es orais da doen?a cel?

Propaganda
Repercussões orais da doença celíaca
14.Outubro.2011
A doença celíaca (DC) é uma imunopatologia, caracterizada pela reação alérgica ao glúten
presente nos cereais. A esta doença estão associadas manifestações patológicas na cavidade
oral. Pretende-se com o presente artigo salientar o papel do médico dentista na suspeita desta
patologia, realçando as suas principais manifestações orais e seu tratamento.
Autores
António Pedro Silva
Médico dentista, Aluno da especialização em Odontopediatria, FMDUP
Cristina Cardoso Silva
Professora Auxiliar Convidada, FMDUP
Ana Alves Norton
Assistente Convidada, FMDUP
Paula Macedo
Professora Auxiliar, FMDUP
David Casimiro de Andrade
Professor Associado com Agregação, FMDUP
Introdução
1/9
Repercussões orais da doença celíaca
14.Outubro.2011
A doença celíaca (DC) é uma imunopatologia que afeta 1% da população. Desenvolve-se,
normalmente, durante a infância, em crianças predispostas geneticamente e em resposta à
introdução do glúten na dieta. O glúten é um grupo de proteínas que se encontra presente nos
cereais, tais como o trigo, a cevada, a aveia, o centeio e o malte [ 1 , 2 , 3 ].
A doença celíaca pode manifestar-se segundo dois padrões distintos: clássico e atípico.
O padrão clássico é caracterizado pelo aparecimento, em criança, de manifestações
relacionadas com má absorção intestinal (diarreia crónica, vómitos, perda de peso, distensão e
dor abdominal, etc.), devida a uma inflamação persistente do intestino delgado [ 4 ], com a
formação de auto anticorpos. Os sintomas intestinais são o sinal de alerta e nestes casos o
diagnóstico é relativamente fácil, podendo ser comprovado por exames serológicos e biopsia.
Surgem anticorpos anti-endomisial (IgA), anti-gliadina (IgA) e anti-transglutaminase tecidual,
que podem ser detetados através de exames serológicos [ 5 ]. No entanto, o exame diagnóstico
de eleição da doença celíaca continua a ser a biopsia do intestino delgado.
No padrão atípico, as manifestações gastrointestinais não são tão evidentes, dificultando o
diagnóstico, motivo pelo qual a doença se encontra muitas vezes sub-diagnosticada.
Noventa e sete por cento dos doentes celíacos respondem positivamente à dieta sem glúten,
sendo este o único tratamento possível até à data. Três por cento dos doentes não respondem
positivamente a este tratamento, e desenvolvem uma doença celíaca refratária.
A doença celíaca pode ser acompanhada de múltiplas manifestações orais, pelo que o médico
dentista desempenha um papel importante na suspeita da existência desta doença e no
tratamento das suas repercussões.
Material e Métodos
2/9
Repercussões orais da doença celíaca
14.Outubro.2011
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica na base de dados Pubmed, limitada a publicações dos
últimos 10 anos. Foram encontrados 215 artigos com as palavras-chave "oral AND celiac
disease", 15 artigos com as palavras "oral manifestations AND celiac disease", 17 artigos com
as palavras "celiac disease AND enamel defects" e 27 artigos com as palavras "celiac disease
AND aphtous stomatitis". Foram selecionados, para este artigo de revisão, todos os artigos de
investigação relacionados com as repercussões orais da doença celíaca, escritos na língua
portuguesa ou inglesa e que estavam disponíveis integralmente online na biblioteca da FMDUP
(14 artigos), assim como outros artigos que, pela sua relevância, mereceram a nossa referência
(9 artigos).
Discussão
Repercussões Orais da Doença Celíaca
Entre as manifestações orais relacionadas com a doença celíaca encontram-se os defeitos de
esmalte, a estomatite aftosa recorrente, a síndrome da boca ardente, o atraso da cronologia
eruptiva e uma densidade mineral diminuída. Estas manifestações podem surgir isoladamente
ou em associação.
Defeitos de Esmalte
Durante o processo de deposição e mineralização da matriz de esmalte, diversos fatores de
origem genética ou ambiental podem condicionar a sua formação originando defeitos no
esmalte. Estes distúrbios podem ser identificados como qualitativos (descolorações), ou
quantitativos (hipoplasias, com perda de substância) [ 6 ].
Aine [ 7 , 15 ] estabeleceu uma classificação para os defeitos de esmalte, que tem sido utilizada
em diversas investigações sobre pacientes celíacos (tabela 1).
Classificação
Grau 0
Grau 1
Defeito de Esmalte
Sem defeitos
Defeito na coloração do esmalte; únicas ou múltiplas opacidades de co
3/9
Repercussões orais da doença celíaca
14.Outubro.2011
Grau 2
Defeitos estruturais leves; superfície áspera, com ranhuras horizontais
Grau 3
Defeitos estruturais evidentes; parte ou totalidade da superfície áspera
Grau 4
Defeitos estruturais severos; formato do dente alterado, pontas das cús
Tabela 1 - Classificação dos defeitos de esmalte, segundo Aine, citado por Wierink [ 7 ] e
Cheng
[
15
]
.
Segundo Aine, citado por Wierink e Cheng, os defeitos de esmalte característicos dos
pacientes celíacos são específicos, apresentam um padrão simétrico e são detetáveis
cronologicamente nos quatro quadrantes da dentição, sendo estas características típicas de
uma etiologia sistémica [ 7 , 15 ].
Apesar de nem todos os autores terem encontrado uma relação direta entre a DC e a etiologia
dos defeitos de esmalte [ 22 ], muitos são os estudos que constatam esta associação positiva [ 7 ,
8
,
9
,
10
,
11
,
22
]
.
Um estudo realizado por Bossu em 2007, refere que o esmalte hipoplásico dos pacientes
celíacos é mais frágil que o esmalte dos pacientes não celíacos. Com o objetivo de caracterizar
os defeitos de esmalte dos pacientes celíacos e na tentativa de diagnosticar a doença pelas
características destes mesmos defeitos, os autores analisaram também, através de
microscopia eletrónica, que os prismas do esmalte nos pacientes celíacos se apresentam mais
pequenos, com uma distribuição mais irregular e com uma menor quantidade de substância
interprismática. Neste estudo também verificaram que a localização predominante das lesões
4/9
Repercussões orais da doença celíaca
14.Outubro.2011
de esmalte nos pacientes celíacos é nos dentes incisivos e nos primeiros molares [ 10 ].
O mecanismo etiológico do aparecimento dos defeitos de esmalte nos pacientes celíacos é
ainda desconhecido. No entanto, existem, três hipóteses explicativas:
- Segundo Nikiforukand Fraser, citado por Wierink, os baixos níveis séricos de
concentração de cálcio, resultantes de uma má absorção intestinal, são determinantes para a
origem dos defeitos de esmalte. No entanto, num estudo realizado por Wierink, em que os
pacientes do grupo controlo apresentavam também má absorção intestinal, o número de
defeitos de esmalte foi muito inferior comparativamente com o grupo teste, constituído por
[ 7 ].
pacientes celíacos
- Segundo Aine et al e Maki et al, citados por Wierink, uma resposta autoimune contra os
ameloblastos poderá estar na origem etiológica dos defeitos de esmalte nos pacientes celíacos
[
7
]
.
- Segundo os resultados de um estudo realizado por Mariani et al, conforme cita Wierink,
os pacientes celíacos com o genótipo HLA-DR3 apresentaram um risco de lesões de esmalte
[ 7 ].
aumentado, apontando para uma causa genética deste distúrbio
Estomatite Aftosa Recorrente
A estomatite aftosa recorrente (EAR) é caracterizada por uma ou múltiplas úlceras dolorosas,
na mucosa oral, de forma circular ou ovoide, que apresentam um halo eritematoso. É uma das
mais prevalentes condições orais patológicas, que afeta aproximadamente 20% da população
em geral, em algum momento das suas vidas. As EAR estão categorizadas em minor, major e
herpertiforme, sendo a minor a mais comum entre as EAR [ 14 ].
A etiologia da EAR é desconhecida, no entanto o trauma local, o stress, o desequilíbrio
hormonal e a hipersensibilidade alimentar são fatores predisponentes para a doença. Várias
condições sistémicas estão também associadas à EAR, tais como doença de Behçet, Sida,
reações a drogas, neutropenia cíclica, deficiências nutricionais e hematínicas (ferro, ácido
fólico, vitamina B12) e doenças gastrointestinais (Crohn, Doença Celíaca) [ 14 ].
5/9
Repercussões orais da doença celíaca
14.Outubro.2011
Num estudo recente, realizado por Cheng e colaboradores, foi demonstrado que 42% dos
pacientes celíacos apresentaram EAR, enquanto no grupo controlo, apenas 23% apresentaram
a condição patológica [ 15 ]. Outros estudos relataram uma associação positiva entre a DC e a
EAR. Campisi realizou em 2007 um estudo sobre a prevalência de EAR em pacientes celíacos,
verificando que 42% dos pacientes apresentavam EAR, e que no grupo controlo, constituído
por indivíduos saudáveis, apenas 7% apresentavam esta condição patológica
[
8
]
. Em 2008, foi publicado pelo mesmo autor, um estudo de larga escala (269 doentes celíacos),
onde se verificou que 22,7% dos pacientes celíacos apresentaram EAR em contraste com
apenas 7% no grupo controlo
[
17
]
.
No entanto, existem estudos nos quais os autores não encontraram associação entre EAR e
doença celíaca [ 16 ].
É importante referir o significado que pode ter a EAR no diagnóstico da doença celíaca. Alguns
autores estudaram a prevalência da DC em pacientes com EAR. Aydemir diagnosticou 2 casos
de doença celíaca (4,8% de 41 pacientes) em pacientes com EAR [ 18 ]. Num estudo mais
recente, realizado por Shakeri, apenas 2,83% dos casos de EAR foram diagnosticados com
[ 19 ].
doença celíaca
A possível explicação para esta correlação hipotética entre a EAR e a DC é a típica deficiência
hematínica (ferro, ácido fólico e vitamina B12) característica dos pacientes celíacos. Cerca de
20% dos pacientes apresentam este tipo de deficiência. Depois de diagnosticada a DC e
implementada uma dieta livre de glúten, a EAR tem tendência a diminuir de incidência.
No entanto o valor preditivo positivo destas lesões para o diagnóstico da DC é muito baixo. A
EAR por si só não justifica a realização de exames auxiliares para diagnosticar a DC, no
entanto, é considerado de interesse clínico se a par de EAR se verificarem sinais e sintomas de
má absorção intestinal [ 6 ].
6/9
Repercussões orais da doença celíaca
14.Outubro.2011
Outras Repercussões Orais
Os pacientes celíacos apresentam alterações do ecossistema oral. Lenander-Lumikani verificou
que, num regime de dieta sem glúten, os pacientes celíacos secretam menor quantidade salivar
de amilase, IgA, e IgM [ 13 ]. Mina e colaboradores verificaram também baixos níveis salivares
de IgA, um menor volume de saliva/minuto quando estimulada e menor capacidade tampão,
[ 23 ].
assim como um menor rácio de cálcio/fosfato
O esmalte destes pacientes apresenta uma maior prevalência de pigmentações extrínsecas de
cor negra. Os autores sugerem que estas pigmentações sejam também devidas a alterações
da microflora oral [ 10 , 12 ].
Num estudo realizado na Finlândia, citado por Pastore, 29% de 128 pacientes com DC
referiram possuir ardência na língua [ 6 ].
Em relação à erupção dentária, existem estudos que mostram que os pacientes celíacos
apresentam, frequentemente, um atraso na erupção comparativamente com a população em
geral [ 15 ]. A par desta manifestação oral, um dos sinais típicos da DC é o atraso no
crescimento.
A densidade óssea mineral encontra-se reduzida nos pacientes celíacos, antes da
implementação de um tratamento com uma dieta livre de glúten. Assim, existe um risco
acrescido de fratura óssea. A osteoporose pode ocorrer como resultado de uma absorção
intestinal defeituosa de cálcio e de vitamina B12. Após a implementação de uma dieta livre de
glúten, a densidade óssea tem tendência para se aproximar dos valores normais [ 20 ].
Conclusões
A doença celíaca é uma doença relativamente frequente e, se não diagnosticada, pode originar
sérias complicações. O Médico Dentista tem um papel importante, pois pode ser um dos
primeiros a suspeitar da existência desta condição.
7/9
Repercussões orais da doença celíaca
14.Outubro.2011
Hoje em dia existem exames serológicos, nomeadamente o teste anti-endomisio e
anti-transglutaminase, que apresentam uma especificidade e uma sensibilidade próxima dos
100%. Estes exames poderão ser utilizados numa primeira fase, em indivíduos considerados
pacientes de risco, tais como os pacientes com defeitos de esmalte sistémicos e simétricos, já
descritos por Aine na década de 80, estando recomendado o encaminhamento para estudo
pelo médico assistente.
Em relação às restantes manifestações orais, estomatite aftosa recorrente e atraso eruptivo,
por si só não são consideradas critérios suficientes para classificar um paciente como sendo de
risco para a doença celíaca. No entanto, torna-se importante considerar os casos que além de
EAR apresentem simultaneamente deficiências hematínicas.
Consideramos ser necessária a realização de mais estudos que permitam avaliar o grau de
risco para a doença celíaca em crianças que apresentem uma associação das repercussões
orais descritas anteriormente.
Referências bibliográficas
1. Lerner A. New therapeutic strategies for celiac disease. Autoimmunity reviews 2010
(9);144-47.
2. Heap GA, van Heel DA. Genetics and pathogenesis of coeliac disease. Semin Immunol.
2009 Dec;21(6):346-54.
3. Walker. MM., Murray., JA: An update in the diagnosis of celiac disease. Histopathology
2010 Nov: 30 (2):203-8.
4. Prescott SL, Smith P, Tang M, Palmer DJ, Sinn J, Huntley SJ, Cormack B, Heine RG,
Gibson RA, Makrides M. The importance of early complementary feeding in the development of
oral tolerance: concerns and controversies. Pediatr Allergy Immunol. 2008 Aug;19(5):375-80.
5. Detlef Schuppan et al. Celiac disease: from pathogenesis to novel therapies.
Gastroenterology. 2009;137:1912-33.
6. Pastore L. et al. Oral Manifestations of Celiac Disease. J Clin Gastroenterol. 2003
42(3);224-32.
7. Wierink CD, van Diermen DE, Aartman IH, Heymans HS. Dental enamel defects in
children with coeliac disease. Int J Paediatr Dent. 2007 May;17(3):163-8.
8. Campisi G, Di Liberto C, Iacono G, Compilato D, Di Prima L, Calvino F, Di Marco V,
LoMuzio L, Sferrazza C, Scalici C, Craxì A, Carroccio A. Oral pathology in untreated coeliac
[corrected] disease. Aliment Pharmacol Ther. 2007 Dec;26(11-12):1529-36.
9. Ortega Páez E, Junco Lafuente P, Baca García P, Maldonado Lozano J, Llodra Calvo JC.
Prevalence of dental enamel defects in celiac patients with deciduous dentition: a pilot study.
8/9
Repercussões orais da doença celíaca
14.Outubro.2011
Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2008 Jul;106(1):74-8.
10. Bossu, M. et al. Enamel hypoplasia in celiac children: a potential clinical marker of early
diagnosis. Eur J Paediatr Dent. 2007;1:31-7.
11. Majorana A, Bardellini E, Ravelli A, Plebani A, Polimeni A, Campus G. Implications of
gluten exposure period, CD clinical forms, and HLA typing in the association between celiac
disease and dental enamel defects in children. A case-control study. Int J Paediatr Dent. 2010
Mar;20(2):119-24.
12. Campisi G, Compilato D, Iacono G, Maresi E, Di Liberto C, Di Marco V, Di Fede G, Craxì
A, Carroccio A. Histomorphology of healthy oral mucosa in untreated celiac patients:
unexpected association with spongiosis. J Oral PatholMed. 2009 Jan;38(1):34-41.
13. Lenander-Lumikari M, Ihalin R, Lähteenoja H. Changes in whole saliva in patients with
coeliac disease. Arch Oral Biol. 2000 May;45(5):347-54.
14. Mina S, Azcurra AI, Riga C, Cornejo LS, Brunotto M. Evaluation of clinical dental
variables to build classifiers to predict celiac disease. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2008 13(7):
398-402.
15. Cheng J et al. The association between celiac disease, dental enamel defects, and
aphthous ulcers in a United States cohort. J Clin Gastroenterol. 2010 44(3):191-4.
16. Sedghizadeh PP. et al. Celiac disease and recurrent aphthous stomatitis: A report and
review of the literature. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 2002;94:474-8.
17. Campisi G, Di Liberto C, Carroccio A, Compilato D, Iacono G, Procaccini M, Di Fede G,
LoMuzio L, Craxi A, Catassi C, Scully C. Coeliac disease: oral ulcer prevalence, assessment of
risk and association with gluten-free diet in children. Dig Liver Dis. 2008 40(2):104-7.
18. Aydemir S., et al. Celiac disease in patients having recurrent apthous stomatitis. Turk J
Gastroenterol. 2004 15(3):192-5.
19. Shakeri R. et al. Gluten sensitivity enteropathy in patients with recurrent aphthous
Stomatitis. BMC Gastroenterol. 2009 44;9: 230-44.
20. Blazina S. Bone mineral density and importance of strict gluten-free diet in children and
adolescents with celiac disease. Bone. 2010 Sep;47(3):598-603.
21. Procaccini M. Lack of association between celiac disease and dental enamel hypoplasia
in a case-control study from an Italian central region. Head Face Med. 2007 25(3):1-6.
22. Rasmusson CG, Eriksson MA. Celiac disease and mineralization disturbances of
permanent teeth. Int J Pediatr Dent 2001;11:179-83.
23. Mina SS. et al. Alterations of the oral ecosystem in children with celiac disease. Acta
Odontol Latinoam. 2008 21(2);43-9.
9/9
Download