COLÉGIO OFÉLIA FONSECA MAIO DE 68-FRANÇA Flora Tzanno Branco Martins São Paulo 2012 Flora Tzanno Branco Martins MAIO DE 68-FRANÇA Trabalho realizado e apresentado sob a orientação do Professor Luis Massagardi, da disciplina de História Sumário Introdução........................................................................................................................ 04 Desenvolvimento.............................................................................................................. 05 Conclusão.......................................................................................................................... 20 Referências Bibliográficas................................................................................................. 25 Introdução "Sejam realistas, exijam o impossível!" Pichação nos muros de Paris, 1968 Em Maio de 1968, a França foi o ponto de ebulição de transformações sociais que, pouco a pouco, vinham ocorrendo no mundo desde meados dos anos 40. Durante aquele mês, os estudantes armaram barricadas nas alamedas de Paris para enfrentar a polícia. No asfalto e nas universidades, em cartazes e muros, os estudantes franceses se manifestaram para defender os "novos tempos, a liberdade e a rebeldia"1. "Todo poder abusa. O poder absoluto abusa absolutamente" Pichação nos muros de Paris, 1968 No começo da década de 60, a França ainda vivia o reflexo das perdas sofridas durante a Segunda Guerra Mundial2, a Guerra da Argélia3 e a independência de suas colônias na Indochina4. Ao fim do conflito mundial, o país, que havia sido ocupado pelos alemães, estava desprestigiado e tinha se tornado uma potência menor no contexto mundial. Foi justamente este cenário que abriu caminho para as manifestações sociais de maio de 1968. A França dos anos 60 era governada pelo General Charles De Gaulle. Durante a Grande Guerra, o então futuro presidente tinha liderado a chamada “França Livre”5 , uma entidade política e militar que, da Inglaterra, se opunha aos invasores da Alemanha e ao govern o “fantoche” de Vichy, que atendia aos interesses dos nazistas. Com poucos membros no início, a “França Livre” contou com a ajuda de militares britânicos e buscou apoio nas colônias francesas da África. Após a expulsão dos Alemães em 25 de Agosto de 1944, o General de Gaulle proclamou a libertação de Paris e desfilou pela Avenue des Champs Élysées. Em seguida, ele se tornou o 1 http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u396741.shtml 2 http://noticias.terra.com.br/educacao/historia/noticias/0,,OI5307887-EI16742,00-Segunda +Guerra+Mundial+a+queda+da+Franca.html 3 http://www.dw.de/1954-início-da-guerra-de-independência-da-argília/a-314126 4 http://www.militarypower.com.br/frame4-warViet45.htm 5 http://educacao.uol.com.br/biografias/charles-de-gaulle.jhtm primeiro-ministro do Governo Provisório Francês, mas, em 1946, renunciou ao cargo devido a desentendimentos políticos. O fim da ocupação, como se vê, não representou o término das dificuldades francesas. Já em 1946, na Indochina, forças nacionalistas, sob orientação do Viet-minh, rebelaram-se contra os colonialistas franceses, dando início à primeira fase da Guerra do Vietnã, que resultou na expulsão dos franceses em 1954. Neste mesmo ano, a Argélia, que era colônia da França desde 1830, deu início à luta pela sua libertação. A rebelião argelina levou à queda da Quarta República e a volta ao poder de Charles de Gaulle. Depois de oito anos de guerrilha e violência contra civis, os franceses tiveram de aceitar a independência do país norte-africano. Eleito presidente em 1958, De Gaulle fundou a Quinta República Francesa6. Durante seu governo, ele se esforçou em controlar a inflação, instituiu uma nova moeda e promoveu o crescimento industrial. No relacionamento com os demais países, o general lutou para reaver o prestígio perdido pelo estado francês. Por esse motivo, no campo interno, sua gestão teve um caráter conservador e nacionalista, que estava de acordo com o espírito da sociedade francesa na época. "Abaixo a sociedade de consumo" Pichação nos muros de Paris, 1968 Naqueles tempos, a França ainda era culturalmente conservadora e fechada, características que as perdas das duas décadas anteriores só fizeram aumentar. Nas escolas, as crianças eram disciplinadas com rigidez, as mulheres precisavam pedir autorização aos maridos para expressarem uma opinião, e a homossexualidade era condenada e vista como doença7 . Os manifestantes de Maio de 1968 opuseram-se a esse estado de coisas. Como consequência daqueles trinta dias, eles provocaram mudanças profundas nas relações entre raças, gêneros e gerações na França, que duram até hoje. 6 http://mundorama.net/2008/10/10/a-quinta-republica-em-2008-o-que-se-comemora-nomarco-da-constituicao-francesa-de-1958-por-antonio-carlos-lessa/ 7 http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u396741.shtml As repercussões do movimento logo atingiram vários países da Europa e do mundo. Houve ocupações de universidades em muitos cantos do continente, o que, de maneira inédita, motivou ações de protesto entre trabalhadores europeus e latino-americanos. Pela primeira vez na história, o mundo assistia a uma aliança efetiva do proletariado com os estudantes. "A imaginação ao poder" Pichação nos muros de Paris, 1968 Para o ex-líder estudantíl, Daniel Cohn-Bendit, figura emblemática do Maio Francës, as marcas que o movimento deixou na França e no mundo foram mais profundas do que se podia esperar na época. Em entrevista de abril de 2008 à France Presse8, Cohn-Bendit falou do legado positivo do movimento. “Em 1965”, explicou ele, “uma mulher casada tinha que pedir permissão ao marido para abrir uma conta bancária. Hoje, é possível fazer isso sem permissão. Hoje em dia, mesmo os católicos inveterados defendem que a base da democracia é a autonomia e a igualdade entre homens e mulheres. Hoje você tem uma aceitação da autonomia das crianças, uma aceitação da homossexualidade, apesar da igreja ainda ter seus problemas. Uma aceitação da diversidade dos indivíduos. Uma ideia de direitos humanos e democracia.” "O patrão precisa de ti, tu não precisas dele" Pichação nos muros de Paris, 1968 Para muitos, como o Cohn-Bendit, maio de 1968, o Maio Francês, foi mais do que uma simples revolta, mas um dos acontecimentos revolucionários mais importantes do Século XX. Terá sido um evento 8 menor que se deveu a uma camada restrita da população, como http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u396770.shtml trabalhadores ou minorias ou foi verdadeiramente uma insurreição popular que superou barreiras étnicas, culturais, de idade e de classe? Desenvolvimento Il est interdit d'interdire (“É proibido proibir”) Pichação nas ruas de Paris, 1968 A Universidade de Nanterre Em 1965, na comuna de Nanterre, zona da periferia da capital francesa, onde se situa o setor industrial La Défense, foi criada a Université Paris Ouest Nanterre la Défense.9 Também chamada de Universidade de Paris X - Nanterre foi uma das treze universidades sucessoras da antiga Universidade de Paris, servindo como extensão da tradicional Sorbonne. Baseada no modelo americano, foi criada como um campus, diferente das faculdades tradicionais francesas que eram menores e integradas às cidades onde se localizavam. Ainda hoje, seu campus é o segundo maior da França. Nanterre surgiu para acolher estudantes que, por falta de vagas, não podiam ingressar no circuito superior tradicional francês (Sorbonne, Escola Normal, Escola Politécnica, etc..). Voltada para as áreas humanas como artes, letras e línguas; direito, economia e gestão; ciências humanas e sociais; ciências, tecnologias e saúde, Nanterre, já nos seus primeiros anos, começou a receber significativo número de estudantes estrangeiros, alguns dos quais se instalaram dentro do próprio campus, na residência universitária. Devido a suas características arquitetônicas, aos extratos sociais de seus alunos, à localização de seu campus numa região operária e ao currículo majoritariamente humanista, Nanterre parecia reunir condições muito propícias para, pouco tempo depois de ser criada, consagrar-se como a origem do movimento de Maio de 68. Em seu livro L’irruption de Nanterre au Sommet, escrito pouco depois dos eventos de Maio de 68, o professor de sociologia Henri Lefebvre descreveu o campos de Nanterre no começo do movimento como um lugar onde “a infelicidade toma forma”. Situada numa paisagem sem traços bem definidos num meio de uma favela, Nanterre era descrita por ele como “um empreendimento devotado à produção de intelectuais medianamente qualificados e ‘executivos juniores’ para esta sociedade […]”10 Verdadeiro caldeirão do radicalismo, seu campus foi apelidado de "Nanterre, la folle" (“Nanterre, a Louca”) ou "Nanterre la rouge" (“Nanterre, a vermelha” em referência ao comunismo). Até os dias de hoje, a universidade continua sendo um centro de esquerda, em oposição a instituições, tais como a Universidade Pantheon-Assas, localizada no Quartier Latin de Paris e tradicionalmente inclinada para a direita. 9 http://en.wikipedia.org/wiki/Paris_West_University_Nanterre_La_Défense 10 http://newhumanist.org.uk/1780/writing-on-the-wall A atmosfera Os acontecimentos que fizeram a França ferver em 1968 tiveram início em oito de Janeiro daquele ano, mas já se faziam presentes em 1967, quando os estudantes começaram a criticar as “normas sexuais” do Campus. Em março de 1967, os alunos fizeram circular no campus um folheto que fazia considerações sobre “O que é o caos sexual?”, um manifesto escrito pelo sexólogo alemão Wilhelm Reich em 1936. 11 O texto considerava como componentes do caos sexual as normas vigentes na sociedade capitalista. De acordo com Reich, tais normas eram: a formação de um relacionamento para a vida toda sem que o homem conhecesse antes a parceira sexualmente; a aceitação hipócrita de uma vida paralela do homem dormindo com prostitutas para sua satisfação sexual; a abstenção de sexo antes do casamento; a masturbação frente a imagens de mulheres nuas na juventude e, tornar-se um nacionalista em defesa da pureza da mulher na maturidade. Naquele momento, partir do tema da sexualidade, os estudantes estavam rejeitando também de forma mais ampla a repressão do mundo adulto. No final do texto veiculado no folheto estava escrito o objetivo dos estudantes: a negação das normas sociais mencionadas acima. Eles queriam o avesso do caos sexual de que falava Reich. Anos antes, o próprio Reich havia sido contestado e criticado por suas ideias. Suas posturas políticas haviam resultado em perdas pessoais e temporadas na cadeia. Naqueles dias de 1968, os estudantes pareciam entender a moral sexual como mais uma forma de restrição às liberdades individuais, talvez a mais hipócrita delas. Foi nessa atmosfera de insatisfação e contestação que surgiu Cohn Bendt, um dos maiores nomes do movimento “Maio de 68”. Daniel Marc Cohn-Bendit 12 tinha 23 anos quando estava prestes a se tornar o porta-voz dos alunos. Filho de judeus alemães foragidos do Nazismo em 1933, ele havia nascido na França, mas, aos 14 anos, 11 Fišera, Vladimir (ed.). Writing on the Wall May 1968: A Documentary Anthology (London: Allison & Busby, 1978) 12 http://pt.wikipedia.org/wiki/Daniel_Cohn-Bendit optou pela nacionalidade alemã para não servir o exército francês. Após terminar o ensino médio em Oberhambach, na Alemanha, ele voltou para a França em 1966, e iniciou os estudos em sociologia na Universidade de Nanterre como bolsista. O estopim Naquele 8 de janeiro, o ministro da Juventude e dos Desportos, François Missoffe, visitou a universidade de Nanterre. A questão sexual, que vinha sendo debatida pelos alunos desde o ano anterior, voltou a cena quando Daniel Cohn-Bendit questionou o Ministro. À saída do ginásio de Nanterre, onde havia inaugurado uma piscina, Missoffe foi abordado e hostilizado por cerca de cinquenta alunos. O político tentou iniciar um diálogo e Cohn-Bendit, liderando aquele grupo, pediu-lhe, então, que se discutisse a questão sexual. O jovem franco-alemão fazia menção ao Livro branco sobre a juventude, um documento emitido pelo ministro meses antes, no qual Missoffe escrevera que a juventude francesa estava preocupada em ter uma carreira de sucesso a fim de que pudesse comprar um carro ou custear um casamento. Cohn-Bendit chamava atenção para o fato de que o documento não dizia uma única palavra sobre sexualidade. Missoffe achou que o rapaz estava brincando. Porém, o estudante insistia que a construção de um centro esportivo era um estratagema hitleriano destinado a usar o esporte para desviar a juventude dos verdadeiros problemas da sociedade e do equilíbrio sexual previsto por Wilhelm Reich.13 Influenciado pelo sexólogo marxista alemão, cujas ideias haviam sido proibidas de serem tema de palestra meses antes pelo reitor de Nanterre, Cohn-Bendit afirmava que os problemas sexuais dos estudantes franceses eram de ordem coletiva e social. Para ele, a sociedade capitalista moderna empregava táticas sedutoras de mídia e publicidade para estimular desejos, transformados em ânsia de consumo, e estabelecia os padrões da prática sexual. Sem se dar conta do quanto estavam exaltados os ânimos dos estudantes, o ministro respondeu com ar de deboche: “Se você tem problemas desta ordem, o que tem a fazer é mergulhar nesta piscina”. Cohn-Bendit replicou dizendo que essa era uma resposta fascista. Nesse dia, ele foi ameaçado de expulsão.14 13 http://www.albany.edu/gallagher.thesis.doc 14 http://www.albany.edu/gallagher.thesis.doc O acalorado debate chegou às páginas dos jornais franceses e a causa ganhou a simpatia de alunos de outras universidades. Com o tempo, como veremos, este episódio menor tomou uma dimensão inimaginável. Mal sabiam seus protagonistas que estavam apenas diante a ponta de um iceberg de insatisfações, o primeiro passo de uma cadeia de acontecimentos que mobilizou diversos setores sociais como sindicalistas, professores, funcionários, jornaleiros, comerciários e bancários. Martin Luther King Jr. nasceu em 15 de janeiro de 1929 em Atlanta, Geórgia, EUA. Ministro batista e ativista pelos direitos civis, King, provocou, desde o princípio da década de 50, enorme impacto nas relações raciais nos Estados Unidos. O autor do famoso discurso de 1963, “Eu tenho um sonho” desempenhou papel relevante no fim da segregação jurídica dos negros americanos, bem como na criação da Lei de Direitos Civis de 1964 e da Lei de Direitos Eleitorais. King, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1964, foi assassinado em abril de 1968. A primeira das ocupações As desavenças entre os alunos e a administração da universidade a respeito dos direitos sexuais dos estudantes continuaram no mês seguinte. Em 14 de fevereiro de 1968, seiscentos alunos reuniram-se para discutir a ocupação do dormitório feminino de Nanterre. Naquela mesma noite, quatrocentos e cinquenta pessoas ocuparam o dormitório e impuseram uma norma de visitas abertas. Esta ação se repetiu em campi de outras universidades ao redor da França. Em Nanterre, a invasão resultou na proibição dessa prática por parte de seu reitor, o que acentuou ainda mais os conflitos. A partir daí, as críticas dos estudantes deixaram de ser apenas às questões sexuais e passaram a ser contra toda a forma de proibição e repressão tanto na faculdade quanto na sociedade em geral. Quando cursos magistrais foram interrompidos e professores passaram a ser contestados publicamente, ficou claro que os jovens estavam descontentes com a disciplina rígida tanto nas escolas quanto em outras instituições, queixando-se dos currículos escolares e da estrutura acadêmica conser-vadora. Daí para a crítica a todos os valores da sociedade francesa, a distância foi muito curta. 22 de março de 1968, o início da revolta Em 20 de Março, como protesto contra a Guerra do Vietnã, uma agência da American Express foi atacada por manifestantes em Paris e foi preso um aluno que pertencia ao “Comitê Vietnã”, uma entidade destinada a lutar contra a Guerra do Vietnã. Em 22 de março de 1968, como represália à prisão dois dias antes, estudantes ocuparam o edifício administrativo da Universidade de Nanterre. Daí o nome do movimento, “22 de Março”, encabeçado por Daniel Cohn-Bendit. A administração de Nanterre esperava que os feriados da Páscoa (4 a 18 de abril) apaziguassem os ânimos mas não foi o que aconteceu. Eventos fora do país, como o assassinato de Martin Luther King, Jr. 15, os tumultos que se A Sozialistische Deutsche seguiram à morte desse pastor e ativista político americano, bem S t u d e n t e n b u n d ( L i g a como o atentado à vida de Rudi Dutschke, o líder da associação A l e m ã d o s E s t u d a n t e s Socialistas) havia sido estudantil alemã Sozialistischer Deutscher Studentenbund (SDS) fundada em 1946 em 16, manteve a revolta na mente dos alunos. Hamburgo, Alemanha como um ramo do Partido Social Tanto a SDS na Europa quanto o pastor Martin Luther King, Jr. Democrata da Alemanha nos Estados Unidos simbolizavam ideias e projetos muito caros (SPD). Nos anos 50, tensões aos estudantes que estavam se insurgindo na França. entre a liga e o partido, De volta a Nanterre, depois da páscoa, os alunos do movimento principalmente em torno do “22 de Março” distribuiriam um novo panfleto no qual rearmamento do país, levou relembravam os protestos e eventos dos últimos dois semestres e o SPD a expulsar todos os reiteravam que a educação superior destinava-se a preparar os membros da SDS de suas alunos para assumirem papeis de gerência na sociedade fileiras. Depois da exclusão, burguesa. Como consequência, aulas foram comprometidas e a SDS tornou-se muito ativa, interrompidas, professores ridicularizados, enquanto se opondo-se à Guerra do escondiam bastões, barras de ferro e pedras nos dormitórios Vietnã e ao envolvimento político da Alemanha nesse masculinos e femininos. conflito, bem como ao uso De Nanterre para Sorbonne de armas nucleares. Além Em Nanterre, no dia 2 de maio, os alunos tentaram ocupar disso, pregava o avanço das novamente, como haviam feito em 22 de março, o prédio da estruturas democráticas em reitoria; desta vez para exibir um filme sobre o grupo de todas as instituições, como, ativistas negros americanos, “Panteras Negras”. Essa foi a gota por exemplo, a escola. Estilos de vida alternativos e d’água que fez o reitor fechar a Universidade. uma postura mais liberal No dia seguinte, foi convocada uma assembleia no pátio da diante de questões sexuais, o Sorbonne, organizada pela UNEF (União Nacional dos direito ao aborto e direitos Estudantes Franceses), pela JCR (Juventude Comunista iguais para as mulheres Revolucionário), pelo MAU (Mouvemant d’Action estavam na pauta de suas Universitaire) e pelo FER (Federação de Estudantes reivindicações, o que a Revolucionários) para protestar contra o fechamento da aproximava muito da parcela Faculdade de Letras de Nanterre. Também participaram dela os de estudantes franceses que militantes do movimento do “22 de março”. começou a se rebelar em Nomes como Daniel Cohn-Bendit, Jacques Sauvegeot (vice-presidente da União Nacional dos Estudantes Franceses) e Alain Geismar (secretário do Sindicato do Ensino Superior), então, 15 http://educacao.uol.com.br/biografias/martin-luther-king.jhtm 16 http://en.wikipedia.org/wiki/Sozialistischer_Deutscher_Studentenbund passaram a representar a contestação dos estudantes. Irrompe a violência Para conter as manifestações e o conflito entre estudantes de esquerda e o grupo de direita Occident 17, a polícia foi chamada por Jean Roche, o reitor da Sorbonne, recebendo autorização entrar nas instalações daquela universidade. O Occident era um violento grupo francês de extrema direita que esteve em ação entre 1964 e 1968. Fundado por Pierre Sidos em 1964, o Occident recrutou muito estudantes universitários e, apesar de ser fanaticamente anticomunista, também fazia pesadas críticas ao governo do presidente Charles De Gaulle. Após os violentos confrontos durante os tumultos de maio de 1968, Occident foi considerado um grupo violento e ilegal, sendo dissolvido pelo governo. Muitos de seus antigos membros juntaram-se a novos grupos de extrema direita como o Groupe Union Droit. Cerca de 30 ativistas de todos os grupos envolvidos foram presos. Foi o que bastou para deflagrar o confronto entre os alunos e a polícia no Quartier Latin, um bairro de Paris. Viaturas policiais foram impedidas de avançar e seus pneus foram rasgados. As autoridades responderam com gás lacrimogêneo e os estudantes revidaram com pedras e tombando veículos. Naquele três de maio, a histórica Sorbonne, a mais antiga universidade da França, foi fechada pelas autoridades, o que nunca ocorrera em 700 anos da sua existência. “Quando acontecem coisas extraordinárias na rua, é a revolução”. (Ernesto Che Guevara) Com entusiasmo, o movimento continuou a se alastrar. Passeatas estudantis, organizadas pela UNEF (Union Nationale des Étudiants de France), foram dissolvidas com violência cada vez maior pela CRS (Compagnies Republicaines de Sécurité), a polícia de choque do regime. Indignados, os jovens ergueram obstáculos nas ruas centrais de Paris que davam acesso ao famoso Quartier 17 http://en.wikipedia.org/wiki/Occident_(movement) Latin, antigo centro de ensino superior da cidade. Marcharam de Denfert Rochereau à St. Germain des Pres, exigindo a libertação dos alunos presos e a reabertura das faculdades. Ocorreram mais confrontos entre a polícia e manifestantes, novas prisões e lançamento de bombas de gás lacrimogêneo. Por sua vez, os estudantes recorreram às pedras. Numa tentativa radical de conter os tumultos, em 6 de maio, a polícia ocupou o Quartier Latin. Da universidade para as ruas O Ministro da Educação, Alain Peyrefitte, prometeu, então, a reabertura das escolas, desde que a ordem fosse restabelecida. No entanto, Cohn-Bendit, que, àquela altura já era considerado um dos principais porta-vozes dos estudantes franceses, rejeitou, em nome dos demais, interromper a contestação, uma vez que as promessas do ministro não atendiam todas as reivindicações dos revoltosos. Em 7 de maio, terça-feira, estudantes e professores marcharam pelas ruas, reivindicando que todas as ações judiciais contra os estudantes e trabalhadores interrogados, presos ou condenados durante as manifestações fossem suspensas. Exigiam ainda a retirada da polícia do Quartier Latin. No Parlamento, um dia depois, o Ministro da Educação, Alain Peyrefitte, anunciou que a Sorbonne e a Universidade de Nanterre seriam reabertas. A noite das barricadas Dez de maio viria a ser conhecido como “A noite das barricadas”, um ponto de virada para o movimento. Aquela noite veria 400 pessoas serem feridas, 500 presas, e 200 carros queimados ou vandalizados. Após passarem diante da prisão de La Santé, sendo saudados com gritos de “liberdade, liberdade” pelos condenados, estudantes tornaram a enfrentar a polícia. As autoridades bloquearam todos os pontos do Quartier Latin. Os confrontos prosseguiram pela madrugada. Para garantir uma defesa melhor e uma vantagem tática contra a polícia, os manifestantes ergueram um sistema de barricadas. As barricadas foram erguidas, empregando materiais recolhidos em canteiros de obras. Não houve apenas um estilo de barricadas. Algumas foram feitas de arames e pregos, outras empregavam objetos pontiagudos espalhados pelo chão enquanto muitas tinham gasolina jogada à sua frente. Das barricadas e dos telhados adjacentes, alunos arremessavam contra a polícia paralelepípedos, projéteis diversos e coquetéis Molotov. As autoridades respondiam com gás lacrimogêneo e granadas de concussão. A batalha de 10 de maio durou até as 5:30 da manhã, mas as consequências dos combates tiveram um alcance muito maior. A Noite das Barricadas fez a opinião pública se voltar a favor dos estudantes, com 61% julgando que suas exigências eram justificadas e 71% pedindo menos rigidez com os que haviam sido presos.18 A brutalidade da policia e o fervor demonstrado pelos jovens também convenceu a população de que os universitários estavam levando suas reivindicações a sério e não apenas brincando de revolução. Entram os trabalhadores O movimento estudantil ganhou a simpatia de muitos setores sociais. Sindicalistas, professores, funcionários, jornaleiros, comerciários, bancários, aderiram a causa estudantil, trazendo reivindicações tradicionais das lutas políticas e econômicas da França. Os estudantes, que deflagraram o processo, pareciam saber muito bem o que não queriam, mas não tinham claro o que queriam. Os novos atores recém-chegados tinham uma longa história de cobranças às elites do país. De protesto contra o autoritarismo e o anacronismo das academias, depois da Noite das Barricadas, o Movimento de Maio transformou-se, com a adesão dos operários, numa contestação política ao regime do General De Gaulle. Sobornne, então, foi reaberta e imediatamente ocupada pelos estudantes. Mais tarde, o mesmo fariam os trabalhadores com centenas de fábricas. Em 11 de maio, a Confederação Geral do Trabalho (CGT), a Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), a Federação de Educação Nacional (FEN) e a UNEF convocaram uma greve geral para dois dias depois a fim de demonstrar sua solidariedade, expressar o desejo de que a repressão terminasse e exibir seu apoio à democracia. 18 Seidman, Michael. The Imaginary Revolution: Parisian Students and Workers in 1968 (New York: Berghahn Books, 2004) O movimento muda O dia 13 de maio tornou mais evidentes as mudanças que o movimento vinha sofrendo. Uma discussão à beira da piscina agora havia se transformado numa revolta capaz de abalar o governo. Depois da manifestação de solidariedade, os sindicatos marcaram uma greve geral de 24 horas. Esta manifestação reuniu um milhão e duzentas mil pessoas. Pela primeira vez, ouviuse a palavra de ordem “governo popular”. Os novos participantes -- trabalhadores e centrais sindicais -passaram a exibir um papel maior nas revoltas que ocorreram de maio a junho. Os sindicatos tentariam, a partir de então, usar a situação em seu favor, exigindo aumentos salariais e outros benefícios. Os dias que se seguiram à Noite das Barricadas também viram um aumento exponencial na ocupação de campi universitários por estudantes. Estudantes e trabalhadores franceses unificaram seus movimentos em protesto contra as políticas trabalhista e educacional do governo do general De Gaulle. Maré de ocupações O conselho estudantil de Estrasburgo declarou sua independência num comunicado emitido às 7 da manhã de 11 de maio. Os alunos afirmavam que sua universidade havia conquistado autonomia do governo e da administração acadêmica anterior, conferindo todo o poder a uma junta de alunos e professores. Ainda naquele dia, um pequeno grupo de alunos ocupou Censier, um anexo da Sorbonne. O governo francês estava desorientado e seus principais membros como o ministro do interior Christian Fouchet, o da Justiça Louis Joxe e o da educação Alain Peyrefitte enquanto o próprio presidente De Gaulle considerava uma intervenção das forças armadas. Preocupado com os acontecimentos, o primeiro-ministro, Georges Pompidou, que estava em visita oficial ao Afeganistão voltou às pressas ao país em 13 de maio e tentou tirar o governo da inércia em que parecia estar. Suas primeiras medidas foram pacificadoras e simpáticas aos manifestantes: libertou os estudantes presos, retirou a polícia do interior da Sorbonne,19 reabriu o campus dessa universidade e preparou as negociações com os revoltosos. No entanto, naquele mesmo dia, um grupo maior do que o de 11 de maio, 19 http://www.media68.net/eng/france/france.htm com quase 500 estudantes, invadiu e ocupou toda a Sorbonne. À noite, os alunos estabeleceram uma assembleia geral na qual votaram e discutiram ações a serem tomadas. Já na primeira noite da ocupação, os alunos produziram dois comunicados para o público geral. O primeiro declarava sua autonomia como uma universidade do povo, “aberta noite dia para todos os trabalhadores”. Em seu segundo comunicado, declararam sua intenção de gerir a universidade por meio de “comitês constituídos por trabalhadores, estudantes e professores.” O poder da espontaneidade Desde a construção das barricadas e ao longo da ocupação das universidades, as ações dos alunos e outros setores revelaram a vantagem e a força da espontaneidade. Em 20 de maio, numa entrevista concedida a Jean-Paul Sartre, Cohn-Bendit enfatizou a importância da espontaneidade. Ele acreditava que a vitalidade do movimento emergia não das sugestões de um determinado grupo, mas da espontaneidade da base.20 Indagado por Sartre sobre o fato de os estudantes não tentarem elaborar um programa ou dar mais estrutura ao movimento, Cohn-Bendit explicou que “[...] a força de nosso movimento é precisamente que ele seja baseado numa espontaneidade ‘incontrolável’, que tenha ímpeto sem tentar canalizá-lo ou use a ação que deflagrou para lucro próprio. Há claramente duas soluções abertas para nós hoje. A primeira seria reunir meia dúzia de pessoas com experiência política, pedir a elas que formulem algumas demandas imediatas convincentes e dizer ‘Aqui está a posição do movimento estudantil, façam o que quiserem com ela’. Essa é uma péssima solução. A segunda é tentar compreender a situação dos alunos não inteiramente […], mas de um grande número deles. […] A única chance do movimento é a desordem que permite que homens falem livremente e que pode resultar numa forma de auto-organização.” Se o movimento tivesse se organizado de uma tradicional, dizia o líder estudantil, o governo saberia como lidar com os manifestantes. A desordem e a espontaneidade permitiram que as pessoas falassem livremente, o que garantiu a auto-organização dos agrupamentos. Agora as fábricas Em 14 de maio, chega à Sobornne a notícia da primeira ocupação de uma fábrica. 20 http://personal.ashland.edu/~jmoser1/cohnbendit.htm Os operários da indústria aeronáutica Sud-Aviation de Nantes sequestraram seu diretor e ocuparam as dependências da fábrica. De algumas centenas de grevistas na Sud-Aviation, as greves se alastraram rapidamente: 2 milhões de grevistas em 18 de maio, 9 milhões em 24 de maio, chegando a quase 10 milhões no dia 26. Mais uma evidência da espontaneidade do Maio de 1968: Dos 15 milhões de trabalhadores franceses naquela época, apenas cerca de 20% eram sindicalizados, o que sugere uma influência modesta das entidades de trabalhadores na disseminação das greves. A greve geral Em 15 de Maio, os operários da Renault decretaram uma greve e ocuparam as instalações da fábrica em Cléon e em Flins. O movimento, então, se estendeu rapidamente para as demais províncias. Na sexta-feira, 17 de maio, o transporte público encontrava-se seriamente comprometido e as ferrovias estavam paralisadas. Em 19 de maio, a transmissão da rede de televisão ORTF passa a ser controlada pelos jornalistas e técnicos. Na segunda-feira, 20, a maior parte dos setores industriais tinham sido afetados. Estivadores ocuparam o porto de Marselha. As balsas que operavam em grandes cidades foram paralisadas e turistas começara a fazer fila para tomar ônibus ou lotações para Bruxelas, Genebra e Barcelona Em 22 de maio, a greve tornou-se geral: Nove milhões de trabalhadores ocuparam suas fábricas, oficinas e escritórios, sem que uma declaração de “greve geral” tivesse sido emitida. Saques de dinheiro em bancos foram limitados a 500 francos para evitar uma corrida as caixas diante do temor de uma greve no Banco da França. Postos de gasolina foram desabastecidos quando as pessoas começaram a estocar combustível.21 Paris, de pernas para o ar O centro de Paris, com o calçamento revirado, vidraças partidas, postes caídos e carros incendiados, assumiu ares de bairro rebelado, dilacerado pelas sucessivas batalhas entre pedras e cassetetes. No alto das casas e dos prédios tremulavam bandeiras negras dos anarquistas, 21 http://flag.blackened.net/revolt/ws93/paris39.html lembrando os tempos da Comuna de 1871. As centrais elétricas e de telefones haviam sido bloqueadas. Paris amanhece sem metrô, ônibus, telefones e outros serviços. Cerca de seis milhões de grevistas ocupam as 300 fábricas da França. Sobornne agora era palco de manifestações por uma política de libertação, e frases como “É proibido proibir”, “Abaixo a universidade” e “Abaixo a sociedade de consumo” pairavam em cartazes pelas paredes e serviam de slogans. Em 21 de Maio, a greve já envolvia cerca de 7 milhões de trabalhadores. O filósofo e escritor Jean-Paul Sartre falou aos estudantes na Sorbonne. Os teatros de Paris foram ocupados. A imagem simpática de Sartre era simpática aos alunos, uma vez que, quatro anos antes, ele recusara o Prêmio Nobel de literatura como forma de protesto contra os valores da sociedade burguesa. Pouco antes da meia-noite daquele dia, o primeiro-ministro da França, Pompidou, passou por cima do ministro do Interior e do ministro da Educação e emitiu ordens ao Poder Judiciário. Determinou que fosse retirada a polícia do Quartier Latin, e que a lei “reconsideraria” o caso dos estudantes presos na semana anterior. Para os estudantes, e para muitos outros, era a prova viva da eficiência da ação direita. As concessões tinham sido conquistadas por meio de luta. Em 22 de Maio, as autoridades privaram Daniel Cohn-Bendit o visto para permanência na França. O Acordo de Grenelle Foi em meio à greve geral e a ocupação das fábricas entre os dias 15 e 27 de maio, que as direções sindicais, pegas de surpresa, tentaram tomar o controle do movimento e costurar o chamado “Acordos de Grenelle”. Tratava-se de um acordo entre o governo e o patronato por um lado, os operários de outro. Em 25 de maio, representantes das federações do trabalho reuniram-se com representantes dos patrões e do governo. Chegou-se a uma proposta, em 27 de maio, que previa o aumento do salário mínimo, redução do horário de trabalho e diminuição da idade da aposentadoria. No entanto, A maioria dos trabalhadores rejeitou os acordos e a greve se consolidou. Subitamente, os 10 milhões de operários em greve tornaram-se um embaraço maior para os dirigentes comunistas do que para o governo. O movimento tornava-se abertamente político, sem o controle das forças tradicionais. Liderados por Daniel Cohn-Bendit (Dany le rouge), apelidado também de Lenin de Nanterre, Alan Geismar, Jacques Sauvageot e Alain Krivine, que compunham a linha dura do enfrentamento, os manifestantes colocaram em xeque os pelotões do prefeito da polícia Maurice Grimaud, o xerife do regime gaullista. Marcuse considerava a tecnologia uma tecnologia uma forma de repressão. Segundo ele, mesmo em sociedades democráticas, técnicas de manipulação e controle de massa permitem um policiamento mais eficiente sobre os cidadãos. Ao gosto dos manifestantes de maio de 68, o filósofo alemão pregava que a emancipação das massas dependia não só do movimento político, mas também de uma mudança de comportamento, inclusive ético-sexual. Para tanto, defendia a “dessublimação controlada”, uma libertação “da sexualidade e da Distanciando-se do marxismo "oficial", de matriz stalinista, referendado pelos soviéticos e pelo PC francês, muitos deles trataram de ressuscitar pensadores marxistas críticos, que haviam desaparecido do cenário intelectual das esquerdas, tais como Rosa Luxemburgo, Karl Korsch, Antonio Gramsci, o jovem Lukács, bem como os intelectuais da Escola de Frankfurt, dos quais Herbert Marcuse era o mais ativo.22 De Gaulle, em 29 de maio, chegou a viajar secretamente para a base francesa em BadenBaden, na Alemanha, a fim de obter apoio do general Massu para uma possível intervenção militar. Enquanto isso delegados governamentais continuavam a negociar em Grenelle com os sindicatos uma série de melhorias e compensações para retirar os trabalhadores da greve e afastá-los dos jovens radicais. George Marchais, líder do partido comunista, chegou a declarar que "esses falsos revolucionários precisam ser denunciados”, ao que Jean Paul Sartre e vários outros intelectuais de esquerda retrucaram: "os comunistas temem a revolução." Em 30 de maio, o General De Gaulle voltou e pronunciou um discurso vigoroso onde estigmatizava aqueles que não deixavam os “estudantes estudarem” e denunciou o perigo comunista. Ele dissolveu a assembleia nacional e anunciou eleições antecipadas para junho, recusando-se a se demitir. Recuperando-se do imobilismo, o velho estadista propôs uma solução eleitoral para superar os embaraços criados pela revolta estudantil. 22 http://www.memorial.rs.gov.br/cadernos/1968.pdf A partir desse momento, a política da esquerda tradicional e a do PC empenharam em terminar a greve, restabelecer ordem para preparar “um desenrolar normal das eleições”. Os movimentos estudantis protestaram veementemente aos gritos de “eleição traição”. A favor de De Gaulle Enquanto o movimento perdia a força, uma manifestação pró-gaullista, a primeira desde que começaram os protestos, aconteceu nos Champs Elysées em favor do restauro da ordem. Por precaução, De Gaulle ordenou que a Segunda Divisão de Infantaria, aquartelada nas proximidades de Paris, aguardasse o momento de intervir, secundada pelas tropas a serem enviadas pelo general Massu da Alemanha, caso uma solução pacífica não fosse alcançada. Disse na televisão que o seguissem ou que o demitissem, alertando aos cidadãos que provavelmente um governo de inclinação comunista era capaz de sucedê-lo. Aquelas alturas, passados mais de trinta dias de agitação e desordens, de descomunais enfrentamentos entre os jovens e a polícia, a sociedade francesa desejava o retorno da normalidade. Em todas as grandes cidades do país, ocorreram enormes manifestações de apoio a De Gaulle. A Comuna Estudantil então recuou frente ao anseio por ordem representado pelo general. A partir de 31 de maio, o movimento grevista foi lentamente demolido. Setores da indústria propuseram negociações, sendo alcançados acordos parciais. Os sindicatos, por sua vez, encorajaram um rápido retorno ao trabalha. Por volta de 11 de junho, os setores mais “duros” do movimento (metalurgia, indústrias automobilística e química) haviam sido isolados. Partidos e sindicatos começavam a pressionar para que fosse restabelecida a ordem antes das eleições. Vitória com sabor de derrota Nas eleições de 23 e 30 de junho, os gaullistas obtiveram uma significativa vitória, ocupando 358 dos 487 assentos da Assembleia Nacional, isto é 73% deles. A partir de então, massacrado pelas urnas, o movimento refluiu. A tormenta passara, mas o presidente, enfraquecido com aqueles tumultos todos renunciou em 27 de abril de 1969, depois de ter chefiado a V República por dez anos. Conclusão – É uma revolta? – Não, Majestade, é uma revolução! Diálogo entre Luís XVI e o Duque de Liancourt, depois do assalto à Bastilha em 14 de Julho de 1789 “O que mudou, o que se movimentou foi a juventude, com a vontade de não se encerrar em partidos fechados. Não rejeitar os partidos, mas tirar de cada um ou de cada ideologia um pequeno elemento que serve e que se mistura com o resto. [...] O que mudou foi o comportamento dos homens. Primeiro nas relações entre eles, nas suas relações com suas mulheres, com seus filhos. Em termos econômicos, outra relação mudou. Perdemos os comportamentos clássicos que traçavam a posição dos homens.” Houve muitos protestos em 1968, mas foi em Paris que a onda de choque se mostrou mais intensa. Foram meses de violência diária nas ruas, o que tomou de surpresa todas as pessoas, mesmo as que estavam se insurgindo em praça pública. Nas semanas de maior agitação, uma greve geral paralisou a França que teve de enfrentar escassez de combustíveis e outros suprimentos. Apesar de seus aspectos violentos, o Maio de 68 teve o efeito positivo de fazer a sociedade francesa se abrir. Foram acontecimentos cuja importância deixaram marcas na história mundial. Estudantes, trabalhadores, empresários e políticos tiveram de rever suas próprias concepções de mundo. A sociedade francesa, até então caracterizada por um viés patriarcal e conservador, viu, em poucos dias, valores e princípios aparentemente sólidos se desmancharem nas barricadas de Paris. Mas, não só a terra governada por Charles De Gaulle sentiu os tremores daquele movimento que começou como uma revolta estudantil. Suas ondas ultrapassaram todas as fronteiras do ocidente e se fizeram sentir nas décadas que se seguiram. Muitas das mudanças evidenciadas nos últimos quarenta anos já estavam presentes nas palavras de ordem daqueles que tomaram a Cidade Luz. O cotidiano das pessoas se inovou, quer seja no relacionamento interpessoal, na visão do mundo, nas preferências e nas aversões. O rumo que tomaram empresas – novas ou antigas –, o comportamento da imprensa e a metodologia de ensino ecoam até os dias de hoje a ânsia de mudança daqueles dias. No clima cultural do pós-1968, surgiram novas formas de sensibilidade e de rejeição aos padrões culturais dominantes e às normas autoritárias da sociedade industrial. Os modos de adesão a partidos ou outras organizações foram revistos, inclusive no seio da militância política e sindical. A própria noção de militância chegou a ser questionada e entrou em declínio, especialmente a partir de 1970. Mas Isso não ocorreu apenas no plano da política tradicional. A vida cotidiana e a cultural também teve seus alicerces reposicionados. “Antes de 1968, a divisão do trabalho, sua fragmentação, as operações cronométricas da vida cotidiana, o estatuto das mulheres, dos jovens, dos marginais, da vida urbana, da sexualidade – tudo isso parecia fazer parte da natureza da sociedade, de forma tão evidente quanto as nuvens e as montanhas fazem parte da natureza física. Mas, nos anos 1970, é colocada em questão, frequentemente de maneira difusa e às vezes de forma virulenta, tudo que antes não constituía problema. Assim, as aspirações femininas, as ideias ecológicas, o neorregionalismo, o neoarcaísmo, o desejo de viver for dos ritmos artificiais da cidade, da fábrica, do escritório, a comunidade, a autogestão – tudo isso faz parte doravante de nossa problemática dos anos de 1970” No mundo das artes, 1968 deixou de herança algo nunca visto. Após tantas manifestações em praça pública, não é de se estranhar que o teatro de rua tenha se tornado uma atividade valorizada. Influenciado pelo espírito daquele ano, o cinema passou a abordar temas políticos, situações de países do Terceiro Mundo, crise cultural e psicológica. Foi forte também a incidência na área musical. Antes tido como alienante e tropa de choque da indústria cultural capitalista, o Rock passou a ser visto como uma manifestação mais engajada, capaz de transmitir novas formas de protesto e estilos de vida. Criou-se espaço para uma ação cultural nas instituições. Surgiram elementos de estética e uma contracultura favorável à visão ecológica. A crítica ao mundo industrial formou uma base de pensamento que se desdobrou nos movimentos ecológicos ou partidos verdes. A velha ideia de autogestão, formulada inicialmente por anarquistas, ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitação como proposta de gestão de empresas ou cooperativas e, também, no campo das práticas educacionais, na investigação social, na formulação de reivindicações e na conduta de movimentos grevistas. Há, porém, quem não concorde que o Maio de 68 tenha acelerado um processo de mudanças que já estava em pleno andamento. Para o jornalista e filósofo Regis Debray, não houve revolução. Em seu entendimento, foi apenas uma ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidação do capitalismo e a adesão da juventude ao modo de consumo e de vida americanos. Porém, se não considerarmos revolucionário o Maio de 68, como explicar a maneira simultânea com que ocorreram focos de revolta na Europa e na América, “Sob a influência dos estudantes revolucionários, milhares de pessoas começaram a questionar todo o princípio hierárquico. Os estudantes o questionaram onde ele parecia ser mais ‘natural’: nos domínios do ensino e do saber. Afirmaram que a autogestão democrática era possível – e para provar, começaram eles mesmos a pô-la em prática. Denunciaram o monopólio da informação e produziram milhões de panfletos para rompê-lo.” levando Zuenir Ventura chamar 1968 de o “ano que não acabou”? Como entender que 1968 tenha assistido a revoltas no mundo todo? De que outra maneira, na Europa, o Maio de 1968 Francês poderia ser o símbolo de uma contestação que se espalhou por vários países? Não houve orquestração alguma. As manifestações “1968 cristalizou todos os problemas da sociedade no período de algumas semanas.” espírito de descontentamento estivesse impregnando o Michel Winock planeta. aconteceram espontaneamente, como se o mesmo Na Espanha, protestos estudantis provocaram a queda do Ministro da Educação e levaram a polícia a reprimir violentamente alunos e operários que tentavam ocupar a Universidade de Madri, fechada pelo governo de Franco. Na Itália, três mil estudantes tomaram a sede do jornal Corriere dela Serra e um milhão de trabalhadores entraram em greve. No Reino Unido, foram três milhões. Como em outros países, a Universidade de Louvain, na Bélgica foi fechada após uma semana de conflitos. Bonn, na Alemanha Ocidental, viu sua universidade ser ocupada e, em Berlim Ocidental, quatro mil estudantes fizeram passeata. Atrás da Cortina de Ferro, vinte mil alunos iugoslavos ameaçaram ocupar as universidades do país, enquanto, na Polônia, estudantes protestaram contra o regime socialista e viram a Universidade de Varsóvia também ser fechada. Mas, no bloco soviético, nada foi tão emblemático quanto o programa de reformas políticas tchecoslovacas conhecido como a “O Maio de 68 foi uma ‘brecha histórica’ e um acontecimento extraordinário, pois colocou em suspenso uma sociedade que se pensava de maneira orgânica e sem fissuras; ensinou que uma revolução não nasce apenas sob o efeito de um conflito interno entre opressores e oprimidos, ‘mas advém no momento em que”, diz Lefort, “se apaga a transcendência do poder, no momento em que se anula sua eficácia simbólica.” Olgaria Matos Primavera de Praga ou a queima de bandeiras da URSS por estudantes nas ruas de Bratislava. O continente americano também não escapou às convulsões sociais. Em nosso país, a Universidade de Brasília foi invadida por estudantes e depois ocupada pela polícia. No rio, a Passeata dos Cem mil reuniu alunos, intelectuais, artistas e representantes da sociedade civil. Em São Paulo, na R. Maria Antônia, alunos da Universidade Mackenzie e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da USP se confrontaram. Na Argentina, estudantes decretaram greve contra a política educacional do país. O governo uruguaio decretou estado de sítio após choques violentos de alunos e operários com a polícia. Na Colômbia, estudantes ocuparam a universidade de Bogotá enquanto, no México, cerca de 300 mil pessoas realizam manifestação em apoio à revolta estudantil. Em Nova York, cinco edifícios da Universidade de Columbia foram ocupados poucos dias antes de 60 mil manifestantes exigirem, no Central Park, o fim da Guerra do Vietnã. De acordo com Norberto Bobbio, “a Revolução se distingue da revolta, porque esta se limita geralmente a uma área geográfica circunscrita, é, o mais das vezes, isenta de motivações ideológicas, não propõe a subversão total da ordem “Se em 1968, a velha sociedade constituída, mas o retorno dos princípios originários que não morreu, ou melhor, se a nova regulavam as relações entre autoridades políticas e os não chegou a nascer, ela não cidadãos, e visa à satisfação imediata das reivindicações deixa de ser uma ‘grande e políticas e econômicas”. generosa explosão revolucionária’. Jacques Baynac chega mesmo a dizer que, se não tomou o poder, foi porque a noite das barricadas deixou de ser dominante: ‘ela foi aos poucos sendo submergida pela estratégia tradicional das revoluções do capital, estratégias de conquista do território, de conquista do poder (…), estratégias fundadas sobre a penúria (…) e de que o leninismo é o arquétipo’.” Com base nessa definição, há quem defenda que o Maio de 68 foi uma revolta e não uma revolução. Afinal, as motivações ideológicas do movimento nunca ficaram muito claras e, após toda a turbulência, De Gaulle reassumiu o poder e convocou eleições, vencidas por seus correligionários. Porém, se considerarmos os movimentos ao redor do mundo, Maio de 68 não foi limitado a uma área geográfica circunscrita. Além disso, à luz dos últimos quarenta e cinco anos, não houve verdadeiramente um retorno dos princípios originários que regulavam as relações entre autoridades políticas e cidadãos. E Antônio Houaiss oferece uma definição mais abrangente de revolução quando diz que ela é uma "grande transformação, mudança sensível de qualquer natureza, seja de modo progressivo, contínuo, seja de maneira repentina. Assim sendo, o tempo de uma revolução não se limita a poucos dias ou meses e seus efeitos se fazem sentir por anos ou décadas. Sob essa perspectiva, então, Maio de 68 preenche requisitos que não o deixam classificá-lo como revolta. Seu início, é verdade, teriam sido algumas semanas turbulentas numa primavera francesa no fim dos anos 1960, mas as modificações estruturais que vieram no seu rastro perduram até hoje. Referências bibliográficas Livros: Maio de 68/ organização Sergio Cohn e Heyk Pimenta–Rio de Janeiro : Beco do Azogue, 2008. Paris: Maio de 68/ Solidarity; [tradução Leo Vinicius].–São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2008. –(Coleção baderna) Paris 1968, As barricadas do desejo/ Olgaria C. F. 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