RETALHO LIVRE ANTEROLATERAL DA COXA PARA RECONSTRUÇÃO DE EXTREMIDADES FREE ANTEROLATERAL THIGH FLAP FOR EXTREMITY RECONSTRUCTION SCHULZ, Julie Indira Fujita*; JEZIOROWSKI, Alan**; BITTENCOURT, Rogério de Castro***; KAIMOTO, Christian Luis**; HUBER, Pablo*; MIMA, Wilson*; TIRAPELLE, Rafael* * Residente do Serviço Cirurgia Plástica Hospital Universitário Cajuru – PUC/PR - ** Mestre de Ensino do Serviço Cirurgia Plástica Hospital Universitário Cajuru – PUC/PR - ***Chefe do Serviço Cirurgia Plástica Hospital Universitário Cajuru – PUC/PR JULIE INDIRA FUJITA SCHULZ Avenida São José, 300. Bairro Cristo Rei, Curitiba-PR. CEP 80050-350 [email protected] DESCRITORES retalho anterolateral da coxa, retalho livre, retalho fasciocutâneo livre, lesão de membros, reconstrução de extremidades KEYWORDS anterolateral thigy flap, free flap, free septocutaneous flap, limbs injury, extremity reconstruction RESUMO Introdução: o retalho livre anterolateral da coxa tem se tornado uma das principais opções para reconstrução de defeitos de partes moles de cabeça e pescoço, tronco e extremidades pelas suas específicas vantagens sobre outros retalhos. Pacientes e métodos: entre abril de 2005 e janeiro de 2007, 18 retalhos anterolateral da coxa foram realizados no Hospital Universitário Cajuru - PUC/PR para reconstrução de extremidades (15 membros inferiores e 3 superiores). Quinze retalhos eram perfundidos por perfurantes miocutâneas e 3 por septocutâneas do ramo descendente da artéria circunflexa femoral lateral; dezessete pacientes do sexo masculino e um do feminino; a idade variou de 7 a 51 anos. Dezessete pacientes apresentavam feridas resultantes de trauma e um após ressecção de tumor ósseo de perna. Resultados: dos 18 retalhos, um evoluiu com necrose por congestão. A área doadora foi fechada primariamente em 11 casos e em 7 com enxerto de pele parcial. Não houve comprometimento funcional da área doadora e o resultado estético foi aceitável. Conclusões: o retalho anterolateral da coxa representa excelente opção para cobertura de defeitos de extremidades. Além do pedículo vascular longo, apresenta tecido fino e vascularizado para cobertura de tendões e ossos, com ampla disponibilidade cutânea e mínimo comprometimento da área doadora. ABSTRACT Introduction: The free anterolateral thigh flap is becoming one of the most preferred options for head and neck, trunk and extremity soft tissue reconstruction because of its specifics advantages over other flaps. Patients and methods: Between April 2005 and January 2007, 18 fasciocutaneous anterolateral thigh flaps were transferred for extremity reconstruction at Cajuru University Hospital (15 lower limbs and 3 upper limbs). Fifteen flaps were supplied by myocutaneous perforators and 3 flaps were supplied by septocutaneous perforators of descending branch of the lateral circumflex femoral artery. Seventeen 140 patients were male; the age ranged from 7 to 51 years. Seventeen patients had wounds resulting from trauma and one patient after a bone tumor ressection of leg extremity. Results: between the 18 cases, one flap overcame with necrosis by congestion. The donor site was primarily closed in 11 cases and with skin graft in 7 patients. There was no functional impairment in donor site and the aesthetic result was acceptable. Conclusions: the free anterolateral thigh flap represents an excellent option for covering extremity defects. Besides a long vascular pedicle, this flap has a thin and vascularized tissue for covering tendons and bone, with availability of large amount of skin, and minimum donor-site morbidity. INTRODUÇÃO O retalho livre anterolateral da coxa é baseado em perfurantes septocutâneas ou miocutâneas da artéria femoral circunflexa lateral. A primeira descrição do retalho anterolateral da coxa foi feita por Song e colaboradores1 em 1984 como um retalho baseado em perfurantes septocutâneas da artéria circunflexa femoral. Esta artéria envia perfurantes através do septo ou do músculo vasto lateral e supre uma ampla extensão cutânea na região anterolateral da coxa. Embora existam vários tipos reconstrução para defeitos de partes moles, o retalho anterolateral da coxa apresenta várias vantagens sobre outros retalhos livres convencionais, sobretudo pela disponibilidade de ampla cobertura cutânea, ainda com a possibilidade de incluir músculo e fáscia com mínima morbidade da área doadora. OBJETIVO Apresentar a aplicação do retalho livre anterolateral da coxa na reconstrução de diferentes defeitos de extremidades de membros superiores e inferiores. MÉTODOS Dezoito pacientes (tabela 01) foram submetidos à Arquivos Catarinenses de Medicina - Volume 36 - Suplemento 01 - 2007 reconstrução de membro superior e inferior com retalho livre anterolateral da coxa, entre abril de 2005 e janeiro de 2007. A média de idade dos pacientes foi de 30 anos (entre 7 e 51 anos), 17 do sexo masculino e 1 do sexo feminino. O transplante do retalho foi realizado para reconstruções de defeitos após diferentes mecanismos de trauma como atropelamento, colisão, queda de nível, queimaduras e reconstruções após infecções, incluindo osteomielite crônica e após ressecção de condros-sarcoma. Todos os retalhos foram dissecados com ajuda de lupa e as anastomoses vasculares foram realizadas com microscópio. O suprimento do retalho anterolateral da coxa é feito pelo ramo descendente da artéria circunflexa femoral, maior ramo do sistema femoral profundo. O pedículo atravessa obliquamente o espaço entre os músculos reto femoral e o vasto lateral, junto ao nervo do vasto lateral, o qual pode dificultar a dissecção do pedículo vascular do retalho. O pedículo principal envia ramos aos músculos reto femoral e vasto lateral e vasos septocutâneos à pele anterolateral da coxa. Algumas das perfurantes do vasto lateral perfuram a fáscia profunda e terminam na pele anterolateral da coxa após enviar múltiplos ramos no músculo. Essas perfurantes musculocutâneas são as mais frequentemente encontradas e dissecadas nos retalhos cutâneos ou fasciocutâneos. Os vasos cutâneos estão localizados em maior quantidade no ponto médio entre a espinha ilíaca ânterosuperior e a borda súpero-lateral da patela, onde é confeccionado o retalho (figura 1), que é incisado até o tensor da fáscia lata no lado lateral do retalho. A pele, subcutâneo e fáscia são cuidadosamente dissecados até a identificação de perfurantes. Estas então são individualizadas até o pedículo principal. Se o vaso é uma perfurante musculocutânea, é realizada a dissecção intramuscular. Se o vaso é do tipo septocutâneo, a dissecção é mais fácil, e segue entre os músculos vasto lateral e reto femoral até o pedículo principal. No retalho musculocutâneo (inclui o músculo vasto lateral), não é necessária a dissecção do vaso. Arquivos Catarinenses de Medicina - Volume 36 - Suplemento 01 - 2007 141 RESULTADOS Dos 18 retalhos, 17 foram fasciocutâneos. Em nenhum destes houve a inclusão de tecido muscular. Apenas 1dos retalhos (caso Nº 18) teve sua elevação com a técnica de dissecção suprafascial (retalho cutâneo), devido à grande espessura do tecido gorduroso. O retalho anterolateral da coxa variou de 14 a 22 cm de comprimento e de 06 a 12 cm de largura. Em 15 casos o retalho era vascularizado por perfurantes miocutâneas e em 3 por perfurantes septocutâneas. No caso de Nº 7 foi realizado um retalho inervado com a inclusão do nervo cutâneo femoral lateral para reconstrução de mão. A área doadora do retalho foi fechada primariamente em 11 pa- cientes e em 7 foram necessário enxertia de pele parcial. Dezessete retalhos realizados sobreviveram completamente, sendo que em 1 dos pacientes (caso N º 15) houve sofrimento por congestão do retalho com perda total do mesmo. Posteriormente o defeito deste paciente foi coberto com retalho muscular livre de grácil. Um paciente (caso N º 7) necessitou reenxertia de pele em área doadora por perda parcial do enxerto. Um dos retalhos (caso N º 3) de calcâneo necessitou de emagrecimento para melhor acomodação do calçado. Não houve comprometimento funcional da área doadora e o resultado estético foi aceitável, principalmente nos casos de fechamento primário. DESENHO DO RETALHO ANTEROLATERAL DA COXA Perfurantes miocutâneas (após dissecção intramuscular) EIAS: espinha ilíaca antero-superior P: bordo súpero-lateral da patela PERFURANTES SEPTOCUTÂNEAS RF: músculo reto femoral 142 VL: músculo vasto lateral Elevação do Retalho: Caso 07: Amputação traumática de dedos Arquivos Catarinenses de Medicina - Volume 36 - Suplemento 01 - 2007 Caso 08: Ferimento de calcâneo com exposição óssea Caso 08: Área doadora - fechamento primário Caso 08: Ferimento de calcâneo com exposição óssea Caso 16: retalho para coto de amputação de antepé direito – 20 dias de pós-operatório (visão medial) Caso 08: 30 dias de pós-operatório (visão frontal) Arquivos Catarinenses de Medicina - Volume 36 - Suplemento 01 - 2007 143 DISCUSSÃO: A descrição do retalho anterolateral da coxa feita por Song e colaboradores1 em 1984 como um retalho baseado em perfurantes septocutâneas da artéria circunflexa femoral e foi difundido para aplicações clínicas por Koshima e colaboradores2 em 1993 e por Kimata e colaboradores em 1997 foram os primeiros a utilizar o retalho como aplicação clinica. Estudos anatômicos recentes mostram que o retalho anterolateral da coxa é irrigado por perfurantes miocutâneas em mais de 80% dos casos3,7. Hoje, o retalho tem vasta indicação, como em reconstrução de cabeça e pescoço, tronco e extremidade de membros2,6,7,8,9,10, principalmente pelas características anatômicas e segurança do retalho e pela morbidade mínima da área doadora. O terrritório cutâneo do retalho anterolateral da coxa é amplo. Uma área de 25 cm de comprimento por 18 cm de largura de pele pode sobreviver com apenas uma perfurante2; além disso, é possível o fechamento primário da área doadora quando a largura é inferior a 9 cm. Defeitos maiores necessitam de enxertia de pele. Devese sempre preservar várias perfurantes no retalho, se possível, pois embora ampla área de pele possa ser suprida por apenas uma perfurante, elas são extremamente finas e tendem a sofrer trombose rapidamente após o desenvolvimento de congestão3. As vantagens do retalho livre anterolateral da coxa sobre outros retalhos convencionais, são: (1) Pedículo vascular longo (8 a 16 cm) e diâmetro proximal adequado para a anastomose vascular (maior que 2 mm); (2) Pode ser combinado aos músculos reto femoral, vasto lateral, tensor da fáscia lata e com o retalho anteromedial da coxa 3,7 ; (3) Amplo território cutâneo; (4) Geralmente não requer mudança de posição do paciente durante a cirurgia; (5) Reduzida morbidade da área doadora4,5; (6) A espessura e volume do retalho pode ser ajustado de acordo com a extensão do defeito7,8,9,10; e, além disso, (7) o ramo anterior do nervo cutâneo lateral da coxa pode ser incluso para criar um retalho com sensibilidade3,5. As desvantagens do retalho são: (1) Presença de folículos pilosos nos pacientes masculinos; (2) Significativas cicatrizes em áreas doadoras amplas devido à necessidade de enxertia de pele; (3) Relativa dificuldade na dissecção intramuscular de perfurantes miocutâneas e (4) Necessidade de emagrecimento do retalho fasciocutâneo se o paciente apresentar o subcutâneo espesso na região anterior da coxa. Na avaliação da área doadora do retalho anterolateral da cosa, Kuo e col.5 observaram mínimo déficit funcional após a transferência do retalho de perfurantes miocutâneas, enquanto Kimata e col 4 registraram a baixa morbidade do retalho, embora com um pequeno déficit na mobilização do quadril e joelho nos pacientes submetidos a retalhos que incluíam o músculo vasto lateral ou que necessitaram de retalho de maior tamanho, com enxertia de pele na área doadora. Não encontramos déficit funcional em área doadora. Concordamos com Wei e col.7 que afirmam que o retalho livre anterolateral da coxa poderá ser a primeira 144 escolha para reconstrução de extermidades de membros por cirurgiões capacitados num futuro próximo, pois poucos locais no corpo humano disponibilizam de uma grande extensão de pele, músculo e fáscia com tão baixa morbidade da área doadora. CONCLUSÃO O retalho anterolateral da coxa representou uma excelente opção para cobertura de defeitos de extremidades de membros superiores e inferiores. Apresenta tecido relativamente fino, flexível e bem vascularizado para cobertura de tendões e ossos, com ampla disponibilidade cutânea, que permite reconstruções com resultados funcionais e estéticos aceitáveis com o mínimo comprometimento da área doadora. REFERÊNCIAS 1 - Song YG, Chen GZ, Song YL. The free thigh flap: a new free flap concepted based on the septocutaneous artery. Br. J. plast. Surg. 1984 Apr;37(2):149-59. 2 - Koshima I, Fukuda H, Yamamoto H, Moriguchi T, Soeda S, Ohta S. Free anterolateral thigh flaps for reconstruction of head and neck defects. Plast. Reconstr. Surg. 1993 Sep;92:421-8. 3 - Kimata Y, Uchiyama K, Ebihara S, Nakatsuka T, Harii K.. Anatomic variation and technical problems of the anterolateral thigh flap: A report of 74 cases. Plast. Reconstr. Surg. 1998 Oct;102(5):1517-23. 4 - Kimata Y, Uchiyama K, Ebihara S, Sakuraba M, Iida H, Nakatsuka T, et al. Anterolateral thigh flap donor-site complications and morbidity. Plast. Reconstr. Surg. 2000 Sep;106(3):584-9. 5 - Kuo Y-R, Jeng S-F, Kuo M-H, Huang M-NL, Liu Y-T, Chiang Y-C, et al. Free anterolateral thigh flap for extremity reconstruction: Clinical experience and functional assessment of donor site. Plast. Reconstr. Surg. 2001 Jun;107(7):1766-71 6 - Kimura N, Satoh K, Hasumi T, Otsuka T. Clinical application of the free thin anterolateral thigh flap in 31 consecutive patients. Plast. Reconstr. Surg. 2001 Oct;108(5):1197-208. 7 - Wei F-C, Jain V, Celik N, Chen H, Chuang DCC, Lin C-h. Have we found an ideal soft-tissue flap? An experience with 672 anterolateral thigh flaps. Plast. Reconstr. Surg. 2002 Jun;109(7):2219-26. 8 - Hsieh C-H., Yang C-C, Kuo Y-R, Tsai H-H, Jeng S-F. Free anterolateral thigh adipofascial perforator flap. Plast. Reconstr. Surg. 2003 Sep;112(4):976-82. 9 - Adani R, Tarallo L, Marcoccio I, Cipriani R, Gelati C, Innocenti M. Hand Reconstruction Using the Thin Anterolateral Thigh Flap Plast. Reconstr. Surg. 2005 Aug;116(2):467-73. 10 -Yang W, Chiang Y, Wei F, Feng G, Chen K. Thin Anterolateral Thigh Perforator Flap Using a Modified Perforator Microdissection Technique and Its Clinical Application for Foot Resurfacing Plast. Reconstr. Surg. 2006 Mar;117(3):1004-8. Arquivos Catarinenses de Medicina - Volume 36 - Suplemento 01 - 2007