Artigo BASES BIOQU~MICASE FISIOL~GICAS DO SISTEMA MUSCULAR Ozéas Ascendino Gomes * Estélio Henrique M Dantas * RESUMO Os problemas relacionados com a contração muscular se apresentam com uma complexidadeque tem desafiado os mais acurados e dedicados estudos. A contração muscular está relacionada com o desempenho de órgãos específicos e, portanto, com a fisiologia do corpo. Além disso, há enorme gama de possibilidades dinâmicas associadas a manifestação do movimento, através da corporeidade e, portanto, em conotação com fenômenos bioquímicos. O objetivo deste trabalho é angariar fundamentos básicos relacionados com os fenomenos da contração muscular. As razões impelentes de tais acontecimentos biofisiológicos estão em conotação com a intencionalidade dos movimentos. Assim é com a atividade química ocorrente na intimidade muscular. O que se propõe demonstrar neste estudo é a decisiva importância primeiramente com a "natureza" do tecido envolvido no processo contráctil do músculo e, em segundo lugar, com a "modalidade" de certas partículas químicas envolvidas na dinâmica do acionamento muscular. Desde que FLETCHER e HOPKINS, em 1907, estudaram a formação do ácido lático no músculo da rã, após a contração muscular, tem-se buscado, por meio do estudo da fisiologia e bioquímica muscular, determinar as vias reacionais dos processos exergônicos que acompanham os fenômenos da contração muscular. Assim, é de suma importância o estudo de como certas espécies químicas, em "desequilíbrio" eletrônico, são capazes de estabelecer o "modus operandi" observado através da corporeidade (VILLELA et al., 1961). Palavras-chave: sistema muscular, fisiologia, bioquímica. Introdução A contração muscular se acha em conotação com fenômenos intrínsecos a fatos relacionados com a fisiologia e bioquímica dos seres vivos. Assim, considerando o ser humano indubitavelmente um ser vivo de características especialíssimas, quer fisiológica, quer bioquimicamente, particularizando, desse modo, qualquer análise relacionada com as implicações de dinâmica corporal que sejam consideradas. * Universidade Castelo Branco. 22 R. Min. Educ. W., Vigora, v. 8, n. 2,p. 22-34,2000 i Dessa forma, há que se considerar os pormenores atinentes as condiçaes particulares que norteiam a corporeidade humana, sendo esta uma maneira típica de observar a exteriorização dos fenômenos fisiológicos e bioquímicos. Assim, é necessário buscar-se as "razões" dinâmicas capazes de justificar a ação muscular responsável pela exteriorização do movimento por meio da corporeidade. Entre as razões para a dinâmica muscular, situa-se, sem dúvida, a ação das espécies químicas conhecidas como íons (viajantes). Tais espécies quimicas, oriundas de processos "REDOX, se apresentam com ação decisiva do processo de contração muscular. Os íons, por meio de mecanismo que se afigura particularmente complexo, agem ora sobre a ação de enzimas como a ATPase, ora sobre a formação da ddp muscular, como é o caso do par K-Na. O presente trabalho pretende, portanto, contribuir em parte para demonstrar a importância decisiva dos fatores fisiológicos e bioquímicos na ação muscular. I Bases bioquimicas e fisiológicas do sistema muscular r I r t I , 1 /: 1 i i A musculatura, constituinte do sistema muscular, se acha embasada num conglomerado bioquímico bastante complexo. O seu tecido constituinte se apresenta particularmente diferenciado. Essa diferenciação, específica do sistema muscular, tem como maior objetivo as características motriciais do músculo, ou seja, se afigura como elemento básico para conferir as características de corporeidade do movimento. O movimento muscular, em si mesmo, é resultado de uma sistemática, representada por uma solução eletrolíticatípica, monitorada por um conjunto de íons específicos, que acionam a dinâmica muscular responsável pelo acionamento, direto ou indireto, de fibras, fibrilas e miofibrilas do aglomerado muscular. Assim, alguns íons, como o Ca", o Na+,e o K + em particular, têm papel preponderante no acionamento da mobilidade do músculo, ora agindo, como é o caso do Ca", no despertamento da ação ATPase, ora produzindo a energia voltaica acionante das fibras, como é o caso do Na+ e do K+. Neste último caso, a energia voltaica é gerada pela ação do par NA+-K+,que atua de um e do outro lado do sarcolema, ocasionando o surgimento de uma ddp em tomo de 60 mV. Esta ddp é sem dúvida indispensável ti cinesia muscular, pois determina a ação antiestática do músculo em repouso. A modalidade iônica e, conseqüentemente, a capacidade de "iransferência" através da membrana estão relacionadas com a concentração e também com o grau de solvatação. A concentração é importante, uma vez que, quanto maior ela for, mais partículas haverá por unidade de volume e, por conseguinte, maior número de passagens efetivas de partículas por unidade de tempo. Quanto ao grau de solvatação, este é de fundamental importância, pelo fato de "aumentar" o volume de íon, obstando, em maior ou menor grau, a tramitação da partícula através do R. Min.Educ. Fis., Viçosa, v. 8, n. 2, p. 22-34,2000 23 canal iônico. Dessa forma, quanto maior o grau de solvatação, em se considerandoum determinado íon, mais fácil será que se efetive, no todo ou em parte, a sua "dissolvatação", permitindo assim o seu ingresso no canal específico da modalidade. E é esta modalidade que irá propiciar a formação da ddp acionante das fibras musculares. Além do mais, a "mobilidade" das partículas eletrizadas também dependerá do meio em que se encontrem, o que, no caso do músculo, é o sistema líquido muscular, envolvendo, entre outros, partículas protéicas e salinas em solução. A passagem de íons através de membranas naturais tem sido realmente muito estudada. Em relação a esse assunto, VILLELA et al. (196 1) assim se pronunciam: O transporte de íons através das membranas naturais que limitam os diferentes compartimentos do corpo humanofoi explicadode acordo com a lei de Gibbs-Donnan. Difrentes mecanismos têm sido propostospara explicação destefenômeno. Considera-se, em geral, que o movimento dos íons através das membranas pode se processar por simples difusão, ou entãopor tramporte ativo ou de bomba iônica, dependendo, no último caso, de fonte de energia ligada à formação de ATP por fosforilação oxidativa e, portanto, do metabolismo oxidativo celular.(p.505). Como se pode depreender, o mecanismo envolvendo o fósforo é muito importante no mecanismo da dinâmica iônica, uma vez que ele estará envolvendo também o ATP e, mais especificamente, a formação de ATP através de fosforilaçãooxidativa. Entretanto, pode-se afirmar que não são apenas os trifosfatos a fonte de alta energia para o trabalho muscular. O fosfato de creatina, por exemplo, se constitui numa importante fonte energética para a contração muscular, tanto como o ATP; este, que está presente no músculo em repouso, pode sustentar a atividade muscular apenas por fraç6es de segundos. Para provar uma regeneração imediata do ATP, o tecido muscular produz e estoca "fosfocreatina" durante os períodos de repouso. Assim, o fosfato de creatina "fosforila" o ADP nos músculos (HOLUM, 1990). Além do fosfato, outros íons inorgânicos são decisivos no processo da contração muscular, comojá foi citado anteriormente. DANTAS (1983) assim se refere a interveniência do sódio e potássio na dinâmica contráctil: Nos estudos do equilíbrio do sódio e do potússio, foi descoberto que existe uma ligação íntima entre estes dois íons, que é comprovado pelos indicadores abaixo: -Se for suprimido o potássio, do líquido extracelular, o transporte 24 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 8, n.2, p. 22-34,2000 ativo do sódio cai em 30%. - Todos os agentes inibidores da saída de sódio também o são na entrada de potássio. 2 a 3 íons Na+ são transportados por cada íon K+.(p.18). É de se observar, ainda, que a diferente relação Na+ -K+ toma capaz o surgimento da corrente, ou seja, da ddp que vai polarizar a membrana; o diferente número de cargas positivas de um e de outro lado faz surgir uma diferença de corrente no interior do eletrólito muscular. A realidade é que todo conjunto de íons que constitui o eletrólito muscular em conotaçãocom o meio circundante estabelece uma situação eletroliticarnente favorável ao transporte de cargas, o que vem criar o sistema necessário as propriedades elétricas do músculo. Toda a mobilidade dos íons envolvidos no processo contráctil está relacionada com dois fatores inte~enientes- as vias de acesso do íon e a dinâmica responsável pela sua movimentação. No primeiro caso, as vias de acesso, ou canais, são altamente seletivos, quer no que se refere a natureza do íon, quer no que se refere a prontidão ou velocidade de disponibilidade com que a partícula pode "penetrar" no canal iônico. No segundo caso, trata-se da propriedade "impelente" conferida a partícula pelas denominadas "bombas de ions". Na realidade, há diferenças fundamentais tanto na natureza metab,ólica como na natureza fisiológica entre canais e bombas, uma vez que os íohs se dispersam de modo bastante rápido através das vias membranosas, e o bombeamento se constitui num processo mais lento. McCOMAS (1996) comenta que: Agora está claro que os canais possuem poros aquosos, através dos quais os íons apropriados possam flutuar, e é provável que muitas bombas também possuam poros. Contudo, há uma impressionante diferença entre os dois tipos de moléculas em suas habilidades de transferir íons. Se ficasse aberto por um segundo, um único canal poderia permitir muitos milhares de íons através da membrana, enquanto que no mesmo período de tempo uma bomba só consegue permitir movimento de uma centena de íons através da membrana. (p. 93). Sendo assim, torna-se óbvio que, para um tal grau de diversidade metabólica, faz-se necessário uma estrutura de tecido ímpar e específica. Para isso, as moléculas que caracterizam tanto o tecido contínuo como os interstícios formadores de canais e túbulos têm de se apresentar com características próprias, emergentes; se assim não for, como justificar a presença de canais onde os ions se mobilizam, acarretando a enorme gama de propriedades impulsoras e, portanto, dinâmicas que a musculatura apresenta? Sem dúvida, a razão impelente de tais propriedades é a existência de um tecido "sui generis", R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 8, n. 2, p. 22-34,2000 25 o qual possibilita as características ímpares que se observam tanto na fase estática, ou de repouso do músculo, como também, e especialmente, na sua fase dinâmica, contráctil. E importante consignar que, na predominância da fase relacionada com a atividade muscular, a membrana~celularnão se apresenta impermeável as partículas oriundas de um processo de perda eletrônica, ou seja, aos cátions. 1 Durante a atividade nervosa, os mecanismos transmissores do impulso nervoso se apresentam, sem dúvida, associados à migração de partículas iônicas monovalentes. Em face da excitação do nervo, o potássio se desloca para fora i deste, ao passo que o cátion se desloca para o seu interior e, como já dito,, , estabelece um campo eletroestáticotípico. VILLELA et al. (1961) atribuem a Brown e Feldsberg a afirmação de L que a saída do K+édevida ao mediador químico acetilcolina (Ach), por meio de uma ação nervosa sináptica. Existe ainda um intermediário, um aceptor (R), o 1 qual forma um complexo (RK), que, ao dissociar-se, combina-se com a i acetilcolina, liberando o potássio. A estrutura do tecido muscular tem sido bastante estudada, tendo conseguido apreciável avanço com o emprego de técnicas envolvendo a pesquisa de porções do músculo "in vitro", além da avançada técnica envolvendo difração b de raio X, soluções de miosina e também extrações líquidas à base de 1,2,3,1 triidróxi propano (glicerina),que possibilitaram o estudo dos constituintessolúveis i e insolúveis na glicerina, contribuindo para o conhecimento de particularidades ligadas ao mecanismo bioquímica e fisiológico da contração muscular. Os dois tipos de músculos, lisos ou estriados,apresentam características ; peculiares: os lisos são constituídos de células individualizadas e nucleadas, e os estriados, de plasmódios plurinucleados. As fibrilas existentes no músculo estriado são denominadas miofibrilas, apresentando intersticialmente o sarcoplasma, que por sua vez ostenta inclusões : mitocondriais. As partículas denominadas "mitocôndrias" estão relacionadas com o [ processo oxidativo do tecido muscular, via partícula celular, sendo de não-fugaz I importância em um dos mais significativos fenômenos que afetam o sistema! muscular - a fosforilaçãooxidativa. Segundo afirma RACKER (1973), a base da fosforilação oxidativa, processo pelo qual as células da maioria dos animais e das plantas produzem a energia iiecessária ao sustento da vida, é a membrana interna de partículas intracelulares,denominadas"mitocôndrias". Daí infere-se a decisiva importância da mitocôndria no processo de oxigenação muscular e, consequentemeiite, no suprimento de energia para que o sistema venha a efetivar suas propriedades, ergonômicas. Assim, no processo de queima para a ação muscular total, uma molécula^ de glicose sofre a ação da queima do oxigênio, originando nada mais nada1 menos que 38 ATP, desde que estejam relacionadas no processo seis moléculas; de oxigênio. I 1 L 26 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 8, n. 2, p. 22-34,2000 \ Tal processo pode ser resumido a um sistema de reaç6es químicas, em se admitindo que a glicose é considerada promana do glicogênio: B GLICOGÊNIO -, GLICOSE GLICOSE + 6 0, (queima) + 38 ADP + 38 Pi -, 6 CO, + 6 H,O + 38 ATP Neste processo, preconizado por VIEGAS (1 9773, hA que se considerar ainda o conteúdo. Deve-se ressaltar que o processo respiratório, que tem como núcleo o sistema muscular, se acha embasado ora no processo de balanceamento eletrônico, envolvendo um processo "redox", ora por meio da ação direta do oxigênio molecular. Neste último caso, estarão em evidência certas unidades de elevada importância para o processo orgânico e, conseqüentemente, para o processo muscular: as já citadas mitocôndrias. Como já dito anteriormente, 8 de decisiva importância no processo respiratório a presença do sistema mitocondrial. SegundoVIEGAS (1977), os transportadores respiratórios se constituem em um sistema de alta organização protéica, contendo o grupamento ferro (citocromos) e diversos componentes de relativo baixo peso moiecuiar (flavina, ubiquinona, nucleotídicos perimidínicos), estando depositados nas membranas mitocondriais. O mecanismo bioquímico que envolve tanto a assimilação, o aproveitamentoenergético e a combustão oxidativa da glicose apresenta numces fisico-químicas e fisiológicas bastante complexas, porque envolve mecanismos de natureza eletrônica, molecular e enzimática. Por essa razão, a pesquisa básica i tem procurado determinar os caminhos que envolvem os processos que conduzem a formação de espécies químicas fortemente reativas, como os I I radicais, quer seja através da perda de elétrons nos processos de oxidação eletrônica, quer seja através do ganho ou da recepção eletrônica nos processos i francamente redutivos. Estes processos, que envolvem tanto formação de ) radicais, que são espécies químicas na sua forma livre, como inteweniência de reações moleculares, ocorrem muitas vezes sob a égide de proteínas ultraespecializada$ as enzimas. Assim, toma-se de importância capital a determinação I de ações enzimáticas no transcorrer do processo de assimilação ou desassimilaçãoglicolítica. Dessa forma, pesquisas que buscam a determinação dos mecanismos que propiciem o conhecimento do "inodus operandi" de aproveitamento muscular da energia proveniente da "ose" e também de como esta energia é formada trarão, sem dúvida, poderosos subsídios ao entendimento do processo motriz do músculo, uma vez que a assimilação orgânica está em conotação com a satisfação da lacuna pelo gasto energético: o apetite. ROWLAND (1998) se reporta à fonte energética propiciada pela glicose da seguinte maneira: 1 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 8, n. 2, p. 22-34,2000 27 A energia muscular é claramente regulada pelo centro de apetite hipotalâmico, que se reporta em termos simples a fator como o nível da glicose sanguínea e em termos mais complexos à composição corporal. Uma base genética para o controle do apetite foi descoberta recentemente, pela identificação da LEPTINA, um hormônio secretado pelo tecido adiposo, que serve como sinal de segurança para os centros de apetite hipotalâmico. Quando os animais são restritos a um sistema dietético interno, o seu nível de soro leptínico cai, e com o retorno da concentração, quando se refaz a leptina dos animais, eles param de comer. A importância da LEPTINA para o apetite e desequilíbrio do balanço energético (i.e., obesidade) nos humanos ainda não está bem clara, mas a identiJicação da LEPTINA como Regulador Base-Genético de energia interna é ilustrativa do seu grande valor como regulador da homeostase energética. (p. 3 92). Como mencionado anteriormente, a pesquisa visando a determinação dos mecanismos químicos que regulam os processos carregadores de energia para as atividades musculares são de suma importância. Assim, a identificação, com posterior isolamento do hormônio LEPTINA, poderá carrear ainda mais conhecimento científico para o entendimento do processo de desnaturação do balanceamento energético nos humanos, o que poderá vir a propiciar melhor compreensão e tratamento da obesidade. Em suma, a identificação da LEPTINA já permite permear as possibilidades de maior compreensão do processo de apetite, responsável, em parte, pela reposição de compostos químicos que irão propiciar, no todo ou em parte, a reposição da carência energética do sistema muscular. E importante observar a enorme importância que decorre do fato referente A absorção de alimentos e, portanto, ao processo relacionado com o balanço energético do organismo. Por sua vez, o balanço energético se acha em relação com as demandas energéticas do sistema muscular. A razão científica básica que permeia a relação substância (ou molécula) e energia se embasa em um princípio relativista universal: Albert Einstein afirmou que a matéria é forma de energia altamente coildensada. Assim, num sistema qiiíinico aberto e sujeito a reações químicas,,haverá, forçosamente, evolução de energia, e geralmente sob forma técnica. E particularmente importante o estudo que leva em consideração as diferentes nuances que se apresentam quando se observam os fenômenos que cercam o conteúdo energético das substâncias. Tal estudo se relaciona com a variação de energia que o continente molecular apresenta, ou seja, com a entalpia das substâncias. Então, a suplementação energética, que se destina ao organismo e conseqüentemente aos músculos, se faz através d e reações químicas 28 R. Min. Educ. Fís., viçosa,^. 8, n. 2, p. 22-34,2000 suplementadorasde energia. Para que isso ocorra, é necessário a supeweniência de combustível, o qual é assimilado organicamente via alimentação. Por conseguinte, há que se admitir que um maior ou menor suplemento energético estará em relação direta com a "modalidade" de nutriente que é administrado à pessoa. De acordo com o manual de treinamento físico militar dos EUA (Headquarter, Departament of Army, 1985), existe um princípio que norteia o consumo de alimentos para os soldados, que consiste no consumo regular de grande variedade de alimentos nutritivos. Uma dieta de bom balanceamento consistiria em cerca de 50 variedades de nutrientes para manter uma pessoa saudável. Tais alimentos devem ser consumidos de maneira equilibrada, para que se constituam em uma boa parte energética (DIAS, 1995). Fatos importantes, à guisa de reações químicas, se passam na intimidade muscular sob a égide de fenômenos relacionados com a entalpia. Assim, além das implicações térmicas de queima, ocorridas sob a ação enzimo-catalíticas, outra modalidade de energia tem superveniênciano processo fisiológico muscular: a energia elétrica. A modalidade iônica que permeia a membrana muscular é capaz, devido à diferença de concentração de cátions sódio e cátions potássio, estabelecer uma ddp, que é também, como a energia térmica, de capital importância na motricidade muscular. Contudo, outros e novos efeitos são observados em decorrência da contração e descontração muscular. Dessa forma, seria de esperar efeitos muito importantes provocados pela repetição de contrações aos níveis submáximo e máximo. E é realmente o que ocorre ao se estudar, em particular, os efeitos de exercícios intensos sobre os eletrólitos musculares. Os efeitos sobre o eletrólito muscular são muito bem explicados por McKENNA (1992): A contração muscular intensa é seguida de um aumento de conteúdo em água do músculo, que se distribui, quer seja nos esforções intracelulares, quer seja nos esforços extracelulares. Esta água modifica as cargas iônicas em ambos compartimentos. As modi&cações que ocorrem na concentração do eletrólito muscular intracelular podem ser resumidas como decréscimo do potássio (6 a 20%) e também do fosfato de creatina (acima de 70 a 100%), aumento no lacto (por volta de 10%), sódio (por volta de 2%) e pequenos e variáveis aumentos em cloreto. Os resultados em geral dessa modificação na concentração iônica intracelular em decorréncia do exercício será a redução da diferença do íon forte intracelular com o consequente aumento da concentração intracelular do íon hidrogênio. (p. 134). -- R. Min. Educ. Fis., Viçosa, v. 8, n. 2, p. 22-34,2000 I 29 Podemos então concluir que o aumento da concentração do H+acarretará uma acidose, com conseqüente arregimentação dos processos bioquímicos celulares do músculo. Verifica-se também, e segundo McKENNA (I992), que a acidose intracelular intemeniente está relacionada com a fadiga, em razão do dano que causa à função contráctil e reguladora protéica, ao cálcio regulador e ao metabolismo. O eletrólito contendo o potássio da célula contraído decresce dramaticamentea partir do potássio intracelular para o extracelular, priorizando a despolarização do sarcolema e das membranas t-tubulares. A arregimentação muscular ocasiona uina série de transformações fisiológicas, que têm como embasamento até mesmo as transformações nas concentrações do eletrólito intra e extracelular. Com as modificaçõesnas concentrações iônicas, poder-se-ia perguntar: para onde se dirigem as partículas iônicas cuja concentração se torna sabidarnente menor? Diluem-se através do humor sanguíneo ou passam a se constituir em espécies químicas objeto de excreção pelo expurgo urinário? Tais inquiriçõespoderão ser respondidas de modo eficaz se forem efetuadas pesquisas que tenham como objetivo a verificação da concentração de íons no líquido de expurgo urinário após exercício de apreciável intensidade. Quanto ao sarcoplasma, substância intersticial das miofibrilas, se apresenta envolto por membrana de aparência transparente e Iímpida, denominada "sarcolema". De acordo com VILLELA et al. (1961), o sarcolema é uma inembrana que isola as miofribilas, envolvendo-as.Além disso, a sua estrutura ainda não é bem conhecida, sabendo-se que é delgada e homogênea. Segundo estudos com microscópio eletrônico, deduziu-se que a sua espessura é da ordem de 10 -3 a 1 (BARER). O sarcolema não deve ser considerado uma membrana no sentido em que esta é comumente definida. E de se admitir que exista outra membrana superandoa fibrila do sarcolema e que funciona como distribuidor de eletról itos, mantendo os íons Na+e C1- fora e o íon K+ dentro do sarcoplasma. Como se pode deduzir do exposto, no caso da existência de uma outra membrana, entre a fibrila e o sarcolema, esta seria de características notadamente seletivas, e, possivelmente, tal seletividade iônica estaria relacionada com os raios iônicos das espécies químicas envolvidas. Dessa forma, torna-se evidente a interveniência da iinportância da "iiatureza específica" do tecido, a fim de que realmente sejam levados a efeito os fenômenos relacionados a atividade muscular. Somente com tal raciocínio lógico poder-se-ia admitir a interveniência de fenômenos associados da fosforilação oxidativa, a qual já nos referimos anteriormente. Tais reações são de natureza bastante complexas, podendo eiivolver, para a sua perfeita compreensão, a variação do potencial-padrão de energia livre (AGO),ou mesmo a variação do potencial-padrão de oxirredução (redox). Além disso, toda uina gama de reações envolve ora a ação oxigenativa direta, e portanto o oxigênio molecular, ora a ação de processo oxidativo-redutivo, envolvendo "transferência" de elétrons. - 3O - - R. Min.Educ. Fís., Viçosa, v. 8, n. 2, p.22-34,2000 O que foi exposto está muito bem delineado pela exposição feita por HOUSTON (1995): Nas reações envolvendo fosfatos ricos em energia, nós representamos seupotencial padrão de energia livre por AG". No caso da transferência de elétrons durante a fosforilação oxidativa, do NADH para o oxigênio, gerando água, a força interveniente é denominada potencial redox. Sob condições padrão isto é descrito como AI? (potencial padrão de redox). Valores do AE" são expressos em volts (V) baseando-se no potencial padrão de eletrodo, que não será considerado aqui. Para a redução de um átomo de oxigênio (isto é, meia molécula de oxigênio) por dois elétrons, produzindo uma molécula de água, o@ é 0,82 volts, mostrado na equação I : I - K 0, + 2 H+ + 2e +H,O M1 = 0,82 V 2 - NAD + + 2e + H++ NADH E = -0,32 v (P.69) Como se pode observar, essas duas equações podem ser somadas membro a membro, obtendo-se a equação de oxigenação do NADH, por se inverter a equação 2 para obter o valor do AE" . 1 / , 0 , + 2 H + +2e -+ H 2 0 h E " = 0 , 8 2 V NADH -+ NAD' + H+ +2e âE0 + 0,32 V NADH+ '/z 0, + H+ -+ 1 I i I NAD+ + H,O AEo+ 1,14 V Coino se pode observar, os valores são de suma importância na apreciação de uma situação quantitativa da fosforilação oxidativa, que é uma das propriedades impelentes da contração muscular. Voltamos a repetir: a propriedade que o músculo apresenta em se contrair ostenta um número enorme de reações químicas concorrentes, que se unem, constituindo um sistema, ora aeróbico, ora anaeróbico, que atua sobre o conjunto muscular. Este conjunto tanto pode se constituir em músculos esqueléticos, como também em músculos cardíacos, estabelecendo aparentemente uma certa homogeneidade, mas que na verdade apresenta diferenciações dignas de nota. WIER (1991) se reporta a experimèntação realizada com mamíferos, em pesquisa relacionada com "Cálcio intracelular durante o par excitaçãocoiltração no ventriculo dos mamíferos". Entre vários fatores intervenientes, R. Min. Educ. Fis., Viçosa, v. 8, n. 2, p. 22-34,2000 31 ele menciona a rápida e transitiva elevação da concentração do íon cálcio citoplasmático, que produz momentânea excitação elétrica para a contração muscular. Como a concentração de Ca" é momentânea no músculo, sendo na verdade um evento espaço temporal subcelular, é determinada: a - Por fluxos difusionais de Ca". b - Pela união ou não de Ca" a ligantes como a triponina "c" e calmodulina. c - Através de vários processos celulares, como a liberação do Ca" do retículo sarcoplásmico, que produz fluxo de Ca" em direção as organelas ou a célula. Em comparação com o músculo esquelético, o músculo cardíaco, com um particular grande número de processos celulares, contribui para a concentração transitória do Ca". Adicionalmente, a mudança no Ca" livre citoplasmático é agora tida como uma pequena fração da concentração do cálcio transitório, uma vez que 98 a 99% do Ca" que entra no citoplasma é direcionado aos ligantes. Pelo exposto, mais uma vez infere-se a enorme importância que apresentam os substratos que servem de respaldo as mais variadas modalidades de procedimentos, tanto em nível de molécula como em nível de tecido. O apelo das propriedades típicas do músculo conduz, portanto, a uma dicotomia de propriedades que tipificain cada região muscular de maneira complexa, mas passível de ser entendida a luz da fisiologia e da bioquímica, desde que dentro de um conjunto específico. Conclusão A referência a ação de espécies químicas denominadas "íons", bein como as estruturas organizacionais de certos sistemas membranosos, conduz a conclusões bastante elucidativas a respeito dos fenômenos contrácteis oferecidos pelo sistema muscular. Assiin, os poros aquosos, referidos por McCOMMAS (1996), são decisivos para a ação de íons que vão influenciar a ação de contractilidade. Para isso, faz-se necessária uma estrutura organizacional de tecido que propicie uma rede de túbulos, por onde são impelidos os conjuntos iônicos, unitários ou não, responsáveis pela provocação eletrostática motora. Observa-se de inodo insofisinável que a relação inolécula-energia se acha indissociavelmente embasada no princípio relativista universal preconizado por Albert Einstein, segundo o qual a matéria se constitui num sistema energético altamente condensado, concluindo-se obviamente que os sistemas inoleculares se constituem em poderosos receptáculos de energia. Como se propôs no início deste trabalho, pôde-se discorrer e mostrar a eiiorine importância bioquímicadas espécies químicas, fornecendo ou assimilando energia, ao tomarem parte no maravilhoso processo que envolve a coinplexa ação da MOTRICIDADE HUMANA. 32 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 8, n. 2, p. 22-34,2000 ABSTRACT I Physical and Biochemical fundations of the murcle systern The problem related to muscle contraction has been presented with such complexity that is challenging the most accurate and dedicated studies. The muscle contraction is related to the performance of specific organs, and thus, to the body physiology. In addition, a wide range of dynarnic possibilities are associated to the performance of the movement through corporeiíy and, thus, in accordancewith biochemical phenomenon. The purpose of this study is to obtain the basic foundations related to the muscle contraction phenomenon. The reasons which control such biophysiologic phenomenon are related to movements purpose. This is how the chemical activiíy occurring inside the muscle is energetically removed through caloric energy, observed during the muscle activity. The purpose of this study is to demonstrate the main relationship between first, with the "nature" of the tissue involved in the contractible process of the muscle, and second, with the "modaliíy" of some chemical particles involved in the dynamic of the muscle's start up. Since FLETCHER & HOPKIN'S studies in 1907 on the formation of latic acid in frog's muscles afier its contraction, the study ofthe muscle's physiology and biochemistry has been investigated to determine the reaction of the exergonic process that olow thephenomena ofmuscle contraction. Thus, it is extremely important the tudy ofUhow"certain cheinical species in eletronic "unbalance" are able to establish the muscle's "modus operandi" observed in the body (VILLELA et al., 1961). Key words: muscle system, physiology, biochemistry. DANTAS, E. H. M. Equilíbrio hidro-eletrolítico e ácido-base: influência na atividade física. Sprint, v. 2,11. 6, Setlout, p. 16-27, 1983. DIAS, J. C. Nutrição balanceada dispensa uso de suplementos alimentares. Revista de Educação Física, 11. 122, 1' sem., p.13-23, 1995. HOUSTON, M. E. Biochemistry primer for exercise science, Champaingn: Human Kinetics, 1995. McCOMAS, A. J. Skeletal Muscle Form and Function. Champaing: Human Kinetics, 1996. I McKENNA, M. J. 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