V Encontro Latino de Economia Política da Informação

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V Encontro Latino de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura
ECONOMIA E IDEOLOGIA:
A CIÊNCIA ECONÔMICA ENQUANTO INSTRUMENTO IDEOLÓGICO
Luciano de Souza Costa1
Luiz Carlos Flávio2
Resumo: O presente artigo tem por objetivo discutir a relação entre ciência e ideologia,
enfatizando que a ciência econômica pode ser um instrumento de poder, forjado à luz do
pragmatismo e dogmatismo difundidos atualmente na mídia. Para tal realizaremos uma reflexão
epistemológica da ciência, em específico da ciência econômica. Ressaltando ser a ciência
econômica fruto do paradigma cartesiano e newtoniano, o qual fez com que esta se distanciasse
da sua natureza enquanto ciência social e envolta por valores. Tentando transformá-la em ciência
exata, passível de quantificação do comportamento e das relações do homem, sob o signo do
homem egoísta e individualista. Tal tentativa, como veremos, levou à crise da ciência econômica,
por separar a base da economia, i. e., separar a ética da economia.
Palavras-chave: ciência, economia, ideologia.
Introdução
Na busca de uma explicação sobre a realidade, o homem lançou mão de várias formas de
conhecimento como: mito, religião, arte e ciência. Desde o nascimento da ciência moderna, que
se deu a partir do Renascimento/Iluminismo, observa-se um discurso de supremacia da ciência
em relação às outras formas de conhecimento. Embora, esta possa ser comparada algumas vezes
ao conhecimento mítico/religioso quanto às formulações dogmáticas.
Assim, a ciência, enquanto conhecimento estruturado no paradigma cartesiano e
newtoniano, produz campos de conhecimento, como a ciência econômica, baseados em um
cientificismo que não permitem revelar os elementos da construção da realidade concreta. A
ciência econômica ao se apresentar como uma ciência exata, negando sua natureza de ciência
1
Mestre em Economia pela UNICAMP e Docente do curso de economia da UNIOESTE/PR – e-mail
[email protected]
2
e-mail
Mestre em Geografia pela UNESP e Docente do curso de Geografia da UNIOETE/PR –
[email protected]
2
social, e portanto, passível de influências de valores, princípios e interesses, oculta a influência e
os processos constituintes de uma sociedade de classes, sob o pretexto irrealizável da
“neutralidade” cientifica.
Neste sentido, as concepções de ordem natural da sociabilidade pertencem a um corpo
ideológico, que sustentam a visão de mundo burguesa. Doravante, estas concepções dão
substância, em nome do desenvolvimento geral, à aplicação, por meio do Estado, Universidade,
mídia e etc, de um conjunto de práticas liberais. Desse modo, o poder (político, econômico,
cultural) é garantido não mais pela força, mas pela produção/manipulação do conhecimento.
Assim, o próprio conhecimento torna-se um instrumento de poder.
Portanto, o presente artigo discute a relação entre ciência e ideologia, ressaltando que a
ciência econômica pode ser um instrumento de poder, forjado à luz do pragmatismo e
dogmatismo difundidos atualmente na mídia. Neste sentido, é salutar discutir à luz da perspectiva
marxiana e outras abordagens, como a atual ciência econômica, caracterizada pelos traços
fragmentário e mecanicista, leva ao conservadorismo e à alienação das práticas sociais cotidianas.
E, desse modo, dificulta o avanço da ciência, no que tange, às questões prementes do
desenvolvimento social.
1. Ciência e Ideologia
Segundo Joan Robinson, poucas pessoas se dão ao trabalho de estudar a origem de suas
próprias convicções. Gostamos de continuar a crer no que nos acostumamos a aceitar como
verdade. Por isso, a maior parte de nosso raciocínio consiste em descobrir argumentos, para
continuarmos a crer no que cremos. A partir da afirmação de Robinson, o que devemos nos
perguntar, se é possível separar ciência e ideologia, principalmente quando tratamos de ciências
sociais.? Antes disto, se tentará compreender o que venha ser a ciência.
O homem lançou e ainda lança mão de muitos métodos para conhecer o mundo como: o
mito, a magia, a tradição, a filosofia, o senso comum e a ciência moderna. Pelo mito e pela magia
o homem procurou explicar e dominar as forças naturais e espirituais. No campo do
conhecimento prático, a tradição teve uma enorme importância. Por anos e anos o conhecimento
foi transmitido de geração para geração permitindo uma acumulação deste que redundou em
efeitos práticos.
3
Na Idade Antiga o homem desenvolveu o uso da razão como forma de apreensão do
mundo. Foi a primeira tentativa de explicação racional do mundo, surgindo assim à filosofia. A
partir dos desenvolvimentos teóricos do período renascentista, principalmente, a partir da
contribuição de Galileu, surge a ciência moderna3. Galileu foi o primeiro a usar o método
científico caracterizado pela observação dos fenômenos, seguido da tentativa de repetí-los via
experimentação, para logo após expressá-los em relações matemáticas. Com isto procurou-se
descobrir as leis naturais, universais e eternas por meio da regularidade dos fenômenos.
Portanto, segundo Galileu, poderíamos prever os fenômenos e não apenas descrevê-los,
prevendo-os poderíamos dominar a natureza e fazê-la trabalhar para o homem. Desse modo,
nascia a ciência moderna sobre um rigoroso método de investigação, conhecido como método
cientifico. Logicamente, estamos falando do método cientifico experimental que se restringia, a
princípio, ao campo das ciências naturais, e mais tarde serviria de modelo para as ciências sociais
sob os princípios de racionalidade, objetividade e neutralidade.
Mas é evidente que, tal método aplicado às ciências sociais jamais poderia ser efetivo,
fundamentalmente devido à natureza social do homem. Desse modo, este homem que só
sobrevive em sociedade, terá que decidir sobre a produção e a distribuição material da vida, em
um contexto de divisão da sociedade em grupos ou classes. Esta sociedade só poderá sobreviver
se conseguir justificar diante aos seus membros porque decidiu produzir e distribuir de uma
forma e não de outra, beneficiando uns e não outros, ou ainda todos. Não é a toa que toda
organização social precisa legitimar-se. Segundo Araújo, a ideologia não é outra coisa senão o
conjunto de normas, valores, símbolos, idéias e práticas sociais que procuram justificar as
relações econômicas e sociais existentes no interior da sociedade que beneficiam um determinado
grupo4.
A partir desta definição, podemos concluir que a ideologia é uma estrutura de pensamento
ligada a um grupo dominante. Este grupo tem muitos mecanismos de preservação de seus
interesses, que vão desde o domínio do Estado até o controle da mídia em geral. Não se trata de
uma elaboração maquiavélica, ao contrário, esta é fruto de um complexo processo social
3
4
Evidentemente que existiram outros precursores, mas a figura mais proeminente foi sem dúvida nenhuma Galileu.
Segundo Karl Mannheim, em Ideologia e Utopia, a ideologia é o conjunto de idéias pertencente ao grupo
dominante com o objetivo de preserva-se no poder, enquanto a utopia é o conjunto de idéias pertencente ao grupo
dominado com o objetivo de contestar o poder.
4
espontâneo vazado por mecanismos racionais e por práticas sociais. Embora seja tanto uma forma
de conceber a realidade e de escamotear a mesma criando uma ilusão.
Neste sentido, como separar a ciência da ideologia, já que ambas se apresentam sob a
forma racional, i.e., apoiadas em argumentos lógicos? Primeiramente devemos entender que a
ciência objetiva a verdade e não a criação de uma. Seu universo é o das leis objetivamente
estabelecidas. A ideologia move-se no universo dos valores. Ora, os valores sempre estão
associados à um determinado ponto de vista. Os valores não são neutros, expressam uma
determinada visão do mundo.O perigo da ideologia é que esta se apresenta com a roupagem de
ciência, mas defende determinados interesses e não a verdade. Assim, a ideologia procura
explicar o mundo, como a ciência, mas influenciada por valores. Ë um sistema de idéias que
tende a transforma-se num sistema de crenças. Então segundo Araújo, é praticamente impossível
separar ciência da ideologia.
Os limites entre ciência e ideologia (bem como entre ciência e tradição) não são claros.
Como distinguir entre estes dois campos? Tarefa difícil, senão impossível, porque não
existe um lugar “não ideológico” a partir do qual se possa falar cientificamente sobre
ideologia. Todo discurso ou qualquer elaboração mais ou menos sistemática pode estar
contaminada pela ideologia, mas apresenta-se a nós como foros de ciência. A ideologia,
para se expressar com eficácia, tende a aglutinar-se num conjunto de idéias. Estas idéias
filtram-se até as últimas camadas da pirâmide sócia e, sorrateiramente, passam a
governar o comportamento dos grupos que compõem a sociedade. Embora a ideologia
esteja vinculada ao grupo dominante, ela é internalizada pela maioria dos membros da
sociedade (pertençam ou não ao grupo dominante). A partir daí, os membros desta
sociedade passam a acreditar na retidão das instituições. Apoiando neste sistema de
idéias que, agora, se transformou num sistema de crenças, a aceitação da organização
social existente torna-se espontânea. Justifica-se o status quo. (Araújo, p.17)
Portanto, a ideologia opõe-se a ciência. Em certo sentido ela é a anticiência. Mas a própria
ciência pode ter função ideológica. Isto ocorre quando ela se transforma em um instrumento de
dominação nas mãos do grupo dominante. Não é raro que um grupo para se legitimar no poder
use a ciência para tal. Os tecnocratas são um bom exemplo, pois tentam se legitimar no poder
apelando para a ciência ou aplicação de um conhecimento sem privilegiar este ou aquele grupo.
Todas as vezes que sistemas de idéias (ou práticas e símbolos sociais) são instrumentos para
defender interesses de grupos ou classes dentro da sociedade, eles podem ser chamados
legitimamente de sistemas ideológicos. Entretanto, nem todos os sistemas podem ser
considerados como ideológicos, só o serão se estiverem a serviço de interesses parciais.
5
Ë evidente que, a economia não fica imune à ideologia, principalmente porque é uma
ciência social envolta de valores. E a existência de várias correntes do pensamento econômico
atesta isto. Partindo desta constatação nos perguntamos até que ponto a economia é uma ciência?
Ou até que ponto ela está contaminada pela ideologia? Será a economia apenas um meio de
dominação? Joan Robinson nos dá uma resposta, “a economia política sempre foi, em parte,
veículo da ideologia dominante em cada período, em parte, método de investigação científica.
Cabe ao economista distinguir o que é ideologia e o que é ciência”5.
2. A Ciência Econômica
A história da ciência econômica é bastante recente. Sendo portanto uma das ciências mais
jovens das ciências sociais6. Na verdade, sua história enquanto ciência, ou enquanto um conjunto
coerente de reflexões sobre as relações econômicas, só começou cerca de duzentos anos, na era
moderna. Precisamente quando as relações econômicas passam a se tornar independentes e
dominantes na sociedade7. Pois, em períodos anteriores, como na Idade Antiga e na Idade Média,
as
relações
econômicas
eram
submetidas
às
concepções
ética/política
e
religiosa,
respectivamente8.
Embora, as atividades econômicas de que a ciência econômica se ocupa – produção,
distribuição, circulação e consumo – estivessem presentes em todas as sociedades e em todas as
épocas, muito tempo se passou até que se pudessem levantar questões relevantes acerca da
produção material da sociedade. Até este momento as preocupações em torno da produção
5
Joan Robinson 1979 p. 8
As ciências sociais ocupam-se dos aspectos sociais e culturais do comportamento humano. Incluem a ciência
econômica, a ciência política, antropologia, historia e etc..
7
Segundo Napoleoni (1977 p. 9), “é justamente quando o processo econômico deixa de estar subordinado a factores
que lhe são estranhos, que começa a constituir o objecto de um discurso específico, e já não a ocasião para
considerações não sistemáticas integradas em discursos diferentes. Por outras, a obtenção da autonomia por parte
do discurso econômico e a sua constituição em ciência específica corresponde à autonomia alcançada pelo
processo econômico na história, por obra do capital”. E isto só ocorre, segundo o mesmo autor, a partir da
constituição da sociedade burguesa, i. e, quando o capital passa a dominar não só o processo econômico mas
também toda a sociedade.
8
Segundo Hugon (1995), na antiguidade a ausência de um pensamento econômico independente se explica pelo
predomínio da filosofia e principalmente pelo restrito desenvolvimento das relações econômico. A filosofia
imprime, então, uma orientação geral ao pensamento e impele o estudo independente e profundo dos problemas
econômicos pelas seguintes princípios; i) preponderância do geral sobre o particular sobre o geral e ii)
preponderância da igualdade e do desprezo pela riqueza.
6
6
material da sociedade foram marginais, não havendo necessidade de uma área especifica do
conhecimento, ou seja, de uma ciência econômica para estudar tal assunto9.
A vida simples nas sociedades primitivas, assentada em necessidades mínimas e de
satisfação imediata, não era estímulo para maiores discussões sobre as causas das relações
econômicas estabelecidas. Assim a vida sem grandes exigências, quer do homem, quer da
organização societal de que fazia parte, era tal que cada homem e cada organização societal a si
mesmos se bastavam na solução de seus problemas econômicos. Mesmo em fases posteriores,
onde existiam sociedades mais complexas, as relações econômicas quando subordinadas, sejam a
ética, a política ou a religião, não provocavam curiosidade quanto aos problemas econômicos.
Todavia, a ausência de um pensamento econômico coerente e sistemático não pode nos
levar a concluir que não existiam idéias econômicas até certo ponto relevantes. Assim,
encontramos nos principais tratados filosóficos da idade Antiga algumas idéias que se tornaram
importantes para as reflexões da era moderna. Aristóteles10 (384-322 a. C), em sua obra Política,
apresenta a história da moeda, evidenciando a sua importância como intermediadora das trocas.
Segundo ele, a troca por meio da moeda suprime os inconvenientes da troca direta. Mas também,
citou outras funções da moeda como a medida de valor e reserva de valor. Tomando como base a
troca e a moeda, Aristóteles realizou uma importante divisão na analise econômica, esta foi
dividida em: crematística natural ou economia doméstica, quando se referia às relações
domésticas de produção da vida, a qual julgava boa e necessária e, crematística não-natural ou
economia mercantil, quando se referia a troca mercantil, esta era censurável por levar o homem a
auferir da troca um ganho reprovável por ser contrário a natureza humana ou seja desprendida das
questões materiais11.
Assim, o termo Oikonomos, ou economia, foi cunhado na antiguidade, provavelmente por
Xenofonte12 (440-335 a. C.) e, significa; Oikos – casa e nomos – normas, ou seja, normas de
9
Existem apenas raras e fragmentadas idéias econômicas nos tratados filosóficos, não havendo nenhuma obra de
economia política nos moldes, por exemplo dos tratados de mecânica ou geometria da época.
8
Autor Grego de Política e Ética de Nicômaco..
9
As idéias de Aristóteles, sobre presença da moeda na sociedade Antiga, teve importância profunda e durável, ainda
que diferenciado, no pensamento econômico na Idade Média e da Idade Moderna. Influenciando por exemplo
Marx quanto a divisão da economia e a reflexão quanto a moeda.
10
Autor Grego de Economia e Tratado dos Rendimentos. Afirmava que era o metal precioso a essência do valor da
moeda
11
A produção é quase exclusivamente rural e de subsistência, as trocas são insignificantes e na maioria das vezes
familiares, jamais ultrapassando o espaço local, principalmente devido, além da insegurança quanto a esta
7
administração da casa. Aristóteles adotava esse vocábulo para se referir à administração das
atividades particulares ou domésticas, porém entendia que poderiam existir várias outras
denominações; no setor público, conforme as eventuais estruturas de governo: economia regia
quando se referia à administração monárquica, economia provincial quando se referia às
províncias, e ainda, economia política para qualificar a cidade-estado (polis).
Embora, o meio econômico fosse mais intenso em Roma do que na Grécia, a existência de
uma vida econômica relevante não contribuiu para um pensamento econômico geral e
independente. Assim, o pensamento econômico romano foi como o pensamento grego
subordinado, mas agora não mais à filosofia e sim à política. Enquanto, os gregos desprezavam a
riqueza por conta das doutrinas filosóficas, os romanos desprezavam a riqueza por conta do
espírito político preponderante na sua sociedade. A missão histórica da Roma Antiga foi militar
e, sobretudo, política. Desta forma, a riqueza constituía em apenas um meio de assegurar
hegemonia política e jamais uma promessa de bem estar. As grandes realizações, sejam as
estradas ou aquedutos seja objetos de arte tinham sempre o mesmo fim, o político, nunca o
econômico.
Com a crise do Império Romano, o mundo tornou-se mais perigoso devido os ataques dos
bárbaros, e surge uma economia fechada e autônoma baseada na terra e estruturada a partir da
relação servil13. Do século V ao XI a Europa, de modo geral, mergulhou em um período de
decadência e escuridão, devido o domínio da Igreja Católica que impedia o florescimento das
idéias, as quais poderiam contrapor-se ao interesse dos nobres e do clero. Por isso, este período
ficou conhecido como o período das trevas. Assim, não só o pensamento econômico mas todo e
qualquer pensamento diferente da concepção religiosa foi sufocado, dando margem apenas às
orientações normativas por parte da Igreja Católica, como por, a proibição da usura e a defesa de
um preço justo, o que resultava na aversão dos comerciantes.
atividade, mas também devido a precariedade do estado dos meios materiais como por exemplo, as péssimas
condições das estradas e dos meios jurídicos de troca (moeda é de mau quilate, circulação restrita e passível de
fraude . Segundo Hugon (1995, p. 45), “é a sombra do castelo senhorial que a vida econômica transcorre. Então,
criou-se um sistema fragmentado em termos econômicos e políticos.
12
Estes foram influenciados principalmente pelos livros sagrados, mas alguns foram influenciados pelas obras de
Aristóteles, A moral e sobretudo a Política. E hoje são mais conhecidos como escolásticos por tentarem conciliar os
princípios religiosos com o uso da razão.
8
Neste sentido, a Igreja Católica exerceu grande influencia não só na vida econômica mas
em toda vida medieval. Teólogos, canonistas e moralistas são os mais influentes pensadores desta
época14. Estes buscaram no pensamento econômico moralizar as relações econômicas,
especificamente o interesse pessoal, por meio dos seguintes princípios; o da moderação em
relação a propriedade e ao lucro. Tomando de Aristóteles a idéia de equilíbrio para que haja
justiça nas relações, e no campo econômico, preço e salário justos. Este princípio de moderação
além de ser fundamentado nas idéias de Aristóteles também encontrava eco no evangelho de
Lucas. Daí a proibição do empréstimo a juros – conhecido como usura já que, segundo o
argumento de Aristóteles, o dinheiro é estéril, ou seja, o dinheiro é coisa fungível cujo valor de
uso não pode ser separado de sua propriedade. Evidentemente, que por pressão da realidade vai
se abrindo exceções quanto a usura, mas este processo faz com que ao passar do tempo a exceção
se torne a regra.
Mas a partir do século XI e XII, com a diminuição dos ataques dos bárbaros, e portanto
retorno da segurança no transito pelas estradas da Europa, fez com que renascesse a vida
econômica, principalmente, baseada nas trocas. Daí o desenvolvimento das feiras e das cidades,
impulsionadas também, diga-se de passagem, pela tentativa do servo de liberta-se da opressão
dos senhores feudais que crescia cada vez mais, dado o aumento do consumo de produtos de
luxo. Além das próprias cruzadas que permitiram, pelo trânsito, a maior permuta entre as pessoas.
Portanto, o desenvolvimento do comércio, ainda que em nível regional, possibilitou o
ressurgimento da preocupação quanto aos problemas econômicos. Nicolau Orèsme, pertencente a
corrente escolástica, e considerado um notável pensador do final da Idade Média, ao escrever,
Breve tratado da primeira função da moeda e das causas e espécies (1336), dá inicio ao estudo
sobre questões puramente econômicas15.
Assim segundo Zamora16, o termo economia ficou esquecido ao desaparecer a civilização
greco-romana e a constituição de uma relação econômica não-mercantil, ressurgindo em 1615,
ano em que Antoine Montchrétian publicou, sob o titulo de Traité de l’economie politique, uma
obra na qual sustentava que contrariamente ao entender dos gregos a ciência da aquisição da
riqueza é comum ao estado e à família e, por conseguinte, jamais deveremos dissociar o adjetivo
15
Este autor influenciou pensadores como Copérnico e Descartes. E sem dúvida nenhuma influenciou
profundamente todos os estudos posteriores sobre moeda.
9
político do substantivo economia para designá-la17. Esta denominação logo se popularizou, talvez
porque nessa época, a do mercantilismo, era geral a crença de que o Estado deveria intervir na
atividade econômica dos particulares. Mas a preocupação quanto aos problemas econômicos é
suscitada, sem dúvida nenhuma, porque se presenciava uma nova estrutura econômica. Com o
fim do feudalismo, ou seja, do sistema baseado nas relações servis de produção, surge um novo
modo de produção baseado na relação salarial, em suma no mercado.
Na verdade, quando ressurgiu o termo economia, já havia uma maior preocupação pelas
questões econômicas, principalmente porque, a principal preocupação dos Estados Nacionais ou
Absolutistas, que se formaram durante a transição do feudalismo para o capitalismo, era quanto à
ampliação das riquezas - identificadas neste período com o ouro e prata. Para tal, os Estados
Absolutistas imprimiram uma série de regulamentação restritivas e protecionistas com o intuito
de acumular mais ouro e prata. Nascia uma nova estrutura econômica e portanto a economia
enquanto campo do saber se revestiu da roupagem da ciência do Estado e da nação, recebendo em
1615, no Tratado de economia política, de Antoine Montchrétien, na França, pela primeira vez
passou a ser denominar economia política e a ser reconhecida como auxiliar a arte de governar.
Expressão esta, como veremos, utilizada até o surgimento da escola neoclássica.
Com o surgimento do Estado Absolutista, no século XVI, inicia-se o estudo sobre a
economia, principalmente devido a tentativa de encontrar respostas para o aumento da riqueza de
uma nação. Embora a atividade econômica fosse bastante relevante, mercadores, financistas,
homens de governo e até alguns filósofos dedicavam-se ao debate dos aspectos cotidianos da
produção material, sem, no entanto, se constituir em um campo específico do saber, pelo mesmo
segundo os princípios científicos.
Mas foi a partir da escola fisiocrata, no início do século XVII, fundada pelos economistas
franceses, que se inicia o estudo da economia sob pressupostos científicos, semelhantes aos
praticados nas ciências físicas e naturais. Estes tinham uma visão de conjunto e, não mais
fragmentada, individualizada e empirista como a dos mercantilistas. Os fisiocratas são os
primeiros a apontarem a existência de leis econômicas ligadas a uma ordem natural e
16
17
Apud Gastaldi (2003, p. 11)
Segundo Gastaldi (2003), William Petty compartilhou dessa opinião, sendo o primeiro pensador inglês a utilizar a
expressão economia política como sinônimo de aritmética política, nome dado por ele ao estudo quantitativo da
economia.
10
providencial, com as quais tornaria o Estado Absolutista um estorvo quando interviesse na
economia. Assim, a vigência de uma ordem natural e providencial fundada no interesse
individual iria estabelecer o justo preço em uma economia de livre concorrência.
Se os desbravadores foram os fisiocratas, Adam Smith foi sem dúvida nenhuma aquele
que representou o marco definitivo do surgimento da economia moderna enquanto ciência, com
leis e objeto próprios; preocupada, fundamentalmente, com a transformação de coisas úteis em
riqueza econômica, tendo o homem como sujeito e a sociedade como predicado. Dando por fim,
início a corrente clássica do pensamento econômico com seu viés liberal e individualista.
Todavia, a grande questão que se coloca, é como estes pensadores (fisiocratas e clássicos)
abordavam as questões econômicas?
Segundo Capra (1982), o triunfo da mecânica newtoniana estabeleceu a física como
protótipo de ciência para todas as outras ciências. Quanto mais as outras ciências utilizassem os
métodos aplicados pela física, mais respeitadas elas seriam junto à comunidade científica. Além
da adoção das preposições cartesiana como a redução e fragmentação do objeto de estudo,
analisado a partir do principio da neutralidade. Assim, as ciências sociais adotaram os paradigma
cartesiano/newtoniano para elaboração de teorias e conceitos científicos. Contudo, isto implicou
em uma série de problemas, haja vista as dificuldades em enquadrar relações sociais em modelos
matemáticos. Neste sentido, tais modelos se tornaram ao passar do tempo cada vez menos
realistas. Sendo hoje isto particularmente evidente na economia.
A economia atual caracteriza-se pelo enfoque mecânico, reducionista e fragmentário
típico de todas as ciências modernas. O erro básico foi acreditar na existência de leis naturais para
relações sociais, bem como na possibilidade de dividir essa textura em fragmentos supostamente
independentes, dedicando-se ao estudo por partes. Somam-se as estes, a exclusão da
dinamicidade das relações econômicas que implica em última instância o não reconhecimento da
importância dos valores na mudança da sociedade. Nas palavras de Capra (1982, p. 102), “a
maioria dos economistas contemporâneos lamentavelmente despreza tal estrutura, pois ainda
estão fascinados pelo absoluto rigor do paradigma cartesiano e pela elegância dos modelos
newtonianos; assim estão cada vez mais distanciados das realidades econômicas atuais”
Os valores que inspiram a vida de uma sociedade determinarão sua visão de mundo;
assim como as instituições religiosas, política e econômica, bem como o potencial cultural e
tecnológico. Então, o estudo dos valores é, pois, de grande importância para todas as ciências
11
sociais, porque é impossível existir uma ciência isenta dos valores. Aqueles que negam estão
tentando fazer o impossível. Ademais, ao tentarem evitar a questão dos valores, os cientistas
sociais não estão sendo mais científicos, ao contrário, porque tentam esconder os pressupostos
subjacentes a suas teorias. E a economia é entre as ciências sociais a mais normativa e
dependente dos valores, porque sempre tenta determinar o que é valioso.
Portanto, estas abordagens mecânicas, reducionistas e fragmentárias da economia
contemporânea, a preferência por modelos quantitativos abstratos e a negligencia a dinamicidade
econômica resultaram numa imensa defasagem entre a teoria e a realidade, por não considerarem
os valores, que após a revolução cientifica e o iluminismo guiou as reflexões segundo o
racionalismo, o empirismo e o individualismo.
Na mesma linha de raciocínio, Amartya Sem (1999), afirma que a economia teve duas
origens muito diferentes, ambas relacionadas à política, porém relacionadas de modos bem
diversos, respectivamente concernentes ética, de um lado, e a engenharia, de outro18, que
implicam hoje em dia numa crise da ciência econômica.
O estudo da economia, embora esteja de imediato associado à busca da riqueza, também
pode ser associado a outros aspectos, abrangendo avaliação e intensificação de objetivos mais
básicos.”A vida empenhada no ganho é uma vida imposta, e evidentemente a riqueza não é o bem
que buscamos, sendo ela apenas útil e no interesse de outra coisa”. Assim a economia, em última
análise, relaciona-se ao estado da ética e da política, e esse ponto de vista é elaborado na Política
de Aristóteles. Portanto, Amartya Sen afirma que não podemos dissociar o estudo da economia
da ética e da filosofia política sob o risco de entrarmos em um terreno perigoso do conhecimento.
A segunda origem, relacionada à abordagem da engenharia, caracteriza-se por ocupar-se
de questões primordialmente logísticos em vez de fins supremos e de questões quanto à
promoção do bem para o homem ou como devemos viver. A partir de abordagem considera-se
que os fins são dados muito diretamente, e
o objetivo do exercício é encontrar os meios
apropriados de atingí-los. O comportamento humano nessa abordagem baseia-se tipicamente em
motivos simples e facilmente caracterizáveis. Essa abordagem teve origem principalmente na
18
A tradição ligada à ética remonta no mínimo a Aristóteles. Logo no inicio de Ética a Nicônamo, Aristóteles associa
o tema economia aos fins humanos, referindo-se à sua preocupação com a riqueza. Ele considera a política como
sendo a arte mestra. A política subordina todas as demais ciências, inclusive a economia. Legislando assim, sobre o
que devemos fazer e o que não devemos fazer, a finalidade da economia deve levar em consideração a política para
que a finalidade última seja o bem para o homem.
12
concepção utilitarista do século XIX, tendo como principal precursor Jeremy Bentham.
Assumindo forma definitiva com os neoclássicos, em particular, com Leon Walras19. Embora
possamos também dizer que os pioneiros foram Willian Petty; o qual tentou enquadrar a
economia nos moldes de uma ciência natural e mecânica, por meio da análise quantitativista; e
François Quesnay20, o primeiro a se autodenominar economista e a pensar a economia de forma
geral e orgânica21.
Enfim dada esta dupla natureza da economia, Amartya Sen conclui que a crise da
economia é provocada pela tentativa de separar algo inseparável, e que portanto, tanto abordagem
ética quanto a abordagem da engenharia devem ser reconhecidamente pertinentes ao estudo da
economia.
Por sua vez Coutinho afirma que, embora desde o século XVII houvesse um maior
interesse por questões como; juros, preços, câmbio, foi somente a partir do século XVIII,
especificamente, a partir de meados de 1750, que se deu início à uma nova forma de abordar as
questões econômicas. Uma notável concentração cronológica; Quesnay (1756-58), Cantillon
(1755), Hume (1752), James Stuart (1757) e, finalmente, Smith (1776), deram inicio a um
tratamento amplo e compreensivo à temática econômica.
Malgrado ainda não se reconhecerem como economistas (à exceção dos fisiocratas) os
interlocutores aceitaram em torno de um objeto de cientifico novo, mas que apontava para uma
unidade e apresentava comportamento suscetível de um estudo em bases cientificas. Por
exemplo, Smith e Quesnay se diziam filósofo e médico, respectivamente. Porém ambos
abordavam a temática econômica com a metodologia e os instrumentos da melhor investigação
sistemática de então. Esta abordagem representa uma revolução, pois o debate econômico era
travado segundo os interesses particulares imediatos. Todavia, a partir de meados do século
XVIII, a isenção dos pensadores, que não são mais comerciantes ou membros do governo, em
relação ao objeto de estudo faz com que o debate tenha um caráter de respeitabilidade. Trata-se
19
Economista francês do século XIX que muito contribuiu para resolver numerosos problemas técnicos nas relações
econômicas especialmente aqueles ligados aos mercados. Sendo o fundador da teoria do Equilíbrio Geral.
18
Médico da Madame Pompadour e mais tarde de Luis XV e fundador da escola fisiocrata.
19
Segundo Amartya Sen, pode-se ainda se remeter, quanto à origem desta abordagem, aos estudos econômicos que
se desenvolveram a partir de análises de técnicas estatísticas.
13
de homens notáveis e insuspeitos aos olhos dos contemporâneos, que puderam analisar uma
esfera que até então desprezada, a produção da vida material em sociedades mercantis22.
O rápido desenvolvimento das relações econômicas levou a que filósofos e naturalistas,
muitos dos quais formados na tradição filosófica e cientifica do iluminismo/racionalismo,
incorporasse tal esfera em suas reflexões. Transformaram os temas da vida mercantil em objeto
de conhecimento sistemático, objetivo e racional. Dão aos assuntos econômicos o estatuto de
campo de investigação cientifica. Em suma, fundam uma nova ciência, o que é pouco perceptível
em meados do século XVIII, ter-se-á tornado evidente entre a última década deste e a primeira do
século posterior.
Neste sentido, as raízes da economia política não podem ser entendidas sem a
compreensão das influências do racionalismo e iluminismo, ou ainda, sem a compreensão dos
desdobramentos da filosofia do direito natural, do contesto histórico e da ideologia liberal.
Tanto quanto a filosofia da época, a economia veio a se beneficiar dos desdobramentos
das ciências naturais e do impacto destas sobre o conhecimento humano em geral. Os
cientistas haviam mostrado ser possível a aplicação da observação sistemática e da
experimentação no entendimento da natureza, incluindo o corpo humano. As analogias
mecânicas e fisiológicas são logo transportadas para um objeto de conhecimento, a
sociedade humana, anteriormente excluída do campo de observações científicas. As
analogias mecânicas e fisiológicas, tão presentes, por exemplo, nos trabalhos de Petty e
Quesnay, cumprem o papel de transpor o paradigma harmonicista, funcional e
experimentalista das ciências da natureza para a atividade humana. Fugindo aos
contornos das prescrições escolásticas, os pensadores passam a conceber a sociedade
humana como um sistema regido por leis. (Coutinho: 1993, p 23)
O jusnaturalismo, movimento filosófico que influenciou o debate político e moral,
também influenciou as interpretações econômicas a partir de uma determinada concepção do
homem e da sociedade. Embora, o objetivo da filosofia jusnaturalista não fosse elucidar os temas
propostos pela produção material, nem tampouco analisar as relações econômicas. Seu real
objetivo foi construir uma ética racional separada definitivamente da teologia e por si só se
constituir em um instrumento de interpretação da conduta humana. O jusnaturalismo se
caracteriza, conforme Bobbio, sobretudo por um princípio metodológico, o primado da razão. A
idéia da existência de uma natureza humana passível de ser conhecida interessa em muito à
22
A medicina, constituindo no século XVII uma das poucas áreas de vanguarda na ciência experimental admitida nos
meios universitários, atraiu as mentes inquietas e sequiosas de inovação, desejosas de obter formação acadêmica e
acesso a um meio de vida confortável. Alguns médicos-economistas chegaram aos temas econômicos (Locke,
14
economia. O racionalismo jusnaturalismo propõe uma noção de natureza humana decisiva para a
economia política. De fato, a subordinação da ação humana à idéias de regularidade e causalidade
permite submeter as relações econômicas ao caudal reflexivo do racionalismo. A identificação da
natureza humana, por meio da razão, redundou na concepção do homem econômico.
Do jusnaturalismo, a economia política herdou também o debate que fundamentou as
concepções sobre a formação da sociedade política. Como se sabe o jusnaturalismo fndou o
Estado e a legitimidade do poder coercitivo do Estado sobre a sociedade civil, dado o estado de
natureza concebido por esta corrente filosófica. São notórias as influências dos escritos de
Hobbes, Locke e Rosseau nos textos econômicos. Em suma, eles contribuiriam para a
naturalização do homem econômico. Este mesmo homem que ao obedecer aos instintos
aquisitivos, próprios da sua natureza humana, beneficiará toda a sociedade.
O contexto histórico do debate econômico não poderia ser outro a não ser o período
mercantilista. Período caracterizado pela forte intervenção do Estado na economia baseada em
uma ideologia nacional e no interesse de ampliar a riqueza da nação. Neste sentido, pressupunha
um Estado centralizador capaz de fazer frente o particularismo ranço do feudalismo, favorecendo
a produção mercantil no espaço restrito da nação. Portanto, duas noções são inseparáveis desse
Estado, quais sejam; unidade política e acumulação de ouro ou prata.
Não existe, a rigor, o pensamento econômico uniforme sob o mercantilismo, e muito
menos uma escola de pensamento. Os autores tipicamente mercantilistas divergem em
numerosas questões; de resto, as idéias econômicas não se enfeixam ainda em um
conjunto de procedimentos minimamente coerente, até o nascimento da economia
política clássica. Para nós, o mercantilismo representa principalmente a emergência de
questões econômicas no debate coerente, pano de fundo para o posterior
desenvolvimento da reflexão sistemática em economia. (Coutinho 1993, p. 29)
As principais questões levantadas pelos mercantilistas estavam associadas ao se contexto
histórico evidenciando uma preocupação imediata e empírica. Entre elas podemos citar: em
primeiro lugar aquelas suscitadas pela existência de Estados Nacionais, principalmente quanto a
riqueza da nação, em segundo lugar, poderíamos dizer que as rivalidades internacionais
fomentaram comparações entre os países e digressões sobre as causas do atraso e do progresso
Petty e Quesnay) por solicitação de uma clientela aristocrática, que os via como conselheiros em saúde e em
questões econômicas.
15
das nações23, e finalmente, ainda que de modo subordinado à grande temática da riqueza
nacional pelo comercio, e ainda incipiente, estava a discussão acerca do valor e preço24. O
mercantilismo deste modo pela gama de questões suscitadas coloca as questões econômicas no
primeiro plano do debate corrente. O que consolidou um conjunto de temas próprios da economia
como juros, preços, câmbio, riqueza, tributação. Assim, é a partir desses temas, e muitas vezes
em oposição aos postulados mercantilistas que nasceu a economia política clássica sob o manto
do individualismo e do liberalismo.
Desta forma, não podemos entender a formação desta nova ciência sem falarmos dos
princípios liberais. A associação da economia política clássica ao liberalismo é inegável. Tanto é
que Smith e Ricardo ficaram famosos mais pelas assertivas sobre os princípios liberais do que por
outras contribuições teóricas. Jamais esqueceremos a mão invisível de Smith e a teoria das
vantagens comparativas de Ricardo. O liberalismo não é apenas um apêndice ideológico à ciência
da economia política, ao contrário é da essência desta. O liberalismo representa a face econômica
do iluminismo/racionalismo ao conceber a existência de uma ordem natural na sociedade e na
economia, cujo papel do Estado era preservar. Neste sentido, a existência de leis naturais não
colide com o Estado, pois este deve preservar a ordem natural e jamais interferir como fazia o
Estado mercantilista. O liberalismo demarca o escopo da reflexão econômica, a riqueza da nação
passa a ser identificada com a riqueza privada, e os economistas passam a analisar a produção de
mercadorias. Portanto, o liberalismo e o espírito cientifico herdado do jusnaturalismo fundam
uma nova ciência: a economia política.
A partir de meados do século XVIII, tentou-se dar novas denominações à economia em
consonância com os princípios liberais e em oposição ao intervencionismo dos mercantilistas, e
também, num esforço de delimitação do escopo da economia e da política ou da ciência do
governo. Como por exemplo: ciência das trocas (catalítica) e ciência da riqueza (plutologia). Mas
a denominação mais conhecida e utilizada até o final do século XIX foi economia política, pois,
23
Um grande exemplo foi o paradoxo com relação aos países ibéricos e a Holanda e Inglaterra, pois sendo os
primeiros grandes em termos de acumulação de ouro e prata não conseguiram fazer frente ao dinamismo dos
últimos. Outro paradoxo não mesmo intrigante, foi como explicar sendo a Holanda um país pobre em população e
em recursos naturais ser dinâmica economicamente falando.
24
Alguns autores como Petty chegaram a esboçar uma teoria do valor-trabalho. Outros concluíram que os preços são
fixados segundo a oferta e demanda.
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após este momento, os impulsionados pela tentativa de tornar a economia uma ciência mais
exata, ou seja, isenta de valores, os neoclássicos fundam a ciência economia caracterizada por
seus traços, objetivos, racionais e neutros. Assim, a economia deixa de ser a ciência do bom
governo para se tornar a ciência da riqueza privada25.
Entretanto, o conceito de ciência econômica pode refletir hoje dois conteúdos totalmente
opostos ora enfatizando os aspecto social (relação homem-homem) ora enfatizando o aspecto
individual (relação homem-objeto)26. Segundo Gide, que enfatiza o aspecto social, “a economia
trata das relações do homem em sociedade, que o conduzem à satisfação de suas necessidades, ao
seu bem-estar, e dependem da posse de objetos materiais” 27. Já economistas utilitaristas como;
Sênior e Bastiat, e os neoclássicos como; Jevons e Menger, afirmam que o objetivo da ciência é
estudar as relações entre o homem e os objetos. Definido assim, a ciência econômica como sendo
o estudo da alocação eficiente dos recursos escassos. Mas parece que a melhor concepção é
aquela que concebe esta ciência como o estudo das leis que presidem a produção, distribuição,
circulação e o consumo das riquezas. Pois não reduz, como os neoclássicos gostariam, o escopo
da análise da economia apenas ao âmbito da circulação e, nem mesmo separa a ética e a política
da economia. Assim, segundo Santos, a economia é uma só, embora o seu objeto possa ser
considerado de maneira especulativo ou prático28.
25
Os neoclássicos, Jevos, Menger, Walras e Marshall, foram os pensadores que fundaram a ciência econômica
moderna, estes foram influenciados principalmente pelos utilitaristas, como: Bentham, Say, Sênior e Bastiat.
26
Assim também é para Gide (apud Gastaldi 2003), a ciência econômica se reveste de uma dúplice fisionomia, se
apresentado ora como economia política pura e ora como economia política social. Enquanto economia política
pura, a ciência econômica seria uma ciência exata, na qual as relações econômicas percebidas como relações
naturais, eterna e imutáveis, sem a mínima preocupação de julgá-las à luz da moral e da história e, portanto, da sua
face prática e real, podendo recorrer a métodos matemáticos para reduzir a realidade a funções matemáticas.
Enquanto economia política social, a ciência econômica é vista como uma ciência social, pois estuda as relações
que são formadas entre homens, sob diversas formas como; associações, legislação e instituição, tendo a
preocupação de ampliá-las ou aperfeiçoá-las. Explicando o que é parte-se para transformar. Por isso se diz que
como ciência, a economia investiga as relações presentes entre os fatos econômicos; e, como arte econômica,
volta-se à aplicação prática com o objetivo de ampliar a riqueza social, segundo os melhores e mais avançados
métodos e processos. Como ciência, a economia indaga sobre as condições e causas da riqueza. Como arte, indaga
sobre os meios e modos para aumentar o potencial da riqueza.
25
Apud Gastaldi (2003)
26
Ibidi
27
Ver sobre espitemologia da ciência uma discussão para economia em Sussmann (1990)
17
Considerações finais
O homem tem suficiente sabedoria para questionar o seu conhecimento e deve fazê-lo
constantemente, principalmente em momento de crise como hoje. Crise não só social e das
relações humanas, mas fundamentalmente do conhecimento. Tal procedimento é o que
chamamos de epistemologia29. Partindo do pressuposto de que o conhecimento é antes de tudo
uma forma da particular da concreticidade. Neste sentido, devemos assumir a fragilidade e a
historicidade da produção do conhecimento. Como também devemos estar cientes da substancia
valorativa do conhecimento. Para fugir dessas idiossincrasias se desenvolveu o pressuposto
cientifico para o conhecimento. Este válido para as ciências sociais e naturais, e em particular
para a economia. Mas a economia não raro se depara com o dilema da peculariedade do seu
objeto e o uso de um método impróprio, e portanto entra em crise. Mas esta crise tem origem na
tentativa de torná-la uma ciência exata isenta dos valores, os quais lhe são intrínsecos.
Desta forma, é ilusório e ideológico querer implementar tal façanha. Ilusório, porque
jamais conseguiremos igualar fenômenos sociais aos naturais, mesmo que insistamos muito. E
Ideológico, porque isto faz parte de uma concepção de mundo, a qual que nos fazer crer ser
impossível ao ser humano mudar os rumos da sociedade, haja vista a existencia de leis naturais,
universais e eternas. Neste sentido, o homem não é o sujeito da história, e portanto, devemos
aceitar tudo com naturalidade. Por exemplo, a globalização, o Estado mínimo e etc.
Referências bibliográficas
ARAÚJO, C. R. V. História do pensamento econômico. São Paulo: Atlas, 1990
CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982
COUTINHO, M. C. Lições de economia política. São Paulo: Hucitec, 1993
GASTALDI, J. P. Elementos de economia política. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2003
HUGON, P. História das doutrinas econômicas. 14. ed. São Paulo: Atlas, 1980
NAPOLEONI, C. O valor na ciência econômica. São Paulo: Martins Fontes 1977
ROBINSON, J. Filosofia econômica. São Paulo: Zahar, 1979
SEN, A . Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999
SUSMANN, M. Teoria do conhecimento econômico. Rio de Janeiro: Objetiva, 1990
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