“ ( ... ) a minha vida antes de simplesmente fazer é decidir um fazer - é decidir a minha vida. A nossa vida decide-se a si mesma, antecipa-se. Não nos é dada feita - como a trajectória da bala (...). Mas consiste em decidirse, porque viver é encontrar-se num mundo não hermético, mas que oferece possibilidades. O mundo vital compõe-se em cada instante para mim de um poder fazer isto ou aquilo, não de um ter que fazer por força isto e apenas isto. Por outro lado, essas possibilidades não são ilimitadas nesse caso não seriam possibilidades concretas, mas a pura indeterminação ( ... ). A vida encontra-se sempre em certas circunstâncias, numa disposição em torno - circum - das coisas e demais pessoas. Não se vive num mundo vago, já que o mundo vital é constitutivamente circunstância, é este mundo, aqui e agora. E circunstância é alguma coisa determinada, fachada, mas ao mesmo tempo aberta e com largueza interior, com vão e concavidade onde mover-se, onde decidir-se: a circunstância é um curso que a vida se vai fazendo dentro de um leito inexorável. Viver é viver aqui, agora - o aqui e o agora são rígidos, impermutáveis, mas amplos. Toda a vida se decide a si mesma constantemente entre vários possíveis. Astra inclinant, non trabunt - os astros induzem mas não arrastam. A vida é, ao mesmo tempo, fatalidade e liberdade, é ser livre dentro de uma fatalidade dada. Esta fatalidade oferece-nos um repertório de possibilidades determinado, inexorável, isto é, oferece-nos diferentes destinos. (... ) A vida é, ao mesmo tempo, fatalidade e liberdade, é possibilidade limitada mas possibilidade, portanto, aberta (... ). É, pois, a vida essa realidade paradoxal que consiste em decidir o que seremos - portanto, em ser o que ainda não somos, em começar por ser futuro.” Ortega y Gasset, Que es Filosofia, in Revista Occidente, pg. 251-254