VIAGENS NO CÉREBRO UM Projeto do Centro De Neurociências e Biologia Celular (CNC) da Universidade de Coimbra Coordenação e Texto: João Ramalho-Santos e Sara Varela Amaral O cérebro é o nosso órgão mais complexo. Define quem somos, e o modo como descobrimos o mundo. Mas ainda permanece muito desconhecido, e um dos grandes focos da investigação Biomédica no Século XXI. Desenhos: André Caetano No cérebro organizam-se as múltiplas funções de que precisamos para viver, e apreciar a vida. Mantê-lo funcional implica trabalhos de manutenção constantes, e um gasto energético considerável. Com a participação dos Investigadores: Ana Cristina Rego, Ana Luísa Carvalho, Ana Rita Álvaro, Carla Lopes, Carlos Duarte, Cláudia Cavadas, Cláudia Pereira, João Peça, Luana Naia, Luís Pereira de Almeida, Nuno Empadinhas, Paula Moreira, Paulo Pinheiro, Ramiro Almeida, Ricardo Rodrigues, Sandra morais Cardoso, Sandra Mota além de outros tipos de células, o cérebro tem cerca de cem mil milhões de neurónios, que estabelecem ligações entre si. O cientista espanhol Santiago Ramón y Cajal (1852-1934) foi o primeiro a identificar esta rede complexa para transmissão e processamento de informação. Para um desenvolvimento normal, o número correto de neurónios deve ser formado, e as células têm de se deslocar para regiões cerebrais. Nem a mais nem a menos, e tudo no sítio certo. Os neurónios interagem através de sinapses, em que uma célula liberta sinais (os neurotransmissores) que são interpretados pela célula seguinte. A libertação destes sinais químicos é iniciada por sinais elétricos que viajam ao longo dos neurónios. essas ligações não são imutáveis, e podem formar-se novas conexões entre neurónios ao longo da vida. Esta plasticidade sináptica está na base dos comportamentos. Não é fácil estudar o cérebro. Somos muito distintos de roedores, e não se podem fazer ensaios em humanos, a não ser que uma lesão revele as funções da região cerebral em que ocorreu. Um exemplo foi a dificuldade em reter e organizar memórias sofrida por Henry Molaison (1926-2008), conhecido como Paciente HM, após uma intervenção cirúrgica Para debelar a sua epilepsia. Neste mapeamento da função de diferentes regiões cerebrais e comunicação entre elas, teve um papel importante o neurocientista português António Egas Moniz (1874-1955) que venceu o prémio Nobel da Fisiologia e Medicina em 1949. Estima-se que possam existir mais de 100 Biliões de sinapses ligando neurónios no cérebro, com uma capacidade de armazenamento de até 1000 terabytes. Uma das áreas mais fascinantes de investigação em Neurociências diz respeito aos circuitos neuronais envolvidos em comportamentos sociais complexos, cruzando perspetivas interdisciplinares. hábitos alimentares, exercício (físico e mental), e um sono regular são fundamentais para manter uma boa atividade cerebral. Uma comunicação comprometida entre os neurónios acontece nas disfunções neuro-psiquiátricas como Autismo, Esquizofrenia ou Hiperatividade… A investigação de fronteira nesta área inclui também uma relação entre o intestino e o cérebro, em que a proporção entre bactérias patogénicas e benéficas pode afetar a atividade cerebral, através do nervo vago. As doenças Neurodegenerativas afetam pacientes de maneiras muito distintas. Daí a importância da investigação em Biomarcadores (substâncias detetadas no sangue, saliva, urina, fluidocefalorraquidiano) que possam prever o aparecimento e progressão de doenças, bem como monitorizar a terapêutica. É o que sucede nas doenças de Parkinson, Alzheimer, Huntington ou Machado-Joseph, muitas vezes com uma forte componente genética familiar. E até influenciar a progressão de patologias como a doença de Parkinson. Impedir a morte de neurónios, controlar a formação de agregados, ou repor a função mitocondrial são algumas das estratégias terapêuticas em doenças do cérebro, que também incluem o controlo de processos inflamatórios. ou nas doenças neurodegenerativas como Alzheimer, Parkinson, Huntington ou Machado-Joseph, em que a causa principal das falhas na comunicação é a própria morte dos neurónios. Mas tudo que ajude a exercitar este órgão pode ser útil. Um sistema de controlo de qualidade é essencial no cérebro. A formação e deposição de agregados proteicos nos neurónios está relacionada com morte celular, e com problemas cognitivos e motores. Quando há uma componente genética pode vir a ser possível aplicar terapia génica, em que se introduz uma cópia normal para substituir um gene alterado ou se limita a sua atividade. Outro ponto sensível é a energia disponível para a atividade cerebral, produzida por mitocôndrias, as “centrais energéticas da célula”. Danos nestas estruturas também estão envolvidos em neurodegeneração, algo que pode ser agravado por patologias como a Diabetes. A investigação em Neurociências promete revelar muito mais sobre o cérebro nas próximas décadas, proporcionando viagens inéditas a novas gerações de investigadores . Mas é bom recordar que o potencial imenso deste órgão está presente em cada um de nós. E deve ajudar-nos diariamente a encontrar os equilíbrios para um futuro melhor. BRAIN VOYAGES WITH THE PARTICIPATION OF THE RESEARCHERS: A project developed by the Center for Neuroscience and Cell Biology (CNC) of the University of Coimbra, Portugal Ana Cristina Rego, Ana Luísa Carvalho, Ana Rita Álvaro, Carla Lopes, Carlos Duarte, Cláudia Cavadas, Cláudia Pereira, João Peça, Luana Naia, Luís Pereira de Almeida, Nuno Empadinhas, Paula Moreira, CoordINATION AND Text: ART: Paulo Pinheiro, Ramiro Almeida, Ricardo Rodrigues, Sandra morais Cardoso, Sandra Mota João Ramalho-Santos e Sara Varela Amaral André Caetano The brain is our most complex organ. It defines who we are and how we discover the world. But it remains largely unknown, and is one of the great challenges in Biomedical research for the 21rst Century. The many functions that we rely on to live, and appreciate life, are organized by the brain. Keeping it functional implies constant maintenance, and consumes large amounts of energy.. Besides other cell types, the brain is made up by around one hundred billion interconnected neurons. The Spanish Researcher Santiago Ramón y Cajal (1852-1934) was the first to identify this complex network that transmits and processs information. For normal development, a precise number of neurons must be formed, which then migrate to distinct brain regions. No more, no less; and all in the right place. Neurons connect each other via synapses, with one cell releasing chemical signals called neurotransmitters that are interpreted by the following cell. Neurotransmitter release is controlled by electric currents that travel along neurons. These connections between neuros are not totally fixed, and can be rearranged throughout life. This synaptic plasticity underlies different types of behaviors. Studying the brain is not easy. We are very different from rodents, and human experimentation is impossible, unless a lesion can suggest the function of the brain region where it occurred. One well-known example is the case of Henry Molaison (1926-2008), known as Patient HM. After a surgery performed to control his epilepsy, he lost the ability to correctly retain and organize memories. The Portuguese Neuroscientist António Egas Moniz (1874-1955) had an important role in uncovering the roles of different brain regions and how they interact. He was awarded the Nobel Prize in Physiology and Medicine in 1949. A rough estimate suggests that there may be more than 100 trillion synapses in the brain, corresponding to about 1000 terabytes of storage capacity. It is possible that there is some plasticity in the brain, that some regions may replace the function of others. Eating habits, exercise (both physical and intellectual), and regular sleep are important to maintain the brain active. Autism, Schizophrenia, Hyperactivity and other Neuro- Psychiatric disorders result for compromised connections between neurons. One of the most fascinating and interdisciplinary (and controversial) areas of Brain Research involves neuronal circuits, responsible for complex social behaviors. Cutting-edge research in this field also includes the gut-brain axis, and how the proportions of pathogenic and helpful bacteria in the gut may influence brain activity, via the vagus nerve. Neurodegenerative disorders may affect different patients in very different ways. Biomarkers (substances detected in blood, urine saliva, cerebrospinal fluid) may help predict disease progression, or monitor the success of therapeutic strategies. This takes place in Alzheimer’s, Parkinson’s, Huntington’s or Machado-Joseph Disease, often with a strong genetic component that runs in families. And even influence the progression of conditions such as Parkinson’s disease. Preventing neuron death, removing protein aggregates, boosting mitochondrial function, or controlling inflammation are some of the therapeutic strategies for brain disorders This also happens in Neurodegenerative disorders, such as Alzheimer’s, Parkinson’s, Huntington’s or Machado-Joseph Disease, where the main reason for communication breakdown is neuron death. But everything that helps exercise this organ can be useful. Quality control is essential for proper brain function. The formation and deposit of protein aggregates in neurons is correlated with cell death, and with cognitionand motor problems. When a genetic component is involved gene therapy may also be possible, by replacing an altered gene, or reducing its activity. Another important issue is the energy available for brain activity, produced by mitochondria, the “power plants” of cells. Mitochondrial damage is also involved in neurodegeneration, and this problem can be worsened by conditions such as Diabetes. Research in Neurosciences promises to uncover much more on the brain the coming decades, thus allowing new generations of researchers to embark on the voyages of their lives. But we must also remember that the enormous potential of this organ is present in each and every one of us. It should be unleashed daily, to help us find the right solutions for a better future.