IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Edição 2002 Índice e

Propaganda
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LÍNICO
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C
ASO
Discussão de caso
Comentários:
Luiz Aparecido Bortolotto
Médico Assistente da Unidade de
Hipertensão, Instituto do Coração
(InCor) do Hospital das Clínicas
FMUSP
Dante Marcelo Artigas Giorgi*
Médico Assistente da Unidade de
Hipertensão, Instituto do Coração
(InCor) do Hospital das Clínicas
FMUSP
Paciente de 51 anos de idade, sexo
masculino, branco, admitido na Enfermaria de Hipertensão Arterial do Instituto do
Coração em 1990 com história de hipertensão arterial havia dez anos, com dificuldade do controle pressórico em ambulatório,
acompanhado de sintomas de cefaléia importante, dispnéia a médios esforços e precordialgia atípica. Antecedente pessoal de
tabagismo havia 30 anos. Ao exame físico
de admissão apresentava pressão arterial de
220/130 mmHg, freqüência cardíaca de 80
bpm, ausculta cardíaca normal, exame abdominal normal, pulsos simétricos e fundo
de olho mostrando exsudatos algodonosos
e hemorragia bilateral sem papiledema, caracterizando o diagnóstico de hipertensão
acelerada-maligna. Exames complementares para avaliar grau de comprometimento
de órgãos-alvo mostravam:
Renal:
• uréia = 66 mg/dl,
• creatinina sérica = 3,2 mg/dl,
• “clearance” de creatinina = 28 ml/min,
• urina 1 = normal,
• proteinúria de 24 horas = ausente,
• ultra-som de rins = rim direito com 9,3
cm e rim esquerdo com 7,9 cm;
*Endereço para correspondência:
Unidade de Hipertensão – InCor
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44
05403-000 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 3069-5084
E-mail: [email protected]
Cardíaco:
• ECG = sobrecarga de átrio e ventrículo esquerdo com padrão “strain” de repolarização em parede anterior e lateral,
• RX = aumento de área cardíaca,
• ecocardiograma = SIV – 12 mm,
• DDVE – 51 mm,
• fração de ejeção – 82%,
• índice de massa – 210 g/m2,
• cateterismo = coronárias normais e VE
hipertrófico.
Realizou investigação de hipertensão
secundária com dosagens de metanefrina
urinária e catecolaminas séricas normais e
arteriografia renal normal. Outros exames
laboratoriais mostraram:
•
•
•
•
•
potássio sérico = 3,4 mEq/l,
colesterol total = 215 mg/dl,
ácido úrico = 8,4 mg/dl,
atividade de renina plasmática = 12 ng/ml/h,
aldosterona plasmática = 24 ng/ml.
Durante a internação apresentou dificuldade do controle pressórico, mas houve
melhora dos sintomas com redução da pressão e recebeu alta da enfermaria com pressão arterial de 160/100 mmHg em uso de
furosemida 40 mg/dia, hidralazina 100 mg/
dia, captopril 75 mg/dia, metildopa 1.000
mg/dia e creatinina 3,2 mg/dia. Nos primeiros meses após a alta voltou a apresentar
dificuldade do controle pressórico e após
seis meses foi admitido no PS do InCor com
quadro de edema agudo dos pulmões por
crise hipertensiva (PA 300/130 mmHg) e
malignização da hipertensão (fundo de olho
com papiledema e exsudatos) com piora da
função renal (creatinina de 4,2 mg/dl). Houve necessidade de uso de nitroprussiato de
sódio para controle imediato da pressão arterial, e o paciente teve boa evolução, recebendo alta com a pressão arterial controlada e a função renal estabilizada. Após essa
internação, o paciente evoluiu relativamente
estável, sem apresentar novos episódios de
urgência hipertensiva, mantendo controle de
pressão mais adequado após aumento da
dose de captopril e da introdução de minoxidil. Os dados referentes à evolução da
pressão arterial e da função renal podem
ser vistos na tabela 1. Observa-se um ligeiro aumento dos níveis séricos de creatinina
após sete anos, mas com nova estabilização e ligeiro declínio nos últimos dois anos.
Avaliação recente mostra manutenção da hipertrofia ventricular esquerda ao ecocardiograma (índice de massa de 250 g/m2 e fração de ejeção de 81%) e a monitorização
ambulatorial da pressão arterial de 24 horas (MAPA) mostra bom controle da PA nas
24 horas e manutenção do ritmo circadiano
normal.
Volume 5 / Número 2 / 2002
Sem título-21
59
26/06/03, 14:55
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Tabela
1
QUADRO EVOLUTIVO DA PRESSÃO ARTERIAL E DA FUNÇÃO RENAL
Data
3/90
4/90
10/90
3/91
3/92
3/93
3/94
3/95
3/96
3/97
3/98
3/99
3/00
3/01
3/02
0
1
6
12
24
36
48
60
72
84
96
108
120
132
144
PAS
PAD
220
130
160
110
300
130
170
90
190
100
210
110
170
100
140
90
140
80
140
80
180
110
150
80
136
96
150
88
152
92
CR
3,2
3,2
4,2
3,4
2,9
4,3
3,7
4,4
4,8
5,2
4,5
4,5
4,3
3,5
3,7
MED
Fur
Hidr
Fur
Hidr
Capt
Met
Fur
Hidr
Capt
Met
Fur
Hidr
Capt
Prop
Fur
Hidr
Capt
Prop
Fur
Hidr
Capt
Prop
Fur
Hidr
Capt
Prop
Fur
Hidr
Capt
Prop
Min
Fur
Hidr
Capt
Prop
Min
Fur
Hidr
Capt
Prop
Min
Fur
Hidr
Capt
Prop
Fur
Hidr
Capt
Prop
Min
Fur
Hidr
Capt
Prop
Min
Fur
Hidr
Capt
Prop
Min
Fur
Hidr
Capt
Prop
Min
Tempo (meses)
Fur = furosemida; Hidr = hidralazina; Capt = captopril; Met = metildopa; Prop = propranolol; Min = minoxidil
Discussão
O caso apresentado exemplifica o paciente que desenvolve hipertensão arterial primária acelerada ou maligna. A hipertensão
acelerada ou maligna é considerada uma síndrome caracterizada por grave elevação da
pressão arterial (geralmente com pressão arterial diastólica acima de 130 mmHg) associada a lesões vasculares e rápido desenvolvimento de lesões de órgãos-alvo, detectadas clinicamente por hemorragias retinianas,
exsudatos e papiledema ao fundo de olho, e
pela presença de insuficiência cardíaca e de
insuficiência renal na maioria dos pacientes.
A mortalidade associada a essa condição clínica, se não tratada adequadamente, atinge
80% em dois anos. Com o tratamento, a sobrevida de cinco anos para esses pacientes
pode chegar a cerca de 70%.
O paciente cujo caso está em discussão, apesar da dificuldade inicial na adesão
ao tratamento, vem apresentando evolução
clínica favorável, inclusive com estabilização da função renal. Entre os mecanismos
envolvidos na malignização da hipertensão
estão a hiperatividade do sistema nervoso
simpático e a do sistema renina-angiotensina-aldosterona. A hiperatividade do sistema
renina-angiotensina-aldosterona (associada
com a hiperatividade simpática) está ligada,
experimentalmente, ao desenvolvimento e à
manutenção da hipertrofia de ventrículo esquerdo e também ao desenvolvimento das alterações microvasculares (endarterite obliterante) ligadas ao processo de malignização
da hipertensão arterial (hiperplasia miointimal e necrose fibrinóide da camada média
das arteríolas). Existem evidências da participação de diferentes substâncias humorais
vasoativas no desenvolvimento das lesões
vasculares da hipertensão maligna. Dentre
essas, destaca-se a angiotensina II, que parece ter participação fundamental na manutenção do círculo vicioso hipertensão–lesão vascular–isquemia renal–angiotensina II–lesão
vascular–hipertensão, que poderá ser quebrado com o controle adequado da pressão arterial e com o uso de substâncias que atuem
sobre o sistema. Clinicamente, tem-se demonstrado níveis elevados de aldosterona e
da atividade de renina plasmática na maioria
dos pacientes com hipertensão maligna (cerca de 75%).
O tratamento dos pacientes com hipertensão arterial maligna deve incluir, portanto, drogas que diminuam a atividade do
sistema nervoso simpático (por ação central e/ou periférica) e do sistema renina-angiotensina-aldosterona (por ação na atividade da enzima conversora da angiotensina ou nos receptores AT1 da angiotensina
II). Apesar da contra-indicação relativa do
uso de inibidores da enzima conversora da
angiotensina (ou dos bloqueadores dos receptores AT1 da angiotensina II) em pacientes com insuficiência renal crônica (principalmente aqueles com creatinina sérica >
3,0 mg/dl), o uso dessas substâncias, com
controle clínico adequado, é seguro e parece promover melhor evolução da função
renal e miocárdica dos pacientes.
O paciente foi tratado com associação
de cinco drogas anti-hipertensivas para atingir o controle adequado da pressão arterial.
Esse controle é fundamental para a manutenção da função renal e para impedir a evolução da miocardiopatia hipertensiva.
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Sem título-21
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