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A LUTA HUMANA CONTRA O Aedes aegypti*
HUMAN FIGHT AGAINST Aedes aegypti
LA LUCHA DEL HUMANO CONTRA Aedes aegypti
Cleidson Morais Silva
Gizelli Santos Lourenço Coutinho
Roberto Sigfrido Gallegos Olea
Resumo: No Brasil, a partir dos anos 60, as mudanças demográficas geradas por intenso êxodo rural
resultaram em crescimento desordenado das cidades. Dois fatores que podem ter colaborado com essa
desorganização são a falta de abastecimento de água, que obriga a um armazenamento muitas vezes
precário e também a ausência de destino adequado do lixo, constituído principalmente por latas, garrafas
plásticas, vidro, pneus velhos, entre outros. Ambos fatores podem ajudar a explicar o ressurgimento do
Aedes aegypti. Atualmente, cerca de 70% dos municípios brasileiros estão infestados pelo mosquito. Este
trabalho faz um breve relato do histórico deste vetor no Brasil, com ênfase nas políticas e programas de
erradicação e controle do Aedes aegypti desde os anos 1600 até hoje.
Palavras-chave: Aedes aegypti. Erradicação. Controle.
Abstract: In Brazil, after the 1960’s, demographic changes caused by an intense rural exodus have resulted in overcrowded cities. Two factors which can have contributed to this disorganization are the lack
of water supply, that causes people to keep it precariously and inadequate trash destination, trash constituted by, chiefly, used cans, plastic and glass bottles, tires, etc. Both factors can help to explain the Aedes
aegypti´s reappearance. Nowadays, about 70% of Brazilian municipilities are infested by Aedes aegypti.
This work presents a brief account of the presence of this vector in Brazil, emphasizing the policies, eradication and control programs for Aedes aegypti, since 1600´s till today.
Keywords: Aedes aegypti. Eradication. Control.
Resumen: En Brasil, a partir de los años 60, los cambios demográficos generados por el intenso éxodo
rural dieron lugar a un crecimiento desordenado de las ciudades. Dos factores que pudieron colaborar con
esa desorganización son la falta de abastecimiento de agua, lo que obliga a un almacenamiento generalmente precario con depósitos improvisados; y también la falta de destino adecuado de la basura, constituida principalmente por latas, botellas de plástico y de vidrio, neumáticos viejos, y otros. Ambos factores
pueden ayudar a explicar el resurgimiento del Aedes aegypti. Actualmente, cerca del 70% de los municipios
brasileños están infectados con el mosquito. Este trabajo hace un relato sucinto de la historia de este vector en el Brasil, enfatizando en las políticas y programas de erradicación y control del Aedes aegypti desde
los años de 1600 a la actualidad.
Palabras clave: Aedes aegypti. Erradicación. Control
1 INTRODUÇÃO
A transmissão e a manutenção de uma
doença na população humana são resultantes do
processo interativo do agente, meio ambiente e
hospedeiro humano. As doenças têm sido descritas como resultantes dessa tríade epidemiológica. O agente é o fator cuja presença é essencial
para a ocorrência da doença; o hospedeiro é o
organismo capaz de ser infectado por um agente,
e o meio ambiente é o conjunto de fatores que interagem com o agente e o hospedeiro. Os vetores
de doenças, como os mosquitos, os carrapatos,
entre outros, são frequentemente envolvidos
neste processo (NEVES, 2005).
Dada a grande importância dos artrópodes
como vetores de infecções virais, foi criado,
em 1942, o termo “arbovírus” que deriva da
expressão inglesa “arthropod borne virus”.
Atualmente, são conhecidos cerca de quinhentos
tipos de arbovírus, dentre os quais, mais de
duzentos são veiculados por mosquitos. Entre os
mais importantes para a saúde pública, podemse citar o vírus da febre amarela, os da dengue
(tipos 1 a 4), das encefalites japonesas, Saint
Louis, equina venezuelana, equina do leste,
equina do oeste, entre outros (BORGES, 2001).
*Artigo recebido em abril 2012
Aprovado em setembro 2012
Cad. Pesq., São Luís, v. 19, n. 3, set./dez. 2012.
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Cledson M. Silva; Gizelli Santos L. Coutinho; Roberto Sigfrido G. Olea
Aedes é um gênero de artrópodes da família
Culicidae, que merece destaque especial por
possuir espécies que são capazes de transmitir o vírus do dengue e da febre amarela. São
originalmente de zonas tropicais e subtropicais. O nome origina-se do grego e significa
desagradável ou odioso, possivelmente devido
às doenças transmitidas pelos insetos deste
gênero. As duas espécies de maior importância epidemiológica devido à transmissão do
dengue são: Aedes aegypti e o Aedes albopictus (NEVES, 2005).
O Aedes aegypti foi erradicado do Mediterrâneo, na década de 50, e de grande parte
das Américas, nos anos 50 e 60. No entanto,
houve reinfestação na maioria das áreas de
onde havia sido erradicado e, hoje, este vetor
é considerado uma espécie “cosmotropical”,
observando-se que sua capacidade de adaptação está se ampliando, pois, em 1987, foi
registrada a sua sobrevivência em áreas situadas a 1.200 metros acima do nível do mar.
Além disso, ao contrário do que se pensava
anteriormente, o A. aegypti tem a capacidade
de fazer ingestões múltiplas de sangue durante
um único ciclo gonadotrófico, o que amplia a
sua possibilidade de se infectar e de transmitir
os vírus (TEXEIRA; BARRETO; GUERRA, 1999).
O Aedes albopictus é uma espécie oriunda
das selvas asiáticas e até recentemente restrita àquele continente. Nos últimos quatorze
anos, em consequência do intenso comércio
intercontinental de pneus por intermédio dos
transportes marítimos, disseminou-se para as
Américas, sendo incialmente detectado nos
Estados Unidos, em 1985, onde já está presente em 25 estados. Logo depois, em 1986,
foi identificado no Brasil, já tendo se disseminado para 1.465 municípios distribuídos em
14 unidades federadas. Atualmente, está presente também em mais seis países da América
Central e do Sul, na Nigéria (Continente africano), em algumas Ilhas do Pacífico e no Sul da
Europa (TEXEIRA; BARRETO; GUERRA, 1999).
A dengue é uma arbovirose que se tornou
um grave problema de saúde pública no Brasil,
assim como em outras regiões tropicais do
mundo. É de transmissão essencialmente
urbana, ambiente no qual se encontram todos
os fatores fundamentais para sua ocorrência:
o homem, o vírus, o vetor e principalmente as
condições políticas, econômicas e culturais que
formam a estrutura que permite o estabelecimento da cadeia de transmissão (MARZOCHI,
1994). O crescimento urbano propicia grande
fonte de indivíduos suscetíveis e infectados
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concentrados em áreas restritas. Este fato,
associado às condições precárias de saneamento básico, moradia inadequada e fatores
culturais e educacionais proporcionam condições ecológicas favoráveis à transmissão dos
vírus da dengue (LINES et al., 1994) pelo mosquito Aedes aegypti, seu principal vetor, que
se adaptou perfeitamente a esse ambiente,
através do processo conhecido como domiciliação (FORATTINI, 2002).
A febre amarela também é uma arbovirose, sendo uma causa importante de morbidade
e alta letalidade em vastas zonas das regiões
tropicais da África e das Américas. O Brasil
possui a maior área enzoótica de febre amarela
do mundo, abrangendo cerca de 5 milhões de
km2, correspondendo à região da bacia amazônica, que inclui as unidades da federação da
região Norte e Centro-Oeste e a pré-amazônia
maranhense. (BRASIL, 1999).
A febre amarela possui dois ciclos de
transmissão: o urbano e o silvestre. No primeiro, o vírus é introduzido no ciclo pelo
homem em período de viremia. Ao ser picado
pelo Aedes aegypti, este vetor se torna infectado, passa pelo período de incubação
extrínseca e irá transmitir o vírus a outras
pessoas susceptíveis. Já no ciclo silvestre,
através da picada de mosquitos Haemagogus, o vírus circula entre os macacos que,
no período de viremia, ao serem picados
pelos mosquitos silvestres, lhes repassam
o vírus. O homem susceptível se infecta ao
penetrar na mata e ser picado acidentalmente por mosquitos infectados. As formas
urbanas ou silvestres diferem apenas epidemiologicamente, não existindo diferenças
etiológicas, clínicas histopatológicas ou laboratoriais (BRASIL, 2001a).
A partir do século XVII, essa doença
dizimou vidas em extensas epidemias nesses
dois continentes. No início deste século, o desenvolvimento de vacinas eficazes e a erradicação do vetor urbano, Aedes aegypti, alentaram por algum tempo a esperança de que
a doença desapareceria, pelo menos no Novo
Mundo. No entanto, apesar dos trabalhos realizados durante várias décadas, continuaram
sendo registrados casos esporádicos em populações rurais não imunes, em decorrência do
ciclo silvestre de transmissão da febre amarela.
É uma doença febril aguda, de curta duração
(no máximo 12 dias) e de gravidade variável,
caracterizando-se clinicamente por manifestações de insuficiência hepática e renal, que
podem levar à morte (BRASIL, 1999).
Cad. Pesq., São Luís, v. 19, n. 3, set./dez. 2012.
A luta humana contra o Aedes aegypti
É possível reduzir as dimensões das
epidemias, aprimorando o sistema de vigilância
epidemiológica, detectando mais precocemente
os surtos da doença e respondendo mais
efetivamente ao combate do vetor infectado,
quando presente apenas em áreas restritas das
grandes e médias cidades brasileiras. Tornase muito difícil, na presença do A. aegypti,
mesmo em níveis baixos de infestação, evitarse casos de dengue, pois a entrada do vírus,
numa área infestada, por meio de portadores
é praticamente impossível. Realisticamente, a
eliminação desse vetor das grandes e médias
cidades parece inexequível nos dias de hoje,
considerando toda a complexidade da vida
urbana (TAUIL, 2002).
2 CICLO DE VIDA DO GÊNERO Aedes
O Manual de Normas Técnicas sobre o
combate ao vetor da dengue, elaborado pela
Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), descreve a biologia dos vetores do gênero Aedes.
O A. aegypti, nome dado por Linnaeus em
1762 e também o A. albopictus, nome dado
por Skuse em 1894, pertencem ao RAMO Arthropoda (pés articulados); CLASSE Hexapoda (três pares de patas); ORDEM Diptera (um
par de asas anterior funcional e um par posterior transformado em halteres); FAMÍLIA
Culicidae; GÊNERO Aedes. (BRASIL, 2001a).
O A. aegypti é uma espécie tropical e subtropical, encontrada em todo mundo, entre
as latitudes 35ºN e 35ºS. Embora a espécie
tenha sido identificada até a latitude 45ºN,
tem sido encontrado esporadicamente apenas
durante a estação quente, não sobrevivendo
ao inverno.
A distribuição do A. aegypti também é limitada pela altitude. Embora não seja usualmente encontrado acima dos 1.000 metros,
já foi referida sua presença a 2.200 metros
acima do nível do mar, na Índia e na Colômbia. Por sua estreita associação com o
homem, o A. aegypti é, essencialmente, mosquito urbano, encontrado em maior abundância em cidades, vilas e povoados. Entretanto,
no Brasil, México e Colômbia, já foi localizado
em zonas rurais, provavelmente transportado
de áreas urbanas em vasos domésticos, onde
se encontravam ovos e larvas.
Os mosquitos se desenvolvem através de
metamorfose completa, e o ciclo de vida do A.
aegypti compreende quatro fases: ovo, larva
(quatro estágios larvários), pupa e adulto
(Figura 1).
Cad. Pesq., São Luís, v. 19, n. 3, set./dez. 2012.
Figura 1 - Ciclo de vida do A. aegypti
Fonte: Brasil (2006).
2.1 Ovo
Os ovos do A. aegypti medem, aproximadamente, 1mm de comprimento e contorno
alongado e fusiforme. São depositados pela
fêmea, individualmente, nas paredes internas
dos depósitos que servem como criadouros,
próximos à superfície da água. No momento
da postura, os ovos são brancos, mas, rapidamente, adquirem a cor negra brilhante (FORATTINI, 2002).
A fecundação se dá durante a postura e o
desenvolvimento do embrião se completa em
48 horas, em condições favoráveis de umidade
e temperatura. Uma vez completado o desenvolvimento embrionário, os ovos são capazes
de resistir a longos períodos de dessecação,
que podem se prolongar por mais de um ano.
Essa capacidade de resistência dos ovos de
A. aegypti à dessecação é um sério obstáculo
para sua erradicação (BRASIL, 2001a).
2.2 Larva
A fase larvária é o período de alimentação
e crescimento. O alimento é o material orgânico acumulado nos depósitos. Há quatro estágios
evolutivos, cuja duração depende da temperatura, disponibilidade de alimento e densidade das
larvas no criadouro. Em condições ótimas, da
eclosão à pupação leva cinco dias. Contudo, em
condições adversas, o 4º estágio larvário pode
durar várias semanas. A larva possui cabeça,
tórax e abdômen. O abdômen é dividido em
oito segmentos. O segmento posterior e anal do
abdômen tem quatro brânquias lobuladas para
regulação osmótica e um sifão ou tubo de ar
para a respiração, em posição vertical, na superfície da água. O sifão é curto, grosso e mais
escuro que o corpo. É sensível a movimentos
bruscos na água e, sob feixe de luz, desloca-se
com rapidez, buscando refúgio no fundo do recipiente devido à fotofobia (BRASIL, 2001a).
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Cledson M. Silva; Gizelli Santos L. Coutinho; Roberto Sigfrido G. Olea
2.3 Pupa
As pupas não se alimentam. É nesta fase
que ocorre a metamorfose do estágio larval
para o adulto. Quando inativas, se mantêm na
superfície da água, flutuando, o que facilita a
emergência do inseto adulto. O estado pupal
dura, geralmente, de dois a três dias. A pupa é
dividida em cefalotórax e abdômen. A cabeça
e o tórax são unidos, constituindo a porção
chamada cefalotórax, o que dá à pupa, vista
de lado, a aparência de uma vírgula (BRASIL,
2001a).
2.4 Adulto
O adulto de A. aegypti representa a fase reprodutora do inseto. Como ocorre com grande
parte dos insetos alados, o adulto representa
importante fase de dispersão. Entretanto, com
o A. aegypti é provável que haja mais transporte passivo de ovos e larvas em recipientes
do que dispersão ativa pelo inseto adulto. O
A. aegypti é escuro, com faixas brancas nas
bases dos segmentos tarsais e um desenho
em forma de lira no mesonoto. O macho se
distingue essencialmente da fêmea por possuir
antenas plumosas e palpos mais longos. Logo
após emergir do estágio pupal, o inseto adulto
procura pousar sobre as paredes do recipiente,
assim permanecendo durante várias horas, o
que permite o endurecimento do exoesqueleto, das asas e, no caso dos machos, a rotação
da genitália em 180º (BRASIL, 2001a).
Dentro de 24 horas, após, emergirem,
podem se acasalar, o que vale para ambos
os sexos. O acasalamento geralmente se dá
durante o vôo, mas, ocasionalmente, pode se
dar sobre uma superfície, vertical ou horizontal.
Uma única inseminação é suficiente para fecundar todos os ovos que a fêmea venha a produzir
durante sua vida. As fêmeas se alimentam mais
frequentemente de sangue, servindo como
fonte de repasto a maior parte dos animais
vertebrados, mas mostram marcada predileção
pelo homem (antropofilia) (BRASIL, 2001a).
O repasto sanguíneo das fêmeas fornece
proteínas para o desenvolvimento dos ovos.
Ocorre quase sempre durante o dia, nas primeiras horas da manhã e ao anoitecer. O macho e
as fêmeas se alimentam da seiva das plantas.
Em geral, a fêmea faz uma postura após cada
repasto sanguíneo. O intervalo entre a alimentação sanguínea e a postura é, em regra, de
três dias, em condições de temperatura satisfatórias. Com frequência, a fêmea se alimenta
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mais de uma vez, entre duas sucessivas posturas, em especial quando perturbada antes
de totalmente ingurgitada (cheia de sangue).
Este fato resulta na variação de hospedeiros,
com disseminação do vírus a vários deles. A
oviposição se dá mais frequentemente no fim
da tarde. A fêmea grávida é atraída por recipientes escuros ou sombreados, com superfície áspera, nas quais deposita os ovos. Prefere
água limpa e cristalina ao invés de água suja
ou poluída por matéria orgânica. A fêmea
distribui cada postura em vários recipientes
(BRASIL, 2001a).
É pequena a capacidade de dispersão do A.
aegypti pelo voo. Entretanto, já foi demonstrado que uma fêmea grávida pode voar até 3 Km
em busca de local adequado para a oviposição.
A dispersão a grandes distâncias se dá, geralmente, como resultado do transporte dos ovos
e larvas em recipientes. Quando não estão em
acasalamento, procurando fontes de alimentação ou em dispersão, os mosquitos buscam
locais escuros e quietos para repousar. A domesticidade do A. aegypti é ressaltada pelo
fato de que ambos os sexos são encontrados
em proporções semelhantes dentro das casas
(endofilia). O A. aegypti, quando em repouso,
é encontrado nas habitações, nos quartos de
dormir, nos banheiros e na cozinha e, só ocasionalmente, no peridomicílio. Quando o A.
aegypti está infectado pelo vírus do dengue
ou da febre amarela, pode haver transmissão
transovariana, de maneira que, em percentual
variável, as fêmeas filhas de um espécime portador nascem já infectadas. (BRASIL, 2001a).
3 TRANSMISSORES SILVESTRES
Os mosquitos que transmitem a febre
amarela silvestre pertencem aos gêneros Haemagogus (Haemagogus janthinomys, Haemagogus leucocelaenus, Haemagogus capricornii,
Haemagogus spegazzinii) e Sabethes (Sabethes cloropterus). Alguns Aedes silvestres
(Aedes scapularis, Aedes fluviatilis, e outros)
que, em laboratório, têm demonstrado capacidade de transmissão, não foram, contudo,
encontrados naturalmente infectados. Os Haemagogus são mosquitos com hábitos selváticos. Seus focos são encontrados quase sempre
em cavidades de árvores no ambiente silvestre
(BRASIL, 2001a).
4 HISTÓRICO EPIDEMIOLÓGICO
A primeira epidemia de febre amarela
tomou lugar em Recife no ano de 1685. A hiCad. Pesq., São Luís, v. 19, n. 3, set./dez. 2012.
A luta humana contra o Aedes aegypti
pótese é a de que um barco vindo de São Tome
(África) com escala em São Domingos, nas
Antilhas, onde grassava a enfermidade, tenha
trazido a doença. Nesse período não se conhecia a existência de microorganismos e doenças
vetoriais, pois imperava a Teoria Miasmática, que acreditava que o ambiente produzia
miasmas, responsáveis pelo surgimento das
doenças (CHERNOVIZ, 1890).
Para combater as doenças miasmáticas, os
médicos higienistas propunham a expulsão dos
equipamentos insalubres, um novo recorte do
espaço urbano, a reorganização do espaço doméstico e medidas de saneamento — higiene
total, limpeza profunda do meio físico e social
(CHERNOVIZ, 1890).
Assim a primeira campanha profilática já
feita no Brasil visava combater os miasmas.
João Ferreira da Rosa era o médico responsável pela implementação das medidas, em idos
de 1891, as quais foram:
a) atacar a infecção do ar – medidas: purificação por meio de quarentena de fogo
em todas as ruas. Deveriam ser acesas
fogueiras com ervas cheirosas, durante
trinta dias. Lançavam-se no fogo ramos
de murta, incenso, almécega, bálsamo,
óleo de copaíba e galhos de aroeira e de
erva-cidreira;
b) purificação das casas – medidas: as
janelas seriam abertas e as casas
limpas. Em caso de morte de alguém,
elas deveriam ser caiadas de dia e de
noite e, de portas fechadas, seriam
querimados defumadores;
c) limpeza das ruas – medidas: o lixo
deveria ser atirado ao rio;
d) colchões, roupas e lençóis – medidas:
exposição ao ar, por trinta a quarenta dias, dos colchões, especialmente as
esteiras que serviram aos doentes, mas
o melhor era queimá-los; a lavagem de
suas roupas nunca menos de duas ou
três vezes seguidas, e as que não pudessem ser lavadas expostos 40 dias ao ar;
e) doentes – medidas: deveriam ser segregados para longe da povoação. Os
sepultamentos seriam afastados, em
covas com mais de cinco palmos de
profundidade e sobre elas se fariam fogueiras durante três dias e em seguida
seriam ladrilhadas, para evitar a saída
de “vapores”;
Cad. Pesq., São Luís, v. 19, n. 3, set./dez. 2012.
f) instituiu-se a polícia sanitária do porto,
sendo feita a relação e inspeção de toda
a gente de bordo e o internamento dos
doentes.
4.1 Primeira epidemia no Rio de Janeiro
O A. aegypti se instalou no Rio de Janeiro
em 1849, provocando a primeira epidemia da
doença naquele estado, que acometeu mais
de 9.600 pessoas e com o registro de 4.160
óbitos. A origem se deve a uma tripulação de
nove homens, proveniente de Salvador para
o Rio de Janeiro na barca norte-americana
“Navarre” (FRANCO, 1969).
Naquele momento foi realizada a segunda
campanha profilática contra a febre amarela no
Brasil, cujas medidas foram normatizadas pelo
Regulamento Sanitário que, em vários pontos,
assemelhou-se às recomendações feitas por Ferreira da Rosa, em 1691: acendimento de grandes
fogueiras nas praças, a limpeza das ruas, enterramentos em lugares afastados da cidade e em
covas profundas, etc. (FRANCO, 1969).
4.2 Primeira campanha voltada ao controle vetorial
No início do século XX, a teoria miasmática
havia sido suplantada pela teoria germinal. O
médico cubano Carlos Finlay comprovou, em
1881, que a febre amarela era transmitida
pelo A. aegypti, porém houve muita discussão
sobre a real causa da doença no Brasil (FARIA,
2010).
Coube a Emílio Ribas a primazia da campanha contra o Culex taeniatus, hoje Aedes
aegypti, visando à profilaxia da febre amarela.
Suas primeiras campanhas aconteceram em
Ribeirão Preto, São Simão e Sorocaba, entre
1902 e 1903, tendo relacionado sete as providências a serem tomadas (FRANCO, 1969):
a) evitar, por todos os meios, as águas estagnadas nas habitações e seus arredores;
b) quando, de momento, não for possível
a primeira providência por embaraço
material, deve-se lançar mão do querosene (de mistura em partes iguais com
alcatrão), derramando-se sobre a água
estagnada 10 centímetros cúbicos da
mistura por metro quadrado, com o fim
de matar as larvas;
c) p
roteção dos doentes e principalmente dos primeiros casos aparecidos em
uma localidade, por meio de cortinados;
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Cledson M. Silva; Gizelli Santos L. Coutinho; Roberto Sigfrido G. Olea
d) uso dos conhecidos pós-inseticidas,
procurando-se, enfim, extinguir por
todos os meios práticos as espécies encontradas em domicílio;
e) proteger as habitações contra os mosquitos por meio de telas de pano nas
janelas e outras aberturas, e de uma
tela metálica que feche, automaticamente, a porta principal da casa,
com o fim de evitar a entrada destes
insetos nas habitações, em ocasiões
de epidemias;
f) u
ma casa em que tenha havido casos
de febre amarela deve ser evitada, sobretudo enquanto não sofrer a ação dos
pós-inseticidas;
g) as autoridades sanitárias devem proteger contra os mosquitos, nos Hospitais
de Isolamento, os pavilhões destinados aos doentes acometidos de febre
amarela, máxime em zonas em que
abunde o mosquito e o Hospital fique
próximo dos grandes centros povoados.
4.3 Campanhas de Oswaldo Cruz em
1903 e a epidemia de 1928 e 1929
No Rio de Janeiro, em 1903, Oswaldo Cruz
foi nomeado Diretor-Geral de Saúde Pública
e realizou campanha voltada para o combate
do vetor através das brigadas sanitárias. As
recomendações eram as seguintes (FRANCO,
1969):
a) na fase larval - "Vasilhas cheias de água
que contivessem larvas deviam ser despejadas e as larvas expostas ao sol; nas vasilhas que não pudessem ser despejadas,
devia-se derramar querosene ou creolina,
assim as larvas morreriam por asfixia”.
b) na fase alada - dentro das casas queimar pó-da-pérsia, folhas de eucalipto, fumo ou enxofre a portas fechadas.
À medida que novos experimentos foram
realizados, o método de pulverização suplantou o de queimar pó, folhas ou enxofre. Os primeiros inseticidas utilizados foram à base de
querosene e sua aspersão foi feita, primeiramente, por meio de bombas manuais, seguindo depois a pulverização através de compressores (FRANCO, 1969).
Diversos inseticidas foram utilizados como
o Flit, o Stegol (mistura de píretro, xilol,
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cresol, salicilato de metila em querosene) e,
também, os da série P1, P3, P4, P5, P7 (à
base de querosene, salicilato de metila e tetracloreto de carbono em proporções diversas).
Depois de cuidadosas experiências foi adotada
uma fórmula composta de píretro, tetracloreto
de carbono e querosene, sendo desde então
rejeitado, em definitivo, o velho processo do
expurgo com enxofre (FRANCO, 1969).
4.4 Campanhas de erradicação do Aedes
aegypti
Com o incentivo da Fundação Rockefeller,
nas décadas de 1930 e 1940, foram executadas intensas campanhas de erradicação de A.
aegypti nas Américas. Entre os anos de 1923
e 1940, essa Fundação atuou contra a febre
amarela nas cidades litorâneas do Nordeste,
exatamente como vinha executando em outros
países. Essa campanha, a partir de um acordo
com o Departamento Nacional de Saúde
Pública (DNSP), conferia àquela organização
norte-americana a responsabilidade exclusiva
pela eliminação do A. aegypti (LÖWY, 1999).
Os guardas, rotineiramente, uma vez por
semana, visitavam todas as casas, eliminando
os focos encontrados e tomando providências
para evitar a formação de novos focos. Os depósitos com focos de mosquitos eram obrigatoriamente petrolizados, ao invés de a água
ser apenas derramada ou coada, como fora
feito anteriormente (FRANCO, 1969).
O serviço antiestegômico foi, em seguida,
instalado nos principais portos marítimos,
de Salvador a Belém, e no porto fluvial de
Manaus. Ocupavam-se aqueles artigos do isolamento dos doentes, do expurgo dos domicílios, da destruição dos focos de mosquitos,
da aplicação de inseticidas (querosene, óleo
de eucalipto etc.), tudo semelhante às instruções do Regulamento do Serviço de Profilaxia
da Febre Amarela elaborado por Osvaldo Cruz,
em 1904. A finalidade do combate ao mosquito transmissor era obter o índice negativo
nas grandes cidades, com o que acreditavam
poder erradicar a doença. Porém, era uma
tarefa difícil, impossível às vezes, a obtenção
desse índice com a técnica de trabalho então
adotada (FRANCO, 1969).
Embora usando somente o petróleo e combatendo o A. aegypti apenas na fase larvária,
conseguiu eliminá-lo totalmente do Espírito
Santo (1938), Paraná (1938), Goiás (1939) e
do Território de Roraima, onde o último foco foi
encontrado em dezembro de 1940. Ficara falCad. Pesq., São Luís, v. 19, n. 3, set./dez. 2012.
A luta humana contra o Aedes aegypti
tando, porém, um plano objetivando, especificamente, a erradicação do A. aegypti de todo
o país (FRANCO, 1969).
4.5 Serviço Nacional de Febre Amarela
(SNFA) e erradicação da febre amarela
O SNFA iniciou trabalho visando à erradicação do A. aegypti em todo o território nacional. Pelo novo método de trabalho adotado
desde outubro de 1940, era feito o combate
ao estegomia nas suas fases ovular, larvária,
pupária e alada. O ovo do estegomia, resistindo à dessecação por longo período de tempo,
era responsável pela reinfestação de postos
antilarvários e tinha, também, grande influência no transporte e disseminação do mosquito,
dado os hábitos migratórios das populações
nordestinas. Foi adotado, então, o sistema de
flambagem das paredes internas dos depósitos encontrados com foco, sempre que possível, empregando-se para isto um pano aceso
previamente molhado na mistura larvicida.
Quanto aos focos de larvas ou de ninfas, eram
eles tratados com a mistura de óleos Diesel e
Fuel, nas proporções de 75% e 25%, respectivamente. (FRANCO, 1969).
O combate à fase alada era feito com a
aplicação de inseticida, por meio de bombas
aspersoras manuais, no interior das casas
onde era encontrado foco de estegomia, e naquelas que estivessem dentro de um raio de
100 metros, em torno da casa com foco. Era
empregado o "PTQ", à base de pirocide, tetracloretro de carbono e querosene. Os postos
eram trabalhados em ciclo de 28 dias, que se
mostrou tecnicamente satisfatório. Foi então
que, baseado nos hábitos domésticos do estegomia no Brasil, Dr. Otávio Pinto Severo idealizou um novo método de aplicação do inseticida, que denominou perifocal ou preferencial.
O método consiste na aplicação do inseticida
de ação residual por meio de bomba aspersora manual, nas partes internas e externas
de todos os depósitos com ou sem foco de A.
aegypti, inclusive nos depósitos sem água,
existentes dentro ou nas proximidades das
casas, assim como nos móveis e nas paredes
perto do local onde se encontrem os depósitos
(FRANCO, 1969).
Este método misto de combate às formas
aquática e alada do estegomia, favorecido
pela extrema suscetibilidade que apresentava
ainda o mosquito ao Dicloro Difenil Tricloroetano (DDT), proporcionou resultados superiores
aos que haviam sido até então conseguidos.
Cad. Pesq., São Luís, v. 19, n. 3, set./dez. 2012.
Esta emulsão, com um teor de 30% de DDT,
era transportada pelos guardas em um depósito de 2 litros. Com ela era preparada a
emulsão secundária a 2,5%, diretamente na
bomba aspersora, no momento de aplicá-la
(FRANCO, 1969).
De fato o DDT aplicado segundo o método
perifocal conseguiu eliminar, em maior rapidez,
o mosquito das áreas infestadas, sendo o
último foco de A. aegypti no Brasil encontrado no dia 2 de abril de 1955, na zona rural
do município de Santa Terezinha, no Estado da
Bahia. Entretanto, entre 1967 e 1973, houve
reinfestações, com nova eliminação neste ano
(NOBRE; ANTEZANA; TAUIL, 1994).
Em 1956, foi criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERu), órgão que
assumiu as ações de combate à febre amarela
e à malária, incorporando o Serviço Nacional
de Febre Amarela e a Campanha de Erradicação da Malária (BRASIL, 1980).
Em 1976, entretanto, o A. aegypti retornou ao Brasil, em função de falhas na vigilância epidemiológica e de mudanças sociais e
ambientais decorrentes da urbanização acelerada dessa época. Foram confirmadas reinfestações nos Estados do Rio Grande do Norte e
do Rio de Janeiro (BRASIL, 2003).
Nesse período, a vigilância entomológica
do A. aegypti deixou de ser prioridade, a estrutura do programa de erradicação foi sendo
paulatinamente desmontada e as reinfestações das grandes cidades coincidiram com um
momento de grandes restrições dos recursos
destinados aos programas de Saúde Pública,
tanto no Brasil como em grande parte dos
países latino americanos. Esta limitação e a
crença na benignidade da dengue fizeram com
que a estratégia de erradicação dos programas de combate vetorial fosse substituída, em
1985, pela de controle (ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE, 1995).
Quanto ao uso de inseticida, observase que, após a década de 70, o uso de DDT
começou a declinar, devido a sua toxicidade,
contaminação ambiental, mortandade de aves,
contaminação de peixes e possíveis efeitos
carcinogênicos no homem. Outras classes de
inseticidas foram desenvolvidas, substituindo o
DDT, como os organofosforados, carbamatos e
piretróides (D'AMATO; TORRES; MALM, 2002;
NEVES, 2005).
Em abril de 1990, a Fundação Nacional
de Saúde (FUNASA) foi criada e passou a ser
responsável pela coordenação das ações de
controle da dengue. Em 1996, o Ministério da
111
Cledson M. Silva; Gizelli Santos L. Coutinho; Roberto Sigfrido G. Olea
Saúde elaborou o Plano de Erradicação do A.
aegypti (PEAa), cuja principal preocupação
residia nos casos de dengue hemorrágica, que
podem levar à morte. O Plano, que previa ação
integrada com vários outros ministérios, foi dividido em nove áreas de atuação, denominadas Componentes (BRASIL, 2001b).
À medida que a implementação do SUS
passou a ser levada a cabo, as ações de controle vetorial passaram a ser descentralizadas
para os municípios e estado. Tal atribuição
não pertencia ao acervo tradicional das atividades da maioria dos estados e municípios, o
que causou queda considerável na qualidade
da prestação do serviço de controle vetorial
(TAUIL, 2006).
Acredita-se que as principais causas do
fracasso do PEAa tenham sido a não-universalização das ações em cada município e a
descontinuidade na execução das atividades
de combate ao vetor. Apesar de todos esses
problemas, na prática, o PEAa contribuiu para
fortalecer o combate ao A. aegypti (BRASIL,
2001b).
As dificuldades desse processo de erradicação do mosquito, de modo descentralizado,
levou a FUNASA a abandonar oficialmente a
meta de erradicar A. aegypti do país em julho
de 2001 e passou a trabalhar com o objetivo
de apenas controlar o vetor. Foi implantado o
Plano de Intensificação das Ações de Controle
da Dengue (PIACD), que focalizou as ações em
municípios com maior transmissão da doença,
considerados prioritários, escolhidos entre
aqueles com infestação por A. aegypti e registro de transmissão de dengue nos anos de
2000 e 2001 (BRASIL, 2001b).
É importante notar que não há experiência no mundo de eliminação de um vetor de
doença realizada de forma descentralizada,
com direção única em cada nível de governo, a
exemplo do preconizado pelo Sistema Único de
Saúde brasileiro. Muito ainda precisa ser feito
para a aquisição de uma estratégia efetiva de
combate ao vetor do dengue de forma descentralizada (TAUIL, 2002).
Em 2002, foi implantado o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD), que dá
continuidade a algumas propostas do PIACD
e enfatiza a necessidade de mudanças nos
modelos anteriores, inclusive em alguns aspectos essenciais, como:
a) a elaboração de programas permanentes, pois não há evidência de erradicação do mosquito a curto prazo;
112
b) desenvolvimento de campanhas de informação e de mobilização da população;
c) fortalecimento da vigilância epidemiológica e entomológica;
d) melhoria da qualidade do trabalho de
campo no combate ao vetor;
e) integração das ações de controle da
dengue na atenção básica;
f) utilização de instrumentos legais que
facilitem o trabalho do poder público na
eliminação de criadouros em imóveis
comerciais, casas abandonadas etc.;
g) atuação multissetorial, no fomento
à destinação adequada de resíduos
sólidos e à utilização de recipientes
seguros para armazenagem de água;
h) desenvolvimento de instrumentos mais
eficazes de acompanhamento e supervisão das ações desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, Estados e Municípios
(BRASIL, 2001b).
5 DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Discussões sobre o controle da dengue
apontam para a necessidade de maiores investimentos em metodologias adequadas, para
sensibilizar a população sobre a necessidade de
mudanças de comportamento que objetivem o
controle do vetor; e no manejo ambiental, incluindo a ampliação do foco das ações de controle racional de vetores, para minimizar a utilização de inseticidas e, dessa forma, garantir maior
sustentabilidade às ações (TEIXEIRA; BARRETO;
GUERRA, 1999; SCHOLTE et al., 2010).
Estudos que associam os fatores de pluviosidade, índice de infestação predial e o número
dos casos de dengue não são frequentes. No
entanto, já foi demonstrada maior incidência
de dengue na estação chuvosa e nas altas
temperaturas, quando aumentam a longevidade do Aedes aegypti e a possibilidade de transmissão (SOUZA; SILVA;SILVA, 2010).
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