Hidráulica Fluvial VI − Erosão. Início do transporte sólido por arrastamento 6. Erosão. Início do transporte sólido por arrastamento 6.1. Introdução A erosão consiste na remoção do material do leito pelas forças de arrastamento que o escoamento provoca. O oposto designa-se por deposição ou acreção. Na prática, os problemas que se colocam são: − dimensionamento de canais estáveis (não erodíveis!); − determinação das condições de caudal em que se dará o início do transporte sólido; − cálculo do caudal sólido transportado; − estimativa da deposição de sólidos em reservatórios e albufeiras ⇒ dimensionamento de descargas de fundo para evacuação de sólidos. − previsão/estimativa da erosão de determinado leito/canal, de modo a permitir o dimensionamento e utilização adequadas de obras nesse leito. Processos Fluviais e Costeiros, 2002 Francisco Sancho VI−1 Hidráulica Fluvial VI − Erosão. Início do transporte sólido por arrastamento Dois tipos de erosões: − Erosão generalizada: provocada por um desequilíbrio geral no transporte sólido; ocorre em alterações bruscas da secção de um leito (ex.:, interrupção ou estreitamento significativo), em zonas de curvatura acentuada, etc.; − Erosão localizada: provocada por obstruções “locais” (pilares, encontros, esporões, etc.). Os critérios de erosão estão relacionados com as condições locais que condicionam o início do transporte sólido ⇒ necessidade de previsão do início do transporte sólido. → Condições críticas de início de transporte sólido Existe um multiplicidade de critérios que, na prática, envolvem os seguintes conceitos: − tensão crítica de arrastamento; − velocidade média crítica; − elevação hidrodinâmica (“lift”) Consideraremos o movimento de partículas não coesas. Processos Fluviais e Costeiros, 2002 Francisco Sancho VI−2 VI − Erosão. Início do transporte sólido por arrastamento Hidráulica Fluvial 6.2. Tensão crítica de arrastamento no fundo As condições do movimento incipiente estão relacionadas com o equilíbrio/desequilíbrio das forças que actuam sobre as partículas. Forças solicitadoras: força de arrastamento, FD , e força de sustentação, FL . Forças resistentes: peso submerso, W. θr (Adaptado de Cardoso, 1998) A força de sustentação é de difícil determinação. Por isso, não é normalmente considerada no tratamento analítico, sendo a sua influência considerada indirectamente no coeficientes empíricos, c1, de FD. Processos Fluviais e Costeiros, 2002 Francisco Sancho VI−3 VI − Erosão. Início do transporte sólido por arrastamento Hidráulica Fluvial Força de arrastamento (“drag”): FD = c1 τ 0 D 2 sendo c1D2 a área efectiva submetida à tensão τ0, e sendo que FD actua no centro de gravidade da partícula. Peso da partícula submersa: W = c 2 D 3 (γ s − γ ) O equilíbrio destas forças em situação de movimento incipiente (onde a resultante das forças é segundo a direcção do ângulo de atrito interno, θr) conduz a: W cos θ tgθ r = FD + W sen θ Substituindo as expressões para W e FD, obtém-se a tensão crítica de arrastamento, τc: τc = c2 (γ s − γ ) D cos θ ( tgθr − tgθ ) c1 que para fundo horizontal, e c = c 2 c1 , resulta, τc Forças hidrodinâm icas = c tgθ r ∝ (γ s − γ ) D Peso submerso Processos Fluviais e Costeiros, 2002 Francisco Sancho VI−4 VI − Erosão. Início do transporte sólido por arrastamento Hidráulica Fluvial 6.3. Diagrama de Shields As variáveis que predominantemente influenciam o movimento iminente das partículas são τc, D, γs−γ, ρ e ν. Estas variáveis podem ser agrupadas em dois parâmetros adimensionais, que permitem definir uma função de início do transporte sólido: τc u D = F ∗c (γ s − γ ) D ν em que X cr = Ycr = u∗c D ν = N.º de Reynolds das partículas crítico τc (γ s − γ ) D = tensão adimensional crítica = Tensão crítica de Shields O parâmetro de Shields exprime a relação entre a força de atrito do fluido sobre o grão e o peso submerso do grão. Processos Fluviais e Costeiros, 2002 Francisco Sancho VI−5 Hidráulica Fluvial VI − Erosão. Início do transporte sólido por arrastamento O transporte sólido ocorre então quando tensão de arrastamento adimensional (ou de Shields), Y, for superior à tensão crítica de Shields, Ycr. A função F acima indicada tem a forma indicada no diagrama de Shields. (Adaptado de Cardoso, 1998) Conhecidos D, γs, γ, e ν, é possível determinar, com base neste diagrama, a tensão de arrastamento, τc, para o qual o material de fundo entra em movimento. ♣ Este cálculo é iterativo, dado que τc intervém simultaneamente em Xcr e Ycr. Processos Fluviais e Costeiros, 2002 Francisco Sancho VI−6 VI − Erosão. Início do transporte sólido por arrastamento Hidráulica Fluvial Para ultrapassar esta dificuldade existe um 3º parâmetro neste diagrama, D ν γ 0.1 s − 1 g D , γ que permite a obtenção directa de τc através do ponto de intersecção da correspondente linha oblíqua com a curva de Shields. Note-se a semelhança entre o diagrama de Shields e a curva para o factor de resistência em função de Re (“harpa de Nikuradse”). • X cr ≤ 2 : regime laminar (recta no gráfico): neste regime D<δ’ e ∴ está envolvido pela película laminar. A fronteira é hidraulicamente lisa e o movimento das partículas deve-se a forças viscosas: Ycr = C X cr . • 2 < X cr < 70 : regime de transição: neste regime D≈δ’ e o movimento das partículas é ainda parcialmente influenciado por Xcr. A tensão de Shields atinge o mínimo na ordem de 0.03, para valores de X cr ≈ 10 . Processos Fluviais e Costeiros, 2002 Francisco Sancho VI−7 VI − Erosão. Início do transporte sólido por arrastamento Hidráulica Fluvial • X cr ≥ 70 : regime turbulento: neste regime, para X cr > 400 ocorre D<δ’, e ∴ o escoamento é dominado pela rugosidade (diâmetro do grão), sendo independente da viscosidade e ∴ de Xcr. A tensão de Shields toma um valor constante ≈0.06. A separação entre regime de transição e turbulento está indicada para X cr ≈ 70 . No entanto, alguns autores apontam valores de X cr ≈ 60 ou X cr ≈ 400 !!! Apesar de uso generalizado, o diagrama de Shields apresenta algumas limitações, levando vários autores a propor outros critérios, também em função da tensão crítica de arrastamento (em alternativa aos critérios relativos a uma velocidade crítica) → ver alguns critérios em Cardoso (1998), pp. 120-121. Ex.: “Highway Research Board” (1970): τ c = 0.628 D50 com [D50]=mm e [τc]=Nm-2, e 2 mm ≤ D50 ≤ 150 mm . Processos Fluviais e Costeiros, 2002 Francisco Sancho VI−8 VI − Erosão. Início do transporte sólido por arrastamento Hidráulica Fluvial 6.4. Tensão crítica nas margens Para partículas situadas em margens (inclinadas) de um rio/canal essa partícula está sujeita às seguintes forças: (Adaptado de Chang, 1988) − força de atrito segundo a direcção do escoamento, FD; − peso submerso da partícula, W, que se decompõe nas componentes normal (W cos φ ) e paralela (W sen φ ) à margem; A resultante da solicitação (tangencial) ⁄⁄ à margem é: FD2 + (W sen φ )2 Processos Fluviais e Costeiros, 2002 Francisco Sancho VI−9 VI − Erosão. Início do transporte sólido por arrastamento Hidráulica Fluvial e a força resistente é a força de atrito dada pela componente normal vezes o coeficiente de atrito: W cos φ tgθ r sendo θr o ângulo de atrito interno ou de talude natural. Em situação de movimento iminente resulta: W cos φ tgθ r = FD2 + (W sen φ )2 ⇔ (FD )m = W cos φ tgθ r 1− tg2 φ tg2 θ r em que (FD)m=FD na margem. Para superfícies horizontais (φ=0) resulta: (FD )b = W tgθ r permitindo definir o coeficiente de Lane, K : ⇔ (F ) K= D m (FD )b = cos φ 1 − tg2 φ 2 tg θ r ≈ 1− sen2 φ sen2 θ r que relaciona a tensão de arrastamento de partículas nas margens com a tensão de arrastamento no fundo. Processos Fluviais e Costeiros, 2002 Francisco Sancho VI−10 VI − Erosão. Início do transporte sólido por arrastamento Hidráulica Fluvial 6.5. Tensão crítica em canais trapezoidais A equação τ 0 = γ h J = γ h i foi rigorosamente obtida para escoamentos bidimensionais (canais rectangulares largos), distribuição uniforme de τ0 na fronteira, e declives (i ) pequenos. Na verdade, os escoamentos são tri-dimensionais e a distribuição de τ0 não é uniforme na fronteira (sobre o perímetro molhado). (Adaptado de Chang, 1988) Em canais trapezoidais, a tensão de arrastamento no fundo e nas margens depende de: − Bf Largura do fundo = ; h Profundidade − inclinação das margens, z (=H/V) Processos Fluviais e Costeiros, 2002 Francisco Sancho VI−11 Hidráulica Fluvial VI − Erosão. Início do transporte sólido por arrastamento e pode obter-se em função do valor médio de τ 0 = γ R i de acordo com a figura: (Adaptado de Cardoso, 1998) Tensão máxima no fundo ocorre para Bf ≈ 2−3 h A tensão máxima nas margens aumenta continuamente com a diminuição de Bf h → “efeito de parede”. Processos Fluviais e Costeiros, 2002 Francisco Sancho VI−12