Olavo de Carvalho sobre economia de mercado e tradição

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From the SelectedWorks of Lucas Mendes
Winter June 8, 2009
Olavo de Carvalho sobre economia de mercado e
tradição
Lucas Mendes
Available at: http://works.bepress.com/lucasmendes/13/
Texto em preparação. Não divulgar sem autorização do autor. Junho/2009.
Olavo de Carvalho sobre economia de mercado e tradição
Por Lucas Mendes ([email protected])
A doutrina do liberalismo econômico e o movimento iluminista do século XVII
e XVIII são dois fenômenos que se confundem. Mas podemos dizer que a doutrina da
economia de livre mercado é uma manifestação específica de um fenômeno mais geral,
o iluminismo.
Mas o próprio iluminismo, segundo Gertrude Himmelfarb1, não é um
movimento unívoco. Ele teve várias ramificações e estas possuem distintos
fundamentos. Para os nossos propósitos, veremos a principal característica do
iluminismo francês e do iluminismo inglês, este que influenciou o iluminismo
americano.
Iluminismo Francês: conceito predominante é a razão. A razão deveria
destronar todas as tradições e reinar soberana construindo um mundo totalmente novo
a partir de si mesma. Pensadores que influenciaram: John Locke, Bernard Mandeville e
Jeremy Bentham.
Iluminismo Inglês: o conceito dominante é a virtude. Sobretudo a virtude do
amor ao próximo, da benevolência, da compaixão, entendidas não no sentido religioso,
mas no sentido do direito natural, de uma religião natural, como que um atributo
natural das disposições morais do homem. Pensadores que influenciaram: Anthony
Ashley Cooper, conde de Shaftesbury, Joseph Butler, bispo de Durham, Francis
Hutcheson, Thomas Reid, George Berkeley, Adam Smith e Edmund Burke.
A primeira distinção entre ambos é de ordem epistemológica. Locke
(iluminismo francês) afirmava que a mente humana é como uma folha em branco.
Logo, as ideias morais só podem se formar a partir da experiência (sentimento de
prazer e dor). Já para os pensadores do iluminismo inglês há uma virtude inata no ser
humano tal como a benevolência, o amor ao próximo e a compaixão. Essas virtudes
que nascem com o homem e, na ideia de Pereyfitte, tem a ver com a “confiança”,
precedem, estimulam e preservam a economia de livre mercado.
Então, a segunda distinção diz respeito à visão de sociedade derivada da
epistemologia que cada corrente adota. No primeiro caso, acredita-se que o ser
humano não apenas pode, mas tem o dever de construir a sociedade ideal desde os
valores absorvidos pela razão através da experiência. Tal pretensão pode ser associada
ao que Hayek chamou de “racionalismo construtivista” e alertou tanto de seu equívoco
fundacional quanto dos seus perigos para a liberdade e a civilização. No segundo caso,
reconhece-se que o homem não é capaz e nem deve arvorar-se a construir alguma
noção de sociedade ideal. A principal confiança reside nos valores morais tradicionais
que devem ser a base das relações pessoais em sociedade. Esta sociedade avança ao
longo do tempo como uma “ordem espontânea” que respeita “normas de justa
conduta” jamais criadas intencionalmente, conforme mostra Hayek no primeiro tomo
de seu monumental Direito, Legislação e Liberdade. O ponto é que a ordem social assentase nos valores morais tradicionais e não nas pretensões racionalistas da liberdade como
um princípio. Voltaremos a esse ponto.
1
Roads to Modernity: The British, French and American Enlightenments, New York, Vintage Books, 2005.
Texto em preparação. Não divulgar sem autorização do autor. Junho/2009.
Primeiro de tudo, tendo em vista a ordem social e econômica, tem que se
reconhecer que o valor das coisas atribuídas pelo homem é o que move a economia. Há
economia porque antes disso os homens valorizam objetos ou coisas. Ou seja, é
somente a partir das trocas comerciais (produção/distribuição) que efetivamente
emerge o problema econômico, a própria utilidade da economia enquanto ciência
social.
O mercado subentende o fato de os homens valorizarem tais coisas, mas o valor
não tem origem no mercado. É fato, as pessoas compram e vendem porque acreditam
que as coisas têm algum valor. Contudo, o motivo delas crerem nisso não faz parte da
ciência econômica e é uma coisa totalmente alheia à economia. O próprio Mises inicia o
estudo da economia a partir da ação humana, e reconhece que a ciência econômica não
se preocupa com a origem dos valores e preferências dos indivíduos2.
Ora, se a emergência dos valores é algo alheio à economia e esta é apenas o
meio para a concretização desses valores, deve haver algo que precede a economia, isto
é, algo que determina os valores. Esse algo é justamente a Ética. Ou seja, relembra-se –
se é que deveria ter esquecido – toda a relevância de Aristóteles. Olavo afirma:
“Por isso é que eu acho engraçado esses camaradas que estudam economia e,
mesmo aderindo às idéias do von Mises, querem fazer da economia a ciência social
fundamental e isso é absolutamente impossível. A economia é uma ciência que vai
estudar racionalmente a produção, circulação, distribuição e comércio de bens,
mas ela não estuda o porquê de os homens fazerem isso. Por que os homens
querem este bem ou aquele bem? Esta é justamente a questão fundamental”.3
Saber por que tais e quais bens são desejados e demandados pelo homem no
mercado é a questão fundamental, porque são as motivações morais que influenciam a
formação da demanda de cada indivíduo, o que, por sua vez, determina a ordem
social.
Olavo acredita que deixar – como querem alguns liberais - que a moral seja
definida a partir das relações de mercado em si, culminará na destruição da própria
economia de mercado. Pois as relações de mercado nada mais são que a expressão dos
desejos subjetivos dos homens. Se as idéias socialistas e antimercado passarem a
predominar no âmbito cultural a economia de mercado não sobreviverá.
Olavo não afirma apenas que é necessário que os valores morais tradicionais
influenciem os homens em suas disposições de comprar e vender. Antes disso, a
própria economia de mercado se sustentará ao longo do tempo somente a partir de
uma sociedade cuja base moral-cultural dos indivíduos esteja assentada nos valores
tradicionais.
Decorre também, que a economia de livre mercado não pode ser erigida sob
“normas” como a liberdade de trocas de propriedade ou na “norma” de não-agressão à
vida e à propriedade alheia. Tais normas caem em contradição. Pois através dessas
normas, por exemplo, fica impossível rejeitar ações como a pedofilia consentida, a
2
Inserir a referência de Mises em Ação Humana.
Transcrição do True Ouspeak de 19/03/2007.
<http://pensadoresbrasileiros.blogspot.com/2007/03/transcrio-do-podcast-truth-outspeak-19.html>
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Texto em preparação. Não divulgar sem autorização do autor. Junho/2009.
zoofilia e o aborto. Até porque, o mercado enquanto tal, jamais negará essas
possibilidades de ação enquanto elas representarem a preferência dos agentes. O
consumidor é soberano e, desde que não haja agressão à vida e à propriedade, todas as
trocas são legítimas. Só que a vontade do consumidor, como até Mises e Rothbard
sabem, é totalmente subjetiva. O mérito do mercado, neste caso, é que ele se adequa
com mais eficiência para atender tais demandas.
Portanto, o fato decisivo são os “valores morais” da sociedade, pois são eles que
guiam as decisões e escolhas dos indivíduos. Por isso o equívoco de tomar a economia
como a ciência social fundamental. A economia simplesmente não estuda os valores.
Ela já os subentende em seus teoremas ou mesmo nem os leva em conta dado o seu
neutralismo científico (enquanto ciência ela é “free value” nos ensina Mises). Então,
necessita-se de uma ciência mais básica, a Ética.
Se, todavia, a economia toma o lugar da ética, vamos ter comércio de
criancinhas, pedofilia, zoofilia, aborto e assim por diante. Basta haver indivíduos que
voluntariamente desejam e ajam assim. O próprio Rothbard, por exemplo, afirma
coerentemente que tais “crimes sem vítimas” simplesmente não são crimes para o
credo libertário4.
Neste caso, o problema não é de coerência interna do discurso. Mas de quais
forças políticas e culturais operam no mundo com tais bandeiras e onde eles querem
chegar. Olavo afirma que tal agenda favorável a esses “direitos civis” é a da esquerda
revolucionária internacional que de simpatia pelo livre mercado tem apenas um
eventual e passageiro discurso. Esse discurso, entretanto, tem sido altamente eficaz
para obter o apoio dos próprios liberais, porque estes estão unicamente preocupados
com a efêmera liberdade econômica.
O fato é que, os liberais ao se concentrarem apenas na defesa da liberdade de
mercado, não percebem que favorecem toda a agenda cultural do movimento
esquerdista internacional que, no fim, uma vez esse movimento infiltrado nas
instâncias do poder, estrangulará o próprio liberalismo econômico. Os liberais, alerta
Olavo, acabam prestando apoio
“a slogans e bandeiras que lhe pareçam "ampliar a democracia" por meio do
aumento das liberdades e direitos concedidos a cada novo grupo militante e
reivindicante. Como essa expansão dos direitos se faz através de novas legislações,
e a aplicação delas exige a criação de novos órgãos jurídico-administrativos
especializados, o resultado é a intervenção cada vez maior do Estado na vida dos
cidadãos”. 5
Cumpre enfatizar que, teoricamente, libertários como Rothbard não defendem
as “liberdades civis” graças à concessão estatal, mas argumentam pela via da ausência
de qualquer concessão ou proibição. O problema é que no plano da luta pelo domínio
cultural e político, o movimento esquerdista planeja sua estratégia justamente pelo
domínio do poder estatal. Tal projeto, aliás, já está consumado. O problema é que os
Rothbard, Murray. For a New Liberty. The libertarian manifesto. Cap. 2, 1973.
Carvalho, Olavo A liberdade como parteira da tirania.
<http://www.olavodecarvalho.org/semana/070402dc.html>.
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Texto em preparação. Não divulgar sem autorização do autor. Junho/2009.
libertários nem sequer se constituem um grupo político, mas numa meia dúzia de
estudiosos marginalizados preocupados com os fundamentos e a coerência interna da
teoria. Mas até nisso há problema. O próprio Olavo também mostra o problema interno
da teoria que tem por princípio o “teorema da não-agressão” ou da “liberdade de
escolher”. Tais teorias tomam o que é apenas uma norma (não-agressão, liberdade de
escolher) como sendo um princípio e, assim, desprezam os valores morais tradicionais
que devem ser a base da sociedade livre.
Nessa linha de argumentação, um erro seria o direito à vida ser justificado com
base no direito de autopropriedade do corpo que cada um possui, como faz Locke e
Rothbard. Ora, é o contrário, é o sagrado direito à vida que fundamenta o direito à
propriedade e à liberdade. Se inverte-se a operação, cai-se numa esfera cinzenta para
juízos morais, como o
impossível caso de saber, com base no direito de
autopropriedade, quem é o proprietário do feto, se é a mãe ou o próprio feto.
Diante do exposto, considero que se a ética deve regular o mercado, talvez se
poderia inquirir como seria possível objetivar uma ética. Ou: qual seria a base da
própria ética? Olavo fala dos valores morais tradicionais que, aliás, podem ou não
serem de ordem religiosa. Entendo que, com isso, queira dizer que podemos nos basear
em Aristóteles, caso se preferir, ou mesmo no jusnaturalismo, mas não no de John
Locke e sim no de Santo Tomas de Aquino. Mas ao mesmo tempo, Olavo lembra de
que nunca houve uma “sociedade laica” sequer em toda história humana. Enfim, isso
reforça a sua afirmação alhures de que, quer queiramos ou não, toda possibilidade da
moral está baseada nos valores da religião6.
Sendo assim, é a partir desta constatação que deve-se conceber a fonte da moral
para uma sólida economia de mercado, pois somente estes valores são capazes de
combater o frágil formalismo abstrato da liberdade advindo do iluminismo lockeano e
o hegemônico movimento esquerdista internacional. Cumpre dizer, enfim, que de
modo algum esse artigo pretendeu encerrar o assunto. Há diversas áreas a serem
exploradas e definidas. Todavia, a relação bibliográfica abaixo coloca essa discussão
num notável plano de esclarecimento.
REFERÊNCIAS:
Carvalho, Olavo. O Jardim das Aflições. É Realizações, 2000.
--- Por que não sou Liberal
http://www.olavodecarvalho.org/semana/070308jb.html
--- O patinho feio da política nacional
http://www.olavodecarvalho.org/semana/070319dc.html
--- É da cultura que estou falando
http://www.olavodecarvalho.org/semana/070328dce.html
--- A liberdade como parteira da tirania
http://www.olavodecarvalho.org/semana/070402dc.html
--- O capitalismo anticapitalisa
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090513dc.html
--- Moralidade sem Deus? In Fronteiras da Tradição, Nova Stella, 1986.
http://meucatolicismo.blogspot.com/2009/01/moralidade-sem-deus.html
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Carvalho (1986).
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