1 V Encontro Latino de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura ECONOMIA E IDEOLOGIA: A CIÊNCIA ECONÔMICA ENQUANTO INSTRUMENTO IDEOLÓGICO Luciano de Souza Costa1 Luiz Carlos Flávio2 Resumo: O presente artigo tem por objetivo discutir a relação entre ciência e ideologia, enfatizando que a ciência econômica pode ser um instrumento de poder, forjado à luz do pragmatismo e dogmatismo difundidos atualmente na mídia. Para tal realizaremos uma reflexão epistemológica da ciência, em específico da ciência econômica. Ressaltando ser a ciência econômica fruto do paradigma cartesiano e newtoniano, o qual fez com que esta se distanciasse da sua natureza enquanto ciência social e envolta por valores. Tentando transformá-la em ciência exata, passível de quantificação do comportamento e das relações do homem, sob o signo do homem egoísta e individualista. Tal tentativa, como veremos, levou à crise da ciência econômica, por separar a base da economia, i. e., separar a ética da economia. Palavras-chave: ciência, economia, ideologia. Introdução Na busca de uma explicação sobre a realidade, o homem lançou mão de várias formas de conhecimento como: mito, religião, arte e ciência. Desde o nascimento da ciência moderna, que se deu a partir do Renascimento/Iluminismo, observa-se um discurso de supremacia da ciência em relação às outras formas de conhecimento. Embora, esta possa ser comparada algumas vezes ao conhecimento mítico/religioso quanto às formulações dogmáticas. Assim, a ciência, enquanto conhecimento estruturado no paradigma cartesiano e newtoniano, produz campos de conhecimento, como a ciência econômica, baseados em um cientificismo que não permitem revelar os elementos da construção da realidade concreta. A ciência econômica ao se apresentar como uma ciência exata, negando sua natureza de ciência 1 Mestre em Economia pela UNICAMP e Docente do curso de economia da UNIOESTE/PR – e-mail [email protected] 2 e-mail Mestre em Geografia pela UNESP e Docente do curso de Geografia da UNIOETE/PR – [email protected] 2 social, e portanto, passível de influências de valores, princípios e interesses, oculta a influência e os processos constituintes de uma sociedade de classes, sob o pretexto irrealizável da “neutralidade” cientifica. Neste sentido, as concepções de ordem natural da sociabilidade pertencem a um corpo ideológico, que sustentam a visão de mundo burguesa. Doravante, estas concepções dão substância, em nome do desenvolvimento geral, à aplicação, por meio do Estado, Universidade, mídia e etc, de um conjunto de práticas liberais. Desse modo, o poder (político, econômico, cultural) é garantido não mais pela força, mas pela produção/manipulação do conhecimento. Assim, o próprio conhecimento torna-se um instrumento de poder. Portanto, o presente artigo discute a relação entre ciência e ideologia, ressaltando que a ciência econômica pode ser um instrumento de poder, forjado à luz do pragmatismo e dogmatismo difundidos atualmente na mídia. Neste sentido, é salutar discutir à luz da perspectiva marxiana e outras abordagens, como a atual ciência econômica, caracterizada pelos traços fragmentário e mecanicista, leva ao conservadorismo e à alienação das práticas sociais cotidianas. E, desse modo, dificulta o avanço da ciência, no que tange, às questões prementes do desenvolvimento social. 1. Ciência e Ideologia Segundo Joan Robinson, poucas pessoas se dão ao trabalho de estudar a origem de suas próprias convicções. Gostamos de continuar a crer no que nos acostumamos a aceitar como verdade. Por isso, a maior parte de nosso raciocínio consiste em descobrir argumentos, para continuarmos a crer no que cremos. A partir da afirmação de Robinson, o que devemos nos perguntar, se é possível separar ciência e ideologia, principalmente quando tratamos de ciências sociais.? Antes disto, se tentará compreender o que venha ser a ciência. O homem lançou e ainda lança mão de muitos métodos para conhecer o mundo como: o mito, a magia, a tradição, a filosofia, o senso comum e a ciência moderna. Pelo mito e pela magia o homem procurou explicar e dominar as forças naturais e espirituais. No campo do conhecimento prático, a tradição teve uma enorme importância. Por anos e anos o conhecimento foi transmitido de geração para geração permitindo uma acumulação deste que redundou em efeitos práticos. 3 Na Idade Antiga o homem desenvolveu o uso da razão como forma de apreensão do mundo. Foi a primeira tentativa de explicação racional do mundo, surgindo assim à filosofia. A partir dos desenvolvimentos teóricos do período renascentista, principalmente, a partir da contribuição de Galileu, surge a ciência moderna3. Galileu foi o primeiro a usar o método científico caracterizado pela observação dos fenômenos, seguido da tentativa de repetí-los via experimentação, para logo após expressá-los em relações matemáticas. Com isto procurou-se descobrir as leis naturais, universais e eternas por meio da regularidade dos fenômenos. Portanto, segundo Galileu, poderíamos prever os fenômenos e não apenas descrevê-los, prevendo-os poderíamos dominar a natureza e fazê-la trabalhar para o homem. Desse modo, nascia a ciência moderna sobre um rigoroso método de investigação, conhecido como método cientifico. Logicamente, estamos falando do método cientifico experimental que se restringia, a princípio, ao campo das ciências naturais, e mais tarde serviria de modelo para as ciências sociais sob os princípios de racionalidade, objetividade e neutralidade. Mas é evidente que, tal método aplicado às ciências sociais jamais poderia ser efetivo, fundamentalmente devido à natureza social do homem. Desse modo, este homem que só sobrevive em sociedade, terá que decidir sobre a produção e a distribuição material da vida, em um contexto de divisão da sociedade em grupos ou classes. Esta sociedade só poderá sobreviver se conseguir justificar diante aos seus membros porque decidiu produzir e distribuir de uma forma e não de outra, beneficiando uns e não outros, ou ainda todos. Não é a toa que toda organização social precisa legitimar-se. Segundo Araújo, a ideologia não é outra coisa senão o conjunto de normas, valores, símbolos, idéias e práticas sociais que procuram justificar as relações econômicas e sociais existentes no interior da sociedade que beneficiam um determinado grupo4. A partir desta definição, podemos concluir que a ideologia é uma estrutura de pensamento ligada a um grupo dominante. Este grupo tem muitos mecanismos de preservação de seus interesses, que vão desde o domínio do Estado até o controle da mídia em geral. Não se trata de uma elaboração maquiavélica, ao contrário, esta é fruto de um complexo processo social 3 4 Evidentemente que existiram outros precursores, mas a figura mais proeminente foi sem dúvida nenhuma Galileu. Segundo Karl Mannheim, em Ideologia e Utopia, a ideologia é o conjunto de idéias pertencente ao grupo dominante com o objetivo de preserva-se no poder, enquanto a utopia é o conjunto de idéias pertencente ao grupo dominado com o objetivo de contestar o poder. 4 espontâneo vazado por mecanismos racionais e por práticas sociais. Embora seja tanto uma forma de conceber a realidade e de escamotear a mesma criando uma ilusão. Neste sentido, como separar a ciência da ideologia, já que ambas se apresentam sob a forma racional, i.e., apoiadas em argumentos lógicos? Primeiramente devemos entender que a ciência objetiva a verdade e não a criação de uma. Seu universo é o das leis objetivamente estabelecidas. A ideologia move-se no universo dos valores. Ora, os valores sempre estão associados à um determinado ponto de vista. Os valores não são neutros, expressam uma determinada visão do mundo.O perigo da ideologia é que esta se apresenta com a roupagem de ciência, mas defende determinados interesses e não a verdade. Assim, a ideologia procura explicar o mundo, como a ciência, mas influenciada por valores. Ë um sistema de idéias que tende a transforma-se num sistema de crenças. Então segundo Araújo, é praticamente impossível separar ciência da ideologia. Os limites entre ciência e ideologia (bem como entre ciência e tradição) não são claros. Como distinguir entre estes dois campos? Tarefa difícil, senão impossível, porque não existe um lugar “não ideológico” a partir do qual se possa falar cientificamente sobre ideologia. Todo discurso ou qualquer elaboração mais ou menos sistemática pode estar contaminada pela ideologia, mas apresenta-se a nós como foros de ciência. A ideologia, para se expressar com eficácia, tende a aglutinar-se num conjunto de idéias. Estas idéias filtram-se até as últimas camadas da pirâmide sócia e, sorrateiramente, passam a governar o comportamento dos grupos que compõem a sociedade. Embora a ideologia esteja vinculada ao grupo dominante, ela é internalizada pela maioria dos membros da sociedade (pertençam ou não ao grupo dominante). A partir daí, os membros desta sociedade passam a acreditar na retidão das instituições. Apoiando neste sistema de idéias que, agora, se transformou num sistema de crenças, a aceitação da organização social existente torna-se espontânea. Justifica-se o status quo. (Araújo, p.17) Portanto, a ideologia opõe-se a ciência. Em certo sentido ela é a anticiência. Mas a própria ciência pode ter função ideológica. Isto ocorre quando ela se transforma em um instrumento de dominação nas mãos do grupo dominante. Não é raro que um grupo para se legitimar no poder use a ciência para tal. Os tecnocratas são um bom exemplo, pois tentam se legitimar no poder apelando para a ciência ou aplicação de um conhecimento sem privilegiar este ou aquele grupo. Todas as vezes que sistemas de idéias (ou práticas e símbolos sociais) são instrumentos para defender interesses de grupos ou classes dentro da sociedade, eles podem ser chamados legitimamente de sistemas ideológicos. Entretanto, nem todos os sistemas podem ser considerados como ideológicos, só o serão se estiverem a serviço de interesses parciais. 5 Ë evidente que, a economia não fica imune à ideologia, principalmente porque é uma ciência social envolta de valores. E a existência de várias correntes do pensamento econômico atesta isto. Partindo desta constatação nos perguntamos até que ponto a economia é uma ciência? Ou até que ponto ela está contaminada pela ideologia? Será a economia apenas um meio de dominação? Joan Robinson nos dá uma resposta, “a economia política sempre foi, em parte, veículo da ideologia dominante em cada período, em parte, método de investigação científica. Cabe ao economista distinguir o que é ideologia e o que é ciência”5. 2. A Ciência Econômica A história da ciência econômica é bastante recente. Sendo portanto uma das ciências mais jovens das ciências sociais6. Na verdade, sua história enquanto ciência, ou enquanto um conjunto coerente de reflexões sobre as relações econômicas, só começou cerca de duzentos anos, na era moderna. Precisamente quando as relações econômicas passam a se tornar independentes e dominantes na sociedade7. Pois, em períodos anteriores, como na Idade Antiga e na Idade Média, as relações econômicas eram submetidas às concepções ética/política e religiosa, respectivamente8. Embora, as atividades econômicas de que a ciência econômica se ocupa – produção, distribuição, circulação e consumo – estivessem presentes em todas as sociedades e em todas as épocas, muito tempo se passou até que se pudessem levantar questões relevantes acerca da produção material da sociedade. Até este momento as preocupações em torno da produção 5 Joan Robinson 1979 p. 8 As ciências sociais ocupam-se dos aspectos sociais e culturais do comportamento humano. Incluem a ciência econômica, a ciência política, antropologia, historia e etc.. 7 Segundo Napoleoni (1977 p. 9), “é justamente quando o processo econômico deixa de estar subordinado a factores que lhe são estranhos, que começa a constituir o objecto de um discurso específico, e já não a ocasião para considerações não sistemáticas integradas em discursos diferentes. Por outras, a obtenção da autonomia por parte do discurso econômico e a sua constituição em ciência específica corresponde à autonomia alcançada pelo processo econômico na história, por obra do capital”. E isto só ocorre, segundo o mesmo autor, a partir da constituição da sociedade burguesa, i. e, quando o capital passa a dominar não só o processo econômico mas também toda a sociedade. 8 Segundo Hugon (1995), na antiguidade a ausência de um pensamento econômico independente se explica pelo predomínio da filosofia e principalmente pelo restrito desenvolvimento das relações econômico. A filosofia imprime, então, uma orientação geral ao pensamento e impele o estudo independente e profundo dos problemas econômicos pelas seguintes princípios; i) preponderância do geral sobre o particular sobre o geral e ii) preponderância da igualdade e do desprezo pela riqueza. 6 6 material da sociedade foram marginais, não havendo necessidade de uma área especifica do conhecimento, ou seja, de uma ciência econômica para estudar tal assunto9. A vida simples nas sociedades primitivas, assentada em necessidades mínimas e de satisfação imediata, não era estímulo para maiores discussões sobre as causas das relações econômicas estabelecidas. Assim a vida sem grandes exigências, quer do homem, quer da organização societal de que fazia parte, era tal que cada homem e cada organização societal a si mesmos se bastavam na solução de seus problemas econômicos. Mesmo em fases posteriores, onde existiam sociedades mais complexas, as relações econômicas quando subordinadas, sejam a ética, a política ou a religião, não provocavam curiosidade quanto aos problemas econômicos. Todavia, a ausência de um pensamento econômico coerente e sistemático não pode nos levar a concluir que não existiam idéias econômicas até certo ponto relevantes. Assim, encontramos nos principais tratados filosóficos da idade Antiga algumas idéias que se tornaram importantes para as reflexões da era moderna. Aristóteles10 (384-322 a. C), em sua obra Política, apresenta a história da moeda, evidenciando a sua importância como intermediadora das trocas. Segundo ele, a troca por meio da moeda suprime os inconvenientes da troca direta. Mas também, citou outras funções da moeda como a medida de valor e reserva de valor. Tomando como base a troca e a moeda, Aristóteles realizou uma importante divisão na analise econômica, esta foi dividida em: crematística natural ou economia doméstica, quando se referia às relações domésticas de produção da vida, a qual julgava boa e necessária e, crematística não-natural ou economia mercantil, quando se referia a troca mercantil, esta era censurável por levar o homem a auferir da troca um ganho reprovável por ser contrário a natureza humana ou seja desprendida das questões materiais11. Assim, o termo Oikonomos, ou economia, foi cunhado na antiguidade, provavelmente por Xenofonte12 (440-335 a. C.) e, significa; Oikos – casa e nomos – normas, ou seja, normas de 9 Existem apenas raras e fragmentadas idéias econômicas nos tratados filosóficos, não havendo nenhuma obra de economia política nos moldes, por exemplo dos tratados de mecânica ou geometria da época. 8 Autor Grego de Política e Ética de Nicômaco.. 9 As idéias de Aristóteles, sobre presença da moeda na sociedade Antiga, teve importância profunda e durável, ainda que diferenciado, no pensamento econômico na Idade Média e da Idade Moderna. Influenciando por exemplo Marx quanto a divisão da economia e a reflexão quanto a moeda. 10 Autor Grego de Economia e Tratado dos Rendimentos. Afirmava que era o metal precioso a essência do valor da moeda 11 A produção é quase exclusivamente rural e de subsistência, as trocas são insignificantes e na maioria das vezes familiares, jamais ultrapassando o espaço local, principalmente devido, além da insegurança quanto a esta 7 administração da casa. Aristóteles adotava esse vocábulo para se referir à administração das atividades particulares ou domésticas, porém entendia que poderiam existir várias outras denominações; no setor público, conforme as eventuais estruturas de governo: economia regia quando se referia à administração monárquica, economia provincial quando se referia às províncias, e ainda, economia política para qualificar a cidade-estado (polis). Embora, o meio econômico fosse mais intenso em Roma do que na Grécia, a existência de uma vida econômica relevante não contribuiu para um pensamento econômico geral e independente. Assim, o pensamento econômico romano foi como o pensamento grego subordinado, mas agora não mais à filosofia e sim à política. Enquanto, os gregos desprezavam a riqueza por conta das doutrinas filosóficas, os romanos desprezavam a riqueza por conta do espírito político preponderante na sua sociedade. A missão histórica da Roma Antiga foi militar e, sobretudo, política. Desta forma, a riqueza constituía em apenas um meio de assegurar hegemonia política e jamais uma promessa de bem estar. As grandes realizações, sejam as estradas ou aquedutos seja objetos de arte tinham sempre o mesmo fim, o político, nunca o econômico. Com a crise do Império Romano, o mundo tornou-se mais perigoso devido os ataques dos bárbaros, e surge uma economia fechada e autônoma baseada na terra e estruturada a partir da relação servil13. Do século V ao XI a Europa, de modo geral, mergulhou em um período de decadência e escuridão, devido o domínio da Igreja Católica que impedia o florescimento das idéias, as quais poderiam contrapor-se ao interesse dos nobres e do clero. Por isso, este período ficou conhecido como o período das trevas. Assim, não só o pensamento econômico mas todo e qualquer pensamento diferente da concepção religiosa foi sufocado, dando margem apenas às orientações normativas por parte da Igreja Católica, como por, a proibição da usura e a defesa de um preço justo, o que resultava na aversão dos comerciantes. atividade, mas também devido a precariedade do estado dos meios materiais como por exemplo, as péssimas condições das estradas e dos meios jurídicos de troca (moeda é de mau quilate, circulação restrita e passível de fraude . Segundo Hugon (1995, p. 45), “é a sombra do castelo senhorial que a vida econômica transcorre. Então, criou-se um sistema fragmentado em termos econômicos e políticos. 12 Estes foram influenciados principalmente pelos livros sagrados, mas alguns foram influenciados pelas obras de Aristóteles, A moral e sobretudo a Política. E hoje são mais conhecidos como escolásticos por tentarem conciliar os princípios religiosos com o uso da razão. 8 Neste sentido, a Igreja Católica exerceu grande influencia não só na vida econômica mas em toda vida medieval. Teólogos, canonistas e moralistas são os mais influentes pensadores desta época14. Estes buscaram no pensamento econômico moralizar as relações econômicas, especificamente o interesse pessoal, por meio dos seguintes princípios; o da moderação em relação a propriedade e ao lucro. Tomando de Aristóteles a idéia de equilíbrio para que haja justiça nas relações, e no campo econômico, preço e salário justos. Este princípio de moderação além de ser fundamentado nas idéias de Aristóteles também encontrava eco no evangelho de Lucas. Daí a proibição do empréstimo a juros – conhecido como usura já que, segundo o argumento de Aristóteles, o dinheiro é estéril, ou seja, o dinheiro é coisa fungível cujo valor de uso não pode ser separado de sua propriedade. Evidentemente, que por pressão da realidade vai se abrindo exceções quanto a usura, mas este processo faz com que ao passar do tempo a exceção se torne a regra. Mas a partir do século XI e XII, com a diminuição dos ataques dos bárbaros, e portanto retorno da segurança no transito pelas estradas da Europa, fez com que renascesse a vida econômica, principalmente, baseada nas trocas. Daí o desenvolvimento das feiras e das cidades, impulsionadas também, diga-se de passagem, pela tentativa do servo de liberta-se da opressão dos senhores feudais que crescia cada vez mais, dado o aumento do consumo de produtos de luxo. Além das próprias cruzadas que permitiram, pelo trânsito, a maior permuta entre as pessoas. Portanto, o desenvolvimento do comércio, ainda que em nível regional, possibilitou o ressurgimento da preocupação quanto aos problemas econômicos. Nicolau Orèsme, pertencente a corrente escolástica, e considerado um notável pensador do final da Idade Média, ao escrever, Breve tratado da primeira função da moeda e das causas e espécies (1336), dá inicio ao estudo sobre questões puramente econômicas15. Assim segundo Zamora16, o termo economia ficou esquecido ao desaparecer a civilização greco-romana e a constituição de uma relação econômica não-mercantil, ressurgindo em 1615, ano em que Antoine Montchrétian publicou, sob o titulo de Traité de l’economie politique, uma obra na qual sustentava que contrariamente ao entender dos gregos a ciência da aquisição da riqueza é comum ao estado e à família e, por conseguinte, jamais deveremos dissociar o adjetivo 15 Este autor influenciou pensadores como Copérnico e Descartes. E sem dúvida nenhuma influenciou profundamente todos os estudos posteriores sobre moeda. 9 político do substantivo economia para designá-la17. Esta denominação logo se popularizou, talvez porque nessa época, a do mercantilismo, era geral a crença de que o Estado deveria intervir na atividade econômica dos particulares. Mas a preocupação quanto aos problemas econômicos é suscitada, sem dúvida nenhuma, porque se presenciava uma nova estrutura econômica. Com o fim do feudalismo, ou seja, do sistema baseado nas relações servis de produção, surge um novo modo de produção baseado na relação salarial, em suma no mercado. Na verdade, quando ressurgiu o termo economia, já havia uma maior preocupação pelas questões econômicas, principalmente porque, a principal preocupação dos Estados Nacionais ou Absolutistas, que se formaram durante a transição do feudalismo para o capitalismo, era quanto à ampliação das riquezas - identificadas neste período com o ouro e prata. Para tal, os Estados Absolutistas imprimiram uma série de regulamentação restritivas e protecionistas com o intuito de acumular mais ouro e prata. Nascia uma nova estrutura econômica e portanto a economia enquanto campo do saber se revestiu da roupagem da ciência do Estado e da nação, recebendo em 1615, no Tratado de economia política, de Antoine Montchrétien, na França, pela primeira vez passou a ser denominar economia política e a ser reconhecida como auxiliar a arte de governar. Expressão esta, como veremos, utilizada até o surgimento da escola neoclássica. Com o surgimento do Estado Absolutista, no século XVI, inicia-se o estudo sobre a economia, principalmente devido a tentativa de encontrar respostas para o aumento da riqueza de uma nação. Embora a atividade econômica fosse bastante relevante, mercadores, financistas, homens de governo e até alguns filósofos dedicavam-se ao debate dos aspectos cotidianos da produção material, sem, no entanto, se constituir em um campo específico do saber, pelo mesmo segundo os princípios científicos. Mas foi a partir da escola fisiocrata, no início do século XVII, fundada pelos economistas franceses, que se inicia o estudo da economia sob pressupostos científicos, semelhantes aos praticados nas ciências físicas e naturais. Estes tinham uma visão de conjunto e, não mais fragmentada, individualizada e empirista como a dos mercantilistas. Os fisiocratas são os primeiros a apontarem a existência de leis econômicas ligadas a uma ordem natural e 16 17 Apud Gastaldi (2003, p. 11) Segundo Gastaldi (2003), William Petty compartilhou dessa opinião, sendo o primeiro pensador inglês a utilizar a expressão economia política como sinônimo de aritmética política, nome dado por ele ao estudo quantitativo da economia. 10 providencial, com as quais tornaria o Estado Absolutista um estorvo quando interviesse na economia. Assim, a vigência de uma ordem natural e providencial fundada no interesse individual iria estabelecer o justo preço em uma economia de livre concorrência. Se os desbravadores foram os fisiocratas, Adam Smith foi sem dúvida nenhuma aquele que representou o marco definitivo do surgimento da economia moderna enquanto ciência, com leis e objeto próprios; preocupada, fundamentalmente, com a transformação de coisas úteis em riqueza econômica, tendo o homem como sujeito e a sociedade como predicado. Dando por fim, início a corrente clássica do pensamento econômico com seu viés liberal e individualista. Todavia, a grande questão que se coloca, é como estes pensadores (fisiocratas e clássicos) abordavam as questões econômicas? Segundo Capra (1982), o triunfo da mecânica newtoniana estabeleceu a física como protótipo de ciência para todas as outras ciências. Quanto mais as outras ciências utilizassem os métodos aplicados pela física, mais respeitadas elas seriam junto à comunidade científica. Além da adoção das preposições cartesiana como a redução e fragmentação do objeto de estudo, analisado a partir do principio da neutralidade. Assim, as ciências sociais adotaram os paradigma cartesiano/newtoniano para elaboração de teorias e conceitos científicos. Contudo, isto implicou em uma série de problemas, haja vista as dificuldades em enquadrar relações sociais em modelos matemáticos. Neste sentido, tais modelos se tornaram ao passar do tempo cada vez menos realistas. Sendo hoje isto particularmente evidente na economia. A economia atual caracteriza-se pelo enfoque mecânico, reducionista e fragmentário típico de todas as ciências modernas. O erro básico foi acreditar na existência de leis naturais para relações sociais, bem como na possibilidade de dividir essa textura em fragmentos supostamente independentes, dedicando-se ao estudo por partes. Somam-se as estes, a exclusão da dinamicidade das relações econômicas que implica em última instância o não reconhecimento da importância dos valores na mudança da sociedade. Nas palavras de Capra (1982, p. 102), “a maioria dos economistas contemporâneos lamentavelmente despreza tal estrutura, pois ainda estão fascinados pelo absoluto rigor do paradigma cartesiano e pela elegância dos modelos newtonianos; assim estão cada vez mais distanciados das realidades econômicas atuais” Os valores que inspiram a vida de uma sociedade determinarão sua visão de mundo; assim como as instituições religiosas, política e econômica, bem como o potencial cultural e tecnológico. Então, o estudo dos valores é, pois, de grande importância para todas as ciências 11 sociais, porque é impossível existir uma ciência isenta dos valores. Aqueles que negam estão tentando fazer o impossível. Ademais, ao tentarem evitar a questão dos valores, os cientistas sociais não estão sendo mais científicos, ao contrário, porque tentam esconder os pressupostos subjacentes a suas teorias. E a economia é entre as ciências sociais a mais normativa e dependente dos valores, porque sempre tenta determinar o que é valioso. Portanto, estas abordagens mecânicas, reducionistas e fragmentárias da economia contemporânea, a preferência por modelos quantitativos abstratos e a negligencia a dinamicidade econômica resultaram numa imensa defasagem entre a teoria e a realidade, por não considerarem os valores, que após a revolução cientifica e o iluminismo guiou as reflexões segundo o racionalismo, o empirismo e o individualismo. Na mesma linha de raciocínio, Amartya Sem (1999), afirma que a economia teve duas origens muito diferentes, ambas relacionadas à política, porém relacionadas de modos bem diversos, respectivamente concernentes ética, de um lado, e a engenharia, de outro18, que implicam hoje em dia numa crise da ciência econômica. O estudo da economia, embora esteja de imediato associado à busca da riqueza, também pode ser associado a outros aspectos, abrangendo avaliação e intensificação de objetivos mais básicos.”A vida empenhada no ganho é uma vida imposta, e evidentemente a riqueza não é o bem que buscamos, sendo ela apenas útil e no interesse de outra coisa”. Assim a economia, em última análise, relaciona-se ao estado da ética e da política, e esse ponto de vista é elaborado na Política de Aristóteles. Portanto, Amartya Sen afirma que não podemos dissociar o estudo da economia da ética e da filosofia política sob o risco de entrarmos em um terreno perigoso do conhecimento. A segunda origem, relacionada à abordagem da engenharia, caracteriza-se por ocupar-se de questões primordialmente logísticos em vez de fins supremos e de questões quanto à promoção do bem para o homem ou como devemos viver. A partir de abordagem considera-se que os fins são dados muito diretamente, e o objetivo do exercício é encontrar os meios apropriados de atingí-los. O comportamento humano nessa abordagem baseia-se tipicamente em motivos simples e facilmente caracterizáveis. Essa abordagem teve origem principalmente na 18 A tradição ligada à ética remonta no mínimo a Aristóteles. Logo no inicio de Ética a Nicônamo, Aristóteles associa o tema economia aos fins humanos, referindo-se à sua preocupação com a riqueza. Ele considera a política como sendo a arte mestra. A política subordina todas as demais ciências, inclusive a economia. Legislando assim, sobre o que devemos fazer e o que não devemos fazer, a finalidade da economia deve levar em consideração a política para que a finalidade última seja o bem para o homem. 12 concepção utilitarista do século XIX, tendo como principal precursor Jeremy Bentham. Assumindo forma definitiva com os neoclássicos, em particular, com Leon Walras19. Embora possamos também dizer que os pioneiros foram Willian Petty; o qual tentou enquadrar a economia nos moldes de uma ciência natural e mecânica, por meio da análise quantitativista; e François Quesnay20, o primeiro a se autodenominar economista e a pensar a economia de forma geral e orgânica21. Enfim dada esta dupla natureza da economia, Amartya Sen conclui que a crise da economia é provocada pela tentativa de separar algo inseparável, e que portanto, tanto abordagem ética quanto a abordagem da engenharia devem ser reconhecidamente pertinentes ao estudo da economia. Por sua vez Coutinho afirma que, embora desde o século XVII houvesse um maior interesse por questões como; juros, preços, câmbio, foi somente a partir do século XVIII, especificamente, a partir de meados de 1750, que se deu início à uma nova forma de abordar as questões econômicas. Uma notável concentração cronológica; Quesnay (1756-58), Cantillon (1755), Hume (1752), James Stuart (1757) e, finalmente, Smith (1776), deram inicio a um tratamento amplo e compreensivo à temática econômica. Malgrado ainda não se reconhecerem como economistas (à exceção dos fisiocratas) os interlocutores aceitaram em torno de um objeto de cientifico novo, mas que apontava para uma unidade e apresentava comportamento suscetível de um estudo em bases cientificas. Por exemplo, Smith e Quesnay se diziam filósofo e médico, respectivamente. Porém ambos abordavam a temática econômica com a metodologia e os instrumentos da melhor investigação sistemática de então. Esta abordagem representa uma revolução, pois o debate econômico era travado segundo os interesses particulares imediatos. Todavia, a partir de meados do século XVIII, a isenção dos pensadores, que não são mais comerciantes ou membros do governo, em relação ao objeto de estudo faz com que o debate tenha um caráter de respeitabilidade. Trata-se 19 Economista francês do século XIX que muito contribuiu para resolver numerosos problemas técnicos nas relações econômicas especialmente aqueles ligados aos mercados. Sendo o fundador da teoria do Equilíbrio Geral. 18 Médico da Madame Pompadour e mais tarde de Luis XV e fundador da escola fisiocrata. 19 Segundo Amartya Sen, pode-se ainda se remeter, quanto à origem desta abordagem, aos estudos econômicos que se desenvolveram a partir de análises de técnicas estatísticas. 13 de homens notáveis e insuspeitos aos olhos dos contemporâneos, que puderam analisar uma esfera que até então desprezada, a produção da vida material em sociedades mercantis22. O rápido desenvolvimento das relações econômicas levou a que filósofos e naturalistas, muitos dos quais formados na tradição filosófica e cientifica do iluminismo/racionalismo, incorporasse tal esfera em suas reflexões. Transformaram os temas da vida mercantil em objeto de conhecimento sistemático, objetivo e racional. Dão aos assuntos econômicos o estatuto de campo de investigação cientifica. Em suma, fundam uma nova ciência, o que é pouco perceptível em meados do século XVIII, ter-se-á tornado evidente entre a última década deste e a primeira do século posterior. Neste sentido, as raízes da economia política não podem ser entendidas sem a compreensão das influências do racionalismo e iluminismo, ou ainda, sem a compreensão dos desdobramentos da filosofia do direito natural, do contesto histórico e da ideologia liberal. Tanto quanto a filosofia da época, a economia veio a se beneficiar dos desdobramentos das ciências naturais e do impacto destas sobre o conhecimento humano em geral. Os cientistas haviam mostrado ser possível a aplicação da observação sistemática e da experimentação no entendimento da natureza, incluindo o corpo humano. As analogias mecânicas e fisiológicas são logo transportadas para um objeto de conhecimento, a sociedade humana, anteriormente excluída do campo de observações científicas. As analogias mecânicas e fisiológicas, tão presentes, por exemplo, nos trabalhos de Petty e Quesnay, cumprem o papel de transpor o paradigma harmonicista, funcional e experimentalista das ciências da natureza para a atividade humana. Fugindo aos contornos das prescrições escolásticas, os pensadores passam a conceber a sociedade humana como um sistema regido por leis. (Coutinho: 1993, p 23) O jusnaturalismo, movimento filosófico que influenciou o debate político e moral, também influenciou as interpretações econômicas a partir de uma determinada concepção do homem e da sociedade. Embora, o objetivo da filosofia jusnaturalista não fosse elucidar os temas propostos pela produção material, nem tampouco analisar as relações econômicas. Seu real objetivo foi construir uma ética racional separada definitivamente da teologia e por si só se constituir em um instrumento de interpretação da conduta humana. O jusnaturalismo se caracteriza, conforme Bobbio, sobretudo por um princípio metodológico, o primado da razão. A idéia da existência de uma natureza humana passível de ser conhecida interessa em muito à 22 A medicina, constituindo no século XVII uma das poucas áreas de vanguarda na ciência experimental admitida nos meios universitários, atraiu as mentes inquietas e sequiosas de inovação, desejosas de obter formação acadêmica e acesso a um meio de vida confortável. Alguns médicos-economistas chegaram aos temas econômicos (Locke, 14 economia. O racionalismo jusnaturalismo propõe uma noção de natureza humana decisiva para a economia política. De fato, a subordinação da ação humana à idéias de regularidade e causalidade permite submeter as relações econômicas ao caudal reflexivo do racionalismo. A identificação da natureza humana, por meio da razão, redundou na concepção do homem econômico. Do jusnaturalismo, a economia política herdou também o debate que fundamentou as concepções sobre a formação da sociedade política. Como se sabe o jusnaturalismo fndou o Estado e a legitimidade do poder coercitivo do Estado sobre a sociedade civil, dado o estado de natureza concebido por esta corrente filosófica. São notórias as influências dos escritos de Hobbes, Locke e Rosseau nos textos econômicos. Em suma, eles contribuiriam para a naturalização do homem econômico. Este mesmo homem que ao obedecer aos instintos aquisitivos, próprios da sua natureza humana, beneficiará toda a sociedade. O contexto histórico do debate econômico não poderia ser outro a não ser o período mercantilista. Período caracterizado pela forte intervenção do Estado na economia baseada em uma ideologia nacional e no interesse de ampliar a riqueza da nação. Neste sentido, pressupunha um Estado centralizador capaz de fazer frente o particularismo ranço do feudalismo, favorecendo a produção mercantil no espaço restrito da nação. Portanto, duas noções são inseparáveis desse Estado, quais sejam; unidade política e acumulação de ouro ou prata. Não existe, a rigor, o pensamento econômico uniforme sob o mercantilismo, e muito menos uma escola de pensamento. Os autores tipicamente mercantilistas divergem em numerosas questões; de resto, as idéias econômicas não se enfeixam ainda em um conjunto de procedimentos minimamente coerente, até o nascimento da economia política clássica. Para nós, o mercantilismo representa principalmente a emergência de questões econômicas no debate coerente, pano de fundo para o posterior desenvolvimento da reflexão sistemática em economia. (Coutinho 1993, p. 29) As principais questões levantadas pelos mercantilistas estavam associadas ao se contexto histórico evidenciando uma preocupação imediata e empírica. Entre elas podemos citar: em primeiro lugar aquelas suscitadas pela existência de Estados Nacionais, principalmente quanto a riqueza da nação, em segundo lugar, poderíamos dizer que as rivalidades internacionais fomentaram comparações entre os países e digressões sobre as causas do atraso e do progresso Petty e Quesnay) por solicitação de uma clientela aristocrática, que os via como conselheiros em saúde e em questões econômicas. 15 das nações23, e finalmente, ainda que de modo subordinado à grande temática da riqueza nacional pelo comercio, e ainda incipiente, estava a discussão acerca do valor e preço24. O mercantilismo deste modo pela gama de questões suscitadas coloca as questões econômicas no primeiro plano do debate corrente. O que consolidou um conjunto de temas próprios da economia como juros, preços, câmbio, riqueza, tributação. Assim, é a partir desses temas, e muitas vezes em oposição aos postulados mercantilistas que nasceu a economia política clássica sob o manto do individualismo e do liberalismo. Desta forma, não podemos entender a formação desta nova ciência sem falarmos dos princípios liberais. A associação da economia política clássica ao liberalismo é inegável. Tanto é que Smith e Ricardo ficaram famosos mais pelas assertivas sobre os princípios liberais do que por outras contribuições teóricas. Jamais esqueceremos a mão invisível de Smith e a teoria das vantagens comparativas de Ricardo. O liberalismo não é apenas um apêndice ideológico à ciência da economia política, ao contrário é da essência desta. O liberalismo representa a face econômica do iluminismo/racionalismo ao conceber a existência de uma ordem natural na sociedade e na economia, cujo papel do Estado era preservar. Neste sentido, a existência de leis naturais não colide com o Estado, pois este deve preservar a ordem natural e jamais interferir como fazia o Estado mercantilista. O liberalismo demarca o escopo da reflexão econômica, a riqueza da nação passa a ser identificada com a riqueza privada, e os economistas passam a analisar a produção de mercadorias. Portanto, o liberalismo e o espírito cientifico herdado do jusnaturalismo fundam uma nova ciência: a economia política. A partir de meados do século XVIII, tentou-se dar novas denominações à economia em consonância com os princípios liberais e em oposição ao intervencionismo dos mercantilistas, e também, num esforço de delimitação do escopo da economia e da política ou da ciência do governo. Como por exemplo: ciência das trocas (catalítica) e ciência da riqueza (plutologia). Mas a denominação mais conhecida e utilizada até o final do século XIX foi economia política, pois, 23 Um grande exemplo foi o paradoxo com relação aos países ibéricos e a Holanda e Inglaterra, pois sendo os primeiros grandes em termos de acumulação de ouro e prata não conseguiram fazer frente ao dinamismo dos últimos. Outro paradoxo não mesmo intrigante, foi como explicar sendo a Holanda um país pobre em população e em recursos naturais ser dinâmica economicamente falando. 24 Alguns autores como Petty chegaram a esboçar uma teoria do valor-trabalho. Outros concluíram que os preços são fixados segundo a oferta e demanda. 16 após este momento, os impulsionados pela tentativa de tornar a economia uma ciência mais exata, ou seja, isenta de valores, os neoclássicos fundam a ciência economia caracterizada por seus traços, objetivos, racionais e neutros. Assim, a economia deixa de ser a ciência do bom governo para se tornar a ciência da riqueza privada25. Entretanto, o conceito de ciência econômica pode refletir hoje dois conteúdos totalmente opostos ora enfatizando os aspecto social (relação homem-homem) ora enfatizando o aspecto individual (relação homem-objeto)26. Segundo Gide, que enfatiza o aspecto social, “a economia trata das relações do homem em sociedade, que o conduzem à satisfação de suas necessidades, ao seu bem-estar, e dependem da posse de objetos materiais” 27. Já economistas utilitaristas como; Sênior e Bastiat, e os neoclássicos como; Jevons e Menger, afirmam que o objetivo da ciência é estudar as relações entre o homem e os objetos. Definido assim, a ciência econômica como sendo o estudo da alocação eficiente dos recursos escassos. Mas parece que a melhor concepção é aquela que concebe esta ciência como o estudo das leis que presidem a produção, distribuição, circulação e o consumo das riquezas. Pois não reduz, como os neoclássicos gostariam, o escopo da análise da economia apenas ao âmbito da circulação e, nem mesmo separa a ética e a política da economia. Assim, segundo Santos, a economia é uma só, embora o seu objeto possa ser considerado de maneira especulativo ou prático28. 25 Os neoclássicos, Jevos, Menger, Walras e Marshall, foram os pensadores que fundaram a ciência econômica moderna, estes foram influenciados principalmente pelos utilitaristas, como: Bentham, Say, Sênior e Bastiat. 26 Assim também é para Gide (apud Gastaldi 2003), a ciência econômica se reveste de uma dúplice fisionomia, se apresentado ora como economia política pura e ora como economia política social. Enquanto economia política pura, a ciência econômica seria uma ciência exata, na qual as relações econômicas percebidas como relações naturais, eterna e imutáveis, sem a mínima preocupação de julgá-las à luz da moral e da história e, portanto, da sua face prática e real, podendo recorrer a métodos matemáticos para reduzir a realidade a funções matemáticas. Enquanto economia política social, a ciência econômica é vista como uma ciência social, pois estuda as relações que são formadas entre homens, sob diversas formas como; associações, legislação e instituição, tendo a preocupação de ampliá-las ou aperfeiçoá-las. Explicando o que é parte-se para transformar. Por isso se diz que como ciência, a economia investiga as relações presentes entre os fatos econômicos; e, como arte econômica, volta-se à aplicação prática com o objetivo de ampliar a riqueza social, segundo os melhores e mais avançados métodos e processos. Como ciência, a economia indaga sobre as condições e causas da riqueza. Como arte, indaga sobre os meios e modos para aumentar o potencial da riqueza. 25 Apud Gastaldi (2003) 26 Ibidi 27 Ver sobre espitemologia da ciência uma discussão para economia em Sussmann (1990) 17 Considerações finais O homem tem suficiente sabedoria para questionar o seu conhecimento e deve fazê-lo constantemente, principalmente em momento de crise como hoje. Crise não só social e das relações humanas, mas fundamentalmente do conhecimento. Tal procedimento é o que chamamos de epistemologia29. Partindo do pressuposto de que o conhecimento é antes de tudo uma forma da particular da concreticidade. Neste sentido, devemos assumir a fragilidade e a historicidade da produção do conhecimento. Como também devemos estar cientes da substancia valorativa do conhecimento. Para fugir dessas idiossincrasias se desenvolveu o pressuposto cientifico para o conhecimento. Este válido para as ciências sociais e naturais, e em particular para a economia. Mas a economia não raro se depara com o dilema da peculariedade do seu objeto e o uso de um método impróprio, e portanto entra em crise. Mas esta crise tem origem na tentativa de torná-la uma ciência exata isenta dos valores, os quais lhe são intrínsecos. Desta forma, é ilusório e ideológico querer implementar tal façanha. Ilusório, porque jamais conseguiremos igualar fenômenos sociais aos naturais, mesmo que insistamos muito. E Ideológico, porque isto faz parte de uma concepção de mundo, a qual que nos fazer crer ser impossível ao ser humano mudar os rumos da sociedade, haja vista a existencia de leis naturais, universais e eternas. Neste sentido, o homem não é o sujeito da história, e portanto, devemos aceitar tudo com naturalidade. Por exemplo, a globalização, o Estado mínimo e etc. Referências bibliográficas ARAÚJO, C. R. V. História do pensamento econômico. São Paulo: Atlas, 1990 CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982 COUTINHO, M. C. Lições de economia política. São Paulo: Hucitec, 1993 GASTALDI, J. P. Elementos de economia política. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2003 HUGON, P. História das doutrinas econômicas. 14. ed. São Paulo: Atlas, 1980 NAPOLEONI, C. O valor na ciência econômica. São Paulo: Martins Fontes 1977 ROBINSON, J. Filosofia econômica. São Paulo: Zahar, 1979 SEN, A . Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999 SUSMANN, M. Teoria do conhecimento econômico. Rio de Janeiro: Objetiva, 1990