RESENHA* Livro: Elementos lacanianos para uma psicanálise no cotidiano (cap. IV) Roland Chemama No capítulo IV do livro Elementos Lacanianos para uma psicanálise do Cotidiano, Roland Chemama traz a idéia de contrato na psicanálise. Neste capítulo intitulado “A experiência psicanalítica”, trata primeiramente do primado do jurídico na atualidade, isto é, da prevalência do discurso jurídico sobre todos os outros discursos que determinam a sociedade atual. Chemama escreve neste texto que na sociedade tal como no tratamento psicanalítico a questão está centrada na noção de contrato. Traz a idéia da análise como uma atividade educativa, o paciente como alguém capaz de contratar e respeitar o contrato, o contrato então inserindo compromisso recíproco entre analista e paciente. Quanto ao que se espera do contrato, o autor trata da liberdade, diz que o contrato serve para libertar e que o contrato na psicanálise faz calar o desejo do analista permitindo assim a escuta do sintoma. Roland Chemama, para exemplificar esse primado do jurídico, descreve o lugar atribuído ao louco em nossa sociedade. Interroga-se sobre as condições jurídicas da sua internação, da localização e da colocação no trabalho e afirma que os discursos que atribuem ao louco seu estatuto ordenam-se em torno do eixo jurídico. O modelo contratual tem por principal mérito conciliar essa ideologia liberal segundo a qual o social é feito de uma reunião de indivíduos que se definem como comprando e vendendo serviços e bens. Diante disso o autor coloca como paradoxal que, na psicanálise, o ponto de vista jurídico, e mesmo contratual, possa ter tomado importância singular. A idéia de um contrato prévio entre analista e analisante faz, segundo Chemama, parte de uma série de representações bastante comuns do tratamento; as convenções iniciais, a freqüência das sessões, seu preço, às vezes a questão das férias, etc. A idéia de contrato na psicanálise insere um compromisso de reciprocidade entre analista e paciente. O analista compromete-se a não mudar a relação que se estabelece, não fazer hospitalizar seu paciente quaisquer que sejam as circunstâncias, não lhe dar medicamentos, não intervir diretamente em sua vida, não deixar de recebê-lo, etc, e também empenha-se em analisar: as produções verbais e não verbais, os sonhos, os sintomas, a neurose, tendo o analisar um caráter secundário, apresentado apenas rapidamente no tratamento. Quanto ao paciente, diz o autor, ele se compromete com poucas coisas. Com uma só de fato: pagar suas sessões, não necessariamente em vir a elas. Ele compra um bem e deve ser livre para servir-se dele como quiser. Ele deve manter-se livre para resistir aos esforços do analista em modificar sua personalidade. É isso, segundo Szazs, o que se espera do contrato, a liberdade. Liberdade para o paciente, de que o analista não o dirija tanto quanto, aliás, ele não dirige o próprio tratamento, mas também a liberdade para o analista, de que o contrato o proteja de suas próprias paixões. O analista e o paciente, neste sentido, são definidos como livres, só estão assujeitados ao contrato. O analista é menos neutro que neutralizado; lhe é impossibilitado desejar o que quer que seja, e é o desejo rejeitado do analista o que permite a análise do paciente. Então, o destaque posto sobre o contrato, na psicanálise, leva diretamente a fazer calar todo o desejo, o que é dificilmente evitável, sendo que se pretende, implicitamente é uma análise sem sintoma. Mas é no sintoma que o recalcado retorna, e é aí, inicialmente, que ele deve ser ouvido. A partir, então, de tudo o que foi exposto por Roland Chemama a respeito do contrato em psicanálise entendemos que este contrato mantém a liberdade, principalmente a do analista em relação aos seus desejos. Sabemos que a análise só é possível a partir de que o analista não espere nada, não deseje nada de seu paciente, e é disso, do desejo que o contrato deve protegê-lo, mantendo-o na neutralidade necessária ao tratamento, o que permitiria o comprometimento somente com a escuta do desejo de seu paciente. Este, paga e por isso tem o direito de ser escutado em seus desejos, em suas questões, e não ter dívida com aquele que o escuta, isto é, continuar servindo-se de sua liberdade. * Patrícia Fagundes (Estagiária da Clínica de Psicologia)