n. 12.351, de 22 de dezembro de 2010, foi a principal alteração do novo marco regulatório. Com a opção do governo federal de respeitar os contratos existentes, apesar da existência de argumentos jurídicos que justificavam a revisão das outorgas do pré-sal, dado o desconhecimento da existência dessas reservas quando da contratação das concessões, esse sistema apenas se aplica, em princípio, às novas áreas do présal, ainda não adquiridas nas rodadas de licitação já realizadas, permanecendo o regime de concessão nas áreas já licitadas e nas áreas fora do pré-sal a serem licitadas. Portanto, a propriedade da União será restabelecida apenas nas áreas não licitadas (SCHUTTE, 2012). O regime de partilha da produção (Production Sharing Contract - PSC) foi primeiro introduzido pelo governo indonésio, em meados da década de 1960. Desde então, foi difundido para diversos países. O principal motivo para replicação deste regime foi o anseio político, principalmente nos países em desenvolvimento, de se opor às primeiras licenças, vistas como juridicamente permissivas e economicamente desequilibradas em favor das petroleiras internacionais. A percepção dos Estados detentores de reservas era que, com a adoção do PSC, a atividade de exploração seria alavancada e uma maior renda da extração de hidrocarbonetos seria obtida (VIEGAS, 2013). O elemento central deste regime é a propriedade sobre os minerais, quando extraídos, permanecer estatal. Contudo, para compensar os custos e riscos, assim como os pagamentos realizados ao governo na forma de participações governamentais e tributos, os volumes produzidos são repartidos com a petroleira (ou consórcio) contratada para o financiamento e 127 realização das operações. Conforme definido em contrato prévio, a transferência de titularidade do produto pode ser realizada no ponto de medição da produção ou no ponto de realização da venda (mercado interno ou no terminal de exportação) (VIEGAS, 2013). Ou seja, é concedido a petroleira (ou consócio) contratada o direito de realizar, sob sua responsabilidade, atividades de exploração e produção em uma área específica. Em caso de descoberta comercial, esta adquire o direito de propriedade (i) dos volumes de óleo correspondente ao "óleo custo", (ii) do volume da produção correspondente aos royaltiesa serem pagos, bem como (iii) do volume correspondente ao "óleo lucro", proporcional a sua participação. À União caberá parte do volume produzido, de acordo com o percentual do "óleo lucro"(ZACOUR ET ALLI., 2012). Pode-se afirmar, com isso, que a configuração do regime de partilha está baseada em alguns conceitos elementares, sendo os dois principais: (i) o “óleo custo”, que cobre os custos recuperáveis; e (ii) o “óleo lucro”, que é o volume extraído após subtraído o “óleo custo”. Como demais componentes tem-se os royalties, os tributos e as contribuições recolhidas pelo governo. Além destes componentes, inclui-se nas participações governamentais a parcela do Estado no “óleo lucro” (VIEGAS, 2013). Nos termos da Lei 12.351/10, além da Petrobras ser a operadora de todos os blocos concedidos, ela terá uma participação mínima de trinta por cento no consórcio formado para executar as atividades sob esse regime. Esse percentual pode ser ampliado, caso a Petrobras participe dos procedimentos licitatórios promovidos pela ANP (ZACOUR ET ALLI., 2012). O fato de parte desse petróleo ficar com a União, por meio da PPSA, possibilita que o ritmo de exploração seja ditado por ela. Dessa maneira, o Estado pode fazer a opção de produzir no nível considerado ótimo por ele, conforme aspectos técnicos e critérios políticos (VIEGAS, 2013). Porém, fica com o Estado, também, a responsabilidade de ressarcir inteiramente os custos de exploração e extração do petróleo (óleo custo), pressupondo a necessidade de um controle desses custos pela PPSAem defesa do interesse da União; no modelo de concessão, esses custos são assumidos pelos investidores(SCHUTTE, 2012). A justificativa para que o controle desses seja realizado pela PPSA se deve ao seguinte fato: A Petrobras, sendo uma empresa de economia mista, não poderia representar o Estado. No caso da ANP, haveria um conflito de interesses, uma vez que, ao assumir esta tarefa, seria parte da operação e, ao mesmo tempo, reguladora e juíza de eventuais conflitos. Para exercer este poder de controle, a PPSA indicará, por força de lei, metade dos 128 integrantes do comitê operacional – inclusive o seu presidente –, cuja responsabilidade inclui definir os programas de produção a serem submetidos à aprovação pela ANP. A PPSA terá, portanto, grande responsabilidade. Primeiro, no monitoramento da execução dos projetos de exploração; segundo, na avaliação e auditoria dos custos de investimento; e, por fim, na comercialização do petróleo de propriedade da União após a partilha do excedente de óleo (SCHUTTE, 2012, P. 30). Como se percebe, a introdução desse regime restabeleceu o monopólio da Petrobras, abandonando o modelo de exploração e produção de petróleo e gás natural criado pela Lei 9.478/97, para as atividades desenvolvidas na área do pré-sal e em áreas estratégicas, trazendo consequências do ponto de vista da política de conteúdo local (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012; SCHUTTE, 2012). Da mesma forma que a adoção desse regime implica na absorção pela União do custo adicional decorrente do aumento dos preços de equipamentos e materiais associado à exigência de conteúdo local mínimo, caso ocorra descoberta comercial–custos e investimentos realizados na execução das atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações -, ela tem implicações quanto ao compromisso dos operadores em relação às exigências da política de conteúdo local(GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Assim como ocorreu a partir da sétima rodada das licitações para a outorga dos contratos de concessão para atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural, os percentuais globais de conteúdo local dos contratos de partilha de produção serão fixados em contrato. Para a Fase de Exploração, o percentual mínimo é de 37% de conteúdo local. Para o Teste de Longa Duração (TLD) - prévia da produção -, quando ocorrer, o percentual mínimo é de 15%. Na Fase de Produção, para os módulos que iniciar a produção até jan./2021, o percentual mínimo é de 55%, já para os módulos em que a produção tiver início a partir de dez./2022, o percentual mínimo é de 59%32(ANP, 2013c). AE&P de petróleo e gás natural na área do pré-sal e em áreas estratégicas, segundo a Lei 12.351/10, pode ser resultado: (i) de contratos de partilha da produção, sem licitação, firmados diretamente com a Petrobras, ou (ii) de contratos firmados, em licitação, com consórcio selecionado (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012; SCHUTTE, 2012). No caso da segunda alternativa, que conta com a participação de investidores privados, observam-se as seguintes exigências: 32 As metas específicas relativas a cada um dos itens e dos subitens da fase de exploração e da etapa de desenvolvimento da produção podem ser conferidas em ANP (2013c). 129 • o investidor privado, vencedor da licitação, deverá constituir consórcio com a Petrobras (com participação mínima de 30%) e com a Pré-Sal Petróleo S.A. – PPSA (art. 20); • o operador é a Petrobras, responsável pela condução e execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção (art.2, VI); • o Comitê Operacional, a quem cabe a administração do consórcio, tem a metade de seus membros, inclusive seu presidente, indicado pela PPSA (art. 23); • o presidente do Comitê Operacional, indicado pela PPSA, tem poder de veto e voto de qualidade (art. 25). Nesse contexto, independentemente da magnitude de sua participação no capital do consórcio, os vencedores da licitação para E&P de petróleo e gás natural em regime de partilha da produção, sejam eles um fundo de investimento ou uma empresa petrolífera privada, têm a posição de investidor minoritário no empreendimento. A empresa petrolífera privada difere sua posição no consórcio do fundo de investimento apenas por ser um minoritário “qualificado” no que se refere ao negócio de petróleo (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Sendo a Petrobras a operadora do consórcio, apesar de não, necessariamente, participar deste no momento da licitação, o cumprimento de exigência de conteúdo local fixada no contrato de partilha da produção depende estritamente dela. Isso não implica em prejuízo da responsabilidade solidária das consorciadas perante o contratante ou terceiros. Portanto, multas em decorrência do não cumprimento de cláusula contratual de conteúdo local poderão ser compartilhadas por investidores privados, apesar da incapacidade destes influenciar nesse resultado33(GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Do exposto no parágrafo anterior, destacam-se duas ambiguidades: (i) o pagamento de multa em decorrência do não cumprimento de cláusula contratual de conteúdo local poderá ser compartilhado pelo consórcio, mesmo este sendo incapaz de influir objetivamente nesse resultado; e (ii) a Petrobras, mesmo não participando do consórcio no momento da licitação, comprometer-se-á com a obtenção de um percentual de conteúdo local, já que a exigência desse percentual corresponde àquele proposto pelo consórcio vencedor do processo licitatório (GUIMARÃES, 2013; CNI, 2012). Além das mudanças no sistema legal para a E&P de petróleo e gás natural, que trouxeram consequências do ponto de vista da política de conteúdo local, a descoberta das reservas do pré-sal, segundo Frederico e Ruiz (2011), colocou duas importantes novidades para o 33 A fórmula adotada para o cálculo da multa prevista no caso do não cumprimento dos percentuais de conteúdo local mínimo ou dos percentuais propostos pelo operador no contrato de partilha da produção permanece aquela utilizada a partir da rodada 7 dos contratos de concessão (ANP, 2013c). 130 cenário tecnológico da IPGN brasileira, a saber: (i) o desenvolvimento tecnológico de companhias nacionais e multinacionais fornecedoras da Petrobras está associado à necessidade de uma interação, que requer proximidade com estacompanhia, dado o acúmulo de capacidade tecnológica desta; e (ii) a referida província abriga novos desafios tecnológicos, cuja solução determinará a redução de custos nas explorações futuras, portanto, implicará na realização de investimentos em P&D das empresas fornecedoras, visando superar obstáculos tecnológicos e obter vantagens competitivas. Para superar os gargalos tecnológicos relacionados com o desenvolvimento da produção na referida província, foi delineado, pelo Cenpes, o Programa Tecnológico para o Desenvolvimento da Produção dos Reservatórios do Pré-Sal (Prosal), que possui um portfólio de 23 projetos, e está ancorado em três grandes áreas: construção de poços, geociência e engenharia de reservatórios. A política industrial, tecnológica e de comércio exterior do governo federal, lançado em 2011 – Plano Brasil Maior -, em sua dimensão setorial, também prevê o desenvolvimento da competitividade do setor de petróleo, gás e naval, assim como as ações do BNDES, através do BNDES P&G e do Inova Petro. Além destas iniciativas, foi criado, pelo Governo Federal, em 2003, o Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo e Gás Natural (PROMINP), que será discutido na próxima seção, juntamente com a análise da competitividade da IPP brasileira. 4.4 PROMINP E A COMPETITIVIDADE DA IPP BRASILEIRA O PROMINP foi instituído em 19/12/2003, pelo Decreto Nº 4.925, que estabeleceu em seu Artigo 1º: “Fica instituído o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (PROMINP), que visa fomentar a participação da indústria nacional de bens e serviços, de forma competitiva e sustentável, na implementação de projetos de petróleo e gás natural no Brasil e no exterior”. A principal justificativa para colocar em prática o programa é a aparente falta de competitividade da IPP brasileira. O objetivo desta seção é descrever, em linhas gerais, esse programa, assim como analisar a competitividade da IPP nacional. 4.4.1 PROMINP A estruturação do PROMINP se iniciou nos Departamentos de Engenharia e de E&P da Petrobras, sendo aprovado, posteriormente, por sua Diretoria. Além de aprová-lo, esta o 131 apresentou, por perceber neste programa características de um programa de governo, ao Ministério de Minas e Energia (MME), que além de dar seu aval, colocou-o em funcionamento e passou a encabeçá-lo (SILVA; FURTADO, 2006). Participam do Programa, além do MME e da Petrobras, o BNDES, o Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), a Organização Nacional da Indústria do Petróleo (ONIP),associações de classe – como aAssociação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ), a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), a Associação Brasileira dos Perfuradores de Petróleo (ABRAPET)-, o SEBRAE efederações de indústria (SILVA; FURTADO, 2006). Quando da sua criação, o PROMINP foi formado por três comitês, o Comitê Diretivo, o Comitê Executivo e o Comitê Setorial. Posteriormente, foi criada a função de Coordenação Executiva, cujo objetivo principal é coordenar as atividades do Programa, garantindo o alinhamento com as diretrizes previamente elaboradas pelo Comitê Executivo e o Comitê Diretivo(PROMINP 2012; SILVA; FURTADO, 2006). O programa é constituído, atualmente, por 58 projetos, para atuar em três grandes frentes, a saber: (i) capacitação, que se desdobra em diagnóstico, capacitação tecnológica, capacitação industrial e qualificação profissional; (ii) instrumentos de política industrial, que se subdivide em financiamento, regulação, política tributária e fomento à pequena e média empresa; e, por fim, (iii) desempenho empresarial, que engloba sustentabilidade, competitividade e saúde, meio ambiente e segurança (SMS) (PROMINP 2012; SILVA; FURTADO, 2006). Para formatação dos referidos projetos foi realizado um levantamento da demanda da Petrobras e da capacidade efetiva dos fornecedores locais de bens e serviços de itens específicos (sejam eles bens ou serviços) em atendê-la; objetivando a identificação de gargalos. Com a identificação destes, busca-se atuação antecipada para implementação de ações estruturantes para minimizar, reduzir ou eliminá-los, de modo que a demanda da Petrobras seja atendida pela indústria local de bens e serviços de maneira competitiva (SILVA; FURTADO, 2006). A Petrobras, como “Agente Balizador” do Programa, busca com este o fomento à indústria e aumento do conteúdo local, a geração de riquezas para o país e a geração de empregos internamente. Sem perder de vista, é claro, a manutenção das condições de competitividade e sustentabilidade, no que diz respeito a prazo, qualidade e custo, uma vez que, embora seja uma 132 empresa com participação estatal, a Petrobras está inserida em um mercado competitivo (SILVA; FURTADO, 2006). Como principais benefícios gerados pelo PROMINP,alinhado com a Política de Conteúdo Local e apoiado pelos contínuos investimentos no setor, destacam-se34: (i) o número de estaleiros em operação, que, em 2003, eram apenas dois, saltando para dez, em 2013 – Estaleiro Atlântico Sul (PE), Vard Promar (PE), Enseada Paraguaçu (BA), Jurong Aracruz (ES), Mauá (RJ), Brasfels (RJ), Inhaúma (RJ), Estaleiro Rio Grande (RS), Honório Bicalho (RS), Estaleiro do Brasil (RS). No período de 2003-2013, estes estaleiros participaram da produção de dezesseis plataformas, seis navios e cento e vinte embarcações de apoio à plataformas (PROMINP, 2013); (ii) atração de fornecedores internacionais, dentre eles: NKT Flexibles (Dinamarca), Technip (França), Oceaneering - Marine Production Systems (USA), Lankhorst Ropes (Holanda), AMEC (Reino Unido), Aker Solutions (Noruega), FMC (USA), Cameron (USA), Kongberg (Noruega) e Rolls-Royce (Reino Unido) – Rio de Janeiro -, Vallourec (França) – Minas Gerais -, Aker Solutions (Noruega) – Paraná -, eDresser-Rand (USA) e Emerson (USA) – São Paulo (PROMINP, 2013); (iii) atração de centros de P&D internacionais para o Brasil, a saber: FMC (USA), Vallourec (França), Schlumberger (França), Halliburton (EUA), Weatherford (EUA), Baker Hughes (EUA), General Eletric (EUA), Siemens (Alemanha), IBM (EUA), EMC (EUA) e BG (Reino Unido) – Rio de Janeiro -, Cameron (USA), 3M (EUA) e IBM (EUA) – São Paulo -, Technip (França) – Espírito Santo (PROMINP, 2013); (iv) qualificação de profissionais. No período compreendido entre 2006 e 2013 foram qualificados mais de 97 mil profissionais com investimentos realizados de, aproximadamente, R$ 294 milhões (PROMINP, 2013). Com isso, percebe-se que o objetivo é fazer do PROMINP um modelo de política industrial, tecnológica e de geração de emprego diferente do modelo que vigorou na fase substitutiva de importações, em que se adquiriam bens e serviços no mercado doméstico a preço, custo e prazo não competitivos. Porém, o desnivelamento em competitividade existente entre Petrobras e fornecedores locais se configura num obstáculo para o sucesso do programa (SILVA; FURTADO, 2006). 34 Para obtenção de maiores detalhes sobre os benefícios listados ver PROMINP (2013). 133 4.4.2 Competitividade da IPP brasileira Kupfer, Ferraz e Haguenauer (1996) definem competitividade como a capacidade da firma formular e implementar estratégias concorrenciais, que a permita ampliar ou manter, de maneira duradoura, uma posição sustentável no mercado. Portanto, ela é resultado da capacidade da empresa organizar e gerar métodos eficientes de produção, que a possibilite ofertar produtos ao mercado a preços competitivos, com qualidade adequada e prazos de entrega satisfatórios. Segundo os mesmos autores, a competitividade é fruto de uma diversidade de fatores, alguns definidos pela estrutura do mercado (estruturais), outros pelas condições sistêmicas de operação da firma (sistêmicos) e outros internos à firma (empresariais). Os fatores estruturais são aqueles cuja capacidade de intervenção da firma é limitada pela mediação do processo concorrencial. Eles referem-se às características da demanda, à configuração do parque ofertante e aos aspectos institucionais, destacando-se as normas e regulamentos determinados pelo governo. Os fatores sistêmicos são aqueles sobre os quais a possibilidade de intervenção da empresa é escassa ou nenhuma. Entre esses fatores se destacam: os macroeconômicos (taxa de câmbio, carga tributária, etc.), os político-institucionais (política tributária, política tarifária, poder de compra do governo, etc.), os legais-regulatórios (políticas de proteção à propriedade industrial, de defesa da concorrência e de proteção ao consumidor, etc.), os infraestruturais (disponibilidade, qualidade e custo de energia, transportes, telecomunicações, etc.), os sociais (políticas de educação e formação de recursos humanos, trabalhista, etc.) e os internacionais (tendências do comércio mundial, fluxos internacionais de capital, etc.) (KUPFER, FERRAZ; HAGUENAUER, 1996). Os fatores empresariais, sobre os quais a análise de Oliveira (2010) da competitividade da IPP brasileira está centrada, são aqueles que correspondem as variáveis do processo decisório da firma, podendo, portanto, ser controlados ou modificados através de condutas ativas assumidas por esta. Esses fatores se referem ao estoque de recursos acumulados pela empresa e às estratégias de ampliação desses recursos, para obter a escala requerida para operação eficiente e os requisitos de capacitação tecnológica para a oferta de produtos com a qualidade exigida, nos prazos solicitados e com preços compatíveis com os praticados no mercado internacional (KUPFER, FERRAZ; HAGUENAUER, 1996). 134 A referida análise, centrada nos segmentos metalúrgico, mecânico, elétrico e de navipeças, sustenta a hipótese de que a IPGN brasileira está passando por uma mudança qualitativa, devido ao incremento de sua escala produtiva. O Brasil deixará de ser um produtor marginal de petróleo para ocupar uma posição de destaque no suprimento de hidrocarbonetos, não apenas para o mercado doméstico, onde condições sustentáveis de auto-suficiência já foram alcançadas, mas, também, para o mercado internacional, em que se espera, para as próximas décadas, uma ampliação de sua situação de exportador líquido de combustíveis (OLIVEIRA, 2010). A conclusão central é a existência de um déficit significativo de competitividade no conjunto de segmentos estudados, ligado à fragilidade atual da engenharia nacional, à limitada capacitação tecnológica para inovar e à coordenação da cadeia produtiva, principalmente no que se refere ao papel das firmas de engenharia, construção e montagem (EPCistas). A distribuição desse déficit ocorre de maneira diferenciada entre os segmentos; enquanto alguns apresentam condições competitivas para operar, inclusive, no mercado global, outros apresentam relevantes lacunas produtivas, que limitam o fornecimento ao mercado doméstico em condições competitivas (OLIVEIRA, 2010). No Quadro 4, a seguir, são apresentadas as condições de economias de escala vigentes em cada um dos segmentos. Na terceira coluna é informada a dimensão da escala exigida para operação de uma unidade fabril. Na quarta é apresentada a dimensão relativa do mercado nacional com respeito à escala; sendo considerada suficiente, caso exista unidade fabril com dimensões requeridas tecnicamente, e insuficiente, caso contrário. Na quinta coluna é informada a principal razão das lacunas relevantes de fornecimento de produtos (OLIVEIRA, 2010). 135 Quadro 4 - Economias de escala e especialização da unidade fabril. Serviços Navipeças Tecnologia Mecânica Tecnologia Elétrica Indústria de Transformação Tecnologia Metalúrgica Base Tecnológica Setores Escala exigida Escala doméstica Lacunas Siderurgia Grande Suficiente Segmentação Tubos Média Suficiente Conexões e flanges Pequena Suficiente Caldeiraria Média Suficiente Tecnológica Hastes e unidades de bombeio Pequena Subsea Média Suficiente Parcialmente suficiente Escala Bombas Média Compressores Pequena Motores a gás e diesel Grande Turbinas Média Guindastes e guinchos Metrologia Média Suficiente Parcialmente suficiente Parcialmente suficiente Parcialmente suficiente Parcialmente suficiente Válvulas Média Suficiente Tecnológica Geradores e motores elétricos Grande Suficiente Subestação e transformadores Grande Suficiente Metrologia Instrumentação Grande Insuficiente Escala Serviços de engenharia Média Suficiente Tecnológica Grande Suficiente Tecnológica Construção e montagem Fonte: Oliveira (2010). Escala Escala Escala Escala Acrescentam-se as informações apresentadas no quadro, algumas constatações obtidas com as entrevistas realizadas em plantas industriais de uma amostra qualificada de fornecedores ligados aos segmentos analisados, a saber: (i) o aprendizado do tipo learning-bydoing aparece como uma das principais fontes de conhecimento, indicando, de um lado, que existe uma dedicação de parte do tempo de produção das firmas para a aquisição de informações tecnológicas e, de outro, que o foco nessa fonte de conhecimento, ao negligenciar atividades de P&D, restringe o conhecimento tecnológico adquirido às atividades correntes da empresa, limitando a aquisição de conhecimento orientado para o futuro, essencial para o preenchimento de lacunas produtivas; (ii) a Petrobras exerce um importante papel coordenador no processo inovativo, dada a necessidade de interação dos fornecedores com esta, para obtenção de informações tecnológicas; (iii) a reduzida articulação dos fornecedores da IPcom os EPCistas e com a infraestrutura científica e tecnológica, especialmente com o sistema de normatização e metrologia,sobrecarrega a Petrobras, obrigando-a, para garantir sua competitividade econômica, 136 manter equipes de supervisão da qualidade dos equipamentos, inclusive com inspeções residentes; e (iv) a limitada oferta de mão-de-obra qualificada é determinante para a fragilidade das firmas de engenharia (OLIVEIRA, 2010). A conclusão de Oliveira (2010) é corroborada pelo estudo da ONIP (2011), que apresenta como hipótese central a ideia de que o aproveitamento das oportunidades abertas pelas perspectivas de demanda da IPGN brasileira exigirá das contratadas padrões de atendimento de referência internacional. Neste sentido, apresenta-se como principal desafio no contexto atual dessa indústria a superação das lacunas de competitividade no fornecimento de bens e serviços, tais como: baixa presença ou ausência de empresas locais habilitadas nas listas de fornecedores das empresas operadoras, para o fornecimento de determinados grupos de bens e serviços, e limitada atuação exportadora dos produtores locais. A raiz dessa baixa competitividade é manifestada pela prática de preços superiores aos praticados nos mercados internacionais. Conforme estudo do IPEA (2010), que considera apenas duas das esferas da competitividade aparente – preços e prazo de entrega -, apesar do prazo de entrega, nas atividades mapeadas, ver Quadro 5, a seguir, encontrar-se em situação relativamente semelhante ao quadro internacional, os preços são, na maioria dos produtos, superiores. Quadro 5 - Competitividade da indústria nacional de equipamentos. Produtos Preço (mercado brasileiro) Bombas Similar Válvulas 10% a 30% mais caro Canos 20% a 40% mais caro Acessórios para Canos 30% a 50% mais caro Pressure Vessels 30% a 50% mais caro Trocadores de Calor 30% a 40% mais caro Instrumentação 20% mais caro Painéis Elétricos Similar Cabos Elétricos 10% a 15% mais caro Fonte: Petrobras, apud IPEA (2010). Data de entrega (mercado brasileiro) Melhor Melhor Similar Melhor Boa Boa Boa Melhor Boa Essa baixa competitividade pode ser atribuída a fatores empresariais, estruturais e sistêmicos. Dos fatores sistêmicos, os impostos e o acesso ao capital têm acentuado impacto. No que se refere ao sistema tributário, o Regime Aduaneiro Especial para a Indústria do Petróleo (Repetro), mesmo com a criação do sistema de “exportação ficta”, como já comentado, desfavorece a indústria para-petrolífera nacional. No que se refere aos custos de capital, os 137 produtores locais estão expostos à custos sensivelmente superiores à média internacional. Na indústria de bens de capital sob encomenda, por exemplo, intensamente dependente de capital de giro, as empresas locais de pequeno e médio porte apresentam um diferencial da ordem de 3-5% do preço final (ONIP, 2011). Outros aspectos críticos relacionados à fatores sistêmicos e empresariais da competitividade podem ser enumerados a partir de análises comparativas de fornecimentos específicos, segmentados em função da origem do fornecimento. Comparado aos países em desenvolvimento, destacam-se entre as principais desvantagens os custos de matéria-prima e componentes básicos, o custo da mão-de-obra e impostos. Já em relação aos países desenvolvidos, observa-se um deslocamento das lacunas de competitividade para aspectos como produtividade do processo manufatureiro (incluindo tecnologia e capacitação da mão-de-obra), principalmente para produtos mais complexos, mesmo com menor custo da mão-de-obra, e escala produtiva, além do custo de capital e impostos (ONIP, 2011). Além dos componentes diretamente relacionados aos custos dos produtos, a competitividade local é também impactada pelos itens associados a serviços. Enquanto a indústria presente em mercados maduros se beneficia de um processo de produção contínuo, a partir do conjunto das diferentes demandas, a indústria local ainda apresenta demandas esporádicas, sendo obrigada a recorrer à distribuidores para aquisição de matéria-prima (ONIP, 2011). Quanto aos aspectos relacionados à indústria de bens de capital, os desafios decorrem, principalmente, do fato de a maior parte dos projetos de engenharia básica ser desenvolvido no exterior, embora o projeto conceitual parta dos operadores; no Brasil, a Petrobras é responsável pela maior parte desses projetos. Já no que se refere aos aspectos relacionados à inovação, geração e disseminação de conhecimento, verifica-se uma tendência à concentração de capacitações de engenharia no operador, deixando a cadeia num papel de executor, limitando o espaço para novas soluções. A baixa coordenação entre o meio acadêmico e a indústria fornecedora, na articulação para uso de recursos de pesquisa e/ou no maior envolvimento no tocante a pesquisa efetivamente aplicada às necessidades da indústria, reforça essa cultura (ONIP, 2011). 138 4.5 CONSIDERAÇÕE FINAIS Desde sua criação, em 1953, até a década de 1990, a Petrobras buscou capacitar os fornecedores nacionais do ponto de vista tecnológico. Devido à elevada propensão da empresa em internalizar a maioria das atividades tecnológicas da IPGN, essa política enfrentou sérias limitações. Os fornecedores nacionais se limitaram, quase sempre, a receber e aplicar conceitos desenvolvidos na Petrobras, o que tornou a IPP doméstica pouco competitiva e dependente de um mercado doméstico protegido. Quando houve a abertura, perderam-se muitos dos ativos tecnológicos adquiridos. A abertura econômica, juntamente com o fim do monopólio da Petrobras, estabelecido pela Lei 9.478/97, tornou a situação da indústria e dos fornecedores locais preocupante, o que fez com que se passasse a incorporar índices de nacionalização nos critérios para seleção dos leilões de áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural. Esses critérios estavam presentes desde o processo de licitação dos primeiros blocos exploratórios, na Rodada 1, em 1999. Porém, é apenas na Rodada 4, em 2003, que a ANP fixa um nível mínimo de conteúdo local, a ser observado pelo concessionário, na Fase de Exploração e na Etapa de Desenvolvimento. Entram nesse jogo, além das compras de equipamentos, como plataformas e navios, serviços especializados, na área de logística e manutenção, por exemplo. Além da exigência de conteúdo local, a geração de competências tecnológicas para responder às novas demandas parece estar no foco dessa política. A criação do PROMINP indica nessa direção, apesar de Oliveira (2010) apontar para a não existência de uma convergência clara entre a política industrial e a política tecnológica. Segundo o autor, a política de compras da Petrobras ainda está demasiadamente pautada no paradigma da substituição de importações e da ocupação do mercado interno, sem a priorização de especializações produtivas apoiadas em vantagens competitivas. A baixa capacitação tecnológica se configura, até hoje, como a principal fragilidade das empresas brasileiras; no geral, licenciadoras de tecnologias de empresas líderes internacionais, quando não uma filial de empresa multinacional. As empresas nacionais ocupam os segmentos de menor complexidade tecnológica, deixando, inclusive, os projetos de engenharia básica para serem executados por empresas internacionais. Com a descoberta das reservas de hidrocarbonetos da camada do pré-sal e a consequente necessidade de elevados investimentos para explorá-las, a oportunidade de alavancar 139 um conjunto de setores industriais e serviços relacionados se faz presente. Porém, a definição de políticas adequadas enfrentará/enfrenta o trade-offentre a opção pelo fornecimento mais rápido, a preços menores, e a geração de capacidade própria, o que exige tempo e terá, pelo menos inicialmente, um custo. Pois, a curva de aprendizagem ligada a essa opção de política leva, invariavelmente, a atrasos que implicam, quase automaticamente, aumento dos custos. Nesse sentido, pode-se concluir que a política de conteúdo local adotada pelo governo brasileiro para o desenvolvimento de uma IPP nacional está na contramão da perspectiva de maximização de valor para os acionistas da companhia. Primeiro, pela esperada elevação de custos, dada a obrigação de adquirir insumos com maior preço e, eventualmente, com menor qualidade e até com prazos de entrega superiores; correndo risco, inclusive, de incorrer em multas pelo não cumprimento dos compromissos de conteúdo local. Segundo, pela incerteza relacionada à possibilidade dessa modalidade de política industrial promover, adequadamente, ganhos de competitividade suficiente para ampliar a capacidade de inovar e, futuramente, reduzir custos dos fornecedores e, consequentemente, da Petrobras. Para atender a segunda parte do objetivo geral da tese - que é analisar porque a utilização da Petrobras para encampar o desenvolvimento da IPP brasileira, por meio do direcionamento de suas compras, não é inconsistente com sua natureza jurídica -, discutir-se-á, no próximo capítulo, a relação existente entre a natureza jurídica da Patrobras e sua função objetivo. 140 5 PETROBRAS: NATUREZA JURÍDICA, CORPORATIVA E DESEMPENHO GOVERNANÇA A Petrobras foi criada em 1953, sob a forma de uma Sociedade de Economia Mista tipo societário em que se verifica a associação de capital estatal e privado -, com a finalidade de exercer o monopólio da União na exploração, produção, refino e transporte do petróleo no Brasil.Em 1997, no bojo do processo de reestruturação ou desarticulação das atividades produtivas do Estado, com a privatização e abertura de capital de grandes empresas, o governo determina, com a Lei 9.478, o fim do monopólio da Petrobras, permitindo a contratação de empresas públicas ou privadas para atuação na atividade petrolífera do país (GOLDSTEIN, 2010; GOBETTI, 2009). Em agosto de 2000, a companhia obtém uma receita equivalente a US$ 4,8 bilhões, com a venda de ações ordinárias que excediam o mínimo necessário à manutenção do controle acionário nas mãos da União, numa initial public offering (IPO) na Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA) e na New York Stock Exchange (NYSE). No Brasil, esta foi a primeira vez que ações foram oferecidas não apenas para investidores institucionais, mas, também, através da rede bancária, para investidores de varejo. Mais de 400 mil brasileiros e um número desconhecido de indivíduos e instituições estrangeiras compraram, naquele ano, ações da empresa (GOLDSTEIN, 2010; GOBETTI, 2009). Após abertura de capital na NYSE, a lei norte-americana às questões societárias passou a ter fórum para aplicação na Petrobras (CABRAL, 2013a). Em 2010, o mercado acionário viabilizou a capitalização da Petrobras com cerca de US$ 70 bilhões - com preservação da participação do controlador, quando considerada parcela do tesouro nacional -, após anúncio da descoberta do Campo de Tupi, no pré-sal, em novembro de 2007, o maior do mundo desde uma descoberta no Cazaquistão, em 200035 (CABRAL, 2013a; GOLDSTEIN, 2010). O capital social da Petrobras, em 28/02/2014, conforme mostrado na Tabela 12, a seguir, era formado por 13.044.496.930,00 ações sem valor nominal, sendo 57,05% de ações ordinárias, com direito a voto, e 42,94% de ações preferenciais. A União Federal e seus agentes 35 Quando da realização de aumento de capital, no caso das sociedades de economia mista, o Estado deverá exercer o seu direito de preferência na aquisição das novas ações, com a finalidade de garantir a condição de sociedade de economia mista do empreendimento. O investimento de recursos na compra de novas ações para manter a posição majoritária do Estado poderia ser reduzido com a emissão de ações preferenciais sem direito a voto, levando em consideração as restrições existentes quanto a relação entre ações preferenciais sem direito a voto e a totalidade de ações da companhia (RIBEIRO, ALVES E CHEDE, 2005). 141 (somadas as ações da União, BNDESPar e BNDES) exercem o controle acionário, com 60,5% das ações com direito a voto. Considerando-se o capital total, a União Federal e seus agentes respondem por 46,00% do capital social da companhia. Tabela 12 - Petrobras, composição do capital social. Capital Social 28/02/2014 % Ações Ordinárias União Federal 7.442.454.142,00 3.740.470.811,00 100 50,3 BNDESPar 11.700.392,00 0,2 BNDES 734.202.699,00 9,9 Fundo de Participação Social - FPS 6.000.000,00 0,1 Fundo Soberano - FFIE - 0 ADR Nível 3 1.530.998.564,00 20,6 FMP - FGTS Petrobras 150.015.439,00 2 585.798.917,00 7,9 683.267.320,00 9,2 5.602.042.788,00 - 100 0 BNDESPar 1.341.348.766,00 23,9 BNDES 161.596.958,00 2,9 Fundo de Participação Social - FPS - 0 Fundo Soberano - FFIE - 0 ADR, Nível 3 e Regra 144 -A 1.506.683.626,00 26,9 1.008.302.451,00 18 1.584.110.987,00 28,3 Estrangeiros (Resolução nº 2.689 C.M.N) Demais pessoas físicas e jurídicas (1) Ações Preferenciais União Federal Estrangeiros (Resolução nº 2.689 C.M.N) Demais pessoas físicas e jurídicas (1) Capital Social União Federal 13.044.496.930,00 100 3.740.470.811,00 28,7 BNDESPar 1.353.049.158,00 10,4 BNDES 895.799.657,00 6,9 Fundo de Participação Social - FPS 6.000.000,00 0 Fundo Soberano - FFIE - 0 ADR (Ações ON) 1.530.998.564,00 11,7 ADR (Ações PN) 1.506.683.626,00 11,6 FMP - FGTS Petrobras 150.015.439,00 1,2 1.594.101.368,00 12,2 2.267.378.307,00 17,4 Estrangeiros (Resolução nº 2.689 C.M.N) Demais pessoas físicas e jurídicas Fonte: Petrobras RI (2014). (1) Outro dado que merece destaque é que 35,5% do capital social estão nas mãos de estrangeiros (pessoas físicas, instituições financeiras e simples especuladores); este número é 142 obtido com a soma dos dois tipos de American Depositary Receipts (ADR), negociados no mercado dos EUA, e as ações em poder de estrangeiros, conforme a Resolução nº 2.689 do Conselho Monetário Nacional (CMN). A natureza híbrida da Petrobras, uma empresa de capital aberto, com participação majoritária do Estado no capital votante, tem suscitado, principalmente no período recente, em que se percebe uma crescente intervenção governamental no delineamento de suas estratégias, bastantes discussões no que se refere à qual deve ser sua função objetivo. O objetivo destecapítulo é justamente discutir a natureza jurídica da Petrobras e a implicação desta na sua função objetivo. 5.1 PETROBRAS: NATUREZA JURÍDICA O florescimento das empresas estatais se deu no auge do Estado de Bem-Estar, concebidas como instrumento para a transformação da ordem econômica e social. A atividade empresarial do Estado foi implementada, em alguns países ocidentais, pela transferência de empresas privadas ao controle do Poder Público, o que ficou conhecido como nacionalização (ALVES, 2004).As nacionalizações na Europa, por exemplo, foram intensificadas no final da Segunda Guerra Mundial, fundadas, como na Inglaterra, em razões políticas de teor ideológicopartidária, ou em interesses nacionais, como na França, onde as empresas Renault e Guome et Rhome passaram para o controle estatal sob acusação de colaboração com os inimigos, ou, ainda, na simples ordenação racional de um setor industrial específico (CASSAGNE,1993, APUD ALVES, 2004). No Brasil, apesar da existência de empresas do Estado no período colonial, caso do Serviço Postal (1663) e da Casa da Moeda da Bahia (1694), e depois da vinda de D. João VI, caso do Banco do Brasil e da Imprensa Régia (PINHEIRO, 1999), a intensificação da criação dessas se deu a partir da terceira década do século vinte, no bojo do nacionalismo econômico que marcou o País após a Revolução de 193036(RIBEIRO; ALVES; CHEDE, 2005). Os mais relevantes critérios de classificação das empresas do Estado são: quanto à atividade (prestadoras de serviço público e exploradoras de atividade econômica em sentido 36 Segundo Bueno (2007), o principal fator explicativo da Revolução de 1930 foi a perda do apoio político e militar do Estado de São Paulo pelo então presidente Washington Luis, dada a recusa de este apoiar a política de valorização do café no momento em que ela mais se fazia necessária. A marca desta Revolução é o fim da hegemonia cafeeira e o início de um período de grandes mudanças na ação estatal, com uma maior centralização, intervenção e orientação para a industrialização. 143 estrito) e quanto à constituição do capital (empresas públicas e sociedades de economia mista). A classificação das empresas estatais entre o que é prestação de serviço público e o que é exploração de atividade econômica em sentido estrito está relacionada à atuação do Estado entre aquilo que é de sua essência e o que não é (MORAES, 2008). A execução das atividades econômicas em sentido estrito cabe, preferencialmente, aos particulares, enquanto ao Estado cabe, prioritariamente, a prestação de serviços públicos. Porém, existem atividades reservadas ao setor privado que, quando permitidoconstitucionalmente, o setor público atua. Da mesma forma, existem atividades assumidas pelo Estado que os particulares atuam37 (MORAES, 2008). A condição prevista constitucionalmente para que o Estado seja autorizado a executar atividades econômicas em sentido estrito é a necessidade de atender aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo. Sobre a primeira condição, alguns autores os associam àquelas atividades relacionadas diretamente a produção de bens e serviços necessários ao funcionamento regular e, até mesmo, ao aparelhamento satisfatório das forças armadas. Outros utilizam uma definição mais ampla, expondo que os monopólios do petróleo e do gás natural, por exemplo, atendem aos imperativos de segurança nacional. Ainda existem aqueles que colocam a proteção da ordem econômica como imperativos de segurança nacional, já que um desarranjo econômico pode promover guerras e fazer perecer povos e estados (MORAES, 2008). No que se refere à relevante interesse coletivo, o Estado pode invadir o campo reservado aos particulares, caso essa seja uma condição indispensável para proteger o mesmo interesse público. Da mesma maneira que, a princípio, ao interesse público é conveniente que as atividades econômicas em sentido estrito sejam cuidadas reservadamente pela iniciativa privada (MORAES, 2008). Apesar de sua ampla utilização no direito, o conceito do que seja interesse público é bastante vago. Esse conceito se modifica, conforme evolui, ao longo do tempo, a noção de Estado. Na doutrina de Adam Smith, marco do Liberalismo, o interesse público seria obtido pela livre persecução do interesse individual, que promoveria o desenvolvimento econômico (BONFIM, 2011). 37 A titularidade do serviço público não deve ser confundida com a titularidade da prestação do serviço, pois, quando se afirma que uma atividade é essencial ao Estado, não, necessariamente, significa que cumpre exclusivamente ao Estado sua prestação. 144 Após a Primeira Guerra Mundial, com o surgimento do Estado de bem-estar social, esse conceito passa a estar associado à ideia de solidariedade, pela qual o Estado intervém na esfera dos direitos individuais com vistas a harmonizá-los, reduzindo as desigualdades sociais; com o propósito de resguardar o interesse público, o Estado assume a prestação de serviços públicos(BONFIM, 2011). No Consenso de Washington, o interesse geral é resultado da conciliação e regulação, pelo Estado, dos interesses privados e do interesse público; ou seja, dois valores contraditórios, a princípio, - o primeiro exalta o individualismo, a busca do lucro, e o segundo afirma a supremacia do interesse comum sobre as finalidades particulares -, passam a conviver lado a lado38 (BONFIM, 2011). No Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana erigiu como valor fundamental sobre o qual deve girar todo o ordenamento jurídico. Com isto, apesar de ser garantida à Administração Pública a autoridade necessária à consecução do interesse público, é garantida ao cidadão a observância de seus direitos fundamentais contra o abuso do poder (BONFIM, 2011). Nesse sentido, cabe distinguir aqui o interesse público do Estado, interesse público secundário, do interesse público titularizado pelo povo, interesse público primário. Como qualquer outro sujeito de direito, o Estado, pessoa jurídica titular de direitos e obrigações individuais, tem interesses que lhes são particulares, porém, apenas poderá os defender quando não conflitarem com os interesses públicos propriamente ditos, o interesse público primário (BONFIM, 2011). As empresas estatais não são instituídas para satisfação da vontade de governos transitórios, mas para o atendimento dos interesses permanentes do Estado (RIBEIRO; ALVES; CHEDE, 2005). 38 O consenso de Washington, como o próprio nome indica, foi um consenso que se estabeleceu em Washington e, mais amplamente, nos países desenvolvidos da OECD, sobre a natureza da crise latino-americana dos anos de 1980 e as reformas necessárias para superá-la. Esse consenso, que passou a exercer uma poderosa influência sobre os governos e as elites da América Latina, formou-se a partir da crise do consenso keynesiano e da crise da teoria do desenvolvimento econômico, elaborada nos anos de 1940 e 1950, e da afirmação de uma nova direita, influenciada pelas contribuições da escola austríaca, dos monetaristas, dos novos clássicos relacionados com as expectativas racionais e da escola da escolha pública. Conforme a abordagem do consenso, as causas da crise latino-americana são: (i) o excessivo crescimento do Estado, reflexo do protecionismo econômico, excesso de regulação e ineficiência e número em excesso das empresas estatais; e (ii) o populismo econômico, definido pela incapacidade de manter o déficit-público e as demandas salariais tanto do setor privado quanto do setor público sob controle. A partir dessa avaliação, deveria-se (i) no curto-prazo: direcionar as reformas para combater o populismo econômico e alcançar o equilíbrio e a estabilização; e (ii) no médio-prazo: perseguir uma estratégia de crescimento orientada para o mercado, isto é, uma estratégia que se baseie na diminuição do tamanho do Estado, na liberalização do comércio internacional e na promoção das exportações (BRESSER-PEREIRA, 1991). 145 O interesse público primário do Estado, encampado como missão da empresa estatal, equipara-se ao interesse coletivo previsto no artigo 173 da Constituição Federal. Dessa maneira, cabe enfatizar que as empresas estatais objetivam o atendimento do interesse público primário, o interesse da coletividade, não o interesse público secundário, da entidade estatal (BONFIM, 2011). A inserção do Estado no mercado como se fosse um particular, exercendo atribuições diferentes à sua essência, iguala-o aos indivíduos, sendo necessário, para tanto, o abandono das prerrogativas - pelo menos as que forem necessárias – que lhe conferem a qualidade de soberano. Desta maneira, com a finalidade de não desrespeitar a livre iniciativa e seu corolário, a livre concorrência e o princípio da igualdade, a Constituição da República estabelece que as empresas estatais exploradoras de atividade econômica em sentido estrito se submeterão ao mesmo regime jurídico das empresas privadas, inclusive no que se refere aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (MORAES, 2008). No entanto, não é absoluta a submissão de uma atividade a um regime jurídico específico. Existem questões referentes às prestadoras de serviço público que são regidas pelo direito privado, da mesma forma que alguns temas sobre as exploradoras de atividade econômica em sentido estrito são regidos pelo direito público. O caráter híbrido das empresas estatais impõe a incidência prioritária ou majoritária de um regime em detrimento da incidência secundária ou minoritária do outro, porém, em hipótese alguma na incidência única e total de apenas um estatuto jurídico; conforme a atividade à qual as empresas se dediquem, tem-se uma composição de direito público e direito privado, a um só tempo e “dosado” (MORAES, 2008). Em resumo, entende-se que a cada nível se deve realizar a dosagem do regime, que sem dúvida será, para as exploradoras de atividade econômica em sentido estrito, de direito privado com breves derrogações de direito público, e, quanto às prestadoras de serviço público, de direito público com breves derrogações de direito privado (MORAES, 2008, P. 400). As derrogações de direito público nas empresas estatais exploradoras de atividade econômica em sentido estrito se darão, em tudo quanto for necessário, para preservação do interesse público que subsiste no cerne da sua existência. Nessa direção, a empresa estatal exploradora de atividade econômica em sentido estrito não pode, na busca dos fins, perverter o emprego dos meios, o que ocorreria caso fosse permitido, por exemplo, a aquisição de bens ou contratação de agentes de qualquer maneira; circunstância em que se evidenciaria a possibilidade, 146 e probabilidade, de favorecimento privado (MORAES, 2008). O patrocínio da ampla liberdade de uso dos meios nas empresas estatais, assim como ocorre na iniciativa privada, seria “converter-se o acidental– suas personalidades de direito privado – em essencial, e o essencial – seu caráter de sujeitos auxiliares do Estado – em acidental” (MADEIRA; MADEIRA; GUIMARÃES, 2009, P. 158). Já a classificação das empresas estatais em públicas e sociedades de economia mista está associada à constituição do capital que lhes é dedicado; se integralmente público, ou majoritariamente público, com minoria privado(MORAES, 2008). O capital das empresas públicas é composto apenas por recursos públicos, sendo o Estado o único controlador e investidor. Entretanto, a empresa pública não necessariamente é unipessoal, podendo comungar, mesmo em diversos âmbitos federativos, capital de diferentes entes ou entidades; circunstância em que os recursos permanecem sendo públicos(MORAES, 2008). As sociedades de economia mista - as palavras economia e mista fazem referência à conjunção de capitais públicos e privados, e a palavra sociedade à gestão comum -, por imposição legal, conforme regulamentada pela Lei n. 6.404/1976, estão obrigadas a adotar unicamente a forma de Sociedade Anônima (S.A.), tendo seu capital dividido entre recursos de origem pública e privada, com a quantidade majoritária das ações com direito a voto de origem pública (MORAES, 2008). Ao se constituir sob a forma de Sociedade Anônima, a sociedade de economia mista poderá adotar a forma fechada ou aberta. A S.A. fechada não opera no mercado de valores mobiliários. Já a S.A. aberta, como é o caso da Petrobras, é aquela cujos valores mobiliários (ações, debêntures e outros) são registrados para comercialização em bolsa ou balcão. A condição de aberta ou fechada pode ser modificada após a constituição da sociedade (BRASIL, 1976). Em razão do universo de interesses envolvidos e repercussão de seu resultado, o fato de a empresa se constituir numa S.A. aberta apresenta como consequência a incidência de um controle maior sobre sua condução, exercido especialmente pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelos acionistas. Incide-se sobre esta, normas específicas de publicações de balanços, realização de auditorias e dever de comunicação (RIBEIRO; ALVES; CHEDE, 2005). Com o exposto, pode-se afirmar o equívoco tanto do publicista, quando despreza o regime concorrencial de mercado como dirigido a guardar, também, o interesse público, quanto 147 do privatista, quando esquece que o princípio da república consente a atuação estatal mesmo nas atividades que não lhe são próprias. Desses equívocos, surgem duas conclusões (MORAES, 2008). A primeira que, por perseguirem o interesse público, as empresas estatais exploradoras de atividade econômica cercam-se, também, das prerrogativas do direito público. Pois, o fato de um agente econômico estatal não poder obter benefício de específica vantagem de direito público, caso esta trabalhe para desequilíbrio em face de seus pares na iniciativa privada, não decorre, contudo, que não lhe sejam aplicáveis prerrogativas de direito público (MORAES, 2008). A segunda é que, despindo-se de todas as amarras de direito público, tais empresas deveriam se identificar em tudo às empresas privadas. Igualá-las totalmente aos particulares poderia levar a orientação destas ao atendimento de anseios próprios, à maneira da autonomia da vontade típica de direito privado, o que lhes poderia permitir favorecimento pessoal de toda espécie; o que claramente diverge do preconizado na Constituição Federal de 1988, que tem a impessoalidade como um dos seus princípios (MORAES, 2008). O exposto nesta seção sugere que a natureza jurídica das sociedades de economia mista tem influência na maneira de geri-las. Na próxima seção esta discussão será realizada de maneira mais pormenorizada. 5.2 PETROBRAS: NATUREZA CORPORATIVA JURÍDICA E GOVERNANÇA Conforme comentado, a figura da sociedade de economia mista ressurge no Brasil na década de 1930, quando as ameaças resultantes da depressão levam o Estado a desempenhar papel de destaque na economia; a Constituição de 1937 determinava que a economia da população seria organizada pelas corporações, que nada mais eram que órgãos colocados sob a assistência e proteção do Estado39(BONFIM, 2011). 39 As sociedades de economia mista criadas foram: o Instituto de Resseguros do Brasil, em 1939; a Companhia Siderúrgica Nacional, em 1941; a Companhia do Vale do Rio Doce, em 1942; a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, em 1945; a Fábrica Nacional de Motores, em 1946; o Banco do Nordeste do Brasil, em 1952; a Petrobras, em 1953; a Eletrobras, em 1962. O Banco do Brasil, instituído pela Carta Régia de 22 de agosto de 1812, quando se resolveu que a Coroa entraria como acionista, foi a primeira sociedade de economia mista brasileira. Inicialmente esta instituição foi constituída sob a forma de sociedade privada por ações, pelo alvará de 12 de outubro de 1808. Em 1835, o Banco do Brasil foi instinto, ressurgindo em 1853, com determinação por lei de que o Governo Imperial e as províncias deveriam subscrever ações (BONFIM, 2011). 148 A primeira tentativa de sistematização do regime das sociedades de economia mista, no Brasil, deu-se pelo Decreto-Lei n. 200, de 1967, alterado pelo Decreto-Lei n. 900, de 1969, que passou a vigorar com a seguinte redação: Art. 1º [...] III - Sociedade de Economia Mista – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta (BRASIL, 1969). Dessa maneira, as sociedades de economia mista, apesar de se apresentarem sob a forma de sociedade anônima e reunirem os órgãos inerentes a este tipo societário em seu núcleo, configuram-se como um tipo “especial” de S.A.; justamente pela participação estatal em sua direção, seja pela titularidade da maioria de seu capital, seja por disposição legal ou estatutária. É por conta dessa particularidade que estas não podem ser concebidas como simples sociedades privadas, como simples sociedades por ações (BONFIM, 2011). A participação estatal nestas sociedades, conforme já salientado, justifica-se pelo relevante interesse coletivo ou motivo de segurança nacional. O acionista controlador, segundo o art. 238,da Lei das Sociedades Anônimas, deve orientar as atividades da companhia de forma a atender ao interesse público que justificou sua criação. Ou seja, sob pena de incorrer em ilegalidade e inconstitucionalidade - pela intromissão do Estado em área reservada ao setor privado -, o Estado não pode deixar de atender às exigências do interesse público (BONFIM, 2011). Nesse sentido, conforme dispõem o inc. XIX, do art. 37, da Constituição Federal Brasileira, e o art. 236, da Lei das S.As., com o objetivo de assegurar ao Estado a posição de acionista controlador, as sociedades de economia mista têm sido criadas por leis especiais. Isto não as eximede se sujeitar ao regime jurídico comum das sociedades anônimas, que se configuram como pessoa jurídica de direito privado (BONFIM, 2011). Sobre este aspecto, Ribeiro, Alves e Chede (2005, p. 37) salientam: As sociedades estatais estarão sujeitas ao regime jurídico de direito privado no que se refere aos seus contratos, organização societária, regime de trabalhadores, regime tributário e não poderão ser beneficiadas de forma desigual em relação às sociedades compostas a partir de capital exclusivamente privado. Já, em razão do caráter público do capital investido, ainda que dotadas de personalidade jurídica de direito privado, as sociedades estatais estão sujeitas ao controle do Tribunal de Contas e às normas de concorrência. Decorre justamente da dupla sujeição da estatal, ao regime jurídico 149 privado e, ainda que parcialmente, também ao regime público, um dos traços de distinção dessa modalidade de sociedade. Qual seja, além de adequar-se às normas tributárias, civis, comerciais, também deverão ser consideradas as normas de direito administrativo aplicáveis em decorrência da natureza pública dos investimentos e bens utilizados na atividade empresarial. “Acionista controlador”, segundo o art. 116, da Lei 6.404, que dispõe sobre as Sociedades por Ações, refere-se: [...] a pessoa, natural ou jurídica, ou grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. [...] que deve usar seu poder de modo a orientar a empresa a realizar seu objeto e cumprir sua função social, de forma a respeitar e atender os direitos e interesses dos demais acionistas da empresa, de seus trabalhadores e da comunidade em que a companhia atua (BRASIL, 1976). Dessa maneira, a participação majoritária do Estado no capital votante da sociedade de economia mista se constitui num importante centro de dominação e fiscalização, justamente pela possibilidade deste eleger a maioria para o Conselho de Administração, podendo fazer a opção por representantes que entende (o Estado) ser mais comprometidos com a causa pública(BONFIM, 2011). Apesar da participação majoritária do Estado nestas sociedades, os aspectos supracitados impossibilitam que este maximize uma função utilidade própria e bem definida. Logo, as sociedades de economia mista além de apresentarem os problemas de agência tradicionais, em função da separação entre propriedade e controle, apresentam outros aspectos que tornam sua governança mais complexa, a saber: (i) escolha dos membros dos órgãos de administração por indicação política; (ii) diversidade de interesses, que não apenas a maximização de lucros; e (iii) definição das diretrizes de acionista controlador por três ministérios; a) Ministério da Fazenda (MF), por intermédio da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), no que se refere à Assembléia Geral de Acionistas (Decretos n. 1.091/1994 e n. 2.673/1998); b) Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), através do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest), em relação à 150 planejamento, orçamento e pessoal (Decreto n. 3.735/2001); e c) Ministério Supervisor, no que se refere à gestão do negócio corporativo40 (ANTUNES, 2009). Na Petrobras, que tem a estrutura de governança mostrada na Figura 24, a seguir, o Conselho de Administração, órgão de natureza colegiada e autônomo dentro de suas prerrogativas e responsabilidades, é composto por dez membros, sendo sete indicados pelo acionista controlador, o Estado. Dos demais membros deste Conselho, um é indicado pelos acionistas minoritários titulares de ações ordinárias, um pelos acionistas titulares de ações preferenciais e um pelos empregados; todos eleitos em Assembléia Geral Ordinária para mandato de um ano, sendo permitida a reeleição. Figura 24 - Estrutura de governança corporativa da Petrobras. Fonte: Petrobras. Assim como no Conselho de Administração, a maioria dos membros do Conselho Fiscal é indicada pelo Estado. Este conselho é composto por cinco membros, também com mandado de um ano e permitida a reeleição, sendo um indicado pelos acionistas minoritários, um 40 Enquanto a função objetivo predominante das empresas privadas é o lucro, as empresas públicas estão sujeitas a objetivos múltiplos, a saber: (i) alocativos (financeiros e econômicos); e (ii) não-alocativos (sociais). Como exemplos de objetivos financeiros, citam-se a necessidade de geração de recursos para a cobertura dos custos empresariais e a geração de um excedente a ser utilizado em qualquer setor econômico. Os objetivos econômicos se expressam, por exemplo, pela contribuição líquida da empresa ao produto e crescimento da economia. Como objetivos não-alocativos (não-comerciais), têm-se, como exemplos, a criação de empregos, o fornecimento de serviços à comunidade e a promoção do desenvolvimento regional (RIBEIRO, 1992). 151 indicado pelos acionistas titulares de ações preferenciais e três indicados pela União, com uma indicação do ministro de Estado da Fazenda, como representante do Tesouro Nacional (PETROBRAS). Não sendo a sociedade de economia mista uma entidade única, representando toda população brasileira, sua função objetivo se torna mais complexa, não se limitando apenas à maximização do valor de seu patrimônio (ANTUNES, 2009). Esta relação entre a natureza jurídica das sociedades de economia mista e sua função objetivo será discutida, na próxima seção, de maneira mais pormenorizada. 5.3 PETROBRAS: NATUREZA JURÍDICA, CORPORATIVA E DESEMPENHO GOVERNANÇA A presença de capitais privados nas sociedades de economia mista demanda, do ente público controlador, uma posição mais atenta no que se refere à rentabilidade do empreendimento. Ainda que o interesse particular não deva ser priorizado, a garantia de um excedente contábil a ser distribuído aos acionistas, já que os particulares que se associam ao Estado o fazem com o intuito lucrativo, deve ser harmonizado com o interesse público (BONFIM, 2011; RIBEIRO, ALVES; CHEDE, 2005). Ou seja, apesar das empresas estatais não serem criadas com vistas à obtenção de lucro, isto não significa que seu desempenho financeiro deva ser negligenciado. O argumento de que as empresas estatais são “naturalmente” deficitárias não pode ser aceito de forma acrítica, já que o que está em jogo é o dinheiro público (BONFIM, 2011; RIBEIRO; ALVES; CHEDE, 2005). A atuação deficitária de empresas estatais, por tornar a atividade empresarial e a assunção do risco não remunerada, além de desestimular a iniciativa privada de ingressar no campo explorado, pode mascarar a concorrência desleal perpetrada pelo Estado empresário; na medida em que, ao atuarem em regime de dumping, impediriam o pleno exercício da concorrência pelas empresas privadas em tais mercados (RIBEIRO; ALVES; CHEDE, 2005). Desde os anos de 1980, as sociedades de economia mista têm sua análise atrelada, também, a sua eficiência e competitividade, o que tem conduzido à expressa adoção das técnicas de governança corporativa nestas companhias (RIBEIRO; ALVES; CHEDE, 2005). Cabe salientar que a eficiência referida é definida em termos neoclássicos - eficiência produtiva, 152 distributiva e alocativa -, que não considera as dimensões dinâmicas da concorrência e dos mercados, cujo impacto alocativo e respectivas implicações normativas devem ser vistas pela ótica da geração, filtragem seletiva e difusão das inovações (FAGUNDES, 2003). Já a competitividade, fruto de uma diversidade de fatores, conforme salientado na seção 4.4.2, é analisada a partir dos fatores internos à firma (empresariais)41. A qualidade das práticas de governança corporativa, embora possa ser avaliada em diversas dimensões, tem sido mensurada, principalmente, pela estrutura de controle (direito de voto) e propriedade (direito de fluxo de caixa). Nesse sentido, o pagamento de dividendos tem funcionado como um mecanismo de governança das sociedades anônimas de capital aberto. Boas políticas de remuneração aos acionistas, com pagamento de percentuais elevados de dividendos anualmente, são indicativos de boas práticas de governança (SILVA, 2008). A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2005, desenvolveu um conjunto de regras voluntárias para a boa governança corporativa de empresas estatais, denominado Corporate Governance of State-Owned Enterprises, que visam, dentre outras coisas (SILVA, 2008): (i) Garantir isonomia competitiva no mercado de atuação de empresas estatais e privadas, inclusive na relação estabelecida com os bancos estatais; a concessão de crédito às empresas estatais e privadas deve se dar nos mesmos termos e condições (OCDE, 2005). Para evitar o potencial conflito de interesses derivado do duplo papel desempenhado pelo Estado - regulador do mercado e proprietário de empresas com operações comerciais – e evitar distorções na concorrência entre empresas estatais e privadas, a completa separação administrativa entre estes papéis se configura indispensável (OCDE, 2005); neste sentido, a ANP desempenha papel indispensável, regulando um setor em que a Petrobras, uma empresa estatal, é o principal player. (ii) Transparência da administração. A esperada atuação das estatais no cumprimento de responsabilidades e obrigações para fins de política social e pública, que está além das suas atividades comerciais, como o represamento dos preços de bens e serviços para controle 41 A eficiência produtiva é atingida quando as empresas, por meio do processo competitivo ou de um sistema de incentivos apropriados, escolhem operar sobre uma dada função de produção (e não abaixo dela) e, ao fazê-lo, minimiza os custos de produção. A eficiência distributiva se refere à capacidade de eliminação, pela concorrência, de lucros extraordinários – esta considera disfuncional a persistência de preços acima dos custos unitários (e não apenas dos custos marginais), e, portanto, de lucros acima do considerado normal. A eficiência alocativa é definida usualmente pelo critério de Pareto e é formulada teoricamente por referência ao modelo de equilíbrio geral competitivo, quando os custos marginais associados aos bens fabricados – de curto e longo prazo – são iguais aos preços desses bens (FAGUNDES, 2003). 153 inflacionário, deve estar regulamentada e incorporada em seu Estatuto Social. Além de estar claramente informado sobre a natureza e extensão dessas obrigações, o mercado e o público em geral devem ter ciência do impacto global destas no desempenho econômico da companhia (OCDE, 2005). Severe difficulties arise when SOEs undertake ambitious strategies without clearly identifying, assessing or duly reporting on the related risks. Disclosure of material risk factors is particularly important when SOEs operate in newly de-regulated and increasingly internationalised industries where they are facing a series of new risks, such as political, operational, or exchange rate risks. Without adequate reporting of material risk factors, SOEs may give a false representation of their financial situation and overall performance. This in turn may lead to inappropriate strategic decisions and unexpected financial losses (OCDE, 2005, P. 45). Portanto, além da definição de objetivos, que incluem os trade-offs entre, por exemplo, a geração de valor para o acionista, o atendimento do interesse público e, até mesmo, a garantia de segurança no emprego, o Estado deve indicar suas prioridades e esclarecer como devem ser tratados estes trade-offs (OCDE, 2005). (iii) Tratamento equânime de todos os acionistas. O Estado deve seguir as melhores práticas em relação aos acionistas minoritários, visto que sua reputação com relação a este aspecto terá influência na capacidade de atração de financiamento externo e na valorização da empresa. Portanto, configura-se importante garantir que os acionistas minoritários não o perceba como um proprietário passivo, imprevisível e injusto (OCDE, 2005). As estatais não devem ser utilizadas para promover objetivos que diferem dos perseguidos pelo setor privado, a menos que, de alguma forma, as outras partes interessadas sejam recompensadas. Como o Estado, enquanto acionista controlador, pode tomar decisões que estejam na contramão dos interesses das outras partes interessadas, mecanismos e procedimentos para proteger os direitos destas partes precisam ser estabelecidos (OCDE, 2005). No Brasil, em janeiro de 2007, foi aprovado um decreto-lei que instituiu a Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União (CGPAR), com o objetivo de tratar assuntos relacionados à governança corporativa nas companhias estatais federais e a administração de participações societárias da União (BRASIL, 2007). À CGPAR compete: (i) a aprovação de diretrizes e estratégias que guardam relação com a participação acionária da União nas empresas estatais federais, com o objetivo de: 154 a) defesa dos interesses da União, como acionista; b) promoção da eficiência na gestão, inclusive quanto à adoção das melhores práticas de governança corporativa; c) aquisição e venda de participações detidas pela União, inclusive o exercício de direitos de subscrição; d) atuação das empresas estatais federais na condição de patrocinadoras de planos de benefícios administrados por entidades fechadas de previdência complementar; e) fixação da remuneração de dirigentes; f) fixação do número máximo de cargos de livre provimento; g) expectativa de retorno do capital dos investimentos com recursos da União; h) distribuição de remuneração aos acionistas; e i) divulgação de informações nos relatórios da administração e demonstrativos contábeis e financeiros, no caso das empresas públicas e sociedades de capital fechado (BRASIL, 2007, P. 2); (ii) o estabelecimento de critérios para avaliar e classificar as empresas estatais federais, objetivando delinear políticas de interesse da União, levando-se em consideração, dentre outros aspectos: a) desempenho econômico-financeiro; b) práticas adotadas de governança corporativa; c) gestão empresarial; d) setor de atuação, porte, ações negociadas em bolsas de valores nacionais e internacionais; e e) recebimento de recursos do Tesouro Nacional a título de despesas correntes ou de capital (BRASIL, 2007, P. 2); (iii) o estabelecimento de critérios e procedimentos para indicar diretores e representantes da União nos conselhos de administração e fiscal das empresas estatais federais, a serem adotados pelos órgãos competentes, observando-se, dentre outros requisitos: “a) capacitação técnica; b) conhecimentos afins à área de atuação da empresa e à função a ser nela exercida; e c) reputação ilibada” (BRASIL, 2007, P. 2); (iv) o estabelecimento de diretrizes para a atuação daqueles que representam a União nos conselhos de administração e fiscal, ou órgãos com funções equivalentes, das empresas estatais federais e de sociedades com participação minoritária da União (BRASIL, 2007); (v) o estabelecimento do padrão de conduta ética, sem prejuízo das normas já definidas pela própria sociedade, dos representantes da União nos conselhos de administração e fiscal das empresas estatais federais e de sociedades com participação minoritária da União (BRASIL, 2007); e (vi) a aprovação, mediante resolução, do seu regimento interno (BRASIL, 2007). Com o exposto, percebe-se que algumas empresas estatais, além de abrirem seu capital, estão sendo submetidas a novas práticas de governança corporativa, buscando o aprimoramento dos mecanismos pelos quais a União exerce seu poder de acionista majoritário. A adoção destas práticas não tem mitigado a influência política dos grupos de interesse nas estatais, 155 abrindo a possibilidade do controle ser exercido sem a necessidade de privatização (GOBETTI, 2009). Dessa maneira, apesar das sociedades de economia mista congregarem a necessidade de conciliação de regimes jurídicos de ordem privada e pública, de eficiência e desenvolvimento do objetivo que justificou a sua criação, de interesse do controlador (Estado) e dos demais sócios (privados), estas têm sido induzidas a operarem de maneira cada vez mais próxima das empresas privadas, reduzindo a tolerância em relação aos vícios normalmente associados aos serviços estatais (RIBEIRO; ALVES; CHEDE, 2005). A atuação do Estado numa atividade econômica está cada vez mais sendo pautada pelo princípio da lucratividade (SCAFF, 2001). Contudo, o sentido jurídico deste princípio não deve seguir de maneira integral o sentido econômico. Nas empresas estatais, por exemplo, o princípio da lucratividade deve ser substituído pelo princípio da economicidade. Segundo o ponto de vista da Constituição Federal de 1988, as empresas estatais atenderão a este princípio à medida que alcance, de maneira satisfatória, por meio do menor custo econômico possível, os fins que orientaram a sua criação (SCAFF, 2001). A partir desta concepção, o potencial conflito entre a missão pública e a lucratividade nas sociedades de economia mista pode ser atenuado, conforme argumenta Penrose (1959), com uma distribuição de dividendos suficiente para evitar reclamações em grande número de acionistas, para atração de capital adicional necessário e, de modo geral, para formação ou manutenção da reputação da firma como um bom investimento. A perspectiva de conflito seria, também, atenuada com o prévio conhecimento dos investidores privados quanto ao caráter da sociedade de economia mista, conforme os princípios de governança corporativa de empresas estatais estabelecidos pela OCDE. Ou seja, a supressão do conflito se daria na medida em que os acionistas minoritários concordam em concorrer financeiramente para o desenvolvimento de uma atividade econômica cujo controle majoritário pertence ao Estado, e que a este cabe o atendimento do interesse público, que jamais pode ceder diante de interesses particulares (BONFIM, 2011). Com a percepção da possibilidade de existência de conflitos de interesses, a Petrobras S.A., por exemplo, quando do lançamento do prospecto definitivo para capitalização, em 2010, fez as seguintes ressalvas quanto aos principais fatores de riscos relativos às suas atividades: 156 Caso qualquer dos riscos mencionados [...] venha a ocorrer, nossa participação de mercado, nossa reputação, nossos negócios, nossa situação financeira, o resultado de nossas operações, nossas margens e nosso fluxo de caixa poderão ser adversamente afetados e, ato contínuo, o preço de mercado das nossas Ações poderá diminuir e os investidores poderão perder todo ou parte do seu investimento em nossas Ações. [...] A União tem, e continuará a ter após a conclusão da Oferta Global, poderes para, dentre outros, eleger a maioria dos membros do nosso conselho de administração e decidir sobre quaisquer questões que sejam de competência dos nossos acionistas, incluindo reorganizações societárias, cancelamento do nosso registro de companhia aberta, alienação de nossas subsidiárias e montante e momento para distribuição dos dividendos e/ou juros sobre capital próprio aos nossos acionistas, ressalvadas as exigências de dividendo mínimo obrigatório, de acordo com nosso estatuto social. Os interesses da União poderão ser divergentes ou conflitantes com os interesses dos nossos outros acionistas, inclusive para orientar os nossos negócios com o fim de atender ao interesse público que justificou a nossa criação, nos termos da Lei das Sociedades por Ações (PETROBRAS, 2010a, P. 57). Com isso, enquanto titular do controle das sociedades de economia mista, o Estado, ao perseguir fins públicos delimitados pelo objeto social da companhia, não pode ser compelido a recompor as perdas materiais dos acionistas minoritários; portanto, não existe qualquer ilicitude do Poder Público ao agir dentro da prerrogativa intrínseca à criação da sociedade de economia mista, qual seja, o interesse público que lhe deu causa (BONFIM, 2011). Mesmo levando em consideração, que, devido às tantas ações societárias e a complexidade das relações jurídicas com elas estabelecidas, o controle não necessariamente exige a exclusividade de poder numa empresa - em razão de poder ser identificado justamente como um feixe de relações jurídicas -, mecanismos capazes de garantir a manutenção do interesse público que motivou a criação das sociedades de economia mista são indispensáveis (SALOMÃO FILHO, 1998). Nas palavras de Ribeiro, Alves e Chede (2005, p. 63-64): [...] hoje a ideia de controle não se limita à titularidade da maior parte das ações com direito a voto, nem tão pouco ao efetivo exercício do poder de deliberação, uma vez que o condicionamento da aprovação de determinados temas numa sociedade ao poder de veto de parte do acionista ou à exigência de quorum mais elevado faz sentir a existência de uma outra forma de controle, até mesmo por parte da minoria. [...] Portanto, o poder de controle não deve ser tido como absoluto, nem mesmo na sociedade estatal, existindo mecanismos capazes de garantir a manutenção do interesse público que motivou a criação da sociedade de economia mista, ainda que se opte pela busca de um parceiro estratégico e elaboração de um acordo de acionistas. Apesar da ressalva, pode-se concluir que a exigência de detenção, pelo Estado, da maioria do capital votante das sociedades de economia mista viabiliza sua supremacia na gestão 157 da empresa, possibilitando o atendimento de sua incumbência do dever-poder de assegurar o funcionamento da companhia orientado para o cumprimento do interesse público que justificou sua criação e organização (BONFIM, 2011). 5.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Petrobras foi criada em 1953, sob a forma de uma Sociedade de Economia Mista; tipo societário em que se verifica a associação de capital estatal e privado. Além das sociedades de economia mista, as empresas estatais podem ser classificadas, quanto à constituição de capital, como empresas públicas, cujo capital é composto apenas por recursos públicos. Quanto à atividade exercida, as empresas estatais podem ser classificadas como prestadoras de serviço público e como exploradoras de atividade econômica em sentido estrito. A execução das atividades econômicas em sentido estrito cabe, preferencialmente, aos particulares, enquanto ao Estado cabe, prioritariamente, a prestação de serviços públicos. Porém, da mesma forma que, quando permitido pela constituição, particulares atuam em algumas atividades assumidas pelo Estado, o setor público exerce atividades reservadas ao setor privado.A justificativa para atuação estatal nas atividades econômicas em sentido estrito é a necessidade de atender aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo. Nesse sentido, uma sociedade de economia mista, apesar de se constituir sob a forma de S.A., tendo seu capital dividido entre recursos de origem pública e privada, com a quantidade majoritária das ações com direito a voto de origem pública, deve orientar suas atividades de forma a atender ao interesse público que justificou sua criação. Ou seja, sob pena de incorrer em ilegalidade e inconstitucionalidade - pela sua intromissão em área reservada ao setor privado -, o Estado não pode deixar de atender às exigências do interesse público. Contudo, a presença de capitais privados demanda, do ente público controlador, uma posição mais atenta no que se refere à rentabilidade do empreendimento. Ainda que o interesse particular não deva ser priorizado, a garantia de um excedente contábil a ser distribuído aos acionistas deve ser harmonizada com o interesse público, já que os particulares que se associam ao Estado o fazem com o intuito lucrativo. Não perdendo de vista a justificativa para atuação estatal em atividades econômicas em sentido estrito, o potencial conflito entre a missão pública e a lucratividade nas sociedades de 158 economia mista precisa ser atenuado. Duas maneiras pelas quais esses conflitos podem ser atenuados são: (i) com uma distribuição de dividendos suficiente para evitar reclamações em grande número de acionistas, para atração de capital adicional necessário e, de modo geral, para formação ou manutenção da reputação da firma como um bom investimento. (ii) com o prévio conhecimento dos investidores privados quanto ao caráter das sociedades de economia mista. Ou seja, os acionistas minoritários concordam em concorrer financeiramente para o desenvolvimento de uma atividade econômica sabendo que o controle majoritário pertence ao Estado, e que a este cabe o atendimento do interesse público. Ciente da possibilidade de existência de conflito de interesses, a Petrobras S.A., em 2010, quando do lançamento do prospecto definitivo para capitalização, além de alertar para a possibilidade de redução do preço de mercado de suas ações e perda de todo ou parte do investimento dos seus acionistas, ressalta que, com a finalidade de atender ao interesse público que justificou sua criação, haveria a possibilidade dos interesses da União serem divergentes ou conflitantes com os dos outros acionistas. 159 CONSIDERAÇÕES FINAIS A evolução dos indicadores operacionais, econômicos e financeiros da Petrobras, discutida no primeiro capítulo, tem sido objeto de intensos debates nos últimos anos. Todos os indicadores econômicos e financeiros, nos anos de 2006 à 2013 - liquidez, rentabilidade, endividamento e geração de caixa -, apresentaram deterioração. Quanto aos principais indicadores operacionais para empresas atuantes na exploração e produção de petróleo e gás natural, apesar de se observar uma consistência nas séries de reservas provadas e de reserva sobre produção, o indicador de reposição das reservas apresentou uma tendência declinante. As agências de ratings têm apontado como fatores determinantes para a deterioração dos referidos indicadores e, conseqüentemente, redução dos dividendos distribuídos aos acionistas e do valor de mercado, o agressivo programa de investimentos da Petrobras e sua exposição à interferência política local. A interferência política tem influenciado seu déficit comercial atual, devido a crescente necessidade de importar produtos refinados, vendidos a preços abaixo da sua paridade internacional, e dificultado o atendimento de suas metas de produção, em função do nível de equipamentos críticos necessários para exploração e produção das áreas do pré-sal e a exigência de cumprimento das metas de conteúdo local. O objetivo geral da tese foi, justamente, analisar porque a interferência política local, especificamente a política de conteúdo local - implementada para o desenvolvimento da Indústria Para-Petrolífera (IPP) brasileira -, está na contramão da perspectiva de maximização do valor para os acionistas da Petrobras, mas, não do escopo de atuação de uma empresa com sua natureza jurídica. Para atender a este objetivo, discutiu-se, inicialmente, no segundo capítulo, a relação existente entre esse princípio e a firma inovadora. A lógica de maximização do valor para o acionista está amparada no princípio de governança corporativa denominado “reduzir e distribuir” - o tamanho das empresas é reduzido, com corte, inclusive, de força de trabalho, e o fluxo de caixa livre distribuído para os acionistas. Essa lógica se justifica pelo fato dos acionistas, entre todos os stakeholders, serem os únicos que não possuem direitos contratuais garantidos; seu retorno, caso haja, depende do que sobra depois de terem sido pagas, às partes, suas contribuições produtivas. Dessa maneira, os acionistas são os únicos com interesse em monitorar os gerentes, para assegurar que estes aloquem recursos da forma mais eficiente possível. 161 Sob esta lógica, desempenho econômico superior, na perspectiva de Lazonick (2006), não necessariamente resulta em inovação. Como o investimento em inovação envolve um confronto estratégico com a incerteza tecnológica, de mercado e competitiva, os acionistas públicos não desempenham papel algum no processo inovativo. Com a finalidade de minimizar o risco, os shareholders diversificam seus investimentos, não dispondo de tempo e/ou esforço para analisar as capacidades inovadoras das empresas cujas ações são titulares. É nesse sentido que se argumenta que o princípio de maximização do valor para o acionista ajuda a legitimar a predominância da visão de mercado de capital da firma em detrimento da visão industrial. É a partir deste argumento que se analisa, nos capítulos três e quatro, se a política de conteúdo local, implementada pelo governo brasileiro para o desenvolvimento da IPP nacional, estaria na contramão da perspectiva de maximização do valor para os acionistas da Petrobras. A Petrobras, desde sua criação, em 1953, até início da década de 1990, encampou as diretrizes políticas do Estado brasileiro, centradas no desenvolvimento da indústria doméstica, a partir do direcionamento de suas compras. Com isto, a estatal buscava, inclusive, a capacitação dos fornecedores nacionais do ponto de vista tecnológico. Essa política enfrentou sérias limitações, em função destes fornecedores se restringirem, quase sempre, a receber e aplicar conceitos desenvolvidos na Petrobras, o que tornou a IPP brasileira pouco competitiva e dependente de um mercado doméstico protegido. Na década de 1990, quando os programas de nacionalização perderam força e o discurso governamental se voltou à competitividade e exposição da indústria nacional à concorrência estrangeira - em 1997 o governo brasileiro determina o fim do monopólio da Petrobras na atividade petrolífera do país -, a situação dos fornecedores domésticos de equipamentos e serviços piorou. Nessa nova trajetória, pouca atenção foi dada à capacitação tecnológica destes fornecedores, fazendo com que os poucos ativos tecnológicos adquiridos fossem perdidos. A preocupação do Estado brasileiro com o destino da indústria e dos fornecedores locais o fez incorporar índices de nacionalização nos critérios para seleção dos leilões de áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural. Esses critérios se fizeram presentes desde o processo de licitação dos primeiros blocos exploratórios, na Rodada 1, em 1999. Porém, é apenas na Rodada 4, em 2003, que a ANP fixa um nível mínimo de conteúdo local, a ser observado pelo concessionário, na Fase de Exploração e na Etapa de Desenvolvimento. 162 Portanto, a política de conteúdo local no setor de petróleo e gás natural brasileiro, construída ao longo da última década por meio de cláusulas nos contratos de concessão e de resoluções da ANP, teve como referência o modelo de exploração e produção criado pela Lei 9.478/97, que pôs fim ao monopólio estatal neste setor. Com o fim do monopólio, a participação de empresas brasileiras no suprimento de equipamentos e insumos para a exploração, produção e refino de petróleo e gás no país, que decorria da política de compras da Petrobras, refletindo objetivos e estratégias desta corporação, assim como orientações vindas do governo, passou a ser assegurada pela imposição aos investidores privados de participação relevante dos fornecedores locais no suprimento da demanda de bens e serviços. Em 2010, o modelo de exploração e produção de petróleo e gás natural, criado pela lei 9.478/97, foi parcialmente abandonado. Isto se deu a partir do entendimento de que o panorama, quando da introdução do sistema de concessão, era diferente daquele que se apresentava com o anúncio, em 2007, da existência de uma nova realidade geológica para a indústria petrolífera brasileira e internacional (de baixo risco exploratório, de campos gigantes e de mudança do preço do petróleo). Com o estabelecimento do novo marco regulatório, o monopólio da Petrobras foi restituído para as atividades desenvolvidas na área do pré-sal e em áreas estratégicas. A companhiapassaria a ser operadora de todos os blocos licitados, respondendo pelo cumprimento da exigência de conteúdo local fixada no contrato de partilha da produção; encampando, ainda mais, o desenvolvimento da indústria para-petrolífera brasileira. Porém, o contexto internacionalizado da IPP, a alta especialização das muitas empresas que atuam nesse segmento e o elevado marketshare das empresas líderes em cada segmento, aliado a baixa capacitação tecnológica da IPP nacional, com atuação nos segmentos de menor complexidade tecnológica, e o audacioso programa de investimento da Petrobras, que impõe uma resposta rápida da IPP nacional às demandas desta companhia, colocam sérias dificuldades para o sucesso de uma política de conteúdo local. Sendo o sucesso avaliado a partir da efetividade da política na capacitação dos fornecedores nacionais de maneira a torná-los competitivos no mercado global. As empresas para-petrolíferas brasileiras apresentam como principal fragilidade, até hoje, a baixa capacitação tecnológica; no geral, licenciadoras de tecnologias de empresas líderes internacionais, quando não uma filial de empresa multinacional. As empresas nacionais ocupam 163 os setores de menor complexidade tecnológica, deixando, até mesmo, os projetos de engenharia básica para serem executados por empresas internacionais. A opção pela geração de capacidade própria, que exige tempo e está submetida a natureza incerta do processo inovativo, terá, pelo menos inicialmente, um custo. Pois, a curva de aprendizado ligada a essa opção de política leva, invariavelmente, a atrasos que implicam, quase automaticamente, aumento dos custos; com risco, inclusive, de pagamento de multas pelo não cumprimento dos compromissos de conteúdo local. Nesse sentido, com vista no audacioso programa de investimento da Petrobras, previsto no seu PNG (2014-2018), a hipótese de que a política de conteúdo local, adotada pelo governo brasileiro para o desenvolvimento de uma IPP nacional, está na contramão da perspectiva de maximização de valor para os acionistas desta companhias e confirma. Primeiro, pela esperada elevação de custos, dada a obrigação de adquirir insumos com maior preço e, eventualmente, menor qualidade e prazos de entrega superiores. Segundo, pela incerteza relacionada à possibilidade dessa modalidade de política promover, adequadamente, ganhos de competitividade suficiente para ampliar a capacidade de inovar e reduzir, no futuro, os custos dos fornecedores e, por conseguinte, da Petrobras. E o que falar sobre a relação entre a natureza jurídica da Petrobras e sua função objetivo? Será que a maximização do valor para o acionista poderia ser uma boa medida de seu desempenho? Esta foi a discussão do quinto capítulo. A Petrobras, constituindo-se juridicamente na forma de uma sociedade de economia mista - tem seu capital dividido entre recursos de origem pública e privada, com a quantidade majoritária das ações com direito a voto de origem pública -, deve orientar suas atividades de forma a atender ao interesse público que justificou sua criação. Ou seja, sob pena de incorrer em ilegalidade e inconstitucionalidade - pela sua intromissão em área reservada ao setor privado -, o Estado não deve deixar de atender às exigências do interesse público que justificou a criação da sociedade. Apesar da presença de capitais privados demandar, do ente público controlador, uma posição mais atenta no que se refere à rentabilidade do empreendimento, o interesse particular não deve ser priorizado em detrimento do interesse público. Portanto, o atendimento ao princípio da maximização do valor para o acionista, em sentido estrito, não deve se constituir como a função objetivo de uma empresa com a natureza jurídica da Petrobras. 164 Da mesma forma que o interesse particular não deve ser priorizado, o interesse público do Estado, interesse público secundário, também não. Como qualquer outro sujeito de direito, o Estado tem interesses que lhes são particulares, porém, apenas poderá os defender quando não conflitarem com os interesses públicos propriamente ditos, o interesse público primário. As empresas estatais não são instituídas para satisfação da vontade de governos transitórios, mas para o atendimento dos interesses permanentes do Estado. Apesar do exposto não resolver a ambigüidade sobre qual deve ser a função objetivo da Petrobras - justamente pela dificuldade em se definir de forma precisa o que venha ser interesse privado, interesse público, interesse público primário e interesse público secundário -, pode-se concluir que, dada a natureza jurídica desta companhia, sua utilização para encampar o desenvolvimento da indústria para-petrolífera brasileira, por meio do direcionamento de suas compras, ao gerar emprego e renda, justifica-se. Porém, para dotar a economia brasileira de uma performance econômica superiornão basta transferir valor dos acionistas para os trabalhadores, fornecedores, ou para quem quer que seja. É preciso criar novo valor, ou seja, formatar uma política efetiva o suficiente para capacitar os fornecedores locais para competir no mercado global. Pois, da mesma forma que atender a perspectiva de maximização do valor para os acionistas em sentido estrito não deve se constituir na função objetivo da Petrobras, subsidiar indeterminadamenteempresas ineficientes também não. Ciente da dificuldade de implementação de subsídios, Rodrick (2004) recomenda a utilização da estratégia do carrot-and-stick. Ou seja, para garantir a não perpetuação de erros e eliminação de maus projetos, as atividades subsidiadas devem estar sujeitas a requerimentos de performance (por exemplo, um requerimento de exportação), assim como o seu uso deve ser rigorosamente monitorado. A utilização de forma demasiada do carrot com pouco do stick pode ensejar ineficiência industrial. Com o exposto, confirma-se a hipótese de que a política de conteúdo local está na contramão da perspectiva de maximização de valor para os acionistas da Petrobras, mas não do escopo de atuação de uma empresa com a sua natureza jurídica. A questão que se coloca, para novas incursões ao tema, é qual será a estratégia de financiamento do plano de expansão da companhia, previsto em seu PNG (2014-2018), caso esta perspectiva continue não sendo atendida. Isto porque é esta a lógica que rege as agências de ratings na determinação do grau de 165 investimento corporativo, e, por conseguinte, os investidores internacionais e as instituições financeiras na determinação de seus spreads. Sobre a questão supracitada, a OCDE (2007) adverte para as dificuldades impostas às estatais, quando estas empreendem estratégias ambiciosas sem identificar e avaliar devidamente os riscos relacionados à adoção destas. A divulgação de fatores de risco, num contexto de indústrias recentemente desregulamentadas e cada vez mais internacionalizadas, onde se enfrenta uma série de novos riscos, tais como políticos e operacionais, é particularmente importante. A inadequada informação sobre estes fatores enseja uma falsa representação da situação financeira e do desempenho global, o que, por sua vez, pode levar a decisões estratégicas inadequadas e perdas financeiras inesperadas às estatais. 166 REFERÊNCIAS ACHA, V.; CUSMANO, L. Governance and co-ordination of distributed innovation processes: patterns of R&D co-operation in upstream petroleum industry. Economics of Innovation and New Technology, Torino, v. 14(1-2), pp. 1-21, jan./mar. 2005. AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO (ANP). 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